Falência é ineficiente, mas não há consenso para desburocratizá-la

Tramita no Senado Federal o Projeto de Lei 3/2024, de autoria do Poder Executivo, que altera novamente a Lei de Recuperação Judicial e Falência (Lei 11.101/2005). Aprovado em regime de urgência na Câmara dos Deputados, em março de 2024, visa a aprimorar o processo de falência. O texto permite que os credores tenham mais participação em decisões importantes, como a aprovação de um plano de falências e a nomeação de um gestor fiduciário, responsável por administrar a venda de bens e dívidas da empresa, no lugar do atual administrador judicial, figura que costuma chamar a atenção pelas altas remunerações e pela forma de escolha pelo juiz.

Num esforço para apresentar medidas que alavanquem a economia, o Ministério da Fazenda convidou os juristas Daniel Carnio CostaEduardo Secchi MuñozPedro Teixeira e Filipe Aguiar para elaborar um anteprojeto de lei que solucionasse os problemas da falência, já que a reforma da Lei 11.101 em 2020 focou mais na recuperação judicial. O consenso foi de que a falência demora muito e os credores recebem pouco. “Há indicadores de que o Brasil é um dos países que menos recupera crédito no sistema falimentar”, explica Carnio.

Os estudiosos chegaram à conclusão de que o que atrapalha é o excesso de burocarcia. Cada passo no processo de falência pressupõe uma prévia decisão judicial. E cada decisão judicial pressupõe a oitiva prévia de todos no processo — credor, devedor, administrador, Ministério Público. Até que surja uma decisão de fato do juiz, três anos se passaram para fazer a venda de um bem da massa falida, que já se deteriorou e perdeu valor.

A ideia então foi fazer com que a falência funcionasse mais ou menos como funciona a recuperação judicial. Na Câmara dos Deputados foram apresentados sete substitutivos ao texto original que transformaram o PL 3 em algo mais amplo e diferente do texto original. Além de desfigurado, foi colocado em regime de urgência, aprovado e encaminhado ao Senado, onde se encontra, já sem o regime de urgência. A tendência é de que o caminho até a aprovação seja mais lento.

Leia também:  Projeto que tem dois donos morre de fome? Uma análise da iniciativa parlamentar

A proposta do Executivo ocorre três anos após uma grande mudança na lei falimentar, justificada, dentre outros termos, por mais presteza na recuperação de ativos, assim como pelo crescimento no número de empresas que encerraram as atividades em 2023. Houve aumento de 8% em relação ao ano de 2022, de acordo com levantamento do Serasa Experian. Os pedidos de falência, entretanto, subiram 40% em um ano.

A forma açodada e desvirtuada como o PL passou pela Câmara preocupou a comunidade jurídica. Alguns especialistas argumentam que as mudanças são essenciais para modernizar o sistema falimentar brasileiro e estimular a recuperação empresarial. Outros expressam preocupações sobre possíveis efeitos colaterais, como a complexidade adicional nos processos e a proteção dos direitos dos credores.

A indicação dos gestores fiduciários pela assembleia de credores, por exemplo, suscitou controvérsia. Uma das correntes sustenta a possibilidade de desequilíbrio diante do tamanho de um credor na votação que representar a maioria. Outra corrente defende que a figura de um profissional escolhido pelos reais detentores do direito, que são os credores, pode melhorar o ambiente de negócios e otimizar o processamento da falência.

“O capítulo da Lei de Falência precisava de um ajuste, de um alinhamento às novas tendências. O processo não pode ser ineficiente a ponto de gerar insegurança. A pessoa tem o crédito, tem o direito, e, às vezes, não consegue alcançar, em tempo razoável, a satisfação do seu direito”, avaliam André Vasconcellos, vice-presidente do conselho do Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (Ibri), e Victor Nepomuceno, sócio do escritório Oliveira e Nepomuceno Advogados. “O propósito do PL, de acelerar os processos de falência, pagar o crédito e reduzir o spread bancário, pode promover, de fato, um melhor ambiente de negócios no país”, dizem.

Leia também:  Terceiro adquirente, obrigação propter rem e coisa julgada

Carlos Alberto Garbi, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo, diz que “os administradores judiciais estão com medo porque, de certa forma, mexe com o mercado deles. Mas quem são os interessados nas falências? São os credores. O credor deve ter o direito de escolher. Não o juiz. Quando o credor nomeia o administrador, muda tudo. A falência é outra. Porque o credor assume a responsabilidade. Ele nomeou o administrador; se a falência não for para frente, ele troca o administrador. Empresas administradoras judiciais vão ganhar esse mercado trabalhando melhor. Hoje, como é que ela ganha o mercado? Se aproximando do juiz, com a confiança do juiz. Mas o juiz não é o cliente dela. O cliente dela é o credor. Tirar isso do juiz é a melhor coisa que se pode fazer, para o juiz, para os credores e para o próprio administrador”, avalia.

Outro ponto polêmico no PL é o que estabelece um prazo limite de mandato para administradores judiciais nas falências, impondo obrigação de imediata substituição de todos os administradores judiciais em quase todas as falências que estivessem em andamento após tal período, ou seja, de forma imediata à vigência da nova legislação, caso aprovado.

Para André Estevez, professor de Direito Empresarial na PUCRS, advogado e administrador judicial, esse critério não faz muito sentido. “A simples definição temporal não é critério seguro ou razoável para indicar uma adequada ou inadequada atuação. Existem muitos casos de falências que tramitam por mais de uma década de forma desorientada em atuações técnicas questionáveis. Por outro lado, o longo tempo de tramitação pode se justificar facilmente por problemas práticos que podem derivar de dificuldades de citação em ações que visam atingir o patrimônio, busca de bens no exterior, controvérsias envolvendo ocultação de bens, entre outros motivos habituais”, pondera.

Leia também:  Supremo já invalidou regimes de precatórios semelhantes ao atual

Segundo o promotor Fernando Nogueira, do Ministério Público de São Paulo, o PL 3/2024 traz uma série de preocupações e alguns conceitos imprecisos. “Parece faltar uma regulamentação mais clara sobre alguns pontos, como os limites remuneratórios, os deveres e a responsabilidade desse gestor fiduciário”, disse Nogueira durante o 2º Ciclo de Insolvência Empresarial, na USP. Ele também chamou a atenção para o fato de que o PL não garante a participação dos credores minoritários no processo de escolha do gestor.

Segundo especialistas, para que fosse possível aplicar as regras de limite de tempo e a proibição de atuação do mesmo administrador judicial, seria necessário um número de administradores que hoje não existe no Brasil. Se mantida essa regra, poderá colapsar todo sistema, afirmam.

“A infinita maioria dos estudiosos do Direito Empresarial teceu duras críticas ao projeto e a forma como o processo legislativo relâmpago foi conduzido sem que houvesse um debate aprofundado a seu respeito e, mais do que isso, alijando a efetiva participação dos atores da área”, escreveu o advogado, administrador judicial e professor da USP Oreste Laspro em sua coluna de insolvência na revista eletrônica Consultor Jurídico.

Os desembargadores do TJ de São Paulo, Alexandre Lazzarini, Maurício Pessoa, Jorge Tosta e Cesar Ciampolini (aposentado em 2024) somaram-se a um extenso coro de especialistas que manifestaram preocupação a respeito da proposta.

O post Falência é ineficiente, mas não há consenso para desburocratizá-la apareceu primeiro em Consultor Jurídico.