Em artigo já publicado [1], defendi a utilização da fórmula do valor presente como sendo o método científico adequado para se calcular o valor atual e justo de um pensionamento que seria pago em prestações ao longo de muitos anos, mas que, por desejo do credor, é antecipado para os dias atuais.
A fórmula matemática não é simples, pois envolve cálculos exponenciais, próprios da área financeira, sendo muito utilizada pelas instituições bancárias nos contratos de mútuo.
Não é, por assim dizer, uma área científica em que os profissionais do direito se sintam à vontade. Muito pelo contrário, algumas conclusões matemáticas podem se tornar incompreensíveis para o desenvolvimento do raciocínio jurídico preocupado mais com a disciplina legal, sua interpretação e o senso do justo.
Essas mentes vocacionadas para o humanismo muitas vezes questionaram o motivo de nos impor a matemática como disciplina obrigatória nas primeiras fases da nossa vida estudantil, mas agora, quando do exercício prático da atividade jurídica, constatamos como as ciências se conjugam e se entrelaçam e o quanto é importante aprimorarmos nossos conhecimentos em áreas paralelas à nossa atividade principal.
Mais recentemente, algumas turmas do Tribunal Superior do Trabalho passaram a adotá-la como critério apropriado para cálculo do pensionamento que será pago em parcela única. Vejam-se alguns precedentes:
RECURSO DE REVISTA. VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. PAGAMENTO EM PARCELA ÚNICA. FÓRMULA DO VALOR PRESENTE.1. A jurisprudência desta 1ª Turma é firme no sentido de que o critério de arbitramento mais adequado para apuração do valor do pensionamento convertido em parcela única, com observância do princípio da reparação integral, é o que utiliza a fórmula matemática destinada à obtenção do “valor presente”.2. O método, muito utilizado pelas instituições financeiras para deduzir os juros incorporados nos empréstimos na hipótese de pagamento antecipado, leva em consideração o valor periódico e o tempo de duração do pensionamento, considerando-se adequado o ressarcimento, em parcela única, de montante que, submetido à determinada taxa de juros, permita uma retirada periódica que corresponda à renda mensal e, ao mesmo tempo, amortize parte do capital de forma que ele se esgote ao final do período de duração estipulado. 3. A planilha deverá ser utilizada apenas para calcular o valor das parcelas futuras do pensionamento, pois, quanto aos valores pretéritos ao momento do pagamento, o pensionamento deverá ser quitado pelo valor integral. Recurso de revista conhecido e provido” (RR-0020002-66.2022.5.04.0233, 1ª Turma, Relator Ministro Amaury Rodrigues Pinto Junior, DEJT 14/05/2024)
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RECURSO DE REVISTA. INTERPOSIÇÃO NA VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.467/2017. PENSÃO MENSAL. PAGAMENTO EM PARCELA ÚNICA. REDUTOR. FÓRMULA DO VALOR PRESENTE. Conforme entendimento firmado nesta Turma de julgamento, uma vez identificada situação em que se justifica a condenação ao pagamento de pensão ao trabalhador e tendo o órgão julgador, no exercício do seu poder discricionário, decidido pela conversão da pensão em parcela única, na forma facultada pelo art. 950, parágrafo único, do Código Civil, o cálculo da indenização deve observar a denominada “fórmula do valor presente” ou “fórmula do valor atual”. Usual em sistemas contábeis e de gestão de investimentos, tal fórmula permite conhecer o valor que corresponde, no momento atual, à retirada de prestações mensais futuras, descontado o custo do capital previamente estabelecido. Para extrair-se o montante devido, necessário, apenas, que seja informado o valor da pensão mensal fixada e a quantidade de parcelas deferidas, que conforme jurisprudência sedimentada neste TST deve corresponder ao número de meses que faltarem para atingir o tempo de expectativa de vida do interessado, segundo a tabela de mortalidade do IBGE. Ainda conforme o entendimento encampado, a taxa de juros a ser descontada deve ser 0,5% ao mês, compatível com o índice dos investimentos mais conservadores, aplicando-se o redutor somente em relação às parcelas futuras (vincendas), pois apenas sobre elas ocorre a antecipação do capital. Precedentes. Recurso de Revista conhecido e parcialmente provido ” (RRAg-20011-94.2017.5.04.0203, 1ª Turma, Relator Ministro Luiz Jose Dezena da Silva, DEJT 13/05/2024).
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DANOS MATERIAIS. PENSÃO MENSAL. DEFERIMENTO EM PARCELA ÚNICA. ART. 950, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO CIVIL. REDUTOR. UTILIZAÇÃO DA METODOLOGIA DO VALOR PRESENTE. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA . Constatada a incapacidade permanente do empregado, total ou parcial, em virtude de acidente de trabalho ou doença a ele equiparada, incumbe ao magistrado proceder à apuração do valor da indenização devida, além da forma de sua execução, a fim de assegurar real efetividade à condenação. Contudo, em caso de reparação por danos materiais, deferida na forma de pensionamento, cujo pagamento foi autorizado em parcela única, nos moldes do artigo 950, parágrafo único, do Código Civil, o quantum indenizatório resultante da incapacidade deve, ainda, considerar os efeitos da antecipação das parcelas. Desse modo, não pode ser limitada ao mero somatório do valor correspondente às pensões mensais a que faria jus o empregado, porquanto indispensável, também, a adequação da condenação à modalidade de sua execução. Atento a esta situação, o legislador atribui ao julgador a responsabilidade pelo arbitramento, a fim de atender o objetivo da reparação integral do dano sofrido pela vítima (artigo 944, Código Civil), sem ocasionar excessivo prejuízo ao empregador, ante a vedação do enriquecimento sem causa. Contudo, a utilização de um percentual único, a ser aplicado indistintamente em todos os casos, como tem ocorrido na jurisprudência desta Corte, inclusive desta Turma, não parece ser a solução mais adequada, uma vez que dissociada do conceito de justiça, tendo em vista os diferentes períodos de apuração do montante devido, resultante do interregno entre a data do pagamento antecipado e o termo final a que se refere o cálculo. Ressalte-se também que a antecipação do valor pago em cota única também tem consequências financeiras, pois não se pode deixar de considerar as vantagens econômicas propiciadas ao credor, ao receber a quantia total de uma única vez e antecipadamente, situação mais vantajosa do que recebê-la de forma parcelada, ao longo de vários anos. Essa é a conclusão lógica que se deriva da máxima de que “o dinheiro tem valor no tempo”. Assim, revela-se mais adequada – e consequentemente justa – para as partes (credor e devedor) a utilização do método do “valor presente” ou “valor atual” para arbitramento do valor da pensão paga antecipadamente, nos termos do art.950, parágrafo único, do Código Civil. Isso porque, essa metodologia permite ao julgador a adequação do valor devido a título de indenização a cada caso concreto e atento às suas particularidades, por basear-se em critério objetivo (a definição do percentual), levar em consideração os diferentes períodos de apuração – resultantes do intervalo medido entre a data do pagamento e o termo final do cálculo – , adotar percentual de juros a incidir sobre a parcela devida mensalmente, além de também se revelar mais consentâneo com o Princípio da Razoabilidade. Precedentes. Recurso de revista conhecido e parcialmente provido” (RRAg-20650-38.2017.5.04.0551, 7ª Turma, Relator Ministro Claudio Mascarenhas Brandao, DEJT 16/08/2024).
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2 – DANOS MATERIAIS. PENSIONAMENTO. PAGAMENTO EM PARCELA ÚNICA. REDUTOR. VALOR PRESENTE. DESÁGIO. TRANSCENDÊNCIA NÃO RECONHECIDA. 1. A Subseção de Dissídios Individuais I do Tribunal Superior do Trabalho, em precedente exarado em E-ED-RR-2230-18.2011.5.02.0432 decidiu pela possibilidade da aplicação de um redutor, na hipótese de pagamento de indenização em parcela única dos danos materiais. 2. Assim, mostra-se adequada a utilização da metodologia de cálculo do valor-presente para a fixação do deságio para as parcelas vincendas, por levar em conta a remuneração mensal que seria paga à título de pensão mensal, exatamente como entendeu a Corte de origem. Agravo conhecido e não provido” (AIRR-0010338-97.2020.5.18.0004, 8ª Turma, Relatora Ministra Delaide Alves Miranda Arantes, DEJT 16/09/2024).
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“AGRAVO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMADA NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. DANOS MATERIAIS. PENSIONAMENTO. DESÁGIO. CÁLCULO DO VALOR-PRESENTE. TRANSCENDÊNCIA NÃO RECONHECIDA. 1. De acordo com decisão proferida pela Subseção de Dissídios Individuais I, deste Tribunal Superior do Trabalho, nos autos de E-ED-RR-2230-18.2011.5.02.0432, é possível a aplicação de um redutor, na hipótese de pagamento de indenização em parcela única relativa a danos materiais. 2. Está adequada a metodologia de cálculo do valor-presente para a fixação do deságio para as parcelas vincendas, por levar em conta a remuneração mensal que seria paga a título de pensão mensal, acrescida das parcelas salariais incidentes, além do percentual da perda de capacidade, indexados pela remuneração da poupança . Agravo conhecido e não provido” (Ag-RR-24071-58.2020.5.24.0071, 8ª Turma, Relatora Desembargadora Convocada Marlene Teresinha Fuverki Suguimatsu, DEJT 25/06/2024).
Avaliação do ‘justo’ pelo percentual redutor do valor final
Outro dia, um advogado me abordou indignado pois, ao utilizar o aplicativo que calcula o valor presente de um pensionamento que seria pago em parcela única, constatou que o percentual de desconto ultrapassava 50%, quando o Tribunal Superior do Trabalho arbitra o deságio em 20 ou 30%. Questionou-me se havia justiça naquele resultado ou se havia erro de cálculo.
Como também sou da área de humanas, não soube responder de pronto o questionamento. Mas uma certeza eu tinha: a matemática não agasalha dubiedade e o resultado final não é fruto de interpretação.
Pois bem.
A fórmula é mundialmente conhecida e admitida para o fim a que se propõe, logo, já foi testada e aprovada. Caso contrário, o Poder Judiciário estaria abarrotado de ações contestando os descontos concedidos em razão do pagamento antecipado de empréstimos, além do que, como já destacado no trabalho anteriormente referido, tribunais do mundo inteiro a utilizam para calcular o pagamento antecipado de um direito devido mediante parcelas futuras.
Os elementos de cálculo são três: o valor da prestação mensal devida, o percentual de desconto e a quantidade de parcelas, todas fixadas pelo magistrado, o que afasta de pronto a ideia de que o percentual de deságio será inferior ou superior ao habitualmente fixado nos precedentes judiciais elegíveis como parâmetro.
De qualquer forma, é preciso esclarecer que, entre as variáveis da fórmula, se encontra o tempo, refletido pela quantidade de prestações futuras. Quanto maior o tempo, maior a antecipação e, consequentemente, maior o deságio. Consequência matemática de indiscutível justiça e exatidão.
Vamos a dois exemplos extremos, fazendo uso do o aplicativo que utiliza a fórmula[2]: tratemos de um trabalhador com remuneração de R$ 10.000,00, já incluída a proporção anual das férias e do 13º salário.
O período de pensionamento era de um ano, e vamos utilizar uma taxa de juros de 0,5% (como normalmente se arbitra).
Aplicando-se a fórmula, teremos que o valor presente corresponde a R$ 116.189,32. Traduzindo em percentual, corresponde a 3,17% de deságio em relação à soma dos valores que o trabalhador receberia mensalmente ao longo do ano.
Como se vê, o deságio é muito inferior ao que normalmente se arbitra nos tribunais (20 ou 30%). É pequeno, mas é justo, pois é proporcional à quantidade de tempo de antecipação.
Por outro lado, esse mesmo trabalhador que recebe os R$ 10.000,00 é beneficiado com o pagamento antecipado de um pensionamento que receberia ao longo de 20 anos. Mantida a taxa de deságio de 0,5%, teremos, ao utilizar a fórmula, o valor presente de R$ 1.395.807,72, correspondente a 41,84% de deságio em relação à soma dos valores totais que o trabalhador teria direito de receber, por mês, ao longo de 20 anos.
Mais uma vez chama-se a atenção para o percentual de deságio, agora muito superior ao arbitrado nos tribunais. É alto, mas ainda assim é justo, pois proporcional à quantidade de tempo da antecipação.
Esses dois extremos apenas realçam a imprecisão do arbitramento aleatório e invariável que, por óbvio, não leva em conta o tempo de antecipação do pagamento e, portanto, não atende ao princípio da reparação integral, podendo, por vezes, não corresponder ao valor que o trabalhador efetivamente teria direito e, em outros momentos, proporcionar-lhe uma vantagem econômica que não reflete matematicamente o direito que possui.
As situações hipotéticas acima referidas também demonstram que a ideia de “valor justo” para o pagamento do pensionamento em quota única não pode estar atrelada a um percentual fixo e indiferente ao tempo de antecipação do direito.
Erro de percepção que compromete avaliação do justo e pode ocasionar erro de cálculo
Agora retorno ao questionamento inicial do advogado para concluir que não há injustiça ou erro de cálculo, mas erro de percepção.
Não se percebe que o momento da utilização da fórmula não deverá ser aquele em que ocorreu a incapacidade, tampouco a data do ajuizamento da ação trabalhista, da prolação da sentença, do julgamento do recurso ou mesmo do trânsito em julgado.
A fórmula deverá ser utilizada no momento da elaboração do cálculo de liquidação e servirá para pagamento no mesmo mês.
A razão é simples e decorrente de raciocínio aritmético: estaremos calculando o valor presente de parcelas que seriam exigíveis no futuro, pois em relação às parcelas já vencidas, o credor tem direito ao pagamento atualizado e com acréscimo de juros e não com deságio.
Repita-se: o valor devido não pode ser calculado no momento do julgamento, pois ainda não teremos em definitivo um dos elementos do cálculo: a quantidade de meses futuros.
Caberá ao julgador definir apenas o valor da prestação e o seu termo final, informação necessária para quantificar os meses faltantes no momento da elaboração do cálculo. O percentual de juros a ser descontado poderá ser definido apenas no momento da liquidação, considerando a conjuntura econômica da época do pagamento.
Na liquidação da sentença, o cálculo será elaborado em duas partes distintas:
- a) as parcelas vencidas serão apuradas sem qualquer deságio, atualizadas e acrescidas dos juros legais.
- b) somente as parcelas futuras serão apuradas mediante utilização da fórmula do valor presente, considerando apenas e tão somente a quantidade de meses que restam entre aquele momento e o termo final fixado na coisa julgada.
Realça-se, ainda, que a fórmula do valor presente poderá ser utilizada pelos advogados para avaliar a conveniência de se optar pelo recebimento do direito em parcela única, mas principalmente para obter parâmetros de conciliação.
Alerte-se, porém, para o perigo do erro de percepção aqui realçado: a fórmula serve para calcular apenas as prestações futuras, pois as passadas não sofrerão qualquer deságio. O erro de percepção poderá resultar em erro de cálculo e consequente prejuízo no momento de conciliar.
Um último alerta se faz necessário, agora dirigido aos julgadores: o 13º salário, as férias e qualquer outra parcela que se reconheça deva integrar o pensionamento deverá ser incluída no valor da prestação e não na quantidade de prestações futuras, sob pena de desvirtuamento do cálculo, pois influenciará negativamente no fator tempo.
Conclusão
Reafirma-se que, para se calcular o deságio decorrente do pagamento antecipado de direito previsto para ser adquirido mediante prestações periódicas que se prolongam no tempo, o único método pelo qual se pode obter um valor justo e que observe o princípio da reparação integral é que utiliza a fórmula do valor presente ou do valor atual.
A avaliação do que seria justo fundamentada exclusivamente no percentual de deságio não leva em consideração o tempo de antecipação do direito e, portanto, não observa o critério da equidade.
Ademais, essa avaliação é contaminada por erro de percepção, pois não considera que a fórmula deverá ser aplicada no futuro, no mês em que o pagamento da parcela única será realizado e não no momento mesmo em que se está fazendo a avaliação.
Claro está que o juízo de valor realizado com fundamento em quantidade de prestações muito superior ao que efetivamente será utilizado no futuro está irremediavelmente comprometido pela falsidade da premissa.
[1] PINTO JUNIOR, Amaury Rodrigues. Pensionamento: pagamento em parcela única e a fórmula do valor presente. Revista Ltr: legislação do trabalho, São Paulo, v. 82, n. 2, p. 147-154, fev. 2018.
[2] Como o cálculo envolve matemática financeira, pode-se utilizar um aplicativo que, inseridos os dados solicitados, nos fornece o “valor atual” de uma dívida que envolve prestações futuras. Entre vários sites com esse programa, destaca-se o do Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região: https://www.trt24.jus.br/web/guest/calculo-do-valor-presente.
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