De incêndios à ‘uberização’: os julgados-chave do STF em 2024

Supremo Tribunal Federal julgou 115 mil casos em 2024. As decisões colegiadas somaram 24 mil, tomadas em Plenário e nas duas turmas. Destacaram-se entre os temas de maior repercussão nacional, a determinação para um plano de prevenção e combate a incêndios na Amazônia e no Pantanal, a ilegalidade de abordagem policial e busca pessoal motivadas por raça, sexo, orientação sexual, cor da pele ou aparência física e a responsabilidade estatal por disparo de arma de fogo durante operações policiais.

Esses e outros temas foram selecionados por este Anuário da Justiça, que analisa não só a jurisprudência de temas relevantes julgados pelo Plenário durante 2024, mas também mostra como cada ministro votou – e defendeu seu entendimento – em julgamentos enfrentados nas 1ª e 2ª Turmas. O levantamento qualitativo foi construído com base nos julgados selecionados pela Corte em seu Boletim Informativo e nos processos selecionados pela redação na ferramenta de busca de jurisprudência do site do tribunal.

Litígios da área de Direito do Trabalho, como os que envolvem mudanças promovidas pela reforma trabalhista de 2017 (Lei 13.467) e as relações de trabalho alheias à CLT, continuam revelando as nítidas divergências entre os ministros. A maioria na corte é contra, por exemplo, o reconhecimento do vínculo de emprego entre motoristas de aplicativo e as plataformas. A ‘uberização’ teve repercussão geral reconhecida (Tema 1.291) e o processo envolvendo o caso ainda tramita no Plenário Virtual (RE 1.446.336). A expectativa recai sobre os votos de Flávio Dino, que ainda não se manifestou sobre o tema, e de Edson Fachin, relator do recurso, que tende a levar em conta impactos sociais na análise de matérias que envolvem direitos trabalhistas.

Nv¹: Não votou; IMP²: Impedido; NC e JNC³: Julgamento não concluído. Fonte: Pesquisa do Anuário com base no Informativo STF 2024

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Fachin, inclusive, foi um dos que saiu vencido no julgamento em que o STF validou os dispositivos que instituíram o trabalho intermitente. O ministro compôs a corrente que entende que, a despeito de a modalidade assegurar ao trabalhador direitos tradicionais (repouso semanal remunerado, recolhimentos previdenciários e férias e 13º salário proporcionais), o formato de contratação, como foi instituído pela reforma trabalhista, não garante previsibilidade de trabalho e, consequentemente, de salário. Acompanharam essa tese Cármen Lúcia, Rosa Weber (aposentada), Luiz Fux e Cristiano Zanin. Já Nunes Marques (relator), Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e André Mendonça integraram a ala que decidiu que o trabalho intermitente não suprime direitos trabalhistas, nem fragiliza as relações de emprego (ADI 5.826, 5.829 e 6.154).

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A posição dos ministros em matéria trabalhista também pode ser medida pelo índice de procedências de reclamações constitucionais, instrumento pelo qual empresas chegam diretamente ao Supremo para reverter decisões da Justiça do Trabalho. Levantamento deste Anuário da Justiça junto ao painel de estatísticas do STF mostra que Gilmar Mendes foi o ministro que mais votou pela procedência (total ou parcial) das 8,8 mil reclamações relacionadas a Direito do Trabalho na corte entre 2024 e 2025: 77%. Na sequência aparecem André Mendonça (74%); Fux (71%); Cármen Lúcia (69%); Zanin (66%); Alexandre (63%); e Nunes Marques (59%). Na outra ponta, estão Edson Fachin, que julgou procedentes 13% dessas reclamações, e Flávio Dino (36%).

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Só em 2024, o STF recebeu mais de 10 mil reclamações (de todas as áreas), um salto de quase 40% em relação ao ano anterior. “É uma consequência de o Supremo ter se tornado um tribunal de precedentes, e esses precedentes serem vinculantes, o que justifica o aumento das reclamações”, explica o presidente Luís Roberto Barroso.

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No campo do Direito Penal, o Supremo enfrentou temas que evidenciaram posições mais duras dos recém-chegados Zanin e Dino. No julgamento sobre a ilegalidade de abordagem policial motivadas por raça, os dois acompanharam a maioria para denegar Habeas Corpus a um homem condenado por tráfico de drogas.

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No caso, o policial que o abordou afirmou em depoimento que avistou “indivíduo de cor negra que estava em cena típica de tráfico”. Gilmar, Toffoli, Nunes Marques e Mendonça também votaram contra o HC, por entender que a revista não foi motivada por filtragem racial. Já Barroso, Fux e Fachin votaram a favor do réu, alegando que a abordagem teria sido motivada unicamente pela cor da pele. “A prisão por 1,5 g de cocaína é muito atí-pica e reveladora, na minha visão, de um perfilamento que, se não for racial, pelo menos é social. Revela o tratamento desequiparado em partes diferentes da cidade”, disse Barroso, em seu voto.

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No mesmo julgamento, por unanimidade, o Plenário fixou a tese: “A busca pessoal independente de mandado judicial deve estar fundada em elementos indiciários objetivos de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, não sendo lícita a realização da medida com base na raça, sexo, orientação sexual, cor da pele ou aparência física” (HC 208.240).

A tendência de Dino mais favorável à acusação também ficou demonstrada no julgamento em que o STF definiu, por maioria, que cabe recurso de apelação contra decisão do Tribunal do Júri que absolve o réu por quesito genérico (absolvição por clemência), em contrariedade às provas. Zanin, Mendonça e Gilmar foram contra, por entenderem que a possibilidade de apelação esvazia a soberania dos veredictos populares, prevista na Constituição. Prevaleceu o entendimento de Fachin, de que a revisão da decisão nessas situações, com determinação de novo julgamento, não viola a soberania do júri. Foi acompanhado por Dino, Cármen Lúcia, Alexandre, Fux, Toffoli e Barroso.

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