A Justiça do Trabalho como instrumento de equilíbrio das relações econômicas e sociais

Avançar para uma cultura de precedentes é um dos principais esforços da nova gestão da presidência do TST

Com alguma frequência, ressurgem críticas ao direito social e ao ramo judiciário especializado no julgamento dos correspondentes conflitos, a Justiça do Trabalho. Tais críticas, todavia, fazem parte do esperado debate, salutar em uma sociedade democrática e plural, onde exista a livre circulação de ideias e pontos de vista – especialmente considerando que o Direito do Trabalho surgiu para justamente regular um dos mais complexos conflitos do mundo moderno. 

O fim do século XIX e a primeira metade do século XX viram intensa mudança evolução social, períodos nos quais, em praticamente todos os países ocidentais, houve o fortalecimento do Direito do Trabalho, ramo de legislação social destinado a equilibrar as relações econômicas, produtivas e sociais, a fim de reduzir conflitos e formar uma sociedade mais equânime e próspera. Por sua vez, a elevação social de um grande segmento da população, dignificada em seus empregos, contribuiu significativamente para a ampliação de uma classe consumidora e, consequentemente, para o boom de crescimento econômico ligado ao chamado “American dream”, nos Estados Unidos, ou ao “Estado do Bem-Estar Social”, na Europa ocidental – abandonando-se o individualismo estrito do século XIX (laissez faire), em prol de uma regulação estatal mais presente. 

No Brasil, embora sem o mesmo nível de pujança dos países mais ricos, é inegável que a regulação do trabalho contribuiu significativamente para a solidificação de uma classe média e de um sólido mercado consumidor interno, levando o país, de um mero exportador de monoculturas, nos anos 40, à condição de uma diversificada potência econômica regional, a oitava economia mundial, com períodos de pleno emprego em vários momentos de nossa história recente.

Nestes mais de oitenta anos de existência, a Justiça do Trabalho tem sido parceira do desenvolvimento nacional, resolvendo de forma célere e eficiente os conflitos decorrentes das relações de trabalho, inclusive com a maior taxa de conciliação do Judiciário Brasileiro, cerca de 40%. 

Por outro lado, mesmo diante de grandes alterações legislativas, como a Reforma Trabalhista de 2017 (Lei nº 13.467), a Justiça do Trabalho conseguiu se adaptar rapidamente aos novos regramentos, passando a dirimir as diversas dúvidas que naturalmente surgem com a edição de novas leis. A jurisprudência tem este papel de pacificar as interpretações divergentes quanto às leis, demandando um tempo de maturação dos respectivos entendimentos. Passados quase sete anos de aplicação da reforma trabalhista, as matérias submetidas à apreciação da Justiça do Trabalho já se encontram, em grande parte, consolidadas na jurisprudência.

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Os juízes brasileiros, em especial os da Justiça do Trabalho, são cientes de suas responsabilidades dentre os Poderes da República, incumbindo-lhes interpretar as escolhas feitas pelo legislador e pelo constituinte, adaptando-as à complexidade das inúmeras situações que surgem. As normas que abstratamente resultam do processo legislativo acabam necessitando de interpretação, a fim de que possam ser aplicadas à solução dos litígios. É esta a diuturna atividade do juiz, examinando os casos concretos à vista do conjunto da legislação, assim como interpretando as leis à vista da Constituição. 

Milhares de causas são julgadas diariamente envolvendo tanto os temas recorrentes e pacificados, quanto temas novos e mais controvertidos. Empregados e empregadores buscam a Justiça do Trabalho para obter uma resposta sobre inúmeros temas. Quando há fraude, descumprimento da legislação trabalhista, ou mesmo o desejo de homologar um acordo na Justiça do Trabalho, qualquer cidadão ou empresa possui amplo acesso à justiça para reivindicar seus direitos. Diversas temáticas já foram pacificadas, havendo, no entanto, outras para as quais ainda inexiste uma resposta clara na legislação, ou sob a forma de precedentes vinculantes. 

Por exemplo, na contratação de empresas terceirizadas por entes públicos, pendia definir a quem incumbe o ônus de comprovar eventual falha na fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas – o que está pautado pelo STF para julgamento ainda em novembro e trará maior segurança jurídica (Tema 1.118 da Repercussão Geral). Outro exemplo é a prevalência de normas negociadas sobre direitos previstos em lei (ou “negociado sobre o legislado”). No ano passado, o STF definiu que a Constituição permite tal negociação, mas ressalvou os direitos absolutamente indisponíveis. Contudo, diante das inúmeras situações em que os direitos envolvidos podem ser relativamente ou absolutamente indisponíveis, antevê-se que a jurisprudência levará alguns anos para sedimentar tais categorias. De nenhuma forma isto significa o descumprimento de precedentes, denotando apenas a natural acomodação da jurisprudência quanto às situações ainda não diretamente resolvidas em julgamentos vinculantes anteriores. 

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Já quanto a outra polêmica frequente – a chamada “Pejotização”, ou prestação pessoal de serviços através de uma pessoa jurídica (“PJ”, daí o neologismo) – as decisões trabalhistas nada têm oposto às formas verdadeiramente autônomas de prestação de serviços através de pessoas jurídicas unipessoais. Todavia, ainda inexiste uma orientação uníssona, do ponto de vista constitucional, especificamente sobre o tratamento das situações comprovadas de fraude, encobrindo verdadeira situação de emprego subordinado.

Por outro lado, veja-se que a análise dos impactos econômicos da regulação do mercado e das relações de trabalho não compete ao Poder Judiciário – mas à atuação do Poder Legislativo ou à criação de políticas públicas pelo Executivo. Cabe ao Poder Judiciário, isto sim, diante das dúvidas surgidas, concretizar a aplicação das escolhas efetuadas pelo legislador e pelo constituinte, quando da resolução dos conflitos que lhe são submetidos. 

Ainda, outro debate recorrente é o impacto econômico da Justiça do Trabalho e o custo das ações trabalhistas. No entanto, é necessário formular as perguntas corretas: 

  • Qual é o custo, para o país e para seus cidadãos, de ambientes de trabalho inseguros que causam mortes, amputações e doenças, onerando as famílias, assim com a Previdência Social?
  • Qual é o custo da informalidade ou da ocultação de relações de emprego, onerando os cofres públicos quanto à evasão de impostos e de contribuições previdenciárias, causando uma “Bomba Fiscal” (como tem referido o ministro Flávio Dino) – considerando o desamparo desses trabalhadores na velhice e os decorrentes custos em benefícios assistenciais?
  • Qual o custo, para os cidadãos brasileiros e suas famílias, quando não recebem o pagamento de salários e outros direitos, ou que não recebem seus valores rescisórios no momento em que, demitidos, perdem sua fonte de subsistência?

É nesse contexto que a Justiça do Trabalho, ao zelar pela aplicação das escolhas do legislador, acaba gerando um valor agregado incalculável para o país, já que, junto com os demais ramos do Poder Judiciário, obriga ao cumprimento das regras do jogo, sem as quais, a sociedade entraria em convulsão. Por outro lado, ao compelir o pagamento de direitos que foram sonegados, retorna tais valores na economia, com efeitos que vão muito além do credor trabalhista, além de arrecadar anualmente R$ 6 bilhões para a União, entre impostos, custas e contribuições previdenciárias.

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Finalmente, quanto ao debate relativo à segurança jurídica e necessária coerência entre as decisões judiciais, o sistema brasileiro já se encontra bastante avançado, em relação aos demais países da chamada tradição jurídica romano-germânica, na implantação de um sistema de precedentes vinculantes. Aliás, avançar para uma cultura de precedentes é um dos principais esforços desta Gestão da Presidência do TST. Ao se firmarem precedentes, a natural variabilidade de entendimentos judiciais, decorrente das lacunas da lei, fica reduzida por orientações vinculantes, principalmente aquelas emanadas dos Tribunais Superiores. A existência de precedentes faz avançar a segurança jurídica, já que propicia um norte para os casos de lacunas, ambiguidades ou conflitos da legislação, aumentando a previsibilidade das decisões judiciais e criando um ambiente mais seguro para o crescimento econômico.

Em tal contexto, eventuais divergências de decisões, em uma fase de amadurecimento ou sedimentação da jurisprudência em questões novas, não importam em ativismo judicial. São naturais e contribuem para enriquecer tais debates iniciais, visando à formação de precedentes sólidos e amadurecidos. O juiz interpreta a lei. Eventuais decisões isoladas, que discrepam do senso comum ou da jurisprudência majoritária, acabam sendo reformadas através do próprio sistema recursal, previsto na legislação. A cultura de precedentes qualificados orienta todo o Poder Judiciário a interpretar a lei segundo os precedentes criados.

A Justiça do Trabalho, através de seus juízes e tribunais, está pronta para atender aos cidadãos, garantindo o exame cuidadoso dos conflitos, com isonomia, estabilidade e segurança jurídica, concentrando esforços em dirimir os litígios trabalhistas, propiciando um atendimento célere, justo e eficiente ao jurisdicionado brasileiro, a promover, sem dúvida, a paz social.

Fonte: Jota