Investigação, sindicância, inquérito, averiguação, devassa, verificação, checagem… são muitas as expressões que, no jargão jurídico ou no convívio social, refletem a conduta de buscar informações para conhecer previamente uma pessoa com a qual se busca firmar uma relação qualquer.
A referência à due diligence não pretende ser somente o acréscimo de mais uma expressão ao referido rol; cabe-nos não somente encontrar um sentido que permita associá-la aos contratos públicos como também uma finalidade que justifique esse esforço.
Due diligence pode ser considerada como um “procedimento de investigação, estudo, análise e avaliação de riscos de uma operação, de uma entidade ou de um indivíduo, abrangendo os aspectos econômicos, jurídicos, tributários, ambientais, entre outros” [1]. Nas palavras de Marcílio Toscano França Filho, Matheus Costa do Vale e Nathála Lins da Silva, o procedimento se conecta aos conceitos de precauções, cuidados, investigações, cautelas ou auditorias prévias à realização de um dado negócio jurídico, opondo-se assim às noções mais amplas de negligência, descuido e desinformação [2]. Trata-se de prática amplamente adotada no universo corporativo, já habituado ao monitoramento realizado a partir de ferramentas de governança.
No setor público, a governança tem sido considerada como o “conjunto de mecanismos de liderança, estratégia e controle postos em prática para avaliar, direcionar e monitorar a gestão, com vistas à condução de políticas públicas e à prestação de serviços de interesse da sociedade” (artigo 2º, I do Decreto nº 9.203/17). A governança das contratações foi expressamente referida na Lei nº 14.133/21, cabendo à alta administração do órgão ou entidade a implementação de processos e estruturas, inclusive de gestão de riscos e controles internos, para avaliar, direcionar e monitorar os processos licitatórios e os respectivos contratos, com o intuito de alcançar os objetivos legais, promover um ambiente íntegro e confiável, assegurar o alinhamento das contratações ao planejamento estratégico e às leis orçamentárias e promover eficiência, efetividade e eficácia em suas contratações (artigo 11, parágrafo único).
Desta forma, a due diligence é ferramenta de governança utilizada para a coleta de informações acerca do fornecedor com quem a Administração Pública se relaciona ou pretende se relacionar, com o intuito de gerir adequadamente riscos e buscar a efetividade do interesse público tutelado por meio do contrato administrativo. O mecanismo deve ser célere, não representando entrave ou morosidade para as contratações, sejam elas precedidas ou não de licitação, com aptidão para complementar as determinações legais pertinentes e capaz de vislumbrar riscos não previstos pelo legislador.
A gestão de riscos é direcionada à “identificação, avaliação e priorização de riscos, seguida de uma aplicação coordenada e econômica de recursos para minimizar, monitorar e controlar a probabilidade e o impacto de eventos negativos ou maximizar o aproveitamento de oportunidades” [3]. Due diligence e gestão de riscos são ferramentas complementares, uma vez que a primeira é substrato para a segunda. Em que pese os dois institutos atuarem para identificar, prevenir e mitigar riscos, a investigação se encarrega de estudar o perfil de fornecedores e indicar os sinais de alerta decorrentes de tal perfil, ao passo que a gestão de riscos considera as informações ofertadas pela diligência prévia para, então, identificar e tratar os riscos do negócio relacionado ao alvo investigado.
Para além de lastrear a identificação dos riscos contratuais, a due diligence também se mostra útil no momento destinado ao tratamento de tais riscos, afinal as recomendações resultantes da investigação prévia poderão nortear o administrador responsável pela gestão de tais riscos. Os contornos do procedimento, a delimitação das informações que serão buscadas, os critérios para identificação de fatores de risco, as diretrizes para classificação do perfil de risco de fornecedores, bem como as recomendações correspondentes, são adaptáveis e devem estar alinhados aos objetivos do órgão ou entidade pública contratante.
A análise de riscos, considerados aqueles “que possam comprometer o sucesso da licitação e a boa execução contratual” [4], está na fase preparatória do processo licitatório, especificamente na etapa de planejamento. Assim, no intuito de promover a institucionalização da atividade voltada ao gerenciamento de riscos, a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos prevê, no caput do seu artigo 22, a possibilidade de, na fase preparatória, o edital contemplar matriz de riscos que deverá alocar de modo eficiente os riscos de cada contrato, estabelecendo a responsabilidade de cada parte contratante, bem como as ações para tratamento dos riscos identificados, inteligência do §1º do mesmo dispositivo.
Na etapa de execução contratual, a ferramenta robustece a gestão dos riscos já identificados ou que venham a ser constatados durante o cumprimento do contrato, permitindo aprimorar a fiscalização do desempenho dos contratados, o atendimento das obrigações legais e contratuais, além de viabilizar o acompanhamento dos indicadores de qualidade e eficiência, verificando tempestivamente possíveis irregularidades ou inadimplementos. Percebe-se que a investigação direciona a fiscalização da execução contratual por diferentes intensidades de acompanhamento e controle, a depender das informações verificadas e de seu reflexo no panorama de riscos [5].
Novos exemplos têm aparecido recentemente: o estado do Paraná aprovou o Decreto nº 11.420/2022 [6], que instituiu a due diligence para todas as contratações públicas no âmbito da Administração Pública direta e indireta do Poder Executivo, devendo o procedimento ser orientado e acompanhado pelo órgão central de controle interno do estado. De modo similar, o município de Belo Horizonte editou a Lei nº 11.557, de 26 de julho de 2023 [7] que torna obrigatória a intitulada “Avaliação de Integridade” nas contratações públicas para execução de obra ou serviço de engenharia com valor superior a R$ 3 milhões e de serviços ou compras com valor superior a R$ 1 milhão, considerando-se, para tanto, o custo do contrato no período de 12 meses.
De acordo com tais atos normativos, após a análise de informações e documentos, será atribuído ao fornecedor/contratado grau de risco escalonado em baixo, moderado ou alto. Escorado no relatório produzido o final do procedimento, o órgão ou entidade adotará medidas de tratamento dos riscos identificados que promovam melhorias na gestão e fiscalização dos contratos.
Ainda que seja controversa a possibilidade de utilização da prática relatada no momento de seleção de fornecedores, o uso na etapa de execução contratual não demanda previsão expressa em lei, podendo ser disciplinada em ato normativo regulamentar e com previsão no instrumento de contrato. Espera-se que a Administração Pública possa ter a cada dia mais ferramentas para antever e reduzir os riscos contratuais, com vistas a melhor assegurar a entrega dos bens ou serviços contratados com efetividade e economicidade.
[1] Do original: “Due diligence is ‘a procedure of investigation, study, analysis and risk assessment of an operation, an entity or an individual, covering the economic, legal, tax, environmental, among other aspects'”. (HOWSON, Peter. Due Diligence: The Critical Stage in Mergers and Acquisitions. 1. ed. London: Routledge, 2003, p. 1).
[2] FRANÇA FILHO, Marcílio Toscano; VALE, Matheus Costa do; SILVA, Nathálya Lins da. Mercado de Arte, Integridade e Due Diligence no Brasil e no Mercosul Cultural. Revista da Secretaria do Tribunal Permanente de Revisão, v. 7, nº 14, p. 260-282, 2019, p. 262.
[3] MIRANDA, Rodrigo Fontenelle de A. Implementando a gestão de riscos no setor público. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2021, p. 42.
[4] Lei nº 14.133/21, artigo 18. A fase preparatória do processo licitatório é caracterizada pelo planejamento e deve compatibilizar-se com o plano de contratações anual de que trata o inciso VII do caput do artigo 12 desta Lei, sempre que elaborado, e com as leis orçamentárias, bem como abordar todas as considerações técnicas, mercadológicas e de gestão que podem interferir na contratação, compreendidos: (…) X – a análise dos riscos que possam comprometer o sucesso da licitação e a boa execução contratual.
[5] Em dissertação de mestrado defendida pela coautora deste artigo no Programa de Pós-Graduação em Direito e Políticas Públicas da UFG, foram identificados como fatores de risco para efeito de verificar a efetividade da realização de due diligence nas contratações diretas emergenciais celebradas pelo Estado de Goiás para atendimento das demandas decorrentes da pandemia Covid-19: a) sanções administrativas eventualmente aplicadas e ainda em cumprimento pela empresa investigada; b) eventual participação, no mesmo processo de contratação, de outra empresa que apresentasse em seu quadro sócio em comum com a empresa investigada; c) eventual existência de apostilamentos e aditivos contratuais celebrados entre a empresa investigada e o órgão contratante que superasse 50% do contratado inicialmente; d) quantidade de atividades econômicas da empresa investigada (Classificação Nacional de Atividades Econômicas – Cnae) registradas junto à Receita Federal; e) tempo de constituição da empresa investigada, considerando-se a data de seu registro até a data da adjudicação; f) capital social da empresa investigada em relação ao valor adjudicado naquele processo de contratação.
[6] PARANÁ. Decreto 11.420, de 20 de junho de 2022. Institui o procedimento de Due Diligence nas contratações públicas no âmbito da Administração Pública Direta e Indireta do Poder Executivo do Estado do Paraná. Disponível em: https://leisestaduais.com.br/pr/decreto-n-11420-2022-parana-institui-o-procedimento-de-due-diligence-nas-contratacoes-publicas-no-ambito-da-administracao-publica-direta-e-indireta-do-poder-executivo-do-estado-do-parana Acesso em: 27 jun. 2023.
[7] BELO HORIZONTE. Lei nº 11.557, de 26 de julho de 2023. Torna obrigatória a avaliação de integridade nas contratações públicas que menciona. Disponível em: https://dom-web.pbh.gov.br/visualizacao/ato/422353 Acesso em: 25 de jul. 2023.
Fonte: Conjur