No dia 6 de outubro foi realizada audiência pública no âmbito do Tema 1.389 de repercussão geral, que trata da competência e do ônus da prova em processos que discutem a existência de fraude em contratos civis de prestação de serviços e a licitude da contratação de pessoas jurídicas para prestação de trabalho subordinado (pejotização). A audiência representou o início do momento mais decisivo na história do Direito do Trabalho no Brasil, um momento constitutivo que poderá selar a derrocada da construção civilizatória pós-1988 ou marcar o início de uma resistência histórica pela preservação da dignidade no trabalho.
A suspensão nacional de todos os processos relacionados ao tema, determinada em abril deste ano, já havia sinalizado a gravidade do momento. Milhares de trabalhadores tiveram seu acesso à justiça suspenso.
O que está verdadeiramente em disputa transcende questões processuais sobre competência jurisdicional ou ônus da prova. O STF prepara-se para redefinir o próprio sentido do artigo 7º da Constituição. A tentativa de estabelecer presunções de licitude para determinadas formas contratuais, independentemente de sua realidade fática, representa a negação do princípio da primazia da realidade, fundamento do Direito do Trabalho desde sua criação.
Estamos diante de algo que pode significar o próprio fim do Direito do Trabalho. Trata-se de um imperativo histórico: sem resistência, sem mobilização social, não há horizonte para os direitos sociais. Se o artigo 7º da Constituição não for considerado limite intransponível na exploração do trabalho humano, não restará dignidade aos trabalhadores.
As palavras de Vladimir Palmeira, no discurso que encerrou a concentração antes da Passeata dos Cem Mil, são surpreendentemente atuais [1]:
“Mas, minha gente, não pense que aplaudir e gritar ‘abaixo a ditadura’ é uma vitória. Hoje a repressão não veio porque não pode. E a nossa vitória é esta: ter saído na raça porque achava que tinha que sair. Mas a gente vai voltar pra casa, o estudante pra aula, operário pra fábrica, repórter pro jornal, artistas pro teatro. E é em casa, no trabalho, que a gente vai continuar a luta”.
Ao final de 1968, a resistência social gerou uma repressão ainda mais forte, mas o sentimento democrático perdurou e corroeu, ao fim, os pilares da ditadura.
E não há outra opção ao Direito do Trabalho: sem mobilização, sem resistência, o futuro se pavimenta rumo à supressão dos direitos dos trabalhadores, ao retrocesso, ao sepultamento do artigo 7º da Constituição.
Momento de inflexão
É fundamental demonstrar que a pejotização não é fenômeno natural da economia moderna, mas resultado de pressões sistemáticas sobre trabalhadores vulnerabilizados. Que a suposta “liberdade de escolha” entre ser empregado ou “empreendedor” é, para a imensa maioria, uma imposição disfarçada de oportunidade. Que o custo social da precarização será pago por toda a sociedade, não apenas pelos trabalhadores diretamente afetados.
A sociedade civil organizada precisa compreender que o resultado dessa audiência reverberará por gerações. Se o STF consolidar sua jurisprudência no sentido de esvaziar a competência da Justiça do Trabalho e flexibilizar ao extremo as proteções trabalhistas, estaremos diante da extinção de um modelo civilizatório construído ao longo de séculos. Por outro lado, uma resistência contundente pode marcar o início de uma retomada da agenda social no país. Como alertava Vladimir Palmeira naquele junho de 1968, a vitória não está em um ato, mas na continuidade da luta.
A história nos ensina que momentos de inflexão raramente anunciam-se com clareza. É apenas retrospectivamente que identificamos os pontos de não retorno. O julgamento do Tema 1.389 pode entrar para a história como o momento em que o Brasil abandonou definitivamente o projeto de proteção social inscrito na Constituição de 1988. Ou pode marcar o despertar de uma consciência sobre o próprio fim do direito do trabalho: Resistir!
[1] VENTURA, Zuenir. 1968: O ano que não terminou. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988, p. 161.
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