A mineração nos fundos marinhos além da jurisdição dos estados (atividades na área) é um tema que vem ganhando visibilidade no debate internacional. Cada vez mais países vem se empenhando para firmar acordos de exploração e explotação para realização de atividades minerárias além das 200 milhas náuticas. Todavia, em oposição a esse crescente interesse econômico, muitas organizações ambientais vêm ativamente estabelecendo campanhas para o banimento, pausa precaucional ou moratória para o início das atividades de explotação.
Consequentemente, alguns países constataram a necessidade de regulamentação legislativa dessas atividades a fim de tanto facilitar o seu início como regular responsabilizações por possíveis danos oriundos das atividades. Nesse sentido, o presente escrito explora a atual situação em que a legislação brasileira sobre o tema se encontra e quais as possíveis tendências que o presente rumo dessas atividades pode levar ao Estado brasileiro.
Esse panorama cobra do Brasil uma posição regulatória clara e tecnicamente robusta: se a área é patrimônio comum da humanidade, isso exige parâmetros domésticos que traduzam a devida diligência em requisitos verificáveis de governança, tanto ambientais quanto financeiras, que devem ocorrer antes, durante e depois da operação de mineração na área (artigo 139 da CNUDM e artigos 4 e 21 de seu Anexo III).
Em termos práticos, isso significa amarrar o debate nacional ao que hoje é discutido na Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos, ou seja, aos regulamentos de explotação em elaboração, sem abdicar de padrões internos mais estritos quando necessários (Anexo III, artigo 21(3), Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM).
Como estamos
A autoridade é a organização internacional estabelecida pela CNUDM responsável pela regulamentação e controle das atividades de mineração além da jurisdição dos Estados para benefício da humanidade como um todo.
Até então foram aceitos 31 contratos junto à autoridade que foram firmados com 22 entidades, tanto públicas como privadas, para exploração e explotação de nódulos polimetálicos, sulfetos polimetálicos e crostas ferromanganesíferas ricas em cobalto. Dentre os 31 contratos, em 9 de novembro de 2015, a Autoridade e o Brasil, através da Companhia de Pesquisa e Recursos Minerais do Brasil — Serviço Geológico do Brasil (CPRM) — como contratante, assinaram um contrato de 15 anos para a exploração de crostas ferromanganesíferas ricas em cobalto na região da Elevação do Rio Grande. Contudo, o governo brasileiro requisitou uma rescisão contratual voluntária em 28 de dezembro de 2021.
Em sua última atualização legislativa, em 11 de agosto de 2017, a Missão Permanente do Brasil junto à Autoridade comunicou que a legislação brasileira está de acordo com as regras, regulamentos e procedimentos emitidos pela Autoridade (Código Minerário da Autoridade) e com os princípios que os regem, como o princípio das melhores práticas ambientais e abordagem precaucional. Além disso, reafirmou a participação e promulgação brasileira de diversos acordos internacionais convergentes ao tema. Todavia, o Brasil ainda não possui uma legislação exclusivamente voltada a regular as atividades de mineração na área.
Tendo em vista a obrigação do Estado brasileiro de proteção do meio ambiente e de responsabilização contra atos ilícitos que venham a causar danos ao meio ambiente, a inexistência de uma legislação voltada a essa regulamentação de atividades na área torna o cumprimento de tal obrigação incerta, ou, na melhor das hipóteses, insuficiente.
Para onde vamos
Atualmente encontra-se em trâmite o Projeto de Lei (PL) 6.969/13 (conhecido como Lei do Mar) que institui a Política Nacional para a Conservação e o Uso Sustentável do Bioma Marinho Brasileiro (PNCMar) e dá outras providências. O Projeto visa alterar a Lei nº 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais) e a Lei nº 7.661/88 (Lei das Praias ou Lei do Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro) atualmente em vigor. Outro recente progresso foi a Câmara dos Deputados aprovar o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 653/25, que se refere ao Acordo no marco da CNUDM relativo à conservação e ao uso sustentável da diversidade biológica marinha das áreas situadas além da jurisdição nacional (Acordo BBNJ). Esses avanços foram significativos para a política oceânica, mas não substituem um regime nacional específico para atividades na área. A solução institucional mais lógica seria um projeto de lei próprio, que complemente a legislação nacional e se harmonize com tratados internacionais pertinentes, evitando sobreposições e lacunas.
Um PL dedicado ao tema deve exigir, por exemplo: a) elegibilidade com substância econômica no Brasil (sede e administração reais, equipe idônea, contas auditáveis, beneficiário final transparente); (b) controle efetivo positivado (licenciamento com condicionantes, auditorias independentes, governança rastreável, poderes de intervenção); (c) devida diligência ex ante (linha de base robusta, dados abertos, revisão periódica); (d) salvaguardas financeiras proporcionais ao risco (seguros, garantias, fundo de contingência); (e) anticaptura e transparência (publicidade de contratos e beneficiários, prevenção de conflitos); (f) cooperação científica e partilha de benefícios (dados, amostras, formação).
No plano interno, o Brasil possui alguns órgãos poderiam auxiliar na sua implementação: a) a Advocacia-Geral da União (AGU); b) Agência Nacional de Mineração (ANM); c) a Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM); d) Controladoria-Geral da União (CGU; e) o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI); f) o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA); g) Tribunal de Contas da União (TCU).
Para dar efetividade, o modelo ainda deve prever uma autoridade nacional com comitê científico independente e protocolo de dados abertos que integre aportes dos campos do meio ambiente, ciência e tecnologia, relações exteriores e mineração, além de possuir competências claras de fiscalização.
Tanto a CNUDM, em seu artigo 153(2)(b), como o Código Minerário da Autoridade estabelecem a necessidade de patrocínio por um dos Estados Parte da Convenção a um ente contratante, seja público ou privado. Além disso, o artigo afirma que, para que o patrocínio seja possível, é necessário que a entidade contratante possua a nacionalidade do respectivo Estado ou seja efetivamente controlada por ele ou seus nacionais, o chamado requisito do controle efetivo. Em síntese, o Estado com controle efetivo é capaz de orientar, condicionar e, quando necessário, paralisar operações.
O Estado patrocinador deve garantir que o contratante cumpra os requisitos de responsabilização previstos no regime e nas obrigações de mineração na Área. Segundo a “Opinião Consultiva da Câmara de Soluções de Controvérsias Relacionadas aos Fundos Marinhos do Tribunal Internacional de Direito do Mar de 1 de Fevereiro de 2011” (Opinião Consultiva de 2011), fica a cargo de cada Estado incluir em sua legislação nacional disposições para a implementação de suas obrigações nos termos da Parte XI da CNUDM e outras regras compatíveis com a Convenção (Opinião Consultiva de 2011, paragrafo 240). Nesse mesmo sentido, o Anexo III, artigo 21(3), da CNUDM possibilita que as regras, regulamentos e procedimentos relativos à proteção do meio ambiente adotados pela autoridade sejam utilizados como um padrão mínimo de rigor para as leis e regulamentos ambientais ou padrões mais rígidos, caso o Estado considere pertinente ser aplicado em suas leis.
Esse encargo deriva da obrigação de zelar pelo cumprimento e responsabilidade por danos. Segundo o artigo 139(1) da CNUDM, os Estados Partes ficam obrigados a zelar pelas atividades na Área realizadas por quaisquer entidades contratantes sob seu patrocínio. Os danos causados pelo não cumprimento das suas obrigações implicam na responsabilização internacional desses Estados, salvo nos casos em que o Estado patrocinador tiver tomado todas as medidas necessárias e apropriadas para assegurar o cumprimento efetivo das suas obrigações.
Além disso, o crescente fenômeno dos Estados patrocinadores de conveniência em atividades na área é algo alarmante, devendo ser devidamente regulamentado em legislação nacional. Semelhante aos casos de bandeiras de conveniência em registro de embarcações, trata-se do registro de empresas por particulares de outros Estados em certos Estados que possuem legislações flexíveis, com o propósito de adquirir o seu patrocínio para condução de atividades minerárias na área e, com isso, serem submetidas às leis mais brandas do Estado patrocinador.
Isso ocorre devido à atual interpretação do requisito do controle efetivo por parte da autoridade. Em contratos anteriormente aprovados, entendeu-se o controle efetivo como sinônimo de controle regulatório. Na prática, a autoridade aceita o simples comprovante ou certificado de patrocínio emitido pelo Estado patrocinador para considerar como atendido o requisito de controle efetivo, deixando a cargo de cada Estado o poder de determinar o que seria necessário para cumprir o requisito do controle efetivo.
Conclusão
A regulamentação da mineração nos fundos marinhos além da jurisdição nacional é mais do que necessária para uma futura exploração e explotação de minérios na área que seja patrocinada pelo Estado brasileiro. A ausência de uma legislação nacional voltada para a matéria tem o potencial de excluir a proteção ambiental necessária, levando à possível responsabilização internacional do Brasil por atos ilícitos em caso de danos ao meio ambiente marinho.
Não é uma disputa binária “a favor ou contra” à mineração em mar profundo. É, antes, a escolha entre decidir com responsabilidade, dados e transparência ou decidir no escuro. O Brasil tem ciência, diplomacia e instituições para liderar; falta transformar isso em lei aplicável, verificável e transparente.
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