Execuções fiscais representam 30% de todo o acervo da Justiça Federal

O maior gargalo da Justiça brasileira começou a ser superado. Um esforço concentrado poderá resultar na extinção de centenas de milhares de processos de execução fiscal na Justiça Federal, a grande vilã do sistema de Justiça, pois custam aos cofres públicos mais do que o montante que se busca arrecadar e degradam as estatísticas do Judiciário.

Uma portaria conjunta assinada pelo Conselho Nacional de Justiça, pelo Conselho da Justiça Federal, pelos Tribunais Regionais Federais, pela Advocacia-Geral da União e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional auxiliará na identificação de execuções fiscais que podem ser extintas, diminuindo bastante o acervo dos tribunais.

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3,6 milhões tramitam na Justiça Federal

Um outro passo para resolver o problema foi dado pelo CNJ em sua 1ª Sessão Ordinária de 2024, realizada em fevereiro: por unanimidade dos conselheiros, foram aprovadas regras para extinção das execuções fiscais com valor de até R$ 10 mil sem movimentação útil há mais de um ano, desde que não tenham sido encontrados bens penhoráveis, citado ou não o executado. Um volume estimado, segundo pesquisa do próprio órgão, em 52% do total que atravanca o sistema.

 

As execuções fiscais correspondem a 30% do acervo da Justiça Federal (são mais de 3,5 milhões de processos de cobranças fiscais pendentes, segundo o DataJud). Ainda segundo o DataJud, desse total, 690 mil processos, o equivalente a 19% de todas as execuções fiscais, aguardam julgamento há mais de 15 anos. Levantamentos preliminares apontam que a portaria conjunta poderá agilizar a extinção de, ao menos, 400 mil execuções fiscais, o que resultará em melhor fluxo de trabalho nas varas federais.

É um pacto de dez atores para implementar três grandes estratégias. A primeira é a de trocar dados: solicitar a distinção de processos em que a inscrição já está paga ou extinta por algum motivo.

O segundo eixo, que depende essencialmente do Poder Judiciário, é o de criação de gestão de processos suspensos. A ideia é pegar os processos que não têm viabilidade agora e os parcelados ou transacionados, e colocar em uma central de gestão. Assim, um juiz que tem 20 mil processos parados vai lidar só com dois mil que efetivamente andam. A ideia é que exista uma central por TRF e que essas centrais concentrem essa massa volumosa de processos que não andam por algum motivo.

 
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Apesar do tamanho, o acervo de execuções fiscais ficou menor nos últimos anos

O terceiro eixo é o desafio de identificar, dentro dessas pilhas de processos, aqueles que de fato interessam. A extinção das execuções fiscais sem perspectivas de recuperação de crédito (ou antieconômicas) é uma das bandeiras da gestão do ministro Luís Roberto Barroso à frente do CNJ.

“O maior gargalo da Justiça brasileira talvez esteja nas execuções fiscais. Boa parte das execuções tem um destino ingrato, já que não chega a lugar nenhum. As estatísticas indicam que menos de 2% das execuções fiscais efetivamente corresponde à arrecadação do que é demandado, e mesmo assim mobilizam o aparelho judiciário”, afirmou o ministro em dezembro de 2023 ao firmar acordo entre o CNJ e o TJ da Bahia.

É na Justiça Estadual mesmo que se encontra o grande gargalo das execuções fiscais, pois dos cerca de 27 milhões destes processos em tramitação, 23 milhões são de competência da Justiça Estadual.

Segundo informado pelo jornal Valor Econômico, o presidente do CNJ também negocia com o Ministério da Fazenda para que as ações cujo valor de cobrança esteja abaixo de R$ 20 mil sejam sumariamente extintas, enquanto os processos envolvendo cifras entre R$ 20 mil e R$ 1 milhão sejam arquivados – com a possibilidade de desarquivamento em caso de fatos novos, como localização de bens ou mesmo do devedor. Já nos casos acima de R$ 1 milhão, será feito um “pente-fino” para avaliar se ainda há bens ou patrimônio disponível do devedor.

 
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TRF-3 acumula o maior acervo

Os acordos estão ocorrendo com outros tribunais e estabelecem o arquivamento de execuções fiscais abaixo de um valor mínimo a arrecadar, de maneira que execuções fiscais que custam aos cofres públicos mais do que estão buscando satisfazer sequer tramitem no Poder Judiciário. A intenção é replicar a iniciativa em vários estados e municípios da Federação para dar uma baixa significativa no estoque de processos.

Em dezembro, o Supremo abriu importante caminho nessa frente, decidindo que execuções municipais de baixo valor podem ser extintas pelo Judiciário por falta de interesse de agir (RE 1.355.208 – Tema 1.1.84 de Repercussão Geral). Os ministros definiram ainda que o ajuizamento de uma execução fiscal depende antes da tentativa de conciliação, de solução administrativa ou do protesto do título, salvo por motivo de eficiência administrativa, comprovando-se a inadequação da medida.

Para o juiz do TJ-SP e processualista civil Fernando Gajardoni, foi uma importante e correta decisão, que reforça a tendência de ver o Poder Judiciário como último recurso. Com a decisão, fica prejudicada a Súmula 452 do STJ, que diz: “A extinção das ações de pequeno valor é faculdade da Administração Federal, vedada a atuação judicial de ofício”.

No julgamento do STF, Barroso levou uma pesquisa do CNJ que apresentou a média de valores dessas execuções, utilizando como base o valor da causa no momento do ajuizamento. O CNJ identificou que em quase 50% das ações de execução fiscal não se consegue sequer citar o réu, ou seja, comunicá-lo formalmente de que ele está sendo alvo de um processo judicial. Nos casos em que isso é possível, a outra dificuldade é localizar os bens do patrimônio do devedor. Com isso, as ações acabam ficando paralisadas.

Ainda de acordo com o CNJ, uma única ação de execução fiscal custa R$ 30 mil ao erário público e recupera menos de 2% do valor demandado. Já o protesto tem custo menor e recupera mais de 20%. Daí a ideia de extinguir as ações cuja cobrança seja inferior a R$ 20 mil.

A União, representada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, é a principal litigante das ações de execução fiscal na Justiça Federal, com quase quatro milhões de processos em tramitação, onde cobra os débitos inscritos na Dívida Ativa. Segundo o CNJ, os conselhos profissionais – cujo principal intuito é registrar, fiscalizar e disciplinar as profissões regulamentadas – são o segundo maior litigante em processos de execução fiscal na Justiça Federal, respondendo por 28% dos casos que tramitaram entre 2015 e 2019, ficando atrás apenas da União, com 44% dos casos.

Desde 2016, por meio da Resolução 396, a PGFN ajuíza somente execuções fiscais consideradas viáveis. Mas isso não é comum nos estados, nos municípios e nos conselhos de representação. Além disso, a transação tributária, que permite que devedores façam acordos para quitar os débitos, passou a valer a partir da Medida Provisória 889/2019, que posteriormente foi convertida na Lei 13.988/2020. Existem dois tipos: o mais frequente são as transações por adesão e as transações individuais, quando o devedor que procura a PGFN e propõe o acordo. Nesses casos, quanto maior a robustez do inadimplente, menor é o desconto.

Em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico, o procurador-geral adjunto de gestão de dívida ativa da União e do FGTS, João Henrique Chaufaille Grognet, disse que em dois milhões de acordos foram transacionados R$ 515 bilhões. “De fato, a transação hoje é a política pública mais eficaz e efetiva em termos de número de acordos para evitar o litígio dentro e fora do Judiciário”, disse. “Na PGFN, identificamos 1,4 milhão de execuções. Dessas, 437 mil podem ser extintas”, conta Daniel Saboia também da PGFN.

 
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Quase 255 mil novas execuções fiscais foram propostas em 2023

A diminuição na distribuição de novos casos nas varas de execução fiscal foi sentida na 3ª Região. Estatísticas da corte dão conta de que, em 2016, foram distribuídos 206 mil casos de execuções fiscais. A partir daí, notam-se os efeitos da resolução da PGFN, que produzem uma queda constante: 136 mil caos em 2017; 78 mil em 2018; 70 mil em 2022. Em 2023, registra-se um repique com mais de 90 mil. Sob a presidência da desembargadora federal Marisa Santos, algumas varas de execução fiscal, pela ociosidade, puderam até ser transformadas em varas de Juizados Especiais.

“Pelos estudos que fizemos, há uma tendência de redução de distribuição de ações no âmbito das execuções fiscais, porque a Fazenda está sendo mais seletiva. Havia uma expectativa de que conseguíssemos extinguir cerca de 300 mil processos com essas tratativas”, conta o juiz federal Paulo Arena, assessor da presidência do TRF-3.

Nem desembargadores nem advogados consultados pelo Anuário da Justiça sentiram ainda uma relevante diminuição nos processos. “A gente só vai sentir isso a partir do momento em que começar a acontecer com muita frequência no primeiro grau e isso impactar na nossa distribuição. A gente ainda não teve redução de distribuição de execuções”, explica o desembargador Carlos Delgado, que julga matéria tributária no TRF-3.

Um advogado reservadamente cita ainda entraves para a transação como a impossibilidade de redução do valor principal e, no âmbito federal, inexpressiva redução para contribuintes com maior capacidade de pagamento. Para ele, até o momento seu maior êxito tem sido possibilitar à União receber valores expressivos (em números absolutos) de contribuintes que, por dificuldades financeiras momentâneas, acabam podendo usufruir de relevantes reduções, especialmente em se tratando de créditos tributários mais antigos.

“A fórmula das transações extinguiu os diversos Refis que antes existiam. Ao invés de desonerar todos os contribuintes, por lei, agora existe um edital convocando os contribuintes que estiverem na situação A ou B para aderir à transação. Existe também a possibilidade de os contribuintes apresentarem propostas de transação, mas estas são aceitas raramente. Para avançar, seria necessário ampliar as possibilidades de transações”, diz Fernando Facury Scaff, advogado sócio do Silveira Athias e professor de direito financeiro da USP.

Luiz Gustavo Bichara, advogado sócio do Bichara Advogados, faz uma avaliação positiva das transações. “A transação tributária introduziu diversos benefícios para o Fisco e o contribuinte. O Fisco teve a oportunidade de recuperar tributos considerados irrecuperáveis ou de difícil recuperação em uma sistemática muito mais célere. Por outro lado, os contribuintes que possuíam dificuldades financeiras para pagar os seus impostos tiveram acesso a condições especiais que permitiram o pagamento dessa dívida sem comprometer a saúde financeira das suas empresas, conciliando perfeitamente ambos os interesses. Desde a regulamentação da transação tributária, o escritório conduziu a celebração de vários acordos relevantíssimos para o Fisco e seus clientes.” Ele, no entanto, diz que individualmente a medida não é suficiente para reduzir substancialmente o número de litígios.

“No meu ponto de vista, os fiscos não ajuízam apenas as execuções fiscais que entendem viáveis, pois no Poder Judiciário há inúmeras cobranças eivadas de ilegalidades e inconstitucionais, inclusive o ajuizamento de ações com o objetivo de cobrar créditos tributários prescritos e fulminados pelo instituto da decadência, violando preceitos de ordem pública. Por outro lado, é notável o impacto positivo, desde a promulgação da Lei 13.988/2020. O escritório atuou em alguns casos que resultaram em transação resolutiva de litígio relativo à cobrança de créditos da Fazenda Nacional. Sem dúvidas a medida foi muito favorável e ajudou muitos contribuintes a reduzirem o montante de suas dívidas com a União, de modo a fomentar o crescimento da economia e manutenção dos empregos”, comenta Angelo Paschoini, do Escritório Paschoini Advogados.

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