100 anos do Carf, o desconhecido do tributário

O Carf completou 100 anos em 14 de setembro de 2025. Do primeiro Conselho de Contribuintes do Imposto de Renda no Distrito Federal até a versão atual instalada em 2009, é este colegiado o responsável pela interpretação técnica da legislação tributária brasileira.

A entrada no segundo século brindou o conselho com uma nova sede, menor e mais funcional. “O prédio antigo é de uma época em que tínhamos muitos processos em papel”, diz o presidente do órgão, Carlos Higino Ribeiro de Alencar. “O novo espaço é mais adequado às questões do Carf.”

O conselho mexeu, também, no seu regimento interno, ampliou o número de turmas ordinárias e conselheiros e planeja lançar uma solução de inteligência artificial para auxiliar no julgamento dos 73 mil recursos em tramitação, que totalizam R$ 1 trilhão em disputa.

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O Carf é dividido em três seções: a primeira trata principalmente de rendimentos da pessoa jurídica; a segunda analisa rendimentos de pessoas físicas; e a terceira trata de tributos sobre a receita, industrialização e atividade aduaneira. A mudança regimental de 2025 aumentou o número de turmas ordinárias, de 15 para 24, e reduziu as extraordinárias, de 15 para seis. Desde 1931, a estrutura do Conselho é paritária, com igual número de conselheiros representantes da Fazenda Nacional e dos contribuintes. Em caso de empate, o presidente, sempre um representante da Fazenda, dá o voto de qualidade.

No dia a dia das turmas, estão temas de repercussão na sociedade: fusões, como as que ocorreram no setor bancário nos anos 2000, já foram quase todas analisadas pelo Carf; a contratação de embarcações para a exploração de petróleo levou a Petrobras a ser uma das maiores litigantes na casa; e se o Sonho de Valsa tem aparência diferente hoje da que tinha em sua infância, em parte é por decisão do Carf que não o definiu como um bombom para fins de recolhimento do IPI.

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Na contabilidade do acervo de processos em tramitação, tão importante quanto o número de ações (que caiu 50% em cinco anos) é o valor em disputa – em fevereiro de 2024 este valor atingiu um pico de R$ 1,188 trilhão.

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O volume do estoque está duas vezes maior do que em 2020. Nos últimos anos uma combinação de fatores internos (greves e mudanças de turma) e externos (a pandemia) acabou por represar casos de grande valor. De acordo com o próprio Carf, apenas 156 processos concentram R$ 478 bilhões em disputa tributária, enquanto 65 mil (91% do total) têm valor de até R$ 15 milhões.

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A corte sofre com a inconstância da sua composição, que impede a sua perfeita operação. Pelo regimento interno, a troca de um membro resulta em uma nova relatoria, assim como novas sustentações orais das partes. “A turma ideal é aquela que consegue resolver casos de pequena complexidade rapidamente e que dedica mais tempo a casos de maior complexidade”, diz Carlos Augusto Daniel Neto, sócio da Daniel, Diniz e Branco Advocacia Tributária e Aduaneira e ex-conselheiro do Carf. “Com as mudanças de composição e de direção, e com as paralisações, perde-se muito tempo com casos grandes e não se julgam casos menores.”

Para o advogado Wesley Rocha, conselheiro do Carf por oito anos, a morosidade nem sempre é defeito. “Quando há mais julgadores debatendo, irá demorar mais para julgar o processo. Mas essa demora não pode ser vista como prejudicial.”

Em entrevista ao Anuário da Justiça, o presidente Carlos Higino aponta três causas para o aumento do valor do estoque: a greve dos auditores fiscais, que paralisou parte dos julgamentos por meses; a impossibilidade de julgamentos presenciais na pandemia; e as sucessivas mudanças na aplicação do voto de qualidade em quatro anos.

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Por isso, Carlos Higino se vale de uma terceira métrica que, em sua visão, é a mais relevante: fluxo. “A legislação determina que cada recurso deve ser julgado em até 360 dias”, diz. “Já alcançamos essa média na Câmara Superior, onde um caso leva 330 dias para ser julgado. Nosso grande desafio está nas turmas ordinárias, onde o prazo é de três anos. Se houver um estoque de R$ 1 trilhão, mas que gire rápido, estaremos cumprindo a lei e nossa função.”

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A litigância no Carf é vista como estratégica e positiva para os contribuintes. A corte não obriga ao pagamento de honorários de sucumbência, os custos processuais são pequenos e não envolvem depósito judicial da causa. Se a empresa ganha, o direito é garantido; se perde, pode optar pela disputa na Justiça Federal, valendo-se do arcabouço técnico da discussão ali travado, com votos favoráveis à sua visão.

Em 2024, pela primeira vez em quatro anos, o número de decisões pró-contribuinte superaram as decisões pró-Fazenda no Carf.

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