Jurimetria e limites da análise preditiva no âmbito jurídico brasileiro

A crescente utilização de tecnologia no campo jurídico está transformando a forma como decisões judiciais são analisadas e previstas, bem como a preparação e propositura das ações. A jurimetria, aliada à análise preditiva, oferece ao Judiciário e aos escritórios de advocacia ferramentas para otimizar tempo e recursos, gerando previsões sobre probabilidade de êxito, tempo estimado de tramitação e até mesmo projeções de valores envolvidos nas disputas.

Contudo, o uso de jurimetria e de inteligência artificial no Direito exige bastante cautela, uma vez que esses métodos, embora úteis, têm suas limitações, especialmente em um sistema jurídico complexo e desafiador como o brasileiro.

Conceitos e limites

Antes de avançarmos, é importante compreender o conceito de jurimetria, que envolve o uso de ferramentas estatísticas e matemáticas para analisar dados sobre decisões judiciais e identificar padrões que permitam prever o desfecho provável de casos futuros. De acordo com a Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ), a jurimetria pode ser encarada como um “estudo empírico do Direito”, e ainda, “uma disciplina do conhecimento que utiliza a metodologia estatística para investigar o funcionamento de uma ordem jurídica”. Assim, ela pode ser utilizada como ferramenta de tomada de decisão em diferentes finalidades.

Já a análise preditivalato sensu, trata-se de uma técnica que utiliza dados históricos, algoritmos estatísticos, aprendizado de máquina e modelagem para identificar padrões e prever eventos futuros. Aplicada ao Direito, a análise preditiva combina dados passados sobre decisões judiciais com recursos avançados de inteligência artificial para estimar probabilidades e projeções, ajudando escritórios de advocacia e o próprio Judiciário a encontrar caminhos mais eficientes.

Contudo, apesar dos benefícios comentados, é fundamental entender os limites dessas tecnologias no âmbito jurídico. Isso porque o Direito é uma ciência essencialmente interpretativa, envolvendo variáveis complexas, como a subjetividade dos magistrados e fatores sociopolíticos e econômicos, que não podem ser capturados de forma completa por modelos matemáticos.

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Decisões judiciais não seguem um padrão rígido, imutável, mas, sim, envolvem análise jurídica profunda e a aplicação apurada das normas aos casos que se apresentam na realidade. Assim, embora a automação e o uso de modelos preditivos possam apresentar algumas vantagens, no momento atual não é possível que essas ferramentas substituam a interpretação que advogados e magistrados aplicam em seus trabalhos, com olhar humano, sensível às intempéries das diferentes condições de vida em sociedade.

Faz-se indispensável destacar que o exercício da advocacia é uma atividade profundamente humana e interpretativa. Advogados e advogadas não apenas replicam textos, dedicam anos de estudo para interpretar as nuances do Direito, aplicando inteligência e expertise a cada caso. A tecnologia deve, assim, ser uma ferramenta de apoio e não um substituto a essa análise individualizada, técnica e humana.

Ferramentas de otimização do trabalho

Esse apoio, por sua vez, é fundamental, tendo em vista o número de litígios que um magistrado deve julgar. A Justiça no Brasil soluciona uma média de 79 mil processos por dia. Por magistrado, no período de análise, são baixados 1.787 processos, uma média de 7,1 casos solucionados por dia útil. Assim, o uso de jurimetria e tecnologia tende a auxiliar os magistrados com a quantidade de litígios a serem analisados e solucionados.

Não se pode negar que a jurimetria e a análise preditiva são grandes aliadas na otimização do Judiciário, visto que o sistema enfrenta um volume crescente de processos e, em sentido inverso, importantes limitações de recursos e de pessoal. O Brasil figura entre os países com mais ações judiciais do mundo: são mais de 80 milhões de processos em tramitação, conforme informações do relatório “Justiça em Números 2024”, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e a sobrecarga de trabalho nos tribunais é um desafio constante.

Por isso, ferramentas tecnológicas, desde que utilizadas com critérios bem definidos, podem auxiliar na triagem de processos, na identificação de padrões de litígio e até mesmo no encaminhamento de decisões de menor complexidade, proporcionando aos magistrados mais tempo para dedicar aos casos que exigirem análise mais apurada e ponderação.

Desta forma, harmonizam-se os benefícios oferecidos pelas tecnologias atuais e as exigências legais, bem como são cumpridos os deveres dos magistrados, conforme disposto no artigo 35 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, incluindo o compromisso de decidir de forma justa, independente e com base na lei. Indispensável ressaltar a importância da postura ética e imparcial dos juízes, cujas decisões possuem relevância social e moral, institutos que, ainda que um dia seja possível, não devem ser avaliados e determinados pelas máquinas.

O uso indiscriminado de modelos preditivos e inteligência artificial no Judiciário poderia trazer problemas comparáveis, guardadas as devidas proporções, à experiência frustrante do atendimento automatizado nos serviços de atendimento ao consumidor de muitas empresas, nos quais a falta de personalização torna difícil a resolução de problemas específicos. Por mais que a inteligência artificial evolua, ainda é limitada na capacidade de lidar com particularidades e contextos únicos que certos processos revelam. A jurimetria, no fim das contas, trabalha com cálculos e probabilidades, sendo baseada em premissas que, se incorretas, podem resultar em interpretações equivocadas e prejudicar os jurisdicionados ao invés de ajudar.

Como se denota, o uso de tecnologias como a jurimetria e a análise preditiva apresenta diversos prós e contras que merecem reflexão, devendo ser visto como um apoio à atuação do Judiciário, dos profissionais de advocacia e demais operadores do Direito, esses sim essenciais para garantir uma análise adequada dos processos. É necessária uma combinação equilibrada entre a inovação tecnológica e o respeito às particularidades do sistema jurídico brasileiro, para que o uso dessas ferramentas seja realmente benéfico, contribuindo na prestação jurisdicional à população.

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