Aplicar leis de recuperação para fundações ajuda a evitar extinções

A ampliação da aplicação de leis de recuperação para entidades como fundações e associações, baseando-se nos princípios da preservação da empresa e função social, ajuda a evitar extinções desnecessárias.

Esse raciocínio, um dos destaques de uma das mesas do XI Fórum Jurídico de Lisboa, foi apresentado pelo promotor David Francisco de Faria, da 2ª Promotoria de Fundações do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ). Ele afirmou que a atuação de operadores de Direito em casos de recuperação de empresas deve ser diferente. “O mundo dos negócios é dinâmico, ágil. A celeridade na atuação de cada operador nesse modelo deve ser essencial. Nesse mundo de negócios o elemento tempo pode ser fator de desestímulos ao investimento.”

Faria lembrou que a jurisprudência tem ampliado a aplicação das leis de recuperação para outras entidades, como associações e fundações, com base em princípios como a preservação da empresa e sua função social. Ele ressaltou a atuação do Ministério Público na fiscalização e proteção dessas entidades, destacando a importância de verificar sua função social e evitar extinções desnecessárias.

“Recentemente, foi publicada uma decisão de uma Vara Cível de Três Corações (MG) estendendo a legitimidade dos benefícios da recuperação judicial para as fundações. A doutrina também tem utilizado essa possibilidade sob o argumento de que não há vedação legal, pois elas realizam atividades empresariais usando os meios econômicos necessários e realizam atividades sociais de muita relevância.”

Ele afirmou que, no campo legislativo, há uma “diminuta previsão” para a atuação das fundações. Ele cita os artigos 62 a 69 e 1.204 do Código de Processo Civil. “O que deixa ao critério dos procuradores a legislação normativa complementar. Então, cada procurador de Justiça edita uma resolução definindo como é a atribuição de atuar junto às fundações.”

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A mesa “Recuperação de Empresas: a eficácia do modelo brasileiro” foi mediada pelo ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça e corregedor nacional de Justiça. Ele destacou que, desde 2016, o Brasil tem o maior número de empresas inadimplentes. Em 2023, o valor total das dívidas somam R$ 115 bilhões. No primeiro quadrimestre deste ano, houve um aumento de 34% dos pedidos de falência.

Conselheira Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e sócia do escritório Bumachar Advogados Associados, Juliana Bumachar destacou o aumento de pedidos de recuperação judicial, principalmente por pequenas e médias empresas, ressaltando as dificuldades enfrentadas por elas, como falta de documentação contábil, altas custas iniciais e desafios com administradores judiciais. Ela mencionou o Projeto de Lei Complementar 33/2020, que busca melhorar o tratamento de recuperação judicial para pequenas e médias empresas, incluindo renegociação extrajudicial e judicial mais ágil.

“A pequena ou média empresa, quando pede recuperação judicial, a primeira pessoa que ela demite é o contador, é quem ela deixa de pagar. Se ela não tem documentação contábil, não consegue entrar com pedido de recuperação judicial. A outra grande questão são as custas iniciais, que para um devedor entrar em recuperação, hoje, são acima de R$ 40 mil. Isso é caríssimo. Além disso, o próprio administrador judicial, apesar do percentual ser reduzido, também é muito caro. A gente não tem uma lei de falências eficaz para esse tipo de sociedade.”

Procurador do Distrito Federal e sócio do escritório Ilmar Galvão Advogados, Jorge Octávio Lavocat Galvão acordou a necessidade de certidão negativa de débitos para empresas em recuperação judicial, conforme previsto no artigo 57 da Lei de Recuperação Judicial. Ele menciona um precedente no Superior Tribunal de Justiça (STJ) que considerou a exigência incompatível com o propósito de superar a crise financeira das empresas. Ficou registrado que o artigo 57 não seria aplicado até a edição de uma lei específica que disciplinasse o parcelamento especificamente para as empresas em recuperação judicial.

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“Após juntado plano aprovado pela assembleia, o devedor deverá apresentar as certidões negativas de débito. A questão inicialmente foi resolvida no STJ pela corte especial, em acórdão de relatoria do ministro Luiz Felipe Salomão, na REsp 1.187.704, em que se deixou registrado corretamente que haveria um antinomia entre os artigos 47 e 57 da Lei de Recuperação Judicial. O artigo 47 que prevê a tentativa de viabilizar a superação da crise econômica financeira. O artigo 57 exigia apresentação de certidão negativa, que obviamente se mostrava incompatível, já que normalmente essas empresas que entram em recuperação possuem uma dívida tributária muito alta.”

Do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), o juiz federal Marcus Livio Gomes, ao comentar a complexidade do sistema tributário brasileiro, enfatizou a necessidade de encontrar um equilíbrio entre a preservação das empresas e a arrecadação de recursos pelo Estado. Ele ponderou a necessidade de intervenção legislativa para resolver questões específicas, como a constrição de bens e a tributação do ganho de capital resultante de reduções de dívidas tributárias. “Caberia, talvez, uma intervenção legislativa para que essa questão da constrição, que foi introduzida no artigo 6º, parágrafo 7º, da Lei de Falências, pudesse ter alguma solução legal. Talvez, ainda haja uma possibilidade de intervenção.”

Sócio-fundador do escritório Galdino & Coelho Advogados e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Flavio Galdino destacou a mediação como uma ferramenta eficaz para a resolução de conflitos. Ele abordou a eficácia do sistema brasileiro de insolvência, mencionando casos relevantes de reestruturação de empresas e setores. “Reparação judicial e falência são questões de interesse público. Rem o lado da economia que dá certo e tem um lado da economia que dá errado, onde os juízes vão resolver o problema. No Brasil, o sistema de insolvência é bastante protagonizado pelo pelo Poder Judiciário.”

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Fonte: Conjur