Para corrigir dívidas civis pela Selic, será preciso redesenhar sistema usado no Brasil

Para permitir a aplicação da taxa Selic na correção de toda e qualquer dívida civil, conforme decidiu a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, o sistema erigido pelo Poder Judiciário para essa cobrança terá de ser adaptado ou até redesenhado.

Lucas Pricken/STJ

Essa necessidade existe porque, apesar de o tribunal ter precedentes desde 2008 indicando que a taxa do artigo 406 do Código Civil é mesmo a Selic, os tribunais brasileiros simplesmente não a utilizam nos cálculos após as condenações.

 

Advogados consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico mostraram que, nesse sentido, o país vive uma completa falta de uniformidade.

Cada corte tem o poder de escolher qual será o índice da correção monetária, entre IPCA, IGP-M, INPC e outros. Esses índices servem para a correção monetária. Os juros de mora são convencionados em 1% ao mês.

 

Esse método alheio à Selic foi o proposto pelo ministro Luis Felipe Salomão, relator dos recursos em julgamento na Corte Especial do STJ. Para ele, é inviável obrigar a adoção da taxa fazendária em determinadas causas.

 

Quando a indenização é decorrente de relação contratual, por exemplo, isso não é um problema, pois é praxe que as partes convencionem os índices de correção monetário e juros.

Quando o caso é de responsabilidade extracontratual, como ações sobre danos morais, a Selic é um problema porque ela, enquanto instrumento monetário de controle de inflação, carrega de uma só vez índices de correção do valor e juros de mora.

Nessas causas, frequentemente esses encargos correm a partir de momentos distintos. Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, segundo a Súmula 54 do STJ. Já quanto à correção monetária, o termo inicial é a data da prolação da decisão que fixou o seu valor, como diz a Súmula 362.

 

Existem maneiras mais ou menos complexas de fazer incidir a Selic nessas situações, segundo os advogados consultados. Eles são unânimes ao dizer que esse tema precisa ser abordado pelo STJ.

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Esse conflito foi destacado no voto do ministro Salomão. Após a divergência inaugurada por Raul Araújo vencer a votação, o relator propôs questão de ordem para, primeiro, anular o julgamento e, segundo, dar resposta a essa questão.

A questão de ordem já foi integralmente rejeitada por três dos 15 ministros da Corte Especial. A análise foi interrompida por pedido de vista do ministro Mauro Campbell.

 
Lucas Pricken/STJ

Ministro Luis Felipe Salomão indagou como exatamente a Selic deveria ser aplicada

O que podemos fazer

Como mostrou a ConJur, a definição do índice previsto no artigo 406 do Código Civil é uma discussão que se mantém há 20 anos e tem impacto astronômico na economia brasileira.

E não se restringirá à Justiça comum, já que a Justiça do Trabalho utiliza, por analogia, a atualização de valores das causas cíveis de forma supletiva e subsidiária, nos casos em que a lei processual trabalhista é omissa.

 

O voto vencedor do ministro Raul Araújo afirma que em nenhum momento o Código Civil exige que sejam previstos em índices oficiais separados e distintos. E apontou que eles só precisam ser separados quando se tem inflação galopante, o que não é mais o caso do Brasil.

Isso indica, para alguns advogados, a possibilidade de o tribunal simplesmente abandonar as duas súmulas vinculantes e unificar a incidência de juros de mora e correção monetária.

Outro deles cita a possibilidade de fracionar a Selic, incidindo a partir do evento exclusivamente para fins de juros de mora e unificada a partir da data da sentença condenatória.

 

Uma terceira linha já está em prática em alguns tribunais e no próprio STJ: impor juros de mora de 1% ao mês até a data do arbitramento da indenização e, a partir daí, a Selic. A 4ª Turma do STJ fez isso no REsp 1.518.445.

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Essa última posição preservaria as Súmulas 54 e 362 do STJ, mas aumentariam a complexidade do cálculo. Nenhuma dessas possibilidades chegou a ser concretamente discutida no julgamento.

Lucas Pricken

Raul Araújo proferiu o voto vencedor no julgamento sobre taxa Selic na Corte Especial

 

Quando termina?

O ponto mais importante, na visão de quem atua diariamente em causas como essa no Judiciário, é chegar a uma definição de uma vez por todas.

Inclusive em um ponto também destacado pelo ministro Luis Felipe Salomão: saber qual Selic será a usada para corrigir as dívidas civis: a que usa o método dos juros compostos ou a da soma dos acumulados mensais.

A primeira tende a ser a mais benéfica ao credor, já que pelo menos recompõe a perda do valor da moeda.

 

Análise exposta pelo ministro Salomão indicou que, no período entre janeiro de 2002 a fevereiro de 2021, a variação total da Selic pelo método dos juros compostos representaria juros mensais de 2,29%.

A segunda seria drasticamente benéfica para o devedor. No mesmo período, a Selic pela soma dos acumulados mensais registrou variação de 219%, abaixo da inflação no período, que foi de 237% conforme o IPCA.

Para o advogado Ricardo Vicente de Paula, o principal é uniformizar. “Quando isso ocorrer, vai prejudicar alguma parte, credor ou devedor. Temos que colocar na balança. Nesse caso, o que pesa mais é a segurança jurídica. Essas situações prejudicam todo o sistema econômico.”

 

Lucas Mayall, do escritório Maneira Advogados, avalia que o entendimento do STJ deve alterar substancialmente a realidade experimentada atualmente nos tribunais, influenciando o valor a ser recebido pelos credores em incontáveis ações de natureza cível.

“A verdade é que ambas as posições são juridicamente defensáveis e há também relevantes argumentos de ordem prática a favor dos dois lados. O fundamental é que haja um posicionamento firme e vinculante a respeito, eliminando, assim, a insegurança jurídica que paira em torno desse tema tão sensível.”

 

O advogado Leonardo Roesler, do RMS Advogados, afirma que a adoção da Selic como incide unificado para correção de dívidas civis representa um avanço na busca por uma reparação adequada aos prejudicados em questões contratuais ou extracontratuais.

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“No entanto, essa mudança requer uma reflexão profunda sobre os princípios que norteiam a responsabilidade civil e a atualização de débitos, bem como uma adaptação da jurisprudência do STJ para harmonizar a aplicação da Selic com os marcos temporais estabelecidos para a incidência de juros e correção monetária.”

 

Diego Herrera de Moraes, do Mattos e Filhos Advogados, lembra que o ministro Salomão é o relator do anteprojeto de atualização do Código Civil. A resolução dessa questão pela via legislativa, “se aprovado e promulgado, passaria a viger com força de lei”.

Já Maricí Giannico, do Mattos e Filhos, defende que julgamento da Corte Especial não acarreta a necessária superação de nenhum de nenhuma súmula. “A aplicação da Selic já vinha ocorrendo, em concomitância com a vigência dos enunciados 54 e 362 do STJ.”

 

REsp 1.795.982

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