Em meu artigo recente publicado nesta Conjur, intitulado “A Estupidez como Método: Crônica do Direito Internacional Contemporâneo“, destaquei como o sistema jurídico internacional tem sido progressivamente erodido por interpretações seletivas, manipulações políticas e uma lógica de conveniência que coloca a normatividade em segundo plano. O que deveria ser um sistema jurídico funcional tem sido reduzido a um campo de disputa geopolítica, no qual tratados são seguidos ou ignorados conforme os interesses momentâneos dos estados mais poderosos.
O problema central identificado nesse cenário não é apenas a violação das normas internacionais, mas a normalização dessa violação. Quando a previsibilidade jurídica é substituída pela arbitrariedade, a ordem internacional deixa de ser um sistema normativo autônomo e passa a funcionar sob a lógica da força e da conveniência política. Essa estupidez institucionalizada compromete a própria existência do direito internacional enquanto campo jurídico.
Se essa tendência não for revertida, o direito internacional corre o risco de se tornar uma estrutura retórica sem efetividade, reduzida a um instrumento discursivo para legitimar decisões já tomadas nos bastidores da geopolítica. No entanto, se há um caminho para resgatar a racionalidade do sistema jurídico internacional, ele passa por uma abordagem metodológica que devolva coerência e previsibilidade à ordem global.
É aqui que a Teoria Axiomática-Sistêmica do Direito Internacional, desenvolvida por Wagner Menezes e apresentada em Berkeley em 2024, se apresenta como um antídoto à fragmentação normativa e à instrumentalização política do direito internacional. Em vez de aceitar a desintegração das normas como um fato consumado, essa teoria propõe um modelo normativo estruturado em axiomas fundamentais, que garantem a unidade e a racionalidade do sistema jurídico internacional.
A seguir, explorarei como essa teoria oferece uma resposta concreta aos desafios enfrentados pelo direito internacional contemporâneo, apresentando-se não apenas como uma alternativa teórica, mas como um imperativo metodológico para garantir a funcionalidade e a legitimidade da ordem jurídica global.
Sistema à beira do colapso: falência da normatividade internacional
O direito internacional encontra-se em um estado de entropia. O multilateralismo se desfaz, o uso da força é normalizado e as instituições jurídicas globais são esvaziadas por estratégias de poder cada vez mais sofisticadas. As normas internacionais, que deveriam estruturar um mínimo de previsibilidade nas relações entre os estados, são manipuladas ou simplesmente ignoradas por aqueles que têm o poder de ditar unilateralmente as regras do jogo.
A ONU? Refém do Conselho de Segurança. A Corte Internacional de Justiça? Um órgão consultivo cuja autoridade é tantas vezes suprimida pela geopolítica. A normatividade internacional ainda existe, mas seu caráter vinculante é relativizado sempre que se torna inconveniente para os atores estatais mais poderosos.
A deterioração da ordem jurídica internacional (tal qual a estudamos) não é um fenômeno recente. Ela resulta de um problema estrutural: o positivismo jurídico clássico, alicerçado na primazia da vontade estatal, já não dá conta da complexidade dos tempos modernos. O pluralismo jurídico, por sua vez, dissolveu-se em uma colcha de retalhos normativa, onde regimes jurídicos setoriais competem entre si, ao invés de comporem um sistema funcionalmente integrado. O resultado? A irracionalidade institucionalizada.
Se queremos recuperar a força normativa do direito internacional, é preciso resgatar sua coerência. É neste ponto que a Teoria Axiomática-Sistêmica do Direito Internacional, desenvolvida por Wagner Menezes, se apresenta como um antídoto à atual fragmentação normativa e à crescente instrumentalização do direito pela geopolítica do poder.
Teoria Axiomática-Sistêmica: um modelo estrutural para um direito em colapso
A Teoria Axiomática-Sistêmica parte de um pressuposto incontornável: o direito internacional não pode ser compreendido como um amontoado de normas fragmentadas, mas sim como um sistema estruturado a partir de axiomas fundamentais.
Os axiomas, na definição de Menezes, são princípios jurídicos primários, não derivados de vontades estatais, mas de um consenso normativo mínimo que sustenta toda a ordem internacional. São, em outras palavras, os elementos de racionalidade que garantem a previsibilidade e a continuidade do Direito Internacional como um campo jurídico autônomo.
Entre esses axiomas fundamentais, destacam-se:
Pacta sunt servanda: os tratados devem ser cumpridos. Se os compromissos assumidos pelos Estados não são obrigatórios, o próprio Direito Internacional torna-se uma ficção.
Soberania estatal e igualdade jurídica entre os Estados: sem esse princípio, a normatividade internacional se torna mero instrumento de dominação.
Proibição do uso da força: norma frequentemente violada, mas que, paradoxalmente, sustenta a própria legitimidade do sistema.
Respeito aos direitos humanos: um pilar normativo que, mesmo contestado, segue sendo a base da legitimidade moral do Direito Internacional.
Cooperação internacional como princípio estruturante: o reconhecimento de que, sem coordenação e solidariedade entre estados, a governança global se torna impossível.
Esses axiomas não apenas fundamentam a normatividade internacional, mas conferem coerência ao sistema jurídico global. No entanto, para que sejam efetivos, precisam ser aplicados dentro de uma lógica sistêmica.
Coerência sistêmica e a necessidade de um direito internacional racional
Se há algo que caracteriza o direito internacional contemporâneo, é a sua fragmentação. O fenômeno é bem descrito por Niklas Luhmann: sistemas normativos que perdem a capacidade de coerência interna tendem à imprevisibilidade.
Hoje, essa incerteza se manifesta de forma clara:
- a) No direito ambiental, tratados climáticos entram em choque com normas da OMC, revelando a ausência de uma visão sistêmica sobre a relação entre meio ambiente e economia global;
- b) Nos direitos humanos, tribunais internacionais tomam decisões conflitantes sobre garantias fundamentais, enfraquecendo a universalidade desses direitos;
- c) No direito internacional humanitário, a proibição do uso da força é reiteradamente relativizada, sempre em nome de uma suposta “exceção necessária”.
A Teoria Axiomática-Sistêmica propõe um antídoto: a reinterpretação das normas internacionais a partir dos axiomas fundamentais e da coerência sistêmica. Isso significa que, diante de um conflito normativo, não se deve aplicar critérios meramente formais, mas sim buscar a solução que melhor preserve a integridade do sistema jurídico internacional.
Se os tribunais internacionais aplicassem esse critério, muitas das contradições normativas do direito internacional poderiam ser minimizadas. O sistema jurídico global deixaria de ser um conjunto de ilhas normativas desconectadas e passaria a funcionar como uma estrutura verdadeiramente integrada.
Aplicações concretas da Teoria Axiomática-Sistêmica
A teoria não é uma abstração acadêmica. Pelo contrário, ela fornece um marco metodológico concreto para a reconstrução do Direito Internacional. Entre suas aplicações práticas, destacam-se:
- Resolução de conflitos normativos: A aplicação do critério da coerência sistêmica poderia permitir a harmonização entre diferentes regimes jurídicos, reduzindo as contradições e ampliando a efetividade do direito internacional.
- Reafirmação de normas imperativas (jus cogens): O modelo axiomático confere solidez à hierarquia normativa, garantindo que direitos fundamentais não sejam relativizados por interesses políticos conjunturais.
- Integração da governança global: A teoria auxilia na articulação entre organizações internacionais, evitando a dispersão normativa e promovendo maior eficácia regulatória em temas como mudanças climáticas, comércio global e proteção dos direitos humanos.
- Recuperação da legitimidade do sistema: Em tempos de desinformação e manipulação jurídica, o retorno a princípios axiomáticos é essencial para garantir previsibilidade e segurança nas relações internacionais.
Um chamado à racionalidade antes que a estupidez se torne método
Hans Kelsen já advertia que um sistema jurídico sem coerência implode sobre si mesmo. No direito internacional, esse risco se torna mais evidente a cada nova violação impune, a cada nova decisão contraditória, a cada novo tratado que não encontra meios de efetivação.
A Teoria Axiomática-Sistêmica de Wagner Menezes nos recorda de que o direito internacional não pode ser uma estrutura amorfa, sujeita apenas ao jogo de forças momentâneo. Pelo contrário, deve ser resgatado como um sistema jurídico racional, baseado em princípios fundamentais e interpretado à luz de sua coerência interna.
Ignorar essa necessidade é aceitar que o direito internacional siga sendo instrumentalizado, reduzido a um mero argumento retórico para justificar a lógica brutal do mais forte.
Diante desse cenário, a Teoria Axiomática-Sistêmica surge não apenas como uma possibilidade teórica, mas como um imperativo normativo para a sobrevivência do direito internacional.
Persistir na fragmentação normativa e na relativização das regras jurídicas é insistir na estupidez como método. O desafio que se impõe é justamente o oposto: reconstruir um sistema jurídico internacional que não seja refém da irracionalidade, mas sim um espaço de previsibilidade, racionalidade e justiça global.
A história nos ensina que a irracionalidade já destruiu sistemas normativos antes. A questão que se impõe é: teremos a lucidez de aprender com o passado antes que o direito internacional se torne apenas um vestígio de civilidade em meio ao caos?
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