Imposto seletivo sobre energia, comunicação, combustível e minerais

Para quem acompanha a novela da reforma tributária (PEC-45-A), não é novidade que está sendo proposta a criação de um Imposto Seletivo (IS) sobre a “produção, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, nos termos da lei” (artigo 153, VIII), de competência da União.

Igualmente não é novidade que esse tributo incidirá também sobre “operações relativas à energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País” (155, §3º).

A conjugação dessas duas propostas de normas é explosiva, sobre vários aspectos.

O texto do artigo 153, VIII, não é claro, pois cria múltiplas possibilidades de incidência, e não determina se uma afastará a outra, isto é, incidindo o IS sobre a produção, não poderá incidir sobre a comercialização ou a produção; ou se tais incidências poderão ocorrer em cascata, isto é, em múltiplas etapas do processo: na importação, e também produção, e também na comercialização. Trata-se de um pequeno detalhe, mas que pode trazer nefastas consequências, se não ficar claro desde o início, na redação constitucional.

Ainda sobre o artigo 153, VIII, observa-se que a expressão “prejudicial à saúde ou ao meio ambiente” é amplíssima, permitindo sua incidência tanto sobre a cadeia econômica quanto sobre o produto que dela resultar. Trata-se de outro pequeno detalhe que pode gerar incontáveis confusões. Exemplo: a industrialização da cana pode resultar em etanol ou em açúcar. Caso venha a ser considerado o açúcar como um produto prejudicial à saúde, apenas ele será objeto do IS ou toda a cadeia produtiva? Mais: será considerado prejudicial a saúde o produto “açúcar” ou os produtos que resultarem em bebidas açucaradas, como os refrigerantes? Ou incidirá sobre toda a cadeia econômica de industrialização dessas bebidas? Ou ainda, incidirá sobre a cadeia de produção do açúcar e também sobre a dos refrigerantes? Isso não está claro.

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A situação se torna mais complexa quando se agrega à análise o texto do artigo 155, §3º, que permite a incidência sobre específicos produtos nele mencionados. É inegável que a incidência do IS acarretará o aumento do preço da energia elétrica, telecomunicações, derivados de petróleo (plásticos em geral), combustíveis (etanol) e minerais.

Observem o impacto desses produtos nas cadeias produtivas em geral, e aos consumidores. Não se trata da mesma dúvida acima exposta, usando o exemplo dos refrigerantes, pois mais ampla. Energia elétrica incide sobre todo e qualquer processo produtivo, de forma direta ou indireta, sem escapatória.

O mesmo se pode dizer sobre minerais em geral, pois  basta olhar ao redor e ver que nosso quotidiano esta repleto deles, desde os chips do computador e celulares, até a areia, cimento e tijolos das construções que nos abrigam. Tudo isso será impactado, independente de se tributar ou não o produto ou o específico processo produtivo. Internet, ligações de celulares, o balde de plástico usado na cozinha etc., tudo poderá ser alcançado pela tributação do IS.

Seguramente haverá aumento de preço que implicará diretamente nos custos e na inflação. Cabe lembrar que o IS terá em sua base de cálculo o IBS e a CBS, repetindo a perversa dinâmica de tributo sobre tributo, já vastamente contestada, além de ser cumulativo, isto é, não abater o valor que foi pago referente às operações anteriores. Já expus várias críticas ao IS em outra oportunidade.

Independentemente do debate acima exposto, por si só extremamente preocupante, existe outro, específico sobre petróleo, o que alcança os combustíveis fósseis. Há quem defenda que é imprescindível estabelecer a incidência do IS sobre esses produtos, pois perniciosos ao meio ambiente, devendo o Brasil aderir às boas práticas internacionais.

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Não se pode contestar esse argumento, sob pena de se negar a ciência, mas, no âmbito tributário, o que fazer com a Cide-Petróleo, que já cumpre essa função, inclusive destinando os recursos arrecadados para essa gastos de preservação ambiental? Não consta no texto da PEC 45-A nenhuma linha sobre sua revogação, ou prevendo a hipótese de que, incidindo a Cide, não incidiria o IS, ou vice-versa. Haverá dupla incidência, com a mesma finalidade? Exemplos de distorções como essa existem atualmente em nosso sistema.

Isso decorre do açodamento que está ocorrendo na análise e votação da PEC 45-A, com motivos claramente político-eleitorais, embora não partidários, pois o texto é basicamente o mesmo que tramitou durante os governos Temer e Bolsonaro. Registre-se que o texto foi até mesmo piorado durante a votação na Câmara dos Deputados, o que foi supreendentemente reconhecido por dois redatores do projeto original na Folha de S.Paulo de 30 de setembro, ao tratar de uma inovação acerca de IPTU.

Faremos uma reforma tributária (na verdade, uma revolução tributária) mantendo esses mesmos erros? Trata-se de um salto no escuro, adequada expressão usada por Mary Elbe em texto nesta revista eletrônica Consultor Jurídico.

Fonte: Conjur