Revolução Digital: promessas e riscos

Vivemos sob a égide da Revolução Digital, com o crescimento gradativo da inteligência artificial no dia a dia dos brasileiros. Ela substituiu a tecnologia analógica pela digital, permitindo a universalização dos computadores pessoais, dos telefones celulares inteligentes e da internet, conectando bilhões de pessoas em todo o mundo.

Os benefícios sociais dessa revolução são inegáveis. Houve a democratização sem precedentes do acesso ao conhecimento, à informação e ao espaço público. Em momentos desafiadores, como o confinamento imposto pela pandemia de Covid-19, a tecnologia mostrou sua face mais virtuosa. Plataformas digitais viabilizaram o trabalho remoto, o ensino a distância, a prestação jurisdicional e a manutenção de vínculos afetivos. Surgiram, ademais, potentes ferramentas de interação social, como as redes sociais, que redefiniram as formas de participação e de engajamento cívico.

Entretanto, essa nova ordem digital também fez emergir um conjunto expressivo de desafios. O primeiro deles diz respeito à circulação irrestrita de conteúdos, que, destituídos de qualquer filtro editorial, abriram espaço para a proliferação da desinformação, dos discursos de ódio e das teorias conspiratórias. A forma de funcionamento das redes sociais, com seu modelo de negócios fundado no engajamento, tem desestabilizado a esfera pública e ameaçado valores fundamentais como a civilidade, a verdade e o respeito mútuo. Enfrentar tais distorções exige um delicado equilíbrio: preservar a liberdade de expressão, sem que ela se converta em instrumento de destruição da própria democracia e sem que o mundo desabe num abismo de incivilidade movido a ódio e a mentiras.

A segunda consequência negativa foi uma certa tribalização da vida, em que os programas de inteligência artificial direcionam a cada usuário apenas notícias, informações, anúncios e opiniões que já correspondem ao que essas pessoas pensam, reforçando o viés de confirmação. Os indivíduos passaram a habitar bolhas informacionais que reforçam suas crenças preexistentes, os distanciam de visões contrapostas e dificultam o exercício da empatia.

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Um terceiro aspecto crítico está relacionado à crise no modelo de negócios da mídia tradicional, fragilizada pela migração da publicidade para as plataformas digitais. Além do fechamento das portas de veículos da mídia tradicional – rádio, televisão e jornais impressos –, houve o enfraquecimento de um mecanismo essencial ao funcionamento do espaço público: o controle editorial feito pela imprensa tradicional sobre a informação, que assegurava um grau mínimo de qualidade, veracidade e civilidade das informações difundidas.

O que se vê, portanto, é a emergência de “tribos” digitais que constroem suas próprias narrativas, muitas vezes dissociadas da realidade objetiva. A verdade foi perdendo a importância. Os fatos já não são mais objetivos, passam a ser entendidos como meras opiniões que podem ser moldadas ao gosto das crenças individuais. Nesse cenário, precisamos fazer com que mentir volte a ser errado. Em uma democracia, a verdade é plural e não tem dono, mas não pode ser substituída por falsidades deliberadas.

Por outro lado, quando usada com responsabilidade e para fins pacíficos e humanitários, a tecnologia digital tem o potencial de elevar o melhor da experiência humana. No âmbito do Poder Judiciário, por exemplo, a digitalização dos processos tornou-se realidade em toda a Justiça brasileira. Isso permitiu maior celeridade, transparência e eficiência na entrega da prestação jurisdicional, aproximando o Poder Judiciário do cidadão.

Adicionalmente, o sistema de justiça tem se valido da inteligência artificial para aprimorar rotinas, qualificar a análise de dados e liberar os agentes humanos para as tarefas mais relevantes. No Supremo Tribunal Federal (STF), contamos com quatro ferramentas de inteligência artificial em uso. A mais recente é a MARIA, a primeira com inteligência artificial generativa, desenvolvida para gerar ementas, relatórios processuais e análises iniciais de processos de modo automatizado, a partir da análise de peças processuais. Ela é um marco do compromisso da Suprema Corte brasileira com a modernização e com a utilização institucional e a inovação responsável.

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Fora do campo jurídico, a inteligência artificial pode proporcionar melhorias significativas em áreas de relevância social, como saúde, cultura e educação. Mas também impõe desafios, sobretudo no mercado de trabalho, no qual o impacto é mais óbvio e previsível, ameaçando postos tradicionais e exigindo uma complexa requalificação da força laboral.

A Revolução Digital representa, em síntese, uma das maiores transformações da humanidade. Somente a história nos dirá se saberemos aproveitá-la para o bem ou se nos perderemos no caminho. O que está ao nosso alcance, neste momento, é estabelecer marcos éticos, regulatórios e jurídicos, para frear o mau uso da tecnologia e para preservar o pluralismo, a diversidade e a liberdade.

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