A desconsideração da personalidade jurídica é, sem dúvida, um dos instrumentos mais eficazes à disposição do credor para combater fraudes e abusos cometidos por meio de pessoas jurídicas.
Trata-se de mecanismo que visa impedir o uso indevido da autonomia patrimonial como escudo para o inadimplemento, especialmente em contextos de confusão patrimonial ou desvio de finalidade, conforme previsto no artigo 50 do Código Civil.
O Código de Processo Civil de 2015 inovou ao sistematizar o procedimento nos artigos 133 a 137, com especial destaque para o artigo 134, § 2º, que autoriza o autor a formular o pedido de desconsideração já na petição inicial, inclusive em sede de execução.
Essa previsão representa um avanço significativo para a efetividade da tutela jurisdicional, ao permitir que o credor não precise aguardar o desenvolvimento do processo para somente depois buscar a responsabilização patrimonial dos sócios ou administradores.
Apesar disso, surgem preocupações quanto à preservação do contraditório e da ampla defesa, especialmente quando o pedido é formulado na fase inicial da execução, tendo em conta que, embora o pedido possa ser feito desde logo, os sócios só podem ser incluídos no polo passivo após decisão judicial que acolha o incidente, garantindo-lhes o direito de defesa.
Isso porque, acaso apresentado em ação de conhecimento, o pedido de desconsideração segue o rito do incidente, com a possibilidade de suspensão do feito principal até sua resolução. Aqui, tanto a pessoa jurídica quanto os sócios são citados e apresentam defesa, sendo que os sócios podem vir a integrar o polo passivo e serem responsabilizados posteriormente, em conjunto com a pessoa jurídica, na fase executiva do processo.
Na execução, a lógica é outra, a tutela judicial já é a executiva, sendo o executado citado para efetivar a satisfação do crédito. No entanto, como previsto no CPC, o exequente pode indicar, desde logo, os sócios ou administradores na inicial, mas isso não significa que eles já sejam executados.
Nessa fase, os sócios são réus apenas do pedido de desconsideração, devendo ser citados para se defender, e somente com o provimento judicial passam a integrar o polo passivo da execução, sujeitos a penhora e demais medidas constritivas.
Trata-se, portanto, de um processo que percorre dois caminhos distintos, os devedores principais do título sofrem imediatamente os atos executivos, enquanto os sócios permanecem em posição de defesa até a decisão que eventualmente autorize a sua inclusão no polo passivo.
Cautela para evitar equívocos procedimentais
É fundamental compreender que, nestes casos, haverá na execução uma convivência de tutelas distintas: a executiva, voltada ao devedor principal, e a cognitiva, relativa ao pedido de desconsideração, configurando, quando na inicial da execução, uma cumulação de pedidos de natureza diversa, dirigida a partes distintas e formando litisconsórcio eventual.
Com isso, verifica-se que a manutenção da dicotomia entre processo de conhecimento e de execução, embora ainda presente na estrutura do CPC, mostra-se cada vez mais artificial diante da possibilidade de coexistência de tutelas cognitivas e executivas em um mesmo processo.
Nesse contexto, é preciso apenas cuidado para evitar equívocos procedimentais, como a realização de penhoras contra sócios antes da decisão do incidente, respeitando a convivência das tutelas executiva e cognitiva. O correto, como aponta a doutrina, seria o uso de medidas cautelares, como o arresto, para garantir a efetividade da futura execução, sem violar o devido processo legal.
Outro cuidado importante se dá no sentido de que, como o STJ tem reafirmado, pedidos frágeis de desconsideração, formulados na petição inicial ou em incidente posterior, podem acarretar condenação em honorários sucumbenciais (REsp 2.072.206/SP e EREsp 2.042.753/SP), o que exige do credor técnica e cautela na formulação do pedido. No mesmo sentido, o STJ também tem repelido tentativas de execução direta contra empresas de grupo econômico sem prévia decisão judicial (REsp 1.864.620/SP).
Não há dúvida que o artigo 134, § 2º do Código de Processo Civil, representa um avanço em termos de efetividade da execução, evitando que o credor tenha de esperar meses ou anos para só então pedir a desconsideração, contudo, essa celeridade não pode atropelar garantias fundamentais.
Busca-se um ponto de equilíbrio, permitindo o pedido já na inicial, mas assegurando que os sócios sejam citados, ouvidos e somente depois responsabilizados.
O pedido de desconsideração da personalidade jurídica na petição inicial da execução é uma ferramenta legítima e poderosa para o credor, desde que manejada com responsabilidade, provas robustas e respeito às garantias processuais, de modo que a celeridade não atropele o contraditório, mas tampouco seja usada como pretexto para retardar a satisfação de créditos legítimos.
Se bem manejado, com provas de desvio de finalidade e/ou confusão patrimonial e com o devido respeito ao contraditório, o mecanismo pode equilibrar celeridade e garantias, afinal, o processo justo é aquele que não apenas assegura o respeito à legalidade e à segurança jurídica, mas também entrega uma resposta célere e eficaz ao credor.
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O post Desconsideração da PJ na petição inicial da execução: celeridade ou risco ao contraditório? apareceu primeiro em Consultor Jurídico.