Direito intertemporal e cautelar de indisponibilidade de bens nas ações de improbidade

A Lei nº 14.230/2021 alterou diversos dispositivos da LIA (Lei de Improbidade Administrativa). Entre eles, os requisitos para decretação da indisponibilidade de bens — alterando-se a natureza da medida para qualificá-la como tutela provisória de urgência — e a previsão expressa de que a indisponibilidade será limitada ao valor necessário para a reparação ao dano ao erário — excluídos a multa civil e os valores decorrentes de atividade lícita (artigo 16, §§ 3º e 10).

Afrânio Vilela 2024 – Gustavo Lima/STJ

Em maio de 2024, a 1ª Seção do STJ (Superior Tribunal de Justiça) afetou o assunto à sistemática do julgamento de recursos repetitivos o Tema nº 1257, sob relatoria do ministro Afrânio Vilela, para “definir a possibilidade ou não de aplicação da nova lei de improbidade administrativa (Lei 14.230/2021) a processos em curso, iniciados na vigência da Lei 8.429/1992, para regular o procedimento da tutela provisória de indisponibilidade de bens, inclusive a previsão de se incluir, nessa medida, o valor de eventual multa civil”.

Ao afetar o Tema Repetitivo nº 1257, a 1ª Seção determinou a suspensão de todos os processos que versem sobre a mesma matéria nos quais tenha sido interposto recurso especial ou agravo em recurso especial, ou que estejam em trâmite no STJ. Também foi decidido que a suspensão dos processos não afetaria o curso dos prazos prescricionais.

Como representativos da controvérsia, foram selecionados os Recursos Especiais nº 2074601/MG, 2076137/MG, 2076911/SP, 2078360/MG e 2089767/MG. Dos cinco recursos, somente o REsp 2076911 de São Paulo (sigiloso) foi interposto por pessoa física. Todos os demais os recursos especiais selecionados foram interpostos pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais.

 

Em análise às teses discutidas nos recursos especiais afetados, destacam-se os três principais assuntos que deverão ser enfrentados pelo STJ para o julgamento do tema.

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Primeiro, e mais evidente, é a definição das regras de direito intertemporal que serão aplicáveis para reger a alteração normativa. Afinal, a Lei nº 14.230/2021 não trouxe regras de transição ou sobre a aplicabilidade retroativa da norma.

Normas sobre indisponibilidade de bens

Para decidir sobre o direito intertemporal, será preciso definir a natureza das normas que versam sobre indisponibilidade de bens; isto é, se possuem natureza processual, material ou mista.

Se for considerada uma norma processual, o STJ terá a oportunidade de se pronunciar sobre o postulado “tempus regit actum” e a teoria do isolamento dos atos processuais no contexto de decisões interlocutórias que possuem natureza precária e modificável a qualquer tempo (artigo 296 do Código de Processo Civil — CPC) e cujo conteúdo ainda não precluiu. Logo, não poderiam ser consideradas ‘ato jurídico perfeito’ ou ‘direito adquirido processual’ para efeitos do artigo 5º, XXXVI da Constituição, artigo 14 do CPC e artigo 6º da Lindb.

Por outro lado, se as normas sobre indisponibilidade de bens forem classificadas como normas materiais ou mistas, a discussão envolverá a aplicabilidade ou não do princípio da retroatividade da norma mais benéfica ao réu, previsto no artigo 5º, XL, da Constituição, ao sistema de direito administrativo sancionador.

Em segundo lugar, deverá ser decidida pelo STJ a aplicabilidade aos processos em curso da nova redação do artigo 16, caput e § 10, da LIA, que hoje exclui o valor da multa civil dos valores que poderão ser alcançados pela medida de indisponibilidade de bens.

Direito de defesa impactado

A importância dessa questão vai além da simples diminuição da parcela de patrimônio do réu exposta ao risco de constrição. Impacta o direito de defesa, sobretudo nas ações em que a petição inicial não especificou o valor do dano ao erário e o valor estimado da multa civil. O não conhecimento sobre esses valores impossibilita que a cautelar de indisponibilidade seja decretada sem violação ao direito de defesa do réu, em especial quanto aos eventuais valores excedentes.

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Em terceiro lugar, o julgamento do Tema 1257 deve ensejar a revisão do Tema Repetitivo nº 701, que estabeleceu a natureza de tutela de evidência para a indisponibilidade de bens no contexto da redação anterior da LIA. E, o Tema nº 1055, pois trata da inclusão do valor da multa civil nos valores acautelados por indisponibilidade.

Por fim, considerando o interesse geral na formação desse importante precedente, é notável que a União teve deferido seu pedido de ingresso nos recursos afetados como amicus curie. De outro lado, até a publicação do presente artigo, não há pedidos de ingressos de terceiros a favor da aplicabilidade da Lei nº 14.230/2021.

Em suma, a afetação do Tema Repetitivo nº 1257 veio em boa hora para trazer mais segurança jurídica e pacificar o entendimento da jurisprudência nacional sobre as tutelas provisórias nos processos de improbidade após as alterações da Lei nº 14.230/2021 e revisitar temas repetitivos proferidos na vigência da redação antiga da lei e ainda não expressamente revogados pelo STJ.

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