Aplicação do princípio da relativização dos elementos informáticos

Recentemente, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (AgRg no Habeas Corpus nº 828.054 — RN — 2023/0189615-0) [1], por unanimidade, decidiu que são inadmissíveis no processo penal as provas obtidas de celular quando não forem adotados procedimentos para assegurar a idoneidade e a integridade dos dados extraídos. Isso ocorre porque, segundo o colegiado, as provas digitais podem ser facilmente alteradas, inclusive de maneira imperceptível, demandando, portanto, mais atenção e cuidado na custódia e no tratamento, sob pena de terem seu grau de confiabilidade diminuído ou até mesmo anulado.

Joel Ilan Paciornik 2024
O ministro Joel Ilan Paciornik – Gustavo Lima/STJ

 

O relator, ministro Joel Ilan Paciornik, pontuou que é “indispensável que todas as fases do processo de obtenção das provas digitais sejam documentadas, cabendo à polícia, além da adequação de metodologias tecnológicas que garantam a integridade dos elementos extraídos, o devido registro das etapas da cadeia de custódia, de modo que sejam asseguradas a autenticidade e a integralidade dos dados”.

Segundo ele, “o material digital de interesse da persecução penal deve ser tratado mediante critérios bem definidos, com indicação de quem foi responsável pelas fases de reconhecimento, coleta, acondicionamento, transporte e processamento, tudo formalizado em laudo produzido por perito, com esclarecimento sobre metodologia empregada e ferramentas eventualmente utilizadas”.

Princípio da relativização dos elementos informáticos

Trata-se da aplicação do princípio da relativização dos elementos informáticos, desenvolvido em 2015 no Curso de Direito Penal Informático [2] pelo professor dr. Spencer Sydow, conhecido não apenas pela criação do ramo do Direito Penal Informático no Brasil, mas também por sua atuação profissional e acadêmica profícua em prol do desenvolvimento dessa ciência.

 

O referido princípio preceitua que os elementos informáticos são inerentemente voláteis, dinâmicos e podem ser facilmente manipulados ou alterados. Dessa forma, considerando-se que o meio digital permite a manipulabilidade ideológica (modificação indevida do conteúdo representado em um elemento informático verdadeiro) e formal (modificação do próprio elemento, independentemente de conter elementos ideologicamente verdadeiros) de seus documentos, o princípio em questão busca garantir que a evidência informática seja tratada com cuidado no processo legal.

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Cita-se, como exemplo disso, a criação de logs de transações com criptoativos falsificados para criar transações inexistentes, prints de carteiras digitais com saldos manipulados para enganar investidores ou parceiros comerciais, uso de VPNs e IP spoofing para mascarar a localização e identidade dos usuários, e contratos inteligentes falsos contendo código malicioso para desviar fundos ou manipular resultados. Na medida em que essas possibilidades são identificadas, deve-se, necessariamente, aplicar o princípio da relativização dos elementos informáticos até que as hipóteses de manipulação sejam afastadas.

Trata-se de exemplos que ressaltam a necessidade de se criar rigorosos protocolos de verificação para assegurar a integridade e autenticidade dos elementos probatórios em processos legais. Por esse motivo, Sydow defende que faz-se necessária a criação de um novo paradigma de precaução probatória para que sejam adotados procedimentos pertinentes para salvaguardar a integridade e a autenticidade dos elementos probatórios que estão sendo analisados. Isso se dá porque as bases de investigação e julgamento partem de pressupostos muitas vezes incorretos, não raro incorrendo em análises enviesadas de realidades informáticas, graças à ausência de cuidados elementares nessa esfera [3].

Essa situação se torna ainda mais premente em face do profundo e generalizado desconhecimento de boa parte dos atores processuais (advogados, juízes, promotores, delegados etc.) acerca de diversos elementos informáticos — questão que, no nosso entendimento, é ainda mais crítica ao se tratar de criptoativos e de tecnologia blockchain. Seja por falta de preparo, inexperiência, negligência ou, ainda, simplesmente por falta de conhecimento técnico, percebe-se na prática jurídica atual que questões fundamentais básicas sobre esses temas são tratadas de maneira grosseira, superficial ou simplesmente errônea, situação que compromete gravemente a eficácia do processo penal e, consequentemente, do sistema jurídico nacional.

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Não se olvida que a informatização dos meios de vida, a criação imaterial de elementos e a desmaterialização do processo judicial de papel tornaram mais fácil a vida ao mesmo tempo que tornou os negócios mais velozes e mais amplos. Contudo, deve-se lembrar que os métodos informáticos de geração de elementos juridicamente relevantes também trouxeram um lado de questionamento possível dada a ampliação dos mecanismos de manipulação e modificação desses mesmos elementos [4].

Por isso, é de grande relevância que todos os elementos informáticos levado a um procedimento parta do pressuposto da existência de métodos de manipulação e adulteração para que possam ser considerados idôneos. Caso contrário, admitir-se-á o risco de condenações de acusados baseadas em elementos que não foram devidamente analisados, violando-se regras constitucionais basilares.

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[1] Disponível em https://processo.stj.jus.br/processo/julgamento/eletronico/documento/mediado/?documento_tipo=integra&documento_sequencial=242041837&registro_numero=202301896150&peticao_numero=202300906480&publicacao_data=20240429&formato=PDF

[2] https://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:rede.virtual.bibliotecas:livro:2020;001178860

[3] SYDOW, Spencer Toth. Curso de Direito Penal Informático – Partes Geral e Especial. São Paulo: Editora JusPodvim, 2023. p. 131

[4] SYDOW, Spencer Toth. Curso de Direito Penal Informático – Partes Geral e Especial. São Paulo: Editora JusPodvim, 2023. p. 139

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