A detração penal no recolhimento domiciliar noturno e em dias de folga

6 de junho de 2023, 6h06

Por Willer Tomaz

A 3ª Seção do STJ (Superior Tribunal de Justiça), em recurso especial representativo de controvérsia (Tema 1.155), pacificou a interpretação do artigo 42 do Código Penal para admitir, na pena privativa de liberdade, a detração do período de cumprimento da medida cautelar do artigo 319, inciso V, do Código de Processo Penal, com ou sem monitoração eletrônica (REsp 1.977.135 SC, relator: ministro Joel Ilan Paciornik, S3, j. 23/11/2022).

Ou seja, o período de recolhimento domiciliar noturno e nos dias de folga, por comprometer o status libertatis, será abatido da pena privativa de liberdade e da medida de segurança, sendo que a ausência de monitoramento eletrônico não impede o gozo do direito e o período de recolhimento deve ser contabilizado em horas, desprezando-se a fração menor que 24 horas.

Deveras existem medidas cautelares e algumas condições para o cumprimento da pena que implicam certa restrição à liberdade de locomoção, por vezes podendo essa restrição ser mais severa do que a própria pena de reclusão ou detenção, a depender da quantidade de tempo fixado e do regime inicial fixado para o seu cumprimento.

O recolhimento noturno e em dias de folga é uma dessas medidas, pois impõe efetiva restrição à liberdade de locomoção ainda que em menor intensidade que a prisão em estabelecimento carcerário, de modo que, por isso, deve ser contabilizado o seu tempo para efeito de detração, conforme determina o artigo 42 do Código Penal sob a nova interpretação pacificada pelo STJ.

Não poderia ser diferente, pois impedir o acusado de se locomover livremente em território nacional ao confiná-lo no perímetro da sua casa em função da medida cautelar ou da pena imposta, e não considerar posteriormente o período do recolhimento no cumprimento da pena, viola o princípio da vedação à dupla punição pelo mesmo fato, bem como os princípios da proporcionalidade e da igualdade material.

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Conforme defendido corajosamente pelos advogados durante anos perante os tribunais, sempre foi absolutamente desproporcional conferir tratamento mais rigoroso a quem sofreu a restrição do que àquele sobre quem jamais recaiu medida restritiva alguma.

Além disso, o artigo 319, inciso V, do Código de Processo Penal, foi incluído pela reforma processual penal de 2011, e esta não teve o objetivo de impor uma aflição extra ao réu, mas de aprimorar a eficiência da justiça criminal e de humanizar a persecução penal em obediência ao princípio da dignidade humana, conforme o artigo 1º, inciso III, da Constituição.

A proibição de bis in idem, os princípios de isonomia, da dignidade humana e da individualização da pena, em conjunto, funcionam como verdadeira salvaguarda contra abusos, apontando firmemente para a aplicação analógica, in bonam partem, do artigo 42 do Código Penal, de modo que a previsão legal alcance, por extensão lógica, outros ambientes não previstos expressamente pelo legislador, bastando que haja a efetiva restrição ao direito de ir e vir.

No ponto, o STJ vem advertindo em novas decisões que com a tese firmada buscou-se a melhor interpretação a ser dada ao artigo 42 do Código Penal, tomando como premissa a compreensão de que o dispositivo não elenca hipóteses de detração em rol numerus clausus, pelo que sua interpretação extensiva in bonam partem não implicaria em violação ao princípio da legalidade e, ao mesmo tempo, melhor se coadunaria com os princípios da proporcionalidade, da dignidade da pessoa humana, da isonomia e do non bis in idem, dando maior efetividade ao comando máximo do caráter ressocializador das penas, que é um dos principais objetivos da execução da pena no Brasil (STJ, AgRg no HC 788.973/SC, rel. min. Reynaldo Soares da Fonseca, T5, j. 7/2/2023).

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Vale ressaltar que a não fiscalização do efetivo recolhimento domiciliar noturno e em dias de folga por monitoração eletrônica configura falha exclusiva dos órgãos da persecução penal, não podendo o ônus dessa falha ser transferido ao réu ou apenado, de sorte que, conforme consignado no julgamento repetitivo, o monitoramento eletrônico associado, atribuição do Estado, não é condição indeclinável para a detração dos períodos de submissão a essas medidas cautelares, não se justificando distinção de tratamento ao investigado ao qual não é determinado e disponibilizado o aparelhamento.

De todo modo, é preciso ficar atento: para fazer valer no caso concreto a nova jurisprudência sobre a detração da pena em decorrência de cumprimento da medida cautelar prevista no o artigo 319, inciso V, do Código de Processo Penal, é imprescindível que a questão seja examinada e decidida primeiro na origem, por força do princípio de vedação à supressão de instância, como vem pronunciado sistematicamente o Superior Tribunal de Justiça (STJ, rel. min. Joel Ilan Paciornik, T5, j. 12/12/2022; STJ, AgRg no HC 778.657/SP, rel. min. Joel Ilan Paciornik, T5, j. 19/12/2022; RCD no HC 762.216/SP).


Artigo publicado no site:

https://www.conjur.com.br/2023-jun-06/willer-tomaz-detracao-recolhimento-noturno-folga2