Contribuições pontuais para celeridade do processo de insolvência

É voz corrente nas lides envolvendo processos de insolvência a questão da delonga na tramitação e na resolução desses feitos, pois nem sempre atingem o escopo a contento; não se consegue, com êxito e rapidez, a satisfação da massa falida subjetiva e/ou o soerguimento da atividade do devedor em crise.

Muitas vezes essa delonga se justifica quando o concurso instaurado diz respeito à sociedade empresária de largo espectro ou grupo de sociedades, nos conglomerados que se espraiam extramuros; nessas situações contendo interesses multifacetados, dispersos por diversas localidades, inclusive no exterior, nem sempre é possível imprimir a celeridade desejada, nada obstante a lei de regência enfatize esse objetivo (artigo 75, inciso II e parágrafo 1º 2º e artigo 189-A, ambos da Lei nº 11.101/2005) [1]

Com esse propósito, algumas das alterações constantes da Lei nº 14.112/2020 vieram reforçar o anseio para a célere resolução das demandas de insolvência.

Como aqui não há palco para esmiuçar essas alterações, somente poucos dispositivos serão ressaltados, não só da modificação promovida pela Lei nº 14.112/2020, mas outros que já vigoravam na Lei nº 11.101/2005 desde 9 de junho de 2005, e que buscam abreviar a resolução dos processos de insolvência, apesar de esquecidos amiúde.

Pretende-se trazê-los à baila como sugestão aos militantes da área; alguns mecanismos estão explícitos, enquanto outros se verificam reflexamente.

Antes de enunciá-los, mas na mesma esteira, destaque-se a providencial alteração constante do artigo 114-A da Lei nº 11.101/2005, introduzida pela Lei nº 14.112/2020, que praticamente repristinou o então derrogado artigo 75 do Decreto-lei nº 7.661/45; referido artigo procura abreviar a resolução das falências negativas, sem bens arrecadados, ou nas em que o ativo se mostre insuficiente para quitação do passivo. Permite-se por meio deste dispositivo a adoção de procedimento simplificado para se encerrar a falência sem delongas [2].

Sobrecarga e limite

No entanto, nas falências envolvendo grandes grupos econômicos não se vislumbra a hipótese da utilização do citado artigo 114-A da Lei nº 11.101/2005.

De fato, nessas se denota, por exemplo, a profusão na instauração de incidentes de habilitação e/ou impugnação de crédito, a impactar sobremaneira na carga de trabalho dos personagens centrais da insolvência, ou seja, o juiz, o administrador judicial, os advogados de todos os interessados e o Ministério Público, além de interferir pesadamente no andamento da máquina judiciária.

Cabe destacar a aberrante quantidade desses incidentes em tramitação nas Varas de Recuperação e Falência da Capital do Estado de São Paulo, pois alberga, em razão do volume de negócios, a distribuição dos mais portentosos feitos de insolvência do Estado, quiçá do país. Há processos de insolvência que congregam centenas ou até milhares desses incidentes. Exemplos não faltam. Basta a consulta ao portal eletrônico-e-SAJ do Tribunal de Justiça.

Assim, em boa hora sobreveio a previsão para reconhecimento da decadência do prazo para apresentação das habilitações de crédito (artigo 10, §10º. da Lei nº 11.101/2005), inexistente no diploma anterior e no derrogado Decreto-lei nº 7.661/45 [3]; anteriormente, não raras as ocasiões em que os atores do processo eram surpreendidos com o surgimento de mais habilitações e/ou impugnações quando o feito estava próximo de seu encerramento e, com isso, postergava-se sua conclusão.

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Acertadamente o legislador estabeleceu o limite de três anos a partir da decretação da falência, só aplicável a essas, e não às recuperações; aliás, inviável a interpretação extensiva do dispositivo para atingir créditos em face de sociedade de recuperação, pois a norma tem caráter restritivo, a ser interpretada restritivamente. [4]

Acerca disso, MARIA RITA REBELLO PINHO DIAS e FERNANDO ANTONIO MAIA DA CUNHA assinalam que “a criação de prazo decadencial para apresentação de pedido de habilitação de crédito na falência, ao lado da nova disciplina do fresh start, no artigo 158 da LREF, e a revogação do artigo 157 representam grandes inovações trazidas pela Lei n.14.112/20, as quais contribuem para o aprimoramento da tramitação do processo falimentar. Essas três alterações consistem pilares de um sistema legal de estabilização do passivo na falência, na medida em que permitem a rápida apuração do passivo submetido à falência, trazendo estímulos para que os credores busquem de forma célere a habilitação de seu crédito” [5].

A partir da entrada em vigor da Lei nº 14.112/2020, surgiram decisões monocráticas aceitando a tese da decadência de imediato, a redundar na extinção de muitas habilitações e impugnações manejadas antes da vigência da modificação legal.

Com efeito, embora do artigo 5º da Lei nº 14.112/2020 se possa inferir aplicação imediata, consabido que o instituto da decadência ostenta caráter de direito material e não somente processual [6][7]; ao possuir natureza de direito material, indevida a imposição do decreto de extinção ao credor que, anteriormente à vigência da lei, ajuizou seu pedido.

Noutras palavras, como não havia na lei de regência tal prazo peremptório, os credores com incidentes em andamento antes da vigência da Lei nº 14112/2020 não seriam prejudicados pela decadência, ainda que ultrapassado o prazo de três anos [8].

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Frise-se que a interpretação dos tribunais se amoldou à principiologia que norteia o instituto da decadência, lembrando que “a aplicação imediata será sempre a regra do direito comum. A retroatividade, ao contrário, não se presume; decorre de disposição legislativa expressa, exceto no direito penal, onde constitui princípio a retroação da lei mais benéfica, retroatividade da lei não pode ser presumida” [9]; por conseguinte, para os incidentes ajuizados antes da entrada em vigor da nova disciplina não há retroatividade.

Intempestividade das impugnações de crédito

Sedimentada a aplicação do instituto da decadência às habilitações de crédito propostas após a vigência da modificação advinda da Lei nº 14.112/2020 [10], há outros mecanismos pouco utilizados na prática forense, mas que podem auxiliar na resolução rápida dos processos de insolvência.

Nesse âmbito, o reconhecimento da intempestividade das impugnações de crédito, por não observarem o prazo fixado no caput do artigo 8º, da Lei nº 11.101/05 é medida salutar e merece ser relembrada.

Conforme torrente de julgados do STJ e outros tribunais [11], se o impugnante extravasa o prazo em questão, a consequência é a extinção do incidente; assim, curial a verificação do cumprimento desse prazo pelo credor.

O objetivo é que esses incidentes não se eternizem e demandem atividade jurisdicional desnecessária, conquanto retardem a resolução dos processos principais que se relacionam; e os sujeitos proeminentes do processo devem ter em mente o recurso da arguição de intempestividade.

Extintas essas impugnações manejadas a destempo, favorece-se a consolidação mais rápida do quadro geral e o consequente desfecho da causa.

Mencione-se, por outro lado, se o impugnante tem fulminada sua pretensão pela intempestividade, existe a opção da via rescisória para exercitar seu direito de crédito (§6º, do artigo 10, da Lei nº 11.101/05).

ICCP

Há outra singela contribuição ao processo de insolvência, cujo impacto se dá pela via reflexa.

A Lei nº 14.112/2020 promoveu modificações na disciplina do crédito fiscal e estatuiu o incidente de classificação do crédito público (ICCP) — artigo 7º – A da Lei nº 11.101/05.

Sem adentrar em análise mais aprofundada, existe uma medida a ser tomada nesse ICCP que não só acelera a resolução do processo de insolvência — e do próprio ICCP —, mas evita que créditos fiscais insubsistentes ingressem no certame.

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Formalizado o ICCP, deve ser feito o exame da certidão da dívida ativa (CDA) que consubstancia o crédito tributário para eventual adequação de seu valor aos ditames do artigo 9º, inciso II da Lei nº 11.101/05. Além disso, ao administrador judicial cabe verificar se o crédito está em consonância com o prazo quinquenal para sua exigibilidade (artigo 174 do CTN).

Se porventura detectado o transcurso do prazo quinquenal para a exigibilidade do crédito fiscal, a todos os partícipes do ICCP cumpre alertar a ocorrência desse óbice, mormente se omisso o administrador judicial.

Verificada a prescrição do crédito fiscal no ICCP e, silente o administrador judicial, este deve ser concitado a veicular essa prejudicial na execução fiscal ajuizada paralelamente; a alegação é de ser formulada perante o juízo da execução porque afastada a competência do juízo da insolvência nesse particular [12].

Como a defesa da massa falida é atribuição do administrador judicial (artigo 22, inciso III da Lei nº 11.101/2005), constatada a ocorrência de prescrição do crédito fiscal, recomendável seja instado no âmbito do ICCP a atuar perante o juízo da execução fiscal e, nessa seara, manifestar-se para ver reconhecida a prescrição da exação reivindicada.

A provocação para a atuação do administrador judicial nas execuções fica patente quando os créditos exigidos no ICCP pertencem à União. Nas execuções fiscais federais não há participação do órgão do Ministério Público oficiante na insolvência — sem atribuição perante a Justiça Federal — tampouco do falido e demais credores; somente o auxiliar do juízo tem legitimidade para alegar a prescrição no juízo em que tramita a execução do crédito fiscal.

E mesmo que a discussão sobre a ocorrência de prescrição não se desenvolva no bojo do ICCP, seu eventual reconhecimento no juízo da execução projeta efeitos para o ICCP que, por sua vez, está atrelado ao processo de insolvência; pela via reflexa evita-se a tramitação em vão do aludido incidente, sem contar o ingresso de crédito insubsistente no concurso falimentar.

Referido mecanismo revela-se útil para o resguardo dos ativos da massa a impedir seu indevido desfalque. Também, serve para acelerar a resolução desse incidente periférico, conquanto da própria falência.

Deste modo, ainda que um tanto prosaicos esses instrumentos, se postulados com razoabilidade e precisão, podem contribuir para acelerar a resolução dos processos de insolvência, além de poupar trabalho desnecessário da tão sobrecarregada máquina judiciária.

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