O direito pressupõe uma premissa fundamental. Deve existir uma norma que vincule o modo de decidir do juiz. É necessário que exista um texto o qual, ainda que passível de diferentes interpretações, estabeleça condicionantes prévias que necessariamente vinculam o conteúdo das decisões judiciais.
O juiz forma suas decisões, necessariamente, olhando para este texto. Não pode decidir de acordo com sua vontade, de acordo com sua visão a respeito da melhor decisão para o caso.
Mais do que isso. Os juízes, em uma democracia, devem ser treinados a decidirem — se necessário — mesmo em contrariedade com suas visões de mundo, suas vontades, intenções, afetos, alinhamentos, ou mesmo ideologias. Se esta foi a determinação do direito no caso.
Não se está aqui a negar os meandros da interpretação ou da hermenêutica. É evidente que todo texto precisa ser interpretado, e que nesse processo de interpretação os sentidos construídos a partir do texto serão permeados e influenciados pelas perspectivas únicas e individuais de cada intérprete.
Não existe um exercício autômato de transcendência entre texto e norma. Cada texto normativo precisa ser construído e reconstruído para que se amolde ao caso concreto. No entanto, acreditar que essa interpretação do texto poderia, em tese, levar a qualquer resultado interpretativo seria defender a inviabilidade hermenêutica do próprio direito.
Niilismo jurídico
O direito que não impõe limite ao decisor é um não-direito. Um mero legitimador do poder bruto. Da força. Um niilismo jurídico o qual, muito mais comum por conveniência do que por convicção acadêmica, cada vez mais ganha adeptos no Brasil.
O novo conceito de direito haveria de assim ser enunciado: direito é aquilo que cada juiz, ao decidir, declara que o direito é. E decisão é tudo aquilo que — nesse contexto social em que estabelecido — o decisor pode decidir, sem sofrer uma sanção em concreto. Em total desapego ao texto e às normas, que passam a ter uma função meramente heurística.
Daí fica bem simples. Quanto maior o poder do juiz, maior a liberdade para se liberar das amarras do direito. E, por consequência, bibliotecas inteiras — como não é incomum de ver em lojas de decoração — são destinadas a servirem como enfeites de decisões judiciais. A Constituição, as leis, e depois a doutrina e a jurisprudência, são mero adorno, a faceirar o comando decisório.
O juiz decide e somente depois usa sua psique, inteligência e erudição para criar um carrossel de artigos e citações destinados, apenas, a ludibriar o leitor desavisado e inocente, que ainda acredita no processo inverso. Pressupondo avec naiveté que tudo aquilo usado foi determinante para condicionar o resultado da decisão. Que aquela decisão é proveniente do modelo de Estado de direito, agora em desuso, no qual a norma limita e vincula a decisão judicial, e não o contrário.
Ledo engano. É melhor se atualizar. A fase do niilismo jurídico agora vigora. Sem prazo para acabar.
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