Ao limitar efeitos da confissão no campo penal, STJ ajuda a reduzir erros judiciários

decisão do Superior Tribunal de Justiça de limitar os efeitos da confissão é positiva, pois o Brasil só terá menos erros em casos penais quando exigir provas mais sólidas para prender, indiciar, denunciar e condenar, de acordo com o entendimento dos especialistas no tema ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico.

Na semana passada, a 3ª Seção da corte aprovou posições jurisprudenciais destinadas a limitar os efeitos da confissão da pessoa suspeita de um crime no destino da investigação e do processo penal.

STJ sede prédio
STJ vem atuando para melhorar a qualidade das provas no processo penal, de acordo com especialistas no assunto  – Gustavo Lima/STJ

 

Ficou decidido que a confissão extrajudicial (aquela feita antes do processo) só terá alguma validade se for feita em ambiente institucional (delegacia). Ainda assim, não servirá para embasar uma decisão judicial, apenas para indicar possíveis fontes para investigação.

Já a confissão judicial (feita perante o juiz) poderá ser usada na sentença para corroborar as provas produzidas no processo, mas não para, isoladamente, levar à condenação do réu.

Avanço, ainda que pequeno

A decisão do STJ representa um avanço no processo penal, mas não resolve o grande problema, que é cultural, segundo Aury Lopes Jr., professor de Direito Processual Penal da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

“Nós só vamos ter processos de qualidade, o que significa ter uma margem pequena de erro, quando entendermos que prova se faz no processo, não na investigação. Porque o que se faz no processo é com contraditório, independentemente de o réu confessar ou negar o fato.”

De acordo com Lopes Jr., o Brasil precisa se libertar da ideia autoritária e inquisitória de que a confissão é “a rainha das provas”. Hoje, a confissão não é suficiente para provar a materialidade do crime, nem a autoria. Portanto, não exime o Estado do dever de investigar, diz o professor.

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“É preciso combater a ideia de que a confissão tem algum valor probatório, pois isso fomenta a cultura de torturar, de pressionar pessoas para obter a confissão. Agora, caso se entenda a confissão apenas como um meio de defesa, pode ser positivo. Se a pessoa confessa algo que possa servir para se defender, ou seja, apenas um indicativo para que se investigue, tira-se o peso e reduz-se o nível de violência para obter a confissão”, opina o processualista.

Qualidade das provas

A limitação dos efeitos da confissão é uma medida que pode melhorar a qualidade das provas dos processos penais, afirma Salo de Carvalho, professor de Direito Penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

“A admissão da confissão extrajudicial, no local dos fatos, confirmada posteriormente pelos policiais, diz respeito à validade do depoimento dos próprios policiais. Em realidade, trata-se de depoimento policial, e não de confissão, depoimento policial por ‘ouvir dizer’. O debate se insere na linha do necessário estabelecimento de critérios para validação do testemunho policial, o que o próprio STJ já está, corretamente, realizando. O impacto é grande e reforça a posição de que o depoimento policial não pode ser tomado como prova suficiente para condenação.”

É próprio da lógica inquisitória que a confissão ou os testemunhos sejam suficientes para a condenação, diz Carvalho. Devido ao peso da confissão, ressalta ele, isso estimula todas as formas de adquiri-la, incluindo a tortura. Por isso, é fundamental e democrático que os tribunais exijam provas técnicas de qualidade, o que deve incentivar o investimento em tecnologia nas polícias e no Ministério Público, opina o professor.

Salo de Carvalho também afirma que estabelecer standards mínimos, como o de que a confissão judicial só serve para corroborar as provas já produzidas, reforça o dever de fundamentação dos magistrados e “cria blindagens contra decisionismos e subjetivismos”.

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“Qualquer manifestação deve ser amparada por provas de corroboração autônomas e independentes. Por outro lado, a atividade do juiz não é livre, no sentido de que pode concluir algo apesar da prova. A sentença deve guardar coerência com a prova produzida e, no processo penal, essa prova deve garantir certeza fática, o que não se tem apenas com a confissão.”

Memórias falsas

A exigência de que a confissão extrajudicial ocorra em um ambiente institucional assegura o direito à não autoincriminação, avalia Gustavo Badaró, professor de Direito Processual Penal da Universidade de São Paulo.

“Não era incomum que alguém, por exemplo, preso em flagrante delito chegasse à delegacia e dissesse ‘vou me reservar o direito de permanecer calado’ quando alertado pela autoridade policial. Mas, antes disso, os policiais militares que fizeram abordagem na rua o interrogaram informalmente. E, nesse caso, embora a pessoa presa dissesse em um ambiente institucional que desejava permanecer calado, os policiais eram ouvidos e diziam o que eles teriam ouvido daquele investigado, o que era uma forma de burlar o direito à não autoincriminação.”

Isso também afasta a presunção de veracidade do depoimento dos policiais, algo que não se justifica do ponto de vista epistêmico, conforme Badaró. Primeiro porque a memória humana é falha e, na maioria das vezes, os erros são inocentes, e não decorrentes de má-fé, segundo o docente.

“O policial participa de várias ocorrências semelhantes. Quando comparece em juízo para depor, muito tempo depois, pode lembrar do fato de forma diferente do que aconteceu devido a fatores intercorrentes, confusões com eventos posteriores, dificuldades de evocação daquele acontecimento ou problemas na percepção no momento que ele se realizou. O depoimento do policial, assim como o de qualquer ser humano, deveria ser insuficiente para qualquer conclusão sobre o fato”, opina o processualista.

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Além disso, destaca ele, o entendimento do STJ também evita a má qualidade das investigações diante do que pode ser denominado de “visão de túnel” — por exemplo, quando os policiais se prendem a uma confissão e descartam outras linhas de apuração. Fora que há confissões falsas, como quando alguém busca proteger outro acusado.

“Com essa decisão, o STJ continua a promover uma verdadeira revolução epistêmica em termos de prova no processo penal. Foi assim com o reconhecimento pessoal e fotográfico, com as buscas pessoais, com as buscas domiciliares, com a cadeia de custódia da prova digital, e agora com a confissão. A corte vem procurando fazer um diálogo importantíssimo entre o regime legal da prova, a epistemologia e ciências afins, como psicologia cognitiva e outras áreas do conhecimento, para que tenhamos decisões mais bem fundamentadas, reduzindo a chance de erros judiciários e de condenações de inocentes”, opina Badaró.

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