A Constituição estabeleceu um modelo jurídico para o pagamento das obrigações do Estado (1) decorrentes de decisões judiciais transitadas em julgado. Nos termos do regime ordinário, tais débitos devem ser incluídos na proposta orçamentária do exercício subsequente à sua expedição e quitados em estrita ordem cronológica até o encerramento do respectivo ano fiscal. Trata-se da regra geral para o pagamento dos precatórios, concebida para assegurar previsibilidade, equidade e respeito à coisa julgada.
A Emenda Constitucional n° 136/2025, derivada da Proposta de Emenda à Constituição nº 66/2023, foi promulgada pelo Congresso Nacional, no dia 9 de setembro de 2025, e configura apenas mais um episódio no longo e conturbado percurso do regime constitucional dos precatórios, cuja sustentabilidade se encontra comprometida diante da magnitude da dívida acumulada e das reiteradas postergações promovidas ao longo dos anos.
A Emenda Constitucional nº 136/2025 trouxe alterações significativas no regime jurídico de pagamento de precatórios e no parcelamento de débitos previdenciários dos entes federativos, com impactos diretos sobre credores do Estado, inclusive servidores públicos ativos, aposentados e pensionistas. A nova regra estabelece limites escalonados para o pagamento de precatórios pelos estados, Distrito Federal e municípios, com base na receita corrente líquida do exercício anterior. Os percentuais variam de 1% a 5%, conforme o volume de precatórios em mora. A partir de 2036, esses limites serão majorados em 0,5 ponto percentual a cada dez anos, caso persista estoque de débitos judiciais não quitados.
Embora a Emenda Constitucional n° 136/2025 reafirme a preferência dos precatórios alimentares — aqueles decorrentes de relação laboral ou previdenciária — sobre os demais débitos, a fixação de tetos para pagamento pode resultar em atrasos significativos na satisfação dos créditos dos servidores públicos. A proposta também prevê a possibilidade de acordos diretos com renúncia parcial do valor devido, o que levanta preocupações quanto à integridade dos direitos reconhecidos judicialmente.
Outro ponto de destaque é a alteração na forma de atualização monetária e incidência de juros sobre os precatórios. A Emenda Constitucional n° 136/2025 determina que os valores sejam corrigidos pelo IPCA, com juros simples de 2% ao ano para compensação da mora. Caso esse índice supere a taxa Selic, esta será aplicada em substituição. A vedação expressa à incidência de juros compensatórios pode representar uma redução no valor real dos créditos, especialmente em contextos inflacionários.
Débitos previdenciários
No campo previdenciário, a nova regra autoriza o parcelamento, em até 300 prestações mensais, dos débitos dos entes federativos com seus regimes próprios de previdência social (RPPS), bem como dos Municípios com o Regime Geral de Previdência Social (RGPS). A adesão ao parcelamento está condicionada à comprovação de regularidade previdenciária e à alteração da legislação local para garantir o equilíbrio atuarial. A medida visa oferecer alívio fiscal aos entes, mas pode comprometer a solvência dos regimes e a segurança jurídica dos servidores quanto ao recebimento de seus benefícios futuros.
A Emenda Constitucional n° 136/2025 também permite a utilização de diversos instrumentos para amortização da dívida com a União, como transferência de bens, créditos e ativos diversos, inclusive recebíveis oriundos da exploração de recursos naturais. Além disso, autoriza a desvinculação de até 50% das receitas municipais até 2026 e 30% até 2032, excetuando-se os recursos destinados à saúde e à educação. Essa flexibilização pode afetar a capacidade dos municípios de honrar compromissos com servidores públicos.
A nova regra constitucional exclui as despesas com precatórios dos limites fiscais e da meta de resultado primário até 2026, com previsão de incorporação gradual a partir de 2027. A medida busca evitar o contingenciamento das despesas, mas pode reintroduzir restrições orçamentárias no médio prazo.
Sacrifício
Embora a Emenda Constitucional n° 136/2025 tenha como objetivo suposta racionalização fiscal e sustentabilidade dos entes subnacionais, seus efeitos sobre os servidores públicos exigem atenção e vêm causando inconformidade por associações e sindicatos vinculados ao funcionalismo público. A despeito do alívio fiscal para estados e municípios, impôs severos sacrifícios aos servidores e credores, especialmente no Rio Grande do Sul, onde há grande número de municípios com regimes próprios de previdência.
A morosidade no pagamento de precatórios, a redução do valor real dos créditos e a fragilização dos regimes previdenciários são pontos que demandam revisão e debate aprofundado – não à toa, recebeu a pecha de “PEC do Calote” quando ainda tramitava no Congresso – na medida institui limites ao pagamento anual de precatórios, vinculando-os a percentuais da receita corrente líquida, estabelecendo uma escala de amortização que impõe prazos ainda mais dilatados aos entes federativos com maior nível de endividamento.
No entanto, tal mecanismo compromete a efetividade dos direitos adquiridos, fragiliza a segurança jurídica e pode gerar efeitos prolongados sobre a confiança nas decisões judiciais e na responsabilidade fiscal dos entes públicos.
Entenda as alterações
O artigo 1º da Emenda Constitucional nº 136/2025, determinou a alteração do §5º do artigo 100 da Constituição Federal, antecipando a data limite para apresentação dos precatórios com trânsito em julgado, passando de 2 de abril para 1º de fevereiro de cada exercício. Essa modificação, mais uma vez (2), reduz o prazo disponível para inclusão dos precatórios na proposta orçamentária subsequente, o que implica na ampliação do chamado “período de graça” — intervalo entre a expedição do precatório e o prazo constitucional final para seu pagamento — durante o qual, conforme estabelece a Súmula Vinculante nº 17 do Supremo Tribunal Federal, não incidem juros de mora. Se isso não bastasse, a nova data-limite se apresenta imediatamente a seguir ao recesso forense (de 20 de dezembro até 20 de janeiro), período em que o acesso das partes e de seus procuradores aos tribunais é severamente reduzido.
O artigo 1º da EC nº 136/25 determinou, ainda, a inclusão do §23 ao artigo 100 da Constituição, que institui um teto escalonado para o pagamento de precatórios, variando entre 1% e 5% da Receita Corrente Líquida, conforme o volume do passivo judicial em atraso. A ausência de prazo determinado para a quitação integral desses débitos pode ensejar a dilação excessiva dos pagamentos, estendendo-os por décadas e comprometendo a efetividade das decisões judiciais. Tal mecanismo afronta os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, ao mesmo tempo em que permite a revisão dos percentuais a cada dez anos, perpetuando o estado de inadimplemento e fragilizando a segurança jurídica.
O artigo 8º da Emenda Constitucional nº 136/2025 determinou que o disposto no § 23 do artigo 100 da Constituição Federal, passe a vigorar de forma retroativa aplicando-se inclusive aos precatórios já inscritos e consolidados na data da promulgação da emenda.
Ainda em relação ao artigo 1º da EC nº 136/25, foi incluído o §29 no artigo 100 da Constituição, com redação similar à regra contida no §3º do artigo 107-A, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que estabelece a possibilidade de acordo entre o credor e o ente devedor. Contudo, na redação trazida pela Emenda Constitucional n° 136/2025, não há a previsão do percentual limitado do deságio de 40% (quarenta por cento) em caso de acordo, propiciando a possibilidade de aplicação de descontos ainda maiores e sem previsão de recebimento imediato, em flagrante prejuízo aos credores do poder público.
Os artigos 2º e 3° da Emenda Constitucional nº 136/2025, respectivamente, promoveram alteração relevante no §16 do artigo 97 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT); e inseriu o artigo 3º da Emenda Constitucional nº 113/2021, resultando em benefícios desproporcionais ao ente público e prejuízos significativos aos credores do Estado (3). Tais modificações implicam na redução da atualização monetária dos precatórios, criando incentivos para a postergação dos pagamentos por parte do ente público, ocasionando perdas patrimoniais expressivas aos titulares dos créditos, em flagrante afronta ao princípio da isonomia.
Pela regra anterior, os créditos lastreados em precatórios eram corrigidos pelo IPCA-E durante o período de graça e submetidos à taxa SELIC para fins de juros moratórios após seu vencimento. A partir da alteração promovida pela Emenda Constitucional, ‘a partir de 1º de agosto de 2025, a atualização de valores de requisitórios expedidos contra os estados, o Distrito Federal e os municípios, a partir da sua expedição até o efetivo pagamento, será feita pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), e, para fins de compensação da mora, desde a expedição, incidirão juros simples de 2% a.a. (dois por cento ao ano), ficando excluída a incidência de juros compensatórios’, o que implica na redução de perspectiva de valorização dos precatórios.
Ainda, o artigo 7º da Emenda Constitucional nº 136/25 determina que a regra que estabelecia prazo para quitação dos débitos a que se refere o artigo 101 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) não mais será aplicado a partir da promulgação desta emenda – 09 de setembro de 2025, eliminando a previsão temporal limite para extinção do passivo e quitação dos estoques de precatórios vencidos e não pagos pelos estados, municípios e Distrito Federal, anteriormente prevista para 31 de dezembro de 2029. Ou seja, há forte risco da perpetuação da inadimplência já existente no pagamento dos precatórios, e talvez seja essa a questão de maior conflito entre aqueles que defendem a EC, arguindo que se trata de mero “reescalonamento de compromissos”, e as entidades que vem se posicionando contra a Emenda, especialmente aquelas vinculadas ao funcionalismo público, mas não somente.
Todas estas alterações constitucionais, nocivas aos credores do poder público, dentre os quais servidores públicos ativos, aposentados e pensionistas, foram objeto de judicialização de Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) pelo Conselho Federal da OAB, com pedido cautelar para suspender os efeitos da EC 136, tendo em vista o prazo de 20 de setembro de 2025, quando os entes federativos devem enviar seus planos de pagamento aos tribunais. A Adin ainda não foi apreciada, mas já representa um primeiro movimento da sociedade civil frente à EC 136/2025.
(1) No sentido amplo.
(2) A Emenda Constitucional n° 62/2009 estabelecia a data-limite para apresentação dos precatórios judiciários até 1º de julho; a Ementa Constitucional n° 114/2021, previa a data-limite para apresentação dos precatórios judiciários até 2 de abril.
(3) No sentido amplo.
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