O regime de Ex-tarifário instituído pela Lei nº 3.244/1957 é um importante mecanismo de política comercial que permite a isenção ou redução do Imposto de Importação para bens de capital (BK) e bens de informática e telecomunicações (BIT), bem como suas partes, peças e componentes, quando não há produção nacional equivalente, ou esta é insuficiente para atender ao consumo interno. [1]
Sua base normativa encontra-se também no inciso I do artigo 14 do Decreto-Lei nº 37/1966, na Decisão Mercosul/CMC/Dec 34/03, em seu artigo 1º, e no Decreto no 5078, de 11/05/04. Sua importância está sintetizada pelo Ministério de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), como sendo: (i) viabilizar o aumento de investimentos em bens de capital (BK) e de informática e telecomunicação (BIT); (ii) possibilitar o aumento da inovação por parte de empresas, com a incorporação de novas tecnologias inexistentes no Brasil, ampliando produtividade e competitividade; (iii) promover um efeito multiplicador de emprego e renda da economia nacional.” [2]
Como o imposto de importação atende a objetivos muito diversos do que meramente ser fonte de arrecadação de receitas para o Governo Federal, dentro da sua função regulatória e extrafiscal, promove-se a sua redução por meio da concessão de um regime de exceção tarifária. Esse permite zerar a cobrança do imposto de importação, quando a entrada do produto estrangeiro no território nacional for de interesse do país. Importar máquinas e equipamentos sem produção nacional equivalente estimula o setor produtivo, a inovação, a utilização de tecnologia de ponta, gerando desenvolvimento econômico, social, tecnológico, renda e empregos.
Como o imposto de importação é uma exceção ao princípio constitucional da anterioridade, nos termos do artigo 153, §1º da CF/88, o uso do Ex-tarifário serve legitimamente às políticas de governo, ora se reduzindo, ora se ampliando sua concessão, atendendo a interesse de maior proteção da indústria nacional, ou estímulo às importações.
Para regular a previsão da exceção às tarifas da TEC (Tarifa Externa Comum), o Poder Executivo, através dos Ministérios competentes, da Fazenda (outrora da Economia) e do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, tem editado resoluções e portarias ao longo dos anos para estabelecer as regras procedimentais para a análise e deferimento dos pleitos de Ex-tarifário.
A aplicação desse benefício a bens usados e destinados à revenda têm sido, nos últimos anos, um ponto de câmbios regulatórios, gerando incertezas para os importadores e acerbas discussões. A análise das normas que regularam o Ex-tarifário nos últimos dez anos revela uma trajetória de idas e vindas e, notadamente quanto à possibilidade de importação de bens usados com o benefício, é possível distinguirmos três momentos principais, a saber:
1º momento: vedação expressa (Resolução Camex nº 66/2014)
A Resolução Camex nº 66, de 14 de agosto de 2014, nesse período, foi a primeira norma a dispor sobre a redução temporária e excepcional da alíquota do imposto de importação para BK e BIT sem produção nacional equivalente, estabelecendo também as regras procedimentais para se requerer o benefício. Durante sua vigência essa resolução limitava expressamente a concessão dos Ex-tarifários exclusivamente a bens novos, excluindo, portanto, os bens usados, conforme previsão expressa do §3º do seu artigo 1º. Assim, qualquer Ex-tarifário analisado e deferido nesse período não abarcava a importação de bens usados.
2º momento: a abertura e a interpretação da Receita (Portaria ME nº 309/2019 e Soluções de Consulta Cosit)
Em 24 de junho de 2019 foi editada a Portaria ME nº 309/2019 revogando a Resolução Camex nº 66/2014. Uma novidade relevante na nova regulamentação foi que ela não manteve dentre seus dispositivos a vedação expressa à utilização do Ex-tarifário para bens usados, tampouco para bens de consumo. Embora a Portaria Sepec nº 324/2019 orientasse pela recomendação negativa para pedidos visando aplicação a bens usados na análise técnica, conforme disposição do seu artigo 3º, essa recomendação não possuía caráter vinculante, conforme entendimento 6ª Turma do TRF 3ª Região estabelecida no julgamento da apelação em remessa necessária, no 50018206720204036104 SP, Relator: Desembargador Federal Luís Antonio Johonsom Di Salvo, publicada em 18/02/2021. [3]
Diante da ausência de previsão normativa no texto da Portaria ME nº 309/2019 vedando a aplicação do Ex-tarifário a bens usados, a Receita Federal, respondendo a questionamento de um interveniente, publicou a Solução de Consulta Cosit nº 122/2020 consignando que o Ex-tarifário concedido nos termos da Portaria ME nº 309/2019 seria aplicável tanto à importação de bens novos, quanto de bens usados, incluindo os remanufaturados ou “refurbished“. [4]
A Solução de Consulta Cosit nº 122/2020 analisou especificamente um caso em que um Ex-tarifário, inicialmente concedido sob a Resolução Camex nº 90/2017 (que se submetia à vedação da Resolução Camex nº 66/2014), foi prorrogado pela Portaria Secint nº 461, de 26 de junho de 2019, já sob a égide da Portaria ME nº 309/2019. A Receita entendeu à época que deveria prevalecer o regramento procedimental vigente quando da concessão, ou prorrogação, do benefício e que, portanto, esse Ex-tarifário poderia ser aplicado a bens usados. Essa interpretação foi reafirmada de modo ainda mais claro na Solução de Consulta Cosit nº 174, de 18 de setembro de 2023, que reiterou a aplicabilidade do Ex-tarifário, indistintamente, a bens novos e usados, bem como para bens de consumo, isso em relação àqueles concedidos sob a Portaria ME nº 309/2019, dentro do prazo de vigência do ato concessório.
3º momento: o retorno à vedação e a proteção das expectativas legítimas. (Resolução Gecex nº 512/2023 e Solução de Consulta Cosit nº 76/2024)
Em 18 de agosto de 2023, foi publicada a Resolução Gecex nº 512, de 16 de agosto de 2023, que revogou as Portarias ME nº 309/2019 e Sepec nº 324/2019. Essa nova resolução voltou a prever, nos mesmos moldes da Resolução Camex nº 66/2014, a vedação da aplicação do Ex-tarifário para bens usados, conforme se verifica na disposição do seu art. 2º, §2º, inciso II.
A partir da publicação da Resolução Gecex nº 512/2023, em resposta a outra consulta de um importador, a Receita Federal estabeleceu sua interpretação das normas por meio da Solução de Consulta Cosit nº 76, de 09 de abril de 2024. Essa esclareceu que até 17 de agosto de 2023 (ou seja, para Ex-tarifários concedidos sob égide da Portaria ME nº 309/2019), a redução de alíquota podia ser utilizada para importação de bens novos e usados.
Contudo, a partir de 18 de agosto de 2023, com a publicação da Resolução Gecex nº 512/2023, o benefício não se aplicaria mais a importação de bens de capital usados e de consumo, restando prejudicado o entendimento exposto na Solução de Consulta Cosit nº 122/2020. [5]
É fundamental ressaltar que essa mudança não possui efeito retroativo, sendo inservível para interpretar e aplicar as exceções tarifárias concedidas anteriormente e com prazo fixo, inclusive prazo fixo posterior à data de publicação da Resolução Gecex nº 512/2023. [6] Ex-tarifários concedidos e válidos sob a vigência da Portaria ME nº 309/2019 podem e devem continuar a ser aplicados para bens usados e independente de sua destinação.
A não retroatividade da nova orientação procedimental da Resolução Gecex nº 512/2023, norma destinada à análise de novos pedidos de Ex-tarifário, é um imperativo legal, sob pena de violação do art. 178 do Código Tributário Nacional (CTN) e do artigo 24 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lindb).
O artigo 178 do CTN estabelece que a isenção, salvo se concedida por prazo certo [7] e em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei a qualquer tempo, mas o benefício concedido por prazo certo passa a ser um direito e uma expectativa legítima do contribuinte. Além disso, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lindb), em seu artigo 24, proíbe que a autoridade dê aplicação retroativa a uma nova interpretação ou critério jurídico, vedando a declaração de invalidade de situações plenamente constituídas com base em mudança posterior de orientação geral. Princípios magnos como da segurança jurídica, da boa-fé objetiva e da confiança legítima do administrado nos atos da administração são pilares do Estado Democrático de Direito e garantem a estabilidade das situações jurídicas conformadas sob sua vigência.
Nesse quadro, qualquer tentativa de impedir o desembaraço aduaneiro de bens importados com Ex-tarifário válido, sob o fundamento de vedação de sua aplicação a bens usados e importados para revenda, hipóteses previstas na Resolução Gecex nº 512/2023, quando o benefício tenha sido concedido sob vigência da norma anterior, ou seja da Portaria ME nº 309/2019, constitui uma ofensa clara a tais princípios essenciais da ordem jurídica, em confronto com a jurisprudência já firmada sobre o tema. A título de ilustração, tome-se a decisão do eg. TRF 6ª Região por sua 3ª Turma, no AI nº 6000696-85.2024.4.06.0000, publicado no D.E. 05/02/2024 [8], cujos principais pontos do venerando acórdão, destacamos:
Concessão válida do ex-tarifário antes da nova restrição normativa
A impetrante obteve regularmente, em 04/08/2023, a concessão do benefício ex-tarifário para a importação de bem usado (um bulldozer), antes da entrada em vigor da Resolução Gecex nº 512/2023 (de 16/08/2023), que passou a vedar o benefício a bens usados.
Registro da Declaração de Importação posterior à concessão
O registro da Declaração de Importação (DI) ocorreu em 26/12/2023, ou seja, após a vigência da Resolução GECEX nº 512/2023. Contudo, como o benefício foi concedido antes disso, deve prevalecer a norma vigente à época da concessão do ex-tarifário.
Prevalência de jurisprudência e orientação da PGFN
O acórdão destaca a jurisprudência pacificada do STJ (REsp 1.821.992/RS e outros) e a posição da PGFN (Nota SEI nº 28/2019), que reconhecem que os efeitos do ex-tarifário concedido antes da importação estendem-se até o desembaraço aduaneiro, mesmo para bens usados.
Caráter não retroativo das Resoluções Gecex/Camex
A Resolução Gecex nº 512/2023 não pode retroagir para prejudicar concessões anteriores. Como a concessão do benefício se deu antes da publicação da nova norma, não se aplica a vedação posterior.
Conclusões
A jornada regulatória do Ex-tarifário para bens usados e destinados à revenda é um exemplo claro da necessidade de se conhecer os princípios e regras aplicáveis a cada área e tema do Direito, sendo eles sensíveis para assegurar a previsibilidade nas relações entre a Aduana e os intervenientes, e como as mudanças, ainda que legítimas, do ponto de vista das fontes normativas e autoridades competentes, provocam incertezas e dúvidas que desestimulam a produção e novos investimentos.
Embora a legislação tenha oscilado entre a vedação e a permissão, a interpretação consolidada pela Receita Federal, reiterada em diversas soluções de consulta, é de que a regra aplicável à interpretação é aquela vigente no momento da concessão, ou prorrogação, do Ex-tarifário.
Isso significa que, mesmo com a atual e vigente Resolução Gecex nº 512/2023 vedando a importação de bens usados com aplicação de exceção tarifária, os benefícios que tenham sido concedidos sob a Portaria ME nº 309/2019 — que permitia tal importação, como vimos de ver — permanecem válidos, enquanto perdurar o prazo do ato concessório.
Impedir o desembaraço aduaneiro, ou exigir tributos, em casos de Ex-tarifário concedido sob o regramento anterior configura afronta aos princípios da irretroatividade, segurança jurídica e confiança legítima, garantias fundamentais para o Estado democrático de Direito, para o ambiente de negócios e a relação entre a Administração Pública e os administrados, cabendo ao administrado, se necessário, buscar amparo para o seu direito junto ao judiciário.
A compreensão e o respeito a essa linha temporal de vigência das diferentes normas e aos princípios constitucionais aplicáveis são essenciais para se evitar litígios desnecessários, assegurando um ambiente de negócios estimulante à produção, pautado no respeito às normas vigentes.
No que se refere aos pedidos de renovação de Ex-tarifário, comunicado do site do MDIC [9] estabelecendo o prazo limite até o dia 30 de junho de 2025 para protocolo do pedido em relação àqueles vigentes até 31/12/2025, está em flagrante conflito com o prazo previsto no artigo 5º da Resolução Gecex no 512/2023, que dispõe, ipsis litteris: Os pleitos de renovação de Ex-tarifários concedidos poderão ser solicitados dentro do período de vigência do Ex-tarifário, com antecedência máxima de 180 (cento e oitenta) dias do seu vencimento.
A mudança do prazo em desafio à norma procedimental também ofende expectativa legítima das empresas interessadas em investir na modernização do seu parque industrial. A ilegalidade merece corrigenda com base no princípio da autotutela administrativa, sem que seja necessária a judicialização da controvérsia. É o que se espera possa ocorrer o quanto antes, restabelecendo-se o prazo previsto no artigo 5º da Resolução Gecex no 512/2023.
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[1] Sobre o tema Ex-tarifário recomendamos a leitura do artigo publicado na coluna por nossa colega Fernanda Kotzias. Disponível em: link . Acesso em 13/06/2025.
[2] Disponível em: link . Acesso em 13/06/2025.
[3] Entendimento firmado pela RFB na Solução de Consulta Cosit no 76/2024, em seus itens 10 a 14. Disponível em: link. Acesso em 13/06/2025.
[4] Segue trecho da Solução de Consulta n 122/2020 nesse sentido: -se que não mais consta como requisito à concessão do Ex-tarifário que o bem importado seja novo, requisito existente quando em vigor a Resolução Camex nº 66, de 2014, que, no § 3º do art. 1º, que determinava que a redução da alíquota do Imposto de Importação fosse concedida exclusivamente para bens novos. (…) quanto a se o bem remanufaturado é novo ou usado. Desde que o bem importado corresponda à descrição do bem constante do Ex-tarifário, terá direito à alíquota reduzida prevista para esse Ex-tributário.
[5] O colega de coluna Leonardo Branco defendeu a ilegalidade da restrição a importação de bens usados incluída na Resolução 512/2023, posição com a qual concordamos. Recomenda-se a leitura do artigo. Disponível em: link Acesso em 13/09/2025.
[6] No mesmo sentido, já escreveu Thales Belchior. Disponível em: link. Acesso: 13/09/2025.
[7] “Trata-se de uma isenção do imposto, concedida por prazo certo, com fundamento no art. 4º da Lei nº 3.244/1957, na redação do Decreto-Lei nº 63/1966:(…)”, in SEHN, Solon. Curso de Direito Aduaneiro. 3ª ed. São Paulo: Ed. Forense, 2025, p. 131.
[8] TRF6, AI 6000696-85.2024.4.06.0000, 3ª Turma, Relator Álvaro Ricardo de Souza Cruz, D.E. 05/02/2024
[9] Disponível em: link . Acesso em 13/06/2025.
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