Imunidade parlamentar impede o crime contra a honra?

Uma das premissas fundamentais do conflito político em sociedades regidas por regulações constitucionais democráticas é a ampla liberdade de expressão de pensamento e de opiniões. O cumprimento das competências parlamentares de forma independente exige a previsão de regras protetivas que busquem limitar ou impedir perseguições e pressões indevidas. O ponto central aqui é assegurar a liberdade política e a representação democrática.

Congresso nacional

 

É dentro desse cenário que encontramos as imunidades presentes na Constituição de 1988, entre elas a inviolabilidade, civil e penal, de deputados e senadores por suas opiniões, palavras e votos (artigo 53, Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35/2001). Essa imunidade de caráter material procura conferir maior segurança e independência aos membros do Congresso no exercício de suas atribuições, particularmente na crítica, fiscalização e enfrentamento político-ideológico.

Naturalmente, a inviolabilidade quanto a opiniões, palavras e votos não é absoluta. A questão é: como definir os limites da imunidade considerando o risco de abrir brechas e caminhos para perseguições políticas ofensivas à Constituição? Essa não é uma questão jurídica simples de resolver, especialmente quando levamos em conta os variados ambientes em que ocorrem.

O Supremo Tribunal Federal já possui alguns entendimentos sobre o tema. Assim, por exemplo, o STF compreende que a imunidade parlamentar material, expressa no artigo 53 da Constituição, somente é aplicável “no caso de as manifestações guardarem conexão com o desempenho da função legislativa ou que sejam proferidas em razão desta; não sendo possível utilizá-la como verdadeiro escudo protetivo para a prática de atividades ilícitas”. Portanto, a manifestação do deputado ou senador deve estar diretamente vinculada ao exercício da função, o que justifica a própria existência da imunidade.

Diante desse posicionamento de nossa Corte Maior, podemos concluir que, por exemplo, os atos de difamação, calúnia e injúria, manifestados em situações estranhas ao exercício das competências parlamentares, não estariam acobertados pela imunidade do artigo 53 da Constituição. Mas surge a indagação: uma vez relacionada à sua atuação, pode o congressista dizer tudo o que quiser? Estaria, nesse caso, abrangido pela imunidade material em relação às suas palavras e opiniões? Essa pergunta também não admite resposta simples.Histórico constitucional brasileiro pode nos ajudar a compreender melhor a questão

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Desde a Constituição monárquica, temos a previsão de imunidades materiais; assim, seu artigo 26 ditava que os “membros de cada uma das Câmaras são invioláveis pelas opiniões que proferirem no exercício das suas funções”. Com pouca diferença redacional, essa tradição continuou nas constituições de 1891 (artigo 19), 1934 (artigo 31), 1946 (artigo 44) e 1967 (artigo 34). Vale ressaltar que, quanto a esse último texto constitucional, vivíamos sob uma ditadura militar-empresarial, e a cassação de parlamentares e perseguições era a regra, não a exceção.

Convém destacar que na Constituição de 1937, instituída durante a ditadura Vargas (1937-1945), a regra da imunidade assumiu outros contornos. O artigo 43 desta Carta Política previu que “só perante a sua respectiva Câmara responderão os membros do Parlamento nacional pelas opiniões e votos que emitirem no exercício de suas funções; não estarão, porém, isentos da responsabilidade civil e criminal por difamação, calúnia, injúria, ultraje à moral pública ou provocação pública ao crime.”

Por fim, a Emenda Constitucional 01 de 1969, aprovada ainda durante a ditadura militar (1964-1985), determinou em seu artigo 32 que “deputados e senadores são invioláveis no exercício do mandato, por suas opiniões, palavras e votos, salvo no caso de crime contra a honra”.

Como se pode observar, a restrição das imunidades parlamentares à possibilidade de responsabilização criminal e civil é uma linha tendencialmente adotada por textos constitucionais surgidos em contextos ditatoriais e autoritários, o que serve como alerta quanto a interpretações jurídicas nesse sentido.

Por outro lado, não devemos ignorar os riscos e ameaças decorrentes do abuso doloso do poder de palavra por parte de agentes políticos que tentam utilizar a imunidade parlamentar e sua posição na esfera institucional como meio para atacar o próprio regime democrático e os direitos fundamentais. Nesse caso, dependendo da situação e do contexto analisado, será necessário adotar uma interpretação jurídica condizente com a defesa dos princípios e valores da Constituição de 1988.

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