Por que é tão difícil fazer a coisa certa no direito brasileiro

Por Lenio Luiz Streck – Conjur

Estou escrevendo um livro sobre Como Fazer a Coisa Certa no Direito. Já está na editora. Mas se pudesse incluiria o que a seguir relatarei, para mostrar o que é a coisa errada no direito e por que nossa chance de “dar certo” é mínima. Principalmente quando se ignora a legislação, os Códigos e se desdenha do pobre do usuário e de seu causídico. Aliás, repito: advogar é um exercício de humilhação cotidiana. Por isso advocacia é para fortes. Stoik Mujik.

Como já falei semana passada, isso também ocorre por culpa da advocacia, que se queda silente. É a praga da pós-modernidade, em que o mundo virou um grande grupo de WhatsApp. Nele, não há realidade, só ficções. Aniversários (como o mundo é fofo no modo virtual), fotos de pizzas (todo mundo é feliz), epistemologia do churrasco (comprar e assar um carneiro é mais fácil que escrever um tratado sobre os carneiros — oiçam Lenio Streck em Podcast — em que explico O que é isto — A Epistemologia do Churrasco) e a prática da economia dos afetos (a nova disciplina pós-moderna). A chance de isso tudo dar certo é quase zero.

E sigo. Algumas coisas aparecem como sintomas. Por isso falarei sobre duas decisões do TJ-MS. O que delas vale é o simbólico. O que elas simbolizam — essa é a questão fulcral.

Trata-se de duas decisões proferidas pelo mesmo magistrado em dois dias seguidos, cujo conteúdo é absolutamente contraditório sobre o mesmo tema.

Vejamos.

Primeiramente, ao tratar sobre a Medida Cautelar com pedido liminar em RESE 1402522-05.2023.8.12.0000, o desembargador Jairo R. de Quadros proferiu decisão que acatou o pedido do Ministério Público e atribuiu efeitos suspensivos ao Recurso em Sentido Estrito interposto pelo réu no processo criminal, ordenando que o processado retornasse a cumprir pena no regime fechado.

Nessa decisão, acatou o pedido do MP, embora a Medida Cautelar não esteja prevista como uma das possibilidades de se alcançar efeito suspensivo de recurso. O julgador entendeu que este caso estaria abarcado como uma das hipóteses de interpretação extensiva que se pode valer ao julgar um processo criminal, com esteio no artigo artigo 3º do Código de Processo Penal. Além disso, o desembargador cita alguns precedentes judiciais do STJ (HC 492.460 e HC 491.443) e do Tribunal de Justiça de SP (CautInom 2229256-09.2019.8.26.0000). Para arrematar, o julgador ainda cita que está presente os requisitos de fumus boni iuris e periculum in mora, fundamentando sua decisão na “necessidade de garantia da ordem pública” ao afirmar que o réu possui condenações anteriores e portava quantidade considerável de crack.

O mundo gira duas vezes e, no pedido liminar em Medida Cautelar do proc. 1403023-56.2023.8.12.0000, o mesmo julgador negou o pedido sem sequer analisar a fundamentação de mérito. Acontece que o magistrado entendeu, desta vez, que não seria cabível um pedido de efeito suspensivo por meio do método da Medida Cautelar, argumentando que os recursos no processo penal têm caráter taxativo:

“Como cediço, os recursos cabíveis no direito processual penal são enumerados taxativamente, mesmo porque inexiste analogia em matéria recursal” [1].

Gosto quando os magistrados são taxativos. Portanto, apenas dois dias após proferir decisão acatando a Medida Cautelar como meio idôneo para pleitear a suspensão de RESE, o desembargador profere julgamento diametralmente oposto.

Não é que ele não pudesse mudar de opinião. Mas para isso tinha o ônus argumentativo. Fazer o overruling de si mesmo.

É de se espantar que no processo de número 1402522-05.2023.8.12.0000 o magistrado tenha invocado uma interpretação analógica e extensiva do instituto e, apenas dias depois, tenha sido tão enfático quanto à taxatividade do modelo recursal penal.

Gosto também da argumentação. Com efeito, para dar maior peso à sua decisão, o desembargador colaciona alguns julgados que denegam pedido de suspensão por meio de Mandado de Segurança e Medidas Cautelares (TJ-SP e TJ-MG).

Interessante é que o fiscal da lei, o Ministério Público, parece nada fazer com relação a isso. E o magistrado não se constrange em transformar a decisão judicial em uma mera escolha. Esquece-se do significado do nobre ofício de decidir. Que é um ato de responsabilidade política. Ninguém pode depender de escolhas do tipo vou ao cinema ou não vou. Ou quero Pepsi ou Coca-Cola. Ou hoje é taxativo, amanhã não será. Há um verbete no meu Dicionário de Hermenêutica que trata exatamente do tema Decisão.

Por fim, se alguém quiser uma dica de prova em concurso público, pergunte o que é solipsismo e coloque nas alternativas esse caso do TJ-MS.

E nada mais preciso dizer, a não ser:

(i) Precisamos falar sobre o direito brasileiro.

(ii) Precisamos falar sobre os artigos 489 do CPC e 315 do CPP.

(iii) Precisamos falar sobre precedentes.

(iv) Precisamos falar sobre coerência e integridade (artigo 926 do CPC).

(v) Precisamos falar sobre a Revista de Precedentes (ler aqui).

Sim, necessitamos. Vandré dizia naquele dia do festival em 1968: a vida não se resume a festivais. E eu digo: gente do direito, a vida não se resume a grupos de WhatsApp e redes sociais. Existe vida fora disso. E essa é real.

Como real é o mundo concreto em que todos os dias somos feridos por decisões em embargos de declaração, REsp etc.

Sim, precisamos, mesmo, falar sobre o que está acontecendo no direito brasileiro.

Post scriptum: já estava fechada a coluna, quando recebi de meu amigo Marcio Berti a lista de enunciados do Fórum Nacional Juizados Criminais (Fonajuc).

Entre outros, chamou-me a atenção o de número 13: Não será adiada a audiência em caso de não comparecimento injustificado do representante do Ministério Público devidamente intimado. O enunciado foi aprovado por maioria. Resta saber se uma audiência criminal é válida sem a presença do MP. Ou a sua ausência acarreta a extinção da ação penal? Ou o juiz conduzirá, violando o artigo 212 do CPP e todo o princípio acusatório? “Legislar” não é fácil, pois não? O realismo jurídico brasileiro não se contenta com o clássico lema “o direito é o que…”. Vai mais longe e explicitamente estabelece leis gerais.

[1] Fl. 278 do processo1403023-56.2023.8.12.0000

Fonte: Conjur

Em pesquisa, advogados dizem que IA pode aumentar produtividade

A maior parte dos profissionais que atuam em escritórios de advocacia acredita no crescimento da produtividade e da eficiência de seus trabalhos com a inteligência artificial (75% e 67%, respectivamente). Além disso, 55% deles creem que a ferramenta pode reduzir custos e, consequentemente, aumentar receitas.

Maior parte dos advogados entrevistados acredita que IA pode ajudar a reduzir custos

É o que aponta o mais recente relatório “Thomson Reuters — Future of Professionals”, lançado neste mês pela empresa de consultoria Thomson Reuters. A pesquisa foi feita com mais de 1,2 mil profissionais que trabalham internacionalmente, e teve por objetivo estimar o impacto da IA no futuro do trabalho.

Em relação aos profissionais do Direito, a pesquisa constatou que 81% dos entrevistados esperam que novos serviços relacionados à inteligência artificial surjam nos próximos cinco anos, criando, assim, novas fontes de receita.

Por outro lado, 58% deles acreditam que incrementarão suas competências profissionais com as novas tecnologias, enquanto mais de dois terços dos advogados enxergam a IA como uma ferramenta para consultas.

“Por meio da aplicação da IA para realizar tarefas mais mundanas, os profissionais têm a oportunidade única de abordar questões de capital humano, como satisfação no trabalho, bem-estar e equilíbrio entre vida pessoal e profissional”, disse em nota Steve Hasker, presidente e CEO da Thomson Reuters.

“Isso, por sua vez, desbloqueará tempo para que os profissionais se concentrem em trabalhos complexos, que agreguem valor às necessidades de seus clientes.”

O estudo mostra que a maioria dos advogados enxerga a IA como uma oportunidade de aumento de produtividade sob dois aspectos: economia de tempo com o tratamento de dados em grande escala e maior precisão no trabalho administrativo.

Além disso, 53% dos advogados acreditam que a própria classe deve regulamentar o uso de inteligência artificial na profissão, enquanto 25% opinam que o governo deve assumir essa posição.

Outro ponto citado pelo relatório é o impacto geral do trabalho na saúde mental dos profissionais. E, em relação aos trabalhadores dos escritórios de advocacia, o resultado é preocupante: 35% dos entrevistados afirmaram que o impacto em saúde mental e bem-estar é “moderadamente negativo” ou “fortemente negativo”.

Clique aqui para ler a pesquisa completa (em inglês)

Fonte: Conjur

Repetitivo vai definir se as obrigações ambientais têm natureza propter rem

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afetou os Recursos Especiais 1.962.089 e 1.953.359 para julgamento sob o rito dos recursos repetitivos. A relatoria é da ministra Assusete Magalhães. A questão submetida a julgamento, cadastrada como Tema 1.204 na base de dados do STJ, é definir se “as obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores ou, ainda, dos sucessores, à escolha do credor”. O colegiado determinou a suspensão de todos os processos, individuais ou coletivos, que versem sobre a matéria, nos quais tenha havido a interposição de recurso especial ou de agravo em recurso especial, em tramitação na segunda instância ou no STJ.

Responsabilidade por danos ambientais

No REsp 1.962.089, o Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS) pede o reconhecimento da natureza propter rem das obrigações ambientais relativas a uma fazenda, o que permitiria a cobrança da proprietária anterior do imóvel e a sua responsabilização pelo pagamento dos honorários periciais – no valor de R$ 25 mil – decorrentes da apuração do montante devido a título de indenização por perdas e danos. Para o MPMS, a obrigação ambiental recai sobre a pessoa em razão da sua qualidade de proprietária ou titular de direito real sobre um bem, de forma que os atuais proprietários do imóvel não podem se eximir de tal responsabilidade, tampouco os pretéritos. No caso, o órgão ministerial observou que a ex-proprietária possuía o imóvel rural à época das irregularidades ambientais. Segundo a ministra Assusete Magalhães, em pesquisa à base de jurisprudência do STJ, foi possível recuperar 90 acórdãos e 1.113 decisões monocráticas, no âmbito da Primeira e da Segunda Turmas, contendo a mesma controvérsia.

Recursos repetitivos geram economia de tempo e segurança jurídica

O Código de Processo Civil de 2015 regula, nos artigos 1.036 e seguintes, o julgamento por amostragem, mediante a seleção de recursos especiais que tenham controvérsias idênticas. Ao afetar um processo, ou seja, encaminhá-lo para julgamento sob o rito dos repetitivos, o tribunal facilita a solução de demandas que se repetem na Justiça brasileira. A possibilidade de aplicar o mesmo entendimento jurídico a diversos processos gera economia de tempo e segurança jurídica. No site do STJ, é possível acessar todos os temas afetados, bem como conhecer a abrangência das decisões de sobrestamento e as teses jurídicas firmadas nos julgamentos, entre outras informações. Leia o acórdão de afetação do REsp 1.962.089. Fonte: STJ

O mercado de apostas e o exílio dos consumidores negativados

Em final de julho de 2023, foi editada a Medida Provisória nº 1.182, a qual alterou a Lei nº13.756/12, que trata do tema da “Aposta de Quota Fixa”. Consoante o artigo 29 da referida norma, foi criada tal modalidade lotérica, sob a forma de serviço público, e que consiste em um sistema de apostas relativas a eventos reais de temática esportiva, em que é definido, no momento de efetivação da aposta, quanto o apostador pode ganhar em caso de acerto do prognóstico. Ou seja, o sujeito, realizando o seu palpite, poderia saber de antemão quanto receberia se o mesmo se concretizasse. E tal opinião é variável conforme forem sendo oferecidas opções pela empresa de apostas, o que pode compreender desde a vitória de um time sobre outro (se considerarmos o caso do futebol, por exemplo), estendendo-se a situações que envolvam cartões amarelos, erro ou acertos de uma cobrança de pênalti, entre outras situações.

Concedida, permitida ou autorizada, em caráter oneroso, pelo Ministério da Fazenda, a loteria de quota fixa deve ser explorada, exclusivamente, em ambiente concorrencial, sem limite do número de outorgas, com possibilidade de comercialização em quaisquer canais de distribuição comercial, físicos e em meios virtuais, Caberia, conforme a lei, ao Ministério da Fazenda regulamentar no prazo de até dois anos, prorrogável por até igual período, o funcionamento do referido serviço.

Uma peculiaridade da norma era o fato as empresas de apostas, que basicamente operam via internet, através de “apps”, não poderem ter sede no Brasil. Desde debates morais, sobre a eventual perdição do indivíduo ao vício do jogo, com prejuízo a sua família, até questões que remetem a aumento de criminalidade, lavagem de dinheiro, entre outros, desde o Decreto-Lei 9.215, de 30 de abril de 1946, assinado pelo presidente Eurico Gaspar Dutra, restara proibido o jogo de azar no Brasil. Ou melhor, proibido em tese, e de forma seletiva. O Estado, que acabava agindo como um defensor de valores da família tradicional daquele período, ao proibir o jogo de apostas, é o mesmo que se reservou a si a exclusividade do jogo no país.

O Estado, nas suas três esferas de atuação, é um exímio explorador de jogos de azar. A Caixa Econômica Federal, maior banco público brasileiro, explora vários concursos de apostas, e faz isso ao longo de várias décadas. Quando ofertas suas várias modalidades de apostas em jogos de azar, o Estado brasileiro não o faz com vistas ao controle do jogo patológico por exemplo. À pessoa que contrata a aposta, não é requerido um atestado clínico indicando a falta de controle e pulsão do jogo.

Ao se reservar o jogo de forma exclusiva, o Estado garantiu a si uma grande fonte de renda e lucro. Com a nº 13.756/12, houve um grande passo em legitimar algo que já era real. Os sites de apostas que operaram no Brasil, estimados em mais de quatrocentos, sequer detêm sede aqui. A menos que seja criado um controle de conteúdo de internet, nos moldes de um Estado ditatorial, é impossível impedir as pessoas de apostarem em sites estrangeiros, inclusive sobre jogos que aqui ainda são proibidos, como cassino.

O reconhecimento e legitimação da aposta em quota fixa é uma necessidade de atrair sedes de operações de empresas ao Brasil, para aqui recolherem tributos, e fomentar a economia. Hoje, tais fornecedores têm seus nomes estampados na grande parte das camisas dos times de futebol brasileiros. Existe já uma dependência econômica desses times com o patrocínio que advém dessas casas de apostas, que têm seus nomes em placas dentro dos estádios, mantendo programas do youtube, com apresentadores de renome, comentando jogos entre outras coisas. Contudo, nesse sentido, estas entidades operavam no Brasil com o registro de empresas de marketing, e não como casas de apostas. Por evidente, estas somente aportarão ao Brasil, sujeitando-se à regulação do Estado, e pagando impostos, se o país for um ambiente interessante para negócios, de maneira que seja mais lucrativo trafegar com regulação, do que somente operar via internet de qualquer lugar do mundo.

Com a Medida Provisória nº 1.182/23, o artigo 29 supracitado, recebe um parágrafo 4º, dispondo que as empresas interessadas em operar no Brasil, com apostas de quota fixa esportivas, deverão ser devidamente estabelecidas no território nacional. Nesse sentido, aquelas que quiserem promover publicidade internamente, deverão aqui ter sede ou filial, sob pena de serem sancionadas, consoante dispõe o artigo 35-A, B e D da referida MP.

Por lógico, isso não vai impedir aquelas empresas sediadas em outros países, que aqui não pretenderem abrir filial, de continuar operando no espaço sem fronteiras da internet. E caberá ao apostador averiguar se determinado fornecedor é ou não confiável, já que é remota a possibilidade de reaver prêmios não pagos em determinados países, isso sem contar o custo de um conflito judicial fora do Brasil. Por outro lado, não é porque funcionam no Brasil que tais jogos estão imunes à manipulação. Como novel legislação sobre o tema, surge, no entanto, uma perspectiva de fiscalização sobre o setor. Hoje o Estado brasileiro abre o mercado de jogos e apostas, uma parte dele ao menos, à iniciativa privada, porque entende que há um anseio da população sobre esse tema, e porque concluiu que pode ganhar mais cobrando tributos do que ele próprio Estado fomentando tal atividade.

É de se anotar que jogos de apostas clandestinos sempre operaram com força no Brasil, e o mais famoso deles sempre fluiu com baixíssima persecução penal e fiscal, ocorrendo à vista de todos, com conivência do Estado, e que é o jogo do bicho. Tal atividade, além de ilícita criminalmente, normalmente vem associada à sonegação fiscal, associação criminosa, tráfico de drogas, e outros.

A MP 1.182/23, por outro lado, prevê mecanismos de controle que deveriam ser colocados em prática para minimizar situações de manipulações de jogos, fazendo do Estado um regulador do setor. Outro ponto importante advindo com a Medida Provisória, é que as empresas de apostas deverão promover ações informativas e preventivas de conscientização de apostadores e de prevenção do transtorno do jogo patológico.

O apostador deve ser considerado como consumidor, sendo seu status bastante condizente com a tipicidade do artigo 2º, caput do CDC: “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. O mesmo está adquirindo e pagando por um serviço de resultado aleatório, sendo um serviço de lazer.

Da redação advinda da MP nº1.182/23, o artigo 35-E apresenta proibições de participação direta ou indireta, na condição de apostador, de certos indivíduos, isto é, sujeitos que não podem atuar como consumidores do serviço. No que tange à proibição de agentes públicos com atribuições diretamente relacionadas à regulação, ao controle e à fiscalização da atividade de apostas esportivas, tal preceito contempla um mínimo de moralidade na perspectiva de seriedade do sistema regulatório. Da mesma forma, correta é a vedação de participação em apostas de pessoa que tenha ou possa ter acesso aos sistemas informatizados de loteria de apostas de quota fixa, entre outros.

Contudo, desperta atenção o inciso VI do referido artigo, ao proibir a participação, como apostador, de pessoa inscrita nos cadastros nacionais de proteção ao crédito. No caso, observa-se uma grande dificuldade de funcionamento imposta ao sistema, na medida em que, mesmo recebendo a aposta à vista, o fornecedor de jogos, antes de concluir o contrato, deveria consultar sistemas como SPC e Serasa acerca da vida econômica do apostador, observando-se se o mesmo detém algum registro negativo de inadimplência. Entendemos que tal medida tornará o serviço mais caro, e menos fluído. A menos que se possa construir um algoritmo que resolva tal equação de forma célere, tal medida inibe o próprio contrato via internet, smartphone etc, diante da análise prévia exigida.

E do que se observa da legislação de regência, a inobservância de tal regra acarreta punição administrativa à casa de jogos. Uma dúvida que paira sobre o caso, é se o apostador negativado, que perdeu a aposta, teria o direito de reaver o que apostou, tal como ocorre com menores, à luz do artigo 814 do Código Civil: “As dívidas de jogo ou de aposta não obrigam a pagamento; mas não se pode recobrar a quantia, que voluntariamente se pagou, salvo se foi ganha por dolo, ou se o perdente é menor ou interdito”. No caso, o mesmo estaria sendo equiparado a uma figura de relativamente ou absolutamente incapaz, pelo fato de realizar uma aposta estando cadastrado negativamente.

Outra situação que gera dificuldades de aplicação a essa regra é a falta de critério sobre a negativação. O fato de algum consumidor estar cadastrado negativamente pode advir de uma cobrança ilegal, da qual ele sequer tem conhecimento, ou simplesmente de um débito que se nega a pagar, sem contar que tal cifra pode ter uma representação econômica tão baixa que não sirva para indicar potencial cenário de prejuízo ao potencial apostador.

Outra questão que se pode levantar é o fato de o consumidor negativado conseguir, inclusive, obter contratos de empréstimos dos mais variados tipos. Se altas taxas de juros e encargos demasiados podem ser contratados pelos consumidores negativados, por que ficariam proibidas apostas esportivas? Seria mais fácil ao sujeito endividar-se com apostas ou com tomada de crédito? O consumidor não cadastrado estaria imune ao endividamento via jogos de apostas?

Proteger-se consumidores de uma forma ampla contra excessos de consumismo, visando a sua preservação econômica deve ser uma política de Estado. No entanto, padece de melhores explicações a restrição advinda com a Medida Provisória dos jogos acima descrita, sob pena de se concluir que foi elaborada sem lastro em dados. E quando isso ocorrer, o referido impedimento aos negativados, estar-se-á violando situações normativas como o direito básico do consumidor à igualdade nas contratações (artigo 6º, inciso II do CDC) e como a proibição de recusa de atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de disponibilidades de estoque do fornecedor (artigo 39, inciso II do CDC).

Em suma, verifica-se, na hipótese, um exílio imposto ao consumidor negativado, afastando-o de uma espécie de “cálice do pecado” das apostas. Com essas resumidas palavras, espera-se fomentar o debate sobre a novidade normativa destacada e os impactos da mesma sobre o mercado de apostas.

Fonte: Conjur

Partido que mantém candidatura feminina inviável pratica fraude

Considerando que as candidaturas femininas lançadas pelos partidos nas eleições proporcionais devem ser efetivas e viáveis no plano jurídico, a insistência em manter candidatas com problemas no deferimento do registro configura fraude à cota de gênero.

Ministro Floriano de Azevedo Marques interpretou que o partido não tinha como não saber dos óbices às candidaturas femininas
Alejandro Zambrana/Secom/TSE

Com esse entendimento, o Tribunal Superior Eleitoral deu parcial provimento ao recurso especial eleitoral para anular todos os votos recebidos pelo Republicanos nas eleições para a Câmara Municipal de Timon (MA) em 2020.

A legenda registrou 26 candidaturas: 19 homens e sete mulheres. Duas candidatas não tinham condições de concorrer, uma porque não apresentou comprovante de escolaridade e outra por ausência de quitação eleitoral relativa à prestação de contas da campanha de 2016.

Ao analisar o caso, o Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão afastou a ocorrência de fraude por falta de provas. No entanto, o relator no TSE, ministro Floriano de Azevedo Marques, propôs dar provimento ao recurso por entender que a legenda já sabia das condições dessas duas mulheres.

Apesar de o partido não ter sido intimado a tempo para readequar o Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (Drap) — o documento pelo qual deve confirmar as candidaturas para determinado cargo —, não havia comprovante de escolaridade de uma, nem quitação eleitoral da outra.

Segundo o ministro Floriano, não se trata de criar uma responsabilidade objetiva aos partidos nas eleições, mas de estabelecer uma mínima exigência para que afiram as condições de elegibilidade das candidatas que registram.

“Considerando que a candidatura lançada deve ser efetiva e viável no plano jurídico, a insistência do partido em manter candidatas com óbices ao deferimento de seus registros, associado à inação delas para defender suas candidaturas, evidencia a fraude”, avaliou ele.

“Se o partido decidiu manter candidaturas juridicamente inviáveis ou sobre as quais pairava razoável dúvida sem combater decisões judiciais ou substitui-las, fê-lo por conta e risco, sob pena de ver reconhecida a fraude à cota de gênero”, acrescentou o magistrado.

Ninguém divergiu, mas essas duas afirmações levaram o ministro Raul Araújo a fazer uma ressalva, para que não sejam tomadas como teses, nem gerem uma presunção da ocorrência de fraude em quaisquer casos futuros. “Isso tem de ser comprovado em cada caso”, pontuou ele.

REspe 0600965-83.2020.6.10.0019

Fonte: Conjur

Comissão debate emissão de nova carteira de identidade nacional

IGP-RS
Modelo na nova carteira de identidade
Modelo na nova carteira de identidade

A Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara dos Deputados promove audiência pública nesta quarta-feira (30) para debater o Programa de Identificação do Brasil.

O pedido para realização do debate foi apresentado pela deputada Flávia Morais (PDT-GO). Ela ressalta a importância da identificação segura para evitar a troca e o sequestro de crianças e adolescentes e mitigar o drama das pessoas desaparecidas. Para Flávia Morais, a nova Carteira de Identidade Nacional (CIN), com ampla participação de todos os entes federados, é a solução para problemas que se arrastam por décadas no Brasil.

“O Brasil é o único país da América Latina e das 20 maiores economias do mundo, com exceção dos Estados Unidos e Reino Unido, que não possui um programa e estrutura de identificação civil. Até países com PIB menores que o Brasil, como Indonésia, Angola e Moçambique, estruturaram seus programas de identificação civil para erradicar as mazelas mencionadas”, lamentou a deputada.

De acordo com o Decreto 10.977/22, a nova carteira de identidade adotará o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) como registro geral, único e válido para todo o país. Haverá validações biográficas e biométricas antes da emissão da carteira.

A nova carteira de identidade já pode ser emitida em 12 estados: Acre, Alagoas, Amazonas, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Pernambuco, Piauí, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

Foram convidados, entre outros:
– o presidente do Instituto Internacional de Identificação, Célio Ribeiro;
– o juiz titular da 2ª Vara da Infância e Juventude de Recife Élio Braz Mendes;
– a secretária de vigilância em saúde e ambiente do Ministério da Saúde, Ethel Leonor Noia Maciel;
– a secretária nacional de promoção e defesa dos direitos humanos do Ministério dos Direitos Humanos, Isadora Brandão Araujo da Silva;
– o secretário-executivo-adjunto da Casa Civil da Presidência da República, Pedro Pontual;
– o papiloscopista da Polícia Civil do Distrito Federal Rafael Perseghini Del Sarto;
– o secretário de governo digital do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, Rogério Souza Mascarenhas.

A reunião ocorre às 16 horas, no plenário 7.

Fonte: Câmara Notícias

Ciranda de violações do novo regime recursal da pena de perdimento

Semana passada, no último dia 24 de agosto, foi editada a aguardada Lei nº 14.651, marco inaugural do regime recursal na aplicação e julgamento da pena de perdimento de mercadorias, veículos e moedas.

Na última coluna, ainda antes da publicação desta norma,[1] o colunista Rosaldo Trevisan fez a construção do percurso histórico do rito inerente à “pena de perda” de mercadoria e veículos, constante já na redação original do Decreto-Lei nº 37/1966 (aqui).

Até o momento da publicação da nova lei, a inflição da pena máxima em operações de comércio internacional, o perdimento da mercadoria, era decidido em instância única, sendo o “órgão julgador” o próprio delegado da alfândega que aplicou a pena de perdimento, quando não o chefe da equipe de fiscalização.

Este cenário, referendado inicialmente pelo Supremo Tribunal Federal (ADI nº 1.049-2/DF, de 25/08/1995), prometia chegar a termo com o fim do período de graça da Convenção de Quioto Revisada (CQR/OMA) ao dispor, em seu item 10.5, que “quando um recurso interposto perante as Administrações Aduaneiras seja indeferido, o requerente deverá ter um direito de recurso para uma autoridade independente da administração aduaneira”, disposição que em tese seria suprida pela edição da Lei nº 14.651/2023.

Recorde-se, neste sentido, a obrigatoriedade vinculante dos compromissos internacionais no plano interno (ADI nº 1.480/DF MC, de 4/9/1997), ao que se adiciona uma possível alteração de entendimento da Corte Suprema ao entender pela “(…) necessidade da retirada de obstáculos que configurem supressões ao direito de recorrer (ADI nº 1.976, de 28/3/2007)”,[2] como se observou na oportunidade da edição da Súmula Vinculante nº 21.

A atribuição da instância recursal, no entanto, será do Centro de Julgamento de Penalidades Aduaneiras (Cejul), órgão “(…) formado por auditores-fiscais da Receita Federal do Brasil (RFB), com jurisdição nacional e competência exclusiva para atuar na atividade”,[3] em violação direta à disposição da CQR.

Como desenvolvemos no artigo “O limite recursal, o Carf e as três formas de argumentação” publicado nesta coluna (aqui), a primeira das três ordens de argumentação, no âmbito da Receita Federal, restringe-se a utilizar, como fundamento último de suas decisões “(…) determinadas normas complementares (artigo 100 CTN) consistentes em atos declaratórios e pareceres da PGFN, pareceres e súmulas da AGU, soluções de consultas internas (SCI) e externas (SCE), notas técnicas, pareceres normativos e atos administrativos, tais como instruções normativas, atos declaratórios executivos e interpretativos da RFB. A decisão do auditor, seja ela um auto de infração ou um despacho de não-homologação, tem as suas condições de sobrevivência avaliadas, no âmbito da DRJ e suas Câmaras recursais, por esta primeira camada normativa e, portanto, estritamente dependente da administração aduaneira”.[4]

Portanto, se uma “autoridade independente da Administração aduaneira” é, objetivamente, um órgão que não esteja vinculado aos atos e às normas da aduana, este está longe de ser o caso do Cejul, salvo se facultado ao órgão realizar o controle de legalidade e convencionalidade, livre das amarras infralegais. Ainda assim, o órgão padeceria do vício de origem de seus julgadores, entortada a boca pelo cachimbo.

Chama atenção, ainda, a falta de discussão com o setor privado acerca do conteúdo da nova norma, o que configura nova e efetiva violação, desta vez ao Acordo de Facilitação de Comércio (AFC/OMC). Afinal, quais as “oportunidades [por] um período de tempo adequado para que os comerciantes e outras partes interessadas formul[ar]em comentários sobre propostas de introdução ou alteração de leis de aplicação geral relacionados com a circulação, liberação e despacho aduaneiro de bens” (artigo 2, item 1.1.) foram concedidas? Não há incompatibilidade com o direito interno ou o sistema jurídico brasileiros a consulta pública, pelo contrário, trata-se de medida razoável e, neste caso, particularmente recomendável, como se percebe a partir da leitura da nova norma.

Houvesse sido concedido prazo de manifestação conforme expressamente determinado por norma com força de Lei (AFC/OMC), teriam sido informados os formuladores da proposta, hoje Lei, que a atribuição da decisão em segunda instância ao Cejul deve, por um lado, ser fulminada em controle de convencionalidade e, de outro, que não faz o menor sentido no mundo atual se equiparar a intimação por edital com a intimação pessoal (artigo 27-A § 2° da Lei 14.651/2021).

Quem sabe estas cabeças não coçariam ao ouvir que liberdade demais na destinação das mercadorias pode resultar em arbitrariedades (se é que já não resultam), ainda mais sabedores que estas mercadorias podem ser destinadas logo após a decisão de primeira instância (artigo 27-C § 2°). De que serve a segunda instância, afinal? A indenização será justa? Cobrirá o dano efetivo e o lucro cessante, ou somente o preço das mercadorias?

Trazer para as alfândegas a decisão sobre a destinação das mercadorias (como era de fato feito até a publicação da norma em apreço), pode ser um sinal de que os leilões passarão a ser conduzidos pelo setor privado, tal como ocorre no Poder Judiciário, de forma a conferir maior celeridade e a promover a liberação dos armazéns alfandegados.

A atribuição ao Ministro de Estado da Fazenda para decidir a respeito do rito administrativo de aplicação e das competências de julgamento da pena esbarra no inciso I do artigo 22 da Constituição de 1988, pois as normas processuais são objeto de reserva legal. É desarrazoado se supor que normas gerais de processo, sobretudo voltadas à cominação de penas, sejam relegadas ao alvedrio ministerial. Ainda que fosse este o desejo do legislador, não é o do constituinte originário, o que parece algo a ser meditado pelos formuladores da nova regra.

Ao mesmo tempo, o § 2º do artigo 4º da nova lei determina que os “(…) autos de infração tenham sido formalizados até a data de entrada em vigor desta Lei permanecerá regida pela legislação anterior”, em contrariedade à disposição textual do artigo 14 do Código de Processo Civil. Esquece-se o legislador que, como toda norma processual, ela “(…) será aplicável imediatamente aos processos em curso”, devendo a lei processual atingir o processo no estágio em que ele se encontra.

Este o sentido consolidado, aliás, pelo Superior Tribunal de Justiça no Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.584.433, de 21/10/2016: “(…) a nova lei processual se aplica imediatamente aos processos em curso”. E não poderia ser diferente, pois não se está diante de preservação de ato jurídico perfeito, direito adquirido ou coisa julgada (inciso XXXVI do artigo 5º da Constituição e artigo 6º da Lei de Introdução às normas do direito brasileiro).

A previsão, ademais, passa ao largo da aplicação em concreto do princípio da isonomia, pois, uma vez que o quadro material da penalidade não se alterou, mas apenas a sua estrutura recursal, o que há em concreto são dois importadores sujeitos à mesma norma de caráter substantivo, mas a dois ritos completamente diversos, um sujeito a duplo grau recursal e outro não.

Cria-se toda uma “segunda instância de julgamento” (i) em uma estrutura sem autonomia, em violação à CQR/OMA, o que é feito (ii) a portas fechadas, sem consulta à iniciativa privada em violação ao AFC/OMC, e, na mesma medida, (iii) confere-se ao ocupante do cargo de Ministro da Fazenda a legitimidade para fixar “as competências de julgamento da pena de perdimento de mercadoria, de veículo e de moeda”, em violação à Constituição, determinando-se que (iv) a segunda instância não será cabível a penas aplicadas antes da vigência da lei, em violação ao Código de Processo Civil e ao princípio da isonomia no tratamento entre importadores em situação de equivalência.

[1] Para um histórico da matéria: TREVISAN, Rosaldo. “Processo de aplicação administrativa da pena de perdimento: here I go again!”, Coluna Território Aduaneiro, Revista Eletrônica Conjur, publicado em 22/08/2023, disponível neste link. Para uma análise do Direito Aduaneiro Sancionador, recomenda-se: BRANCO, Leonardo e ANDRADE, Thális. “Amanhã vai ser outro dia: o Direito Aduaneiro Sancionador”, Coluna Território Aduaneiro, Revista Eletrônica Conjur, publicado em 27/09/2023, disponível neste link.

[2] BRANCO, Leonardo. “O limite recursal, o Carf e as três formas de argumentação”, Coluna Território Aduaneiro, Revista Eletrônica Conjur, publicado em 07/02/2023, disponível neste link.

[3] Conforme informação institucional publicada em 24/08/2023 neste link.

[4] BRANCO, Leonardo. “O limite recursal, o Carf e as três formas de argumentação”, Coluna Território Aduaneiro, Revista Eletrônica Conjur, publicado em 07/02/2023, disponível neste link. Neste texto, argumentamos a respeito das possibilidades de se estabelecer uma instância autônoma de julgamento.

Fonte: Conjur

Com a adesão dos TRFs das 2ª e 6ª Regiões, Justiça Federal torna-se 100% integrada pelo SEI

O acordo entre os tribunais foi celebrado nesta segunda-feira (28), na sede do CJF

Antes de iniciar a sessão ordinária de julgamento do Conselho da Justiça Federal (CJF) desta segunda-feira (28), a presidente do órgão, ministra Maria Thereza de Assis Moura, anunciou a celebração de um acordo de cooperação técnica por parte dos Tribunais Regionais Federais (TRFs) das 2ª e 6ª Regiões com o TRF da 4ª Região para a cessão do uso do Sistema Eletrônico de Informações (SEI). Com a parceria, a Justiça Federal torna-se 100% integrada pelo SEI. 

Ao celebrar a assinatura, a ministra Maria Thereza de Assis Moura destacou que o sistema, desenvolvido pela Justiça Federal da 4ª Região, é utilizado hoje não somente pelo Poder Judiciário, mas também por outros poderes da Administração Pública, e parabenizou o TRF4 pelo trabalho contínuo para o desenvolvimento e aperfeiçoamento da ferramenta.

“O SEI foi desenvolvido pela própria Justiça Federal e tem por objetivo integrar e modernizar a atividade administrativa para que seja realizada eletronicamente, eliminando assim o custo ambiental e de transporte de documentação. Além disso, o sistema visa reduzir o tempo de tramitação dos procedimentos administrativos, enxugando o fluxo de trabalho e promovendo a transparência dos processos”, destacou a presidente do CJF. 

Ao ter a palavra, o presidente do TRF2, desembargador federal Guilherme Calmon, declarou, em nome do tribunal, a satisfação e a alegria em poder se associar ao sistema SEI e poder utilizá-lo para a tramitação de procedimentos e documentos no âmbito administrativo: “Queria deixar aqui meu registro de agradecimento ao TRF4 e ao próprio CJF por ter propiciado ao TRF2 também passar, a partir de hoje, a integrar o SEI na sua própria atuação”. 

A presidente do TRF6, desembargadora federal Mônica Sifuentes, compartilhou as palavras do colega e agradeceu a oportunidade de aderir a “este sistema que é tão inovador e utilizado por 472 órgãos públicos no País, o que evidencia o sucesso do SEI, cujo destino é espraiar-se pela Administração Pública nacional em razão dos grandes benefícios que tem trazido à correta administração dos serviços não só judiciais, mas também administrativos, adotando os princípios da eficiência, da celeridade e da eficácia”.

Em nome do TRF4, o presidente do tribunal, desembargador federal Fernando Quadros, agradeceu à ministra Maria Thereza pela oportunidade de formalizar o acordo na sede do CJF: “Nós temos um avanço muito significativo nesta integração do SEI durante a gestão de Vossa Excelência, em razão do diálogo franco, aberto e direto. Agradeço, também, aos dois grandes tribunais, que nos reconhecem e nos dão este voto de confiança de utilizar um sistema que nós desenvolvemos, inicialmente, no âmbito do TRF da 4ª Região com a contribuição de toda a Justiça Federal e que, agora, emanados nesta nova fase, será desenvolvido ainda mais”. 

Fonte: Justiça Federal

Em ação de busca e apreensão, mora do devedor não pode ser comprovada pelo envio de notificação por e-mail

No recurso especial julgado pela Terceira Turma, o banco credor alegava que a comunicação dirigida ao endereço eletrônico seria válida para constituir em mora o devedor fiduciante.
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, estabeleceu que, em ação de busca e apreensão regida pelo Decreto-Lei 911/1969, é inadmissível a comprovação da mora do réu mediante o envio da notificação extrajudicial por e-mail. “Se é verdade que, na sociedade contemporânea, tem crescido o uso de ferramentas digitais para a prática de atos de comunicação de variadas naturezas, não é menos verdade que o crescente uso da tecnologia para essa finalidade tem de vir acompanhado de regulamentação que permita garantir, minimamente, que a informação transmitida realmente corresponde àquilo que se afirma estar contido na mensagem e que houve o efetivo recebimento da comunicação”, afirmou a relatora, ministra Nancy Andrighi. Com base nesse entendimento, a turma negou provimento ao recurso especial de um banco contra decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), rejeitando a tese de comprovação da mora após o envio da notificação extrajudicial por e-mail. No recurso especial, o banco alegava que a comunicação dirigida ao endereço eletrônico seria válida para constituir em mora o devedor fiduciante e que isso poderia ser comprovado durante a instrução processual.

Uso da tecnologia tem de vir acompanhado de regulamentação

Ao analisar o caso, a ministra Nancy Andrighi lembrou que, originalmente, o Decreto-Lei 911/1969 exigia a comprovação da constituição em mora por carta registrada em cartório ou por meio de protesto do título, a critério do credor. Nesse contexto, ela destacou que, após a alteração do Decreto-Lei 911/1969 pela Lei 13.043/2014, passou-se a permitir que a comprovação pudesse ocorrer mediante o envio de simples carta registrada com aviso de recebimento, nem se exigindo, desde então, que a assinatura constante do aviso fosse a do próprio destinatário. “A expressão ‘poderá ser comprovada por carta registrada com aviso de recebimento’ adotada pelo legislador reformista deve ser interpretada à luz da regra anterior, mais rígida, de modo a denotar a maior flexibilidade e simplicidade incorporadas pela Lei 13.043/2014, mas não pode ser interpretada como se a partir de então houvessem múltiplas possibilidades à disposição exclusiva do credor, como, por exemplo, o envio da notificação por correio eletrônico, por aplicativos de mensagens ou redes sociais”, afirmou. Nancy Andrighi lembrou ainda que, em 2014, data da mudança legislativa, o e-mail já estava amplamente difundido em todo o mundo, de modo que poderia o legislador, se quisesse, incorporar essa forma de comunicação como suficiente para a constituição em mora do devedor fiduciante. “É correto concluir que a legislação existente atualmente não disciplina a matéria, de modo que o envio de notificação extrajudicial com a finalidade de constituição em mora apenas por intermédio de correio eletrônico possui um vício apto a invalidá-la”, disse.

Comprovação de recebimento e leitura não são possíveis nessa hipótese

A relatora também ressaltou não ser possível considerar que, com o envio por e-mail, a notificação extrajudicial atingiu a sua finalidade, pois a ciência inequívoca quanto ao recebimento demandaria o exame de vários aspectos: existência de correio eletrônico do devedor fiduciante, o efetivo uso da ferramenta por parte dele, estabilidade e segurança da ferramenta de e-mail, entre outros. “A eventual necessidade de ampliar e de aprofundar a atividade instrutória, determinando-se, até mesmo, a produção de uma prova pericial a fim de se apurar se a mensagem endereçada ao devedor fiduciante foi entregue, lida, e se seu conteúdo é aquele mesmo afirmado pelo credor fiduciário, instalaria um rito procedimental claramente incompatível com os ditames do Decreto-Lei 911/1969”, concluiu. Leia o acórdão no REsp 2.022.423. Fonte: STJ

Interpretações do artigo 319 do CPP expõem conflito de poderes

O artigo 319 do Código de Processo Penal está no cerne do debate sobre supostas intromissões do Poder Judiciário em outros poderes nos últimos anos. O dispositivo estabelece medidas cautelares alternativas à prisão de servidores públicos e fundamentou o afastamento de seus cargos de políticos como Eduardo Cunha (PTB)Aécio Neves (PSDB) e, mais recentemente, o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB).

Entre as nove medidas alternativas apresentadas pelo artigo 319, está a “suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais”.

O mesmo artigo permite aos magistrados determinarem desde a obrigação de comparecimento periódico em juízo até o uso de tornozeleira eletrônica.

O dispositivo pode ser aplicado para fundamentar o afastamento da função pública daqueles acusados de cometerem qualquer crime que tenha pena restritiva de liberdade, desde que o caso atenda também os requisitos do artigo 282, que disciplina a decretação da prisão preventiva.

A principal controvérsia em torno da interpretação do artigo 319 é se o termo “exercício de função pública” pode abarcar o exercício de mandato conferido por voto popular.

O jurista Lenio Streck acredita que o mandato popular não pode ser equiparado as outras funções públicas, mas com algumas ressalvas: “A suspensão do exercício da função pública não poderia ser entendida como suspensão de mandato. Isso seria fazer uma interpretação extensiva. Mas admito que a questão é complexa, porque é melhor ser suspenso do mandato parlamentar do que ser preso, uma vez que o artigo 319 é uma forma de substituir a prisão. Isso só mostra a complexidade do Direito. Fosse simples não teria graça!”

O governador do DF, Ibaneis Rocha foi afastado por três meses no bojo da intentona golpista do último dia 8 de janeiro
Reprodução

A criminalista Luiza Oliver, sócia do escritório Toron Advogados, explica que o artigo 319 cumpre um papel importante ao oferecer alternativas menos gravosas do que a prisão. Contudo, ela acredita que o fato de o dispositivo não fazer qualquer distinção entre servidores que ocupam cargos alcançados via voto popular e os concursados e comissionados abre brechas para interpretações problemáticas.

“É preciso ver com muita cautela tudo o que envolve afastamento de pessoas que ocupam cargos concedidos via voto popular. Estamos falando da soberania popular de um lado e do Poder Judiciário de outro”, pondera a advogada.

Ela sustenta que a Constituição já estabelece garantias como imunidade parlamentar e necessidade de convalidação da prisão — mesmo em flagrante — de parlamentares pelas casas legislativas. “Existem instrumentos presentes na própria Constituição e nas leis que buscam garantir que não exista nenhum superpoder.”

Sistema bipolar
A redação do artigo 319 do CPP foi alterada pela Lei 12.403, de 2011. Antes disso vigorava no processo penal brasileiro um sistema bipolar, isto é, ou se soltava ou se decretava a prisão do investigado.

O advogado e professor de processo penal do IDP Luís Henrique Machado explica que o artigo foi alterado justamente para dar mais racionalidade ao nosso sistema e coibir a decretação de prisões provisórias excessivas.

“Importante salientar que, nos casos de afastamento de políticos do cargo, o STF e o STJ têm tomado o cuidado do órgão colegiado sempre referendar a decisão do ministro relator que determinou o afastamento por meio de liminar. Acredito que os dois tribunais, de um modo geral, têm conferido interpretação adequada ao artigo 319 do CPP”, afirma.

Machado acredita que, se existe uma causa provável, porém não cabal, de que o agente público, investido no mandato, está a reiterar as ações delitivas, o Direito deve responder a essa questão de alguma maneira. “Nesse ponto, a meu ver, tanto o STF como o STJ têm acertado na maioria das vezes”, sustenta.

Devagar com o andor
O advogado e doutor em Direito Penal Conrado Gontijo, por sua vez, acredita que o afastamento de um político eleito só pode ser justificado pela comprovação cabal de que o detentor do cargo eletivo se vale dele para praticar crimes. “Somente, mesmo, em casos excepcionais, em que a existência de elementos da prática delitiva e do uso do cargo indevidamente estejam comprovados.”

Gontijo acredita que esse tipo de afastamento deve ser absolutamente excepcional. “De toda forma, o critério a ser adotado é: a manutenção desse sujeito no cargo (eletivo ou não) representa um risco real e grave para a ordem pública, para a produção de provas, para o regular desfecho do processo? Essa é a pergunta”, argumenta.

O criminalista Átila Machado defende uma interpretação ainda mais restrita do artigo 319 no que diz respeito a detentores de cargos eletivos. “Valendo-se de um (super) poder geral de cautela, o Poder Judiciário vem praticando excessos na imposição de medidas cautelares, notadamente no que diz respeito à suspensão cautelar do exercício da função pública de políticos democraticamente eleitos”.

Ele defende que o rol previsto no artigo 319 do CPP é inegavelmente taxativo e não admite uma leitura elástica em desfavor do cidadão. “A lei não se vale de palavras inúteis. O Código de Processo Penal faz expressa menção à função pública, no inciso VI, do art. 319, do CPP, havendo evidente diferenciação doutrinária entre função pública e cargos não eletivos. Inclusive, o próprio legislador faz essa distinção por diversas vezes no ordenamento jurídico”, explica citando o artigo 92, I, do Código Penal.

Movimento pendular
Os casos em que o artigo 319 foi usado para fundamentar afastamentos de políticos não são nada parecidos, o que torna a questão ainda mais complexa. “No caso do afastamento do Eduardo Cunha já havia denúncia recebida, além de ter sido uma decisão dos 11 ministros do Supremo. Essa decisão ainda foi submetida à própria chancela da Câmara dos Deputados. É diferente de um caso em que o afastamento se dá no início de uma investigação”, explica.

 Cunha foi o primeiro membro da elite política a ser afastado na história recente
Luis Macedo / Câmara dos Deputados

Como citado por Luiza, no caso do ex-presidente da Câmara, o ministro Teori Zavascki (1948 e 2017) concedeu liminar confirmada pelo Plenário por unanimidade. Nas 73 páginas da decisão referendada, Teori usa a palavra “excepcional” oito vezes. Também recorreu à “extraordinário” e “inusitado” para descrever o caso e classificou a situação como “pontual” e “individualizada”.

Ao analisar o pedido feito pelo Ministério Público — com base no artigo 319 — , o ministro reconheceu que a forma preferencial do afastamento de Cunha deveria ser pelas mãos dos próprios parlamentares, mas reiterou que existiam indícios concretos de quebra da respeitabilidade das instituições se ele seguisse no cargo e afirmou que é papel do Supremo garantir que tenhamos uma República sem intocáveis.

“Poderes, prerrogativas e competências são lemes a serviço do destino coletivo da nação. São foros que convidam os consensos à razão, e não cavidades afáveis aos desaforos. O seu manejo – mesmo na escuridão da mais desoladora das tormentas – jamais poderá entregar-se a empatias com o ilícito”, registrou.

Eduardo Cunha foi o pioneiro da elite política na história recente a ser afastado pelo Judiciário quando ocupava a presidência da Câmara em 2016. Em dezembro do mesmo ano, o ministro Marco Aurélio Mello determinou o afastamento do então presidente do Senado, Renan Calheiros (MDB).

A decisão atendeu pedido da Rede Sustentabilidade, que fundamentou sua demanda a partir do entendimento firmado pelo ministro Teori Zavascki  na ação cautelar 4.070, que afastou Cunha. O desfecho, entretanto, foi bem diferente.

Na ocasião, Marco Aurélio entendeu que, como o senador havia se tornado réu em uma ação penal, não poderia ocupar um cargo que o deixasse na linha sucessória da Presidência da República.

A decisão foi alvo de uma série de críticas da comunidade jurídica. Lenio Streck escreveu em artigo na ConJur que decretar o afastamento de Renan era um perigoso equívoco. “Não há previsão constitucional para esse afastamento. Estamos indo longe demais. O Supremo Tribunal Federal não é o superego da nação, para usar uma frase da jurista Ingeborg Maus, ao criticar o ativismo praticado pelo Tribunal Constitucional da Alemanha”, defendeu. A maioria dos ministros teve entendimento parecido e a decisão foi anulada pelo Plenário.

Já Aécio Neves foi afastado em 2017 por decisão da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal. Por 3 votos contra 2, os ministros determinaram as medidas cautelares pedidas pela Procuradoria-Geral da República.

Votaram pelo afastamento os ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux. Ficaram vencidos os ministros Alexandre de Moraes e Marco Aurélio.

Afastamento de Aécio Neves acabou sendo derrubado pelo Senado Federal em  2017

Ao votar, Fux afirmou que a atitude mais elogiosa a ser tomada por Aécio seria se licenciar do mandato para provar sua inocência. “Já que ele não teve esse gesto de grandeza, nós vamos auxiliá-lo a pedir uma licença para sair do Senado Federal, para que ele possa comprovar à sociedade a sua ausência de culpa”, disse.

O caso de Aécio, entretanto, foi diretamente afetado pelo julgamento da ADI 5.526, em que os ministros do STF definiram que medidas cautelares impostas pela Justiça a parlamentares, caso impeçam direta ou indiretamente o exercício do mandato, devem ser submetidas em até 24 horas à Casa Legislativa. No Senado, Aécio conseguiu reverter a decisão e permanecer exercendo seu mandato.

Em 2020, o então governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC) foi afastado por decisão monocrática do ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça, fundamentada pelo artigo 319 do CPP.

Benedito Gonçalves afirmou que a medida era necessária para impedir que o então governador usasse a máquina estatal para seguir praticando crimes e dilapidando os cofres públicos. Witzel acabou sofrendo processo de impeachment em 2021 e foi afastado definitivamente.

O último afastamento polêmico foi do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, que ocorreu a reboque da intentona golpista do último dia 8 de janeiro. O ministro Alexandre de Moraes afastou o mandatário do comando do governo distrital por 90 dias.

Ao determinar o afastamento, o ministro disse que houve “omissão” e “conivência” de diversas autoridades da área de segurança e inteligência, incluindo do governador. Policiais militares do DF, subordinados a Ibaneis, não barraram os manifestantes e não fecharam a Esplanada dos Ministérios, a despeito de pedidos feitos por Flávio Dino, ministro da Justiça.

Ao revogar a decisão em março, Alexandre apontou que não havia evidências de que Ibaneis estivesse tentando atrapalhar as investigações sobre os atos bolsonaristas ou destruir provas.

Para Luiza Oliver, os excessos fundamentados pelo artigo 319 podem ser entendidos como um movimento pendular. “Vivemos um momento muito crítico e perigoso da democracia brasileira. E o Judiciário conseguiu responder a isso. Eu vejo isso muito como um movimento pendular e a tendência é retornarmos a normalidade. Vivemos tempos muito estranhos, como costumava dizer o ministro Marco Aurélio.”

Fonte: Conjur