Banco responde por transações realizadas após comunicação do roubo do celular

A vítima ajuizou ação indenizatória alegando que avisou o banco sobre o roubo, mas a instituição não impediu as transações financeiras pelo aplicativo e se recusou a ressarci-la dos prejuízos.

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria, decidiu que, na hipótese de roubo do aparelho celular, a instituição financeira responde pelos danos decorrentes de transações realizadas por terceiro por meio do aplicativo do banco após a comunicação do fato. Segundo o colegiado, o ato praticado pela pessoa que roubou o celular não se caracteriza como fato de terceiro apto a romper o nexo de causalidade estabelecido com o banco.

Uma mulher ajuizou ação de indenização por danos materiais e morais contra o Banco do Brasil, buscando ser ressarcida dos prejuízos causados em decorrência de transações bancárias realizadas por terceiro que roubou seu celular. A mulher alegou que, embora tenha informado o banco acerca do fato, este não teria impedido as transações e se recusou a ressarci-la.

O juízo de primeiro grau julgou procedentes os pedidos e condenou o banco a ressarcir à autora o valor de R$ 1.500 e ao pagamento de R$ 6.000 a título de compensação por dano moral. O Tribunal de Justiça de São Paulo, no entanto, deu provimento à apelação interposta pelo banco, por considerar que ficou caracterizado, no caso dos autos, o fortuito externo, não havendo que se falar em prestação de serviço bancário defeituoso ou de fortuito interno.

No recurso ao STJ, a mulher sustentou que o ocorrido não se caracteriza como fortuito externo, mas sim risco inerente à atividade bancária, uma vez que é dever do banco adotar as ferramentas necessárias para evitar fraudes.

É dever da instituição financeira verificar a regularidade e a idoneidade das transações

A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, observou que, nos termos do artigo 14, parágrafo 1°, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), o serviço é considerado defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele espera, levando-se em consideração circunstâncias relevantes, como o modo de seu fornecimento, o resultado e os riscos que razoavelmente dele se pressupõem, e a época em que foi fornecido.

A relatora explicou que o dever de segurança consiste na exigência de que os serviços ofertados no mercado ofereçam a segurança esperada, ou seja, não tenham por resultado dano aos consumidores individual ou coletivamente. Segundo Nancy, é com base nisso que o artigo 8º do CDC admite que se coloquem no mercado apenas produtos e serviços que ofereçam riscos razoáveis e previsíveis, isto é, que não sejam potencializados por falhas na atividade econômica desenvolvida pelo fornecedor.

“É dever da instituição financeira verificar a regularidade e a idoneidade das transações realizadas pelos consumidores, desenvolvendo mecanismos capazes de dificultar a prática de delitos. O surgimento de novas formas de relacionamento entre cliente e banco, em especial por meio de sistemas eletrônicos e pela internet, reafirmam os riscos inerentes às atividades bancárias. É imperioso, portanto, que instituições financeiras aprimorem continuamente seus sistemas de segurança”, afirmou.

Cabia ao banco adotar as medidas de segurança necessárias para obstar transações

A ministra também destacou que o fato exclusivo de terceiro é a atividade desenvolvida por uma pessoa que, sem ter qualquer vinculação com a vítima ou com o causador aparente do dano, interfere no processo causal e provoca com exclusividade o evento lesivo. “No entanto, se o fato de terceiro ocorrer dentro da órbita de atuação do fornecedor, ele se equipara ao fortuito interno, sendo absorvido pelo risco da atividade”, ressaltou.

Dessa forma, a relatora apontou que, ao ser informado do roubo, cabia ao banco adotar as medidas de segurança necessárias para obstar a realização de transações financeiras via aplicativo de celular. Para Nancy, a não implementação das providências cabíveis configura defeito na prestação dos serviços bancários por violação do dever de segurança (artigo 14 do CDC).

“O nexo de causalidade entre os prejuízos suportados pela autora e a conduta do banco – melhor dizendo, ausência de conduta – decorrem do fato de que este poderia ter evitado o dano se tivesse atendido à solicitação da recorrente tão logo formulada. O ato praticado pelo infrator do aparelho celular não caracteriza, então, fato de terceiro apto a romper o nexo de causalidade estabelecido com o banco”, concluiu a ministra ao dar provimento ao recurso interposto pela mulher.

Leia o acórdão no REsp2.082.281.

Fonte: STJ

Reforma do Código Civil: uma análise dos artigos sobre contrato de seguro

Uma palavra resume a proposta da Comissão de Reforma do Código Civil sobre a atualização dos artigos que tratam do contrato de seguro e da atividade seguradora: equilíbrio.

Os autores conseguiram sintetizar os ajustes necessários e trouxeram para o conjunto das normas não só a evolução tecnológica, como também o repositório jurisprudencial construído desde 2002. Assim como outros países já haviam procedido, modernizando-se, o Brasil contará com um ordenamento balanceado ao consolidar normas equânimes da relação segurado-seguradora.

A distinção feita entre contratos de “adesão” (massificados) e “paritários/simétricos” – nomenclatura extraída da Lei de Liberdade Econômica (13.874/2019) – ou “grandes riscos”, ratifica o modelo internacionalmente aceito e praticado. A Susep iniciou o processo administrativo de flexibilização das condições contratuais no final de 2020 e a reforma do Código Civil consolida esse movimento extremamente positivo.

Conformidade com o mercado internacional
O Brasil avançou e, ainda que tardiamente, ingressou no século 21 no tocante às bases contratuais. Não há como falar em “subscrição” sem que haja a liberdade para o estabelecimento dos termos e condições para cada segurado, todos eles com suas especificidades em relação às exposições de riscos. Na União Europeia, destacando a importância da customização das condições de coberturas, as Diretivas 2002/92/CE e 2016/97/CE, indicam que os mediadores de seguros têm o dever de adequar os produtos para cada cliente, ao menos indicando as razões que nortearam os conselhos dados quanto a um determinado produto, exceto para os “grandes riscos”.

A padronização de clausulados sob o comando estatal, cujo modelo prevaleceu no Brasil desde sempre e até a flexibilização promovida pela Susep (2020), demonstrou que o procedimento é reconhecidamente estagnante e deve permanecer no passado, na história do mercado de seguros brasileiro, sem qualquer tipo de retrocesso.

Alguns ajustes devem ser feitos, no texto proposto para o seguro, mas o conjunto das normas alteradas/inseridas se encontra bem objetivo, atualizado e em conformidade com os mercados internacionais, o que é essencial para o país. Seguros, embora sejam materializados por contratos nacionais e de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, têm estreita conexão com outros mercados, especialmente através dos contratos de resseguro, Facultativos – risco a risco ou Automáticos – de ramos inteiros. Nos grandes riscos a interconexão é mandatória.

A desmonopolização do resseguro, ocorrida através da Lei Complementar nº 126/2007, não foi acompanhada, na ocasião, da liberdade de as seguradoras estipularem as condições contratuais dos diferentes tipos de seguros, sem a prévia padronização e registro junto ao órgão regulador. Os consumidores brasileiros sempre viveram apartados dos demais países, sendo que os produtos padronizados, de forma conducente e extremada pelo Estado, não produziram excelência técnica no atendimento dos interesses seguráveis.

Longe disso, permaneceram amarrados num passado já distante e estagnados no tocante à criatividade, sem a diversidade de modelos de coberturas já comercializados em outros países, inclusive pela grande maioria das seguradoras que também operam aqui no Brasil. A própria Susep superou este paradigma a partir de 2020. As seguradoras privadas adquiriam liberdade de atuação na atividade, cujo cerceamento nunca poderia ter ocorrido. O tempo é outro.

A reforma do Código Civil proposta, convém destacar novamente, está imbuída desse movimento modernizante e coloca o mercado brasileiro no mesmo patamar dos mercados desenvolvidos, cujo movimento é essencial para os consumidores nacionais.

Sugestões 
A reforma não “revoluciona” o sistema a ponto de desconstruir todas as bases já solidificadas e isso é bom para o segmento, para os consumidores e para a continuidade pacífica dos negócios. O processo de renovação é estimulante. Profissionaliza, necessariamente, os agentes do mercado de seguros. Enriquece a técnica subjacente aos contratos de seguros, de cada ramo. Protege de forma adequada e útil os consumidores de seguros. O ordenamento jurídico ajustado e coerente com a atualidade tem o condão de promover esse círculo virtuoso de desenvolvimento.

Em razão de uma análise preliminar do texto proposto, alguns ajustes são recomendados:

  • Parágrafo único do artigo 762 – suprimir, na medida em que a culpa grave, restrita à apreciação/determinação em sede judicial, está superada pela perda de direito em razão da agravação do risco já prevista no artigo 768;
  • Parágrafo único do artigo 763 – desnecessário, apesar da facilidade atual na comunicação eletrônica. As partes devem cumprir as obrigações decorrentes dos contratos;
  • Parágrafo 2º do artigo 766 – todos os proponentes devem prestar informações acerca dos riscos seguráveis e, nos massificados (adesão), se for viável estabelecer tratamento especial, as referidas informações podem ficar circunscritas àquelas solicitadas pela Seguradora, sendo que as eventuais inexatidões devem ser prontamente declaradas/questionadas por ela, ainda na fase pré-contratual;
  • Parágrafo 2º do artigo 768 – inapropriado, uma vez que não se pode transigir a respeito do agravamento intencional do risco;
  • Parágrafo 4º do artigo 769 – é muito extenso o prazo de 30 dias, desnecessariamente;
  • Parágrafo 5º do artigo 771 – inadequada a aplicação exclusiva para os grandes riscos (paritários/simétricos). Em razão do princípio recorrente em seguros de “o que não estiver excluído está coberto”, se for transposto para os termos do parágrafo 5º, pode ensejar a interpretação inadequada de que para os massificados as despesas estarão compreendidas pelas apólices;
  • Parágrafo único do artigo 771-C – inapropriado estabelecer a confidencialidade apenas no tocante aos grandes riscos e mesmo porque as partes são paritárias e podem estabelecer, voluntariamente, as regras aplicáveis sem a necessária ingerência do ordenamento;
  • 771-D – desnecessário, até porque a norma está compreendida no artigo 772;
  • 778 – deve prever a possibilidade de o seguro ser contratado pelo “valor de novo”, notadamente em relação a equipamentos eletrônicos, cuja obsolescência é galopante, além de outros bens, assim como já acontece em relação a mercadorias em geral, veículos novos, etc.;
  • Parágrafo 2º do artigo 786 – inadequada a aplicação exclusiva para grandes riscos.

Outros comentários e sugestões certamente serão apresentados por diversos especialistas e entidades representativas do mercado de seguros, inclusive para os seguros de pessoas. De todo modo, convém destacar, mais uma vez, a relevância do fato de a comissão de reforma ter incluído a parte relativa aos contratos de seguros, tão oportuna e necessária no contexto geral de atualização do ordenamento jurídico civil. A discussão ampliada do tema, através de audiência pública da proposta e no Congresso, estimulará os ajustes necessários, que são poucos em face da qualidade precisa e incontestável do texto proposto. A reforma do Código Civil, abrangendo também os seguros, é muito bem-vinda.

Uma palavra resume a proposta da Comissão de Reforma do Código Civil sobre a atualização dos artigos que tratam do contrato de seguro e da atividade seguradora: equilíbrio.

Os autores conseguiram sintetizar os ajustes necessários e trouxeram para o conjunto das normas não só a evolução tecnológica, como também o repositório jurisprudencial construído desde 2002. Assim como outros países já haviam procedido, modernizando-se, o Brasil contará com um ordenamento balanceado ao consolidar normas equânimes da relação segurado-seguradora.

A distinção feita entre contratos de “adesão” (massificados) e “paritários/simétricos” – nomenclatura extraída da Lei de Liberdade Econômica (13.874/2019) – ou “grandes riscos”, ratifica o modelo internacionalmente aceito e praticado. A Susep iniciou o processo administrativo de flexibilização das condições contratuais no final de 2020 e a reforma do Código Civil consolida esse movimento extremamente positivo.

Conformidade com o mercado internacional
O Brasil avançou e, ainda que tardiamente, ingressou no século 21 no tocante às bases contratuais. Não há como falar em “subscrição” sem que haja a liberdade para o estabelecimento dos termos e condições para cada segurado, todos eles com suas especificidades em relação às exposições de riscos. Na União Europeia, destacando a importância da customização das condições de coberturas, as Diretivas 2002/92/CE e 2016/97/CE, indicam que os mediadores de seguros têm o dever de adequar os produtos para cada cliente, ao menos indicando as razões que nortearam os conselhos dados quanto a um determinado produto, exceto para os “grandes riscos”.

A padronização de clausulados sob o comando estatal, cujo modelo prevaleceu no Brasil desde sempre e até a flexibilização promovida pela Susep (2020), demonstrou que o procedimento é reconhecidamente estagnante e deve permanecer no passado, na história do mercado de seguros brasileiro, sem qualquer tipo de retrocesso.

Alguns ajustes devem ser feitos, no texto proposto para o seguro, mas o conjunto das normas alteradas/inseridas se encontra bem objetivo, atualizado e em conformidade com os mercados internacionais, o que é essencial para o país. Seguros, embora sejam materializados por contratos nacionais e de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, têm estreita conexão com outros mercados, especialmente através dos contratos de resseguro, Facultativos – risco a risco ou Automáticos – de ramos inteiros. Nos grandes riscos a interconexão é mandatória.

A desmonopolização do resseguro, ocorrida através da Lei Complementar nº 126/2007, não foi acompanhada, na ocasião, da liberdade de as seguradoras estipularem as condições contratuais dos diferentes tipos de seguros, sem a prévia padronização e registro junto ao órgão regulador. Os consumidores brasileiros sempre viveram apartados dos demais países, sendo que os produtos padronizados, de forma conducente e extremada pelo Estado, não produziram excelência técnica no atendimento dos interesses seguráveis.

Longe disso, permaneceram amarrados num passado já distante e estagnados no tocante à criatividade, sem a diversidade de modelos de coberturas já comercializados em outros países, inclusive pela grande maioria das seguradoras que também operam aqui no Brasil. A própria Susep superou este paradigma a partir de 2020. As seguradoras privadas adquiriam liberdade de atuação na atividade, cujo cerceamento nunca poderia ter ocorrido. O tempo é outro.

A reforma do Código Civil proposta, convém destacar novamente, está imbuída desse movimento modernizante e coloca o mercado brasileiro no mesmo patamar dos mercados desenvolvidos, cujo movimento é essencial para os consumidores nacionais.

Sugestões 
A reforma não “revoluciona” o sistema a ponto de desconstruir todas as bases já solidificadas e isso é bom para o segmento, para os consumidores e para a continuidade pacífica dos negócios. O processo de renovação é estimulante. Profissionaliza, necessariamente, os agentes do mercado de seguros. Enriquece a técnica subjacente aos contratos de seguros, de cada ramo. Protege de forma adequada e útil os consumidores de seguros. O ordenamento jurídico ajustado e coerente com a atualidade tem o condão de promover esse círculo virtuoso de desenvolvimento.

Em razão de uma análise preliminar do texto proposto, alguns ajustes são recomendados:

  • Parágrafo único do artigo 762 – suprimir, na medida em que a culpa grave, restrita à apreciação/determinação em sede judicial, está superada pela perda de direito em razão da agravação do risco já prevista no artigo 768;
  • Parágrafo único do artigo 763 – desnecessário, apesar da facilidade atual na comunicação eletrônica. As partes devem cumprir as obrigações decorrentes dos contratos;
  • Parágrafo 2º do artigo 766 – todos os proponentes devem prestar informações acerca dos riscos seguráveis e, nos massificados (adesão), se for viável estabelecer tratamento especial, as referidas informações podem ficar circunscritas àquelas solicitadas pela Seguradora, sendo que as eventuais inexatidões devem ser prontamente declaradas/questionadas por ela, ainda na fase pré-contratual;
  • Parágrafo 2º do artigo 768 – inapropriado, uma vez que não se pode transigir a respeito do agravamento intencional do risco;
  • Parágrafo 4º do artigo 769 – é muito extenso o prazo de 30 dias, desnecessariamente;
  • Parágrafo 5º do artigo 771 – inadequada a aplicação exclusiva para os grandes riscos (paritários/simétricos). Em razão do princípio recorrente em seguros de “o que não estiver excluído está coberto”, se for transposto para os termos do parágrafo 5º, pode ensejar a interpretação inadequada de que para os massificados as despesas estarão compreendidas pelas apólices;
  • Parágrafo único do artigo 771-C – inapropriado estabelecer a confidencialidade apenas no tocante aos grandes riscos e mesmo porque as partes são paritárias e podem estabelecer, voluntariamente, as regras aplicáveis sem a necessária ingerência do ordenamento;
  • 771-D – desnecessário, até porque a norma está compreendida no artigo 772;
  • 778 – deve prever a possibilidade de o seguro ser contratado pelo “valor de novo”, notadamente em relação a equipamentos eletrônicos, cuja obsolescência é galopante, além de outros bens, assim como já acontece em relação a mercadorias em geral, veículos novos, etc.;
  • Parágrafo 2º do artigo 786 – inadequada a aplicação exclusiva para grandes riscos.

Outros comentários e sugestões certamente serão apresentados por diversos especialistas e entidades representativas do mercado de seguros, inclusive para os seguros de pessoas. De todo modo, convém destacar, mais uma vez, a relevância do fato de a comissão de reforma ter incluído a parte relativa aos contratos de seguros, tão oportuna e necessária no contexto geral de atualização do ordenamento jurídico civil. A discussão ampliada do tema, através de audiência pública da proposta e no Congresso, estimulará os ajustes necessários, que são poucos em face da qualidade precisa e incontestável do texto proposto. A reforma do Código Civil, abrangendo também os seguros, é muito bem-vinda.

Fonte: CONJUR

* Esta coluna é produzida pelos professores Ilan Goldberg e Thiago Junqueira, bem como por convidados.

Educação: uma olhada em dados do censo escolar

Na semana passada, o Ministério da Educação (MEC) e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) divulgaram os resultados do Censo Escolar 2023. Este censo  é descrito, na apresentação do Inep, como “o principal instrumento de coleta de informações da educação básica e a mais importante pesquisa estatística educacional brasileira” [1].

Trata-se de uma grande pesquisa feita por meio de dados declaratórios que abrangem todas as escolas públicas e privadas do país. Podemos enxergar o censo como um retrato do estado da educação básica e profissional do país — esse retrato é composto sobretudo por indicadores que permitem acompanhar o cumprimento dos muitos deveres estatais para com a educação.

Com relação a esses deveres estatais, não é demais relembrar que nossa Constituição caracteriza a educação como direito de todos e dever do Estado e da família (artigo 205), e que os diversos deveres do Estado são previstos expressamente (artigo 208), assim como os recursos vinculados para seu custeio.

O Censo Escolar é essencial para o acompanhamento das metas do Plano Nacional de Educação (PNE) [2].

O PNE é o principal instrumento de planejamento das políticas públicas nacionais, com vigência decenal, lhe cabendo definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para atingir os seguintes objetivos principais: erradicação do analfabetismo; universalização do atendimento escolar; melhoria da qualidade do ensino; formação para o trabalho; promoção humanística, científica e tecnológica do país, e estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto (artigo 214 CF).

Contratos temporários
Passo a comentar duas questões importantes a partir da análise de dados do Censo Escolar referentes à gestão de pessoal da educação pública, ambas destacadas na apresentação coletiva do MEC e Inep e também pela imprensa [3].

A primeira questão é o grande número de docentes das redes estadual e municipal com vínculos precários — contratados temporariamente.

Nas redes estaduais, na maioria dos estados brasileiros o número de professores vinculados por contratos temporários é maior do que o de professores ocupantes de cargo efetivo (como tal, provido por concurso público).

Há casos gritantes como o de Minas Gerais (80,8% de temporários) e o do Tocantins (79,9% de contratados temporários), ao passo em que no Rio de Janeiro e Rio Grande do Norte, por exemplo, predominam efetivos (95,6% e 93,7%, respectivamente) [4].

Há um problema grave de desobediência ao regime determinado pela Constituição. Com efeito, um dos princípios que orienta a oferta do ensino é a “valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas” (artigo 206, V).

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), no mesmo sentido, estatui:

“Art. 67. Os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais da educação, assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de carreira do magistério público:

I – ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos;

II – aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento periódico remunerado para esse fim;

III – piso salarial profissional;

IV – progressão funcional baseada na titulação ou habilitação, e na avaliação do desempenho;

V – período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho;

VI – condições adequadas de trabalho”.

A contratação por prazo determinado existe somente para o atendimento de necessidade temporária causada por excepcional interesse público (artigo 37, IX da CF). Trata-se de excepcionalidade, como qualificado pela Constituição, carecendo de fundamento jurídico a perpetuação de contrato sem excesso em detrimento da valorização da carreira e provimento por concurso.

A predominância dos vínculos precários pode até atender o interesse fiscal de determinados estados (despender menos recursos, não comprometer o limite de despesas com pessoal, por exemplo), mas jamais atenderá ao interesse público — por isso, deve ser objeto de atenção por parte das instituições de controle e da sociedade.

Seleção e formação de diretores
A segunda questão observada se refere à forma de escolha dos diretores e diretoras das escolas públicas.

Primeiramente, as boas notícias:  nas redes estaduais, 23% dos diretores são selecionados por meio de processo seletivo qualificado e eleição com participação da comunidade escolar (um crescimento de 5,7% com relação ao ano de 2022) e 13,7% são selecionados por meio de processo seletivo qualificado de escolha (crescimento de 6,3% com relação ao ano anterior).

Agora, o dado mais preocupante nesse quesito: nas redes municipais, 45,8% dos diretores e diretoras são escolhidos exclusivamente por indicação/escolha da administração (tendo sido constatado, é verdade, diminuição nesse percentual).

Há farta literatura demonstrando a importância dos diretores escolares para a qualidade da educação, incluindo a materialização da gestão democrática [5].

As boas notícias sacadas dos dados relativos à escolha de diretores certamente devem ser creditadas à criação de uma complementação financeira da União para as redes públicas que cumpram determinadas condicionalidades. Trata-se da complementação Vaar (valor aluno ano resultado), criado pela Lei do novo Fundeb (Lei nº 14.113/2020).

De acordo com a referida lei, uma das condicionalidades para o recebimento da complementação por estados e municípios é o:

provimento do cargo ou função de gestor escolar de acordo com critérios técnicos de mérito e desempenho ou a partir de escolha realizada com a participação da comunidade escolar dentre candidatos aprovados previamente em avaliação de mérito e desempenho” (artigo 14, §1º, inciso I) [6].

Em ampla pesquisa intitulada “Seleção e formação de diretores — mapeamento de práticas em estados e capitais brasileiras” [7], realizada pela D3E, Atricon e Todos pela Educação, foram feitas recomendações importantes relativas à seleção e ao acesso à gestão escolar: adotar critérios técnicos combinados a processos democráticos, conforme previsto no Plano Nacional de Educação (PNE) e na nova lei do Fundeb, e realizar processos seletivos mistos que combinem mais de uma etapa de seleção.

No tocante à formação dos diretores — outra questão que merece análise à luz dos dados do censo — as recomendações foram: garantir oportunidades de formação e desenvolvimento aos professores que desejam se tornar diretores ou àqueles que já estão atuando na gestão; debater as questões relativas ao tempo de duração do mandato, que impactam diretamente o desenho dos tipos de formação a serem oferecidos e seu tempo de duração; avaliar os cursos de formação,  e promover cursos de formação com maior conexão entre teoria e prática.

Conclusão
A realização de pesquisas e a análise de resultados é essencial para o planejamento, monitoramento e avaliação de políticas públicas. Na educação pública, a afirmativa ganha mais relevância quando se constata que há todo um projeto constitucional construído com o fim de garantir educação pública de qualidade e alcançar o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para a cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Reconhecer a cogência desse projeto e a juridicidade dos instrumentos que o delineiam (como o Plano Nacional de Educação) é essencial para avançarmos na construção de um país que possa realmente buscar o bem de todos.


https://download.inep.gov.br/censo_escolar/resultados/2023/apresentacao_coletiva.pdf

https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-atuacao/pesquisas-estatisticas-e-indicadores/censo-escolar

https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2024/02/23/censo-escolar-2023-tres-estados-ainda-somam-mais-de-85percent-dos-diretores-nomeados-por-indicacao-politica-veja-a-lista.ghtml

https://www.estadao.com.br/educacao/tres-noticias-boas-e-dois-problemas-sobre-a-educacao-basica-revelados-pelos-dados-do-mec/

A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas

O Censo Escolar é o principal instrumento de coleta de informações da educação básica e a mais importante pesquisa estatística educacional brasileira. É coordenado pelo Inep e realizado em regime de colaboração entre as secretarias estaduais e municipais de educação e com a participação de todas as escolas públicas e privadas do país. A pesquisa estatística abrange as diferentes etapas e modalidades da educação básica e profissional:

  • Ensino regular (educação infantil, ensino fundamental e médio);
  • Educação especial – escolas e classes especiais;
  • Educação de Jovens e Adultos (EJA);
  • Educação profissional e tecnológica (cursos técnicos e cursos de formação inicial continuada ou qualificação profissional).

A  pesquisa estatística tem caráter declaratório e é dividida em duas etapas. A primeira etapa do Censo Escolar  coleta informações sobre os estabelecimentos de ensino, gestores, turmas, alunos e profissionais escolares em sala de aula. A segunda etapa coleta informações sobre o movimento e o rendimento escolar dos alunos, ao final do ano letivo.

O Censo Escolar é realizado anualmente e a declaração é obrigatória para todas as escolas públicas e privadas do país. Além disso, é regulamentado por instrumentos normativos que instituem a obrigatoriedade, os prazos, os responsáveis e suas responsabilidades, bem como os procedimentos para realização de todo o processo de coleta de dados.

[1] https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-atuacao/pesquisas-estatisticas-e-indicadores/censo-escolar

[2] Sobre o PNE já escrevemos neste mesmo espaço: https://www.conjur.com.br/2023-jun-29/interesse-publico-plano-nacional-educacao-ppa-proximidade-necessaria/

[3] https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2024/02/23/censo-escolar-2023-tres-estados-ainda-somam-mais-de-85percent-dos-diretores-nomeados-por-indicacao-politica-veja-a-lista.ghtml

https://www.estadao.com.br/educacao/tres-noticias-boas-e-dois-problemas-sobre-a-educacao-basica-revelados-pelos-dados-do-mec/

[4] Os dados constam do gráfico 68 disponibilizado na apresentação coletiva. O gráfico 69 trata das redes municipais, por Estado da federação. Disponível em: https://download.inep.gov.br/censo_escolar/resultados/2023/apresentacao_coletiva.pdf

[5] Remetemos o leitor e a leitora à bibliografia específica utilizada para elaboração do relatório da pesquisa “Seleção e formação de diretores – mapeamento de práticas em estados e capitais brasileiras”, realizada pela D3E, Atricon e Todos pela Educação. Relatório disponível em: https://d3e.com.br/wp-content/uploads/relatorio_2305_selecao-formacao-diretores.pdf Acesso em 26 de fevereiro de 2024.

[6] O FNDE divulgou a relação de Municípios inabilitados ao recebimento dos recursos da Complementação Valor Anual Aluno Resultado(VAAR), previstos para o exercício de 2024, em função do não cumprimento das condicionalidades contidas no artigo 14 da Lei Federal nº 14.113/2020 (Lei do FUNDEB): Disponível em: https://www.gov.br/fnde/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-programas/financiamento/fundeb/2024/Redesinabilitadaspormotivo.pdf. Acesso em: 15 fev. 2024.

[7] Relatório disponível em: https://d3e.com.br/wp-content/uploads/relatorio_2305_selecao-formacao-diretores.pdf Acesso em 26 de fevereiro de 2024.

Fonte: Conjur

TSE restringe uso de Inteligência Artificial nas eleições de outubro

Por unanimidade, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovou nesta terça-feira (27) uma resolução para regulamentar o uso da inteligência artificial durante as eleições municipais de outubro.

A norma proíbe manipulações de conteúdo falso para criar ou substituir imagem ou voz de candidato com objetivo de prejudicar ou favorecer candidaturas. A restrição do uso de chatbots e avatares para intermediar a comunicação das campanhas com pessoas reais também foi aprovada.

O objetivo do TSE é evitar a circulação de montagens de imagens e vozes produzidas por aplicativos de inteligência artificial para manipular declarações falsas de candidatos e autoridades envolvidas com a organização do pleito.

Os ministros também aprovaram na sessão desta noite diversas resoluções que vão balizar o pleito deste ano.

Redes sociais

Para combater a desinformação durante a campanha, o TSE vai determinar que as redes sociais deverão tomar medidas para impedir ou diminuir a circulação de fatos inverídicos ou descontextualizados. As plataformas que não retirarem conteúdos antidemocráticos e com discurso de ódio, como falas racistas, homofóbicas ou nazistas, serão responsabilizadas.

Armas

O TSE voltou a proibir o transporte de armas e munições no dia das eleições municipais de outubro. A restrição foi adotada na disputa presidencial em 2022 e será inserida na norma geral do pleito deste ano.

Conforme a medida, quem tem porte não poderá circular nas ruas com armas e munições entre as 48 horas que antecedem o dia do primeiro ou segundo turnos e nas 24 horas posteriores.

Transporte gratuito

Em outra resolução aprovada, o TSE garantiu que os municípios deverão disponibilizar transporte público gratuito no dia do primeiro e segundo turnos.

Artistas

Após limitações da liberdade de expressão nas eleições passadas, os ministros decidiram que artistas e influenciadores poderão demostrar apoio a candidatos durante suas apresentações, desde que as manifestações sejam de forma voluntária e gratuita.

Fundo de Campanha

Sobre o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), os partidos deverão informar em suas páginas na internet o valor total recebido dos cofres públicos e os critérios adotados para distribuir as quantias para os candidatos

Fonte: Logo Agência Brasil

Colegiado do CJF aprova relatório de inspeção no TRF da 2ª Região

O documento foi analisado na sessão de julgamento realizada no dia 26 de fevereiro

O Conselho da Justiça Federal (CJF) realizou, na segunda-feira (26), sua primeira sessão de julgamento do ano e aprovou, por unanimidade, o relatório da inspeção ordinária realizada pela Corregedoria-Geral da Justiça Federal no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2). O processo foi relatado pelo vice-presidente do CJF e corregedor-geral, ministro Og Fernandes.

Em seu voto, o ministro destacou projetos que podem servir de referência para outros TRFs, a exemplo do Projeto Inteligência, que identifica processos com precedentes vinculantes dos tribunais superiores, e o Projeto Luiz Gama, que automatiza petições iniciais nos juizados especiais federais (JEFs), dispensando a obrigatoriedade de atuação de advogado, com a instalação de totens de atendimento ao público.

O corregedor-geral também mencionou o Projeto Inovagesta, cujos objetivos constam da Nota Técnica n. 6/2023 e o Projeto Qualitas, que desenvolve um painel de business intelligence (BI) para identificar e separar processos conforme os marcadores do Prêmio CNJ de Qualidade.

Sobre os dados levantados, o relatório da inspeção realizada no período de 21 a 25 de agosto de 2023 aponta que, entre junho de 2022 e maio de 2023, o TRF da 2ª Região julgou o total de 53.926 processos, o que resulta em um percentual de produtividade média de 112,58%.

A inspeção

As atividades de inspeção abrangeram as unidades jurisdicionais, processantes e órgãos de apoio jurisdicional daquela Região. Para avaliação da prestação jurisdicional do Tribunal foram inicialmente levantados os dados estatísticos, processuais e administrativos das seções especializadas da Corte e suas respectivas Turmas.

O resultado da inspeção retrata as informações e os dados colhidos na análise de 2.043 feitos trabalhados, segundo padrões objetivos de controle por fases e situações processuais, com intuito de fornecer diagnóstico atualizado da situação da gestão processual e administrativa nas várias unidades do TRF2.

Processo n. 0000160-53.2024.4.90.8000

Tribunal determina isenção de tarifas bancárias na remessa de pensão alimentícia ao exterior

Os ministros entenderam que a isenção prevista na Convenção de Nova York não se aplica apenas às despesas judiciais, pois o objetivo é facilitar o atendimento das necessidades do alimentando.

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ)decidiu, por maioria, que estão isentas de tarifas bancárias as remessas ao exterior de valores relativos ao pagamento de pensão alimentícia, fixadas judicialmente. O colegiado entendeu que a isenção prevista na Convenção de Nova York sobre Prestação de Alimentos no Estrangeiro para despesas judiciais deve incidir também sobre as tarifas bancárias exigidas em tais operações.

O Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública para que um banco deixasse de cobrar tarifas nas operações relativas a pensões alimentícias pagas no Brasil e remetidas ao alimentando residente no exterior. O juízo de primeiro grau deferiu o pleito, o que foi mantido pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) ao negar provimento à apelação do banco.

No recurso ao STJ, o banco pediu a reforma do acórdão do TRF3, sob o fundamento de que não haveria norma no ordenamento jurídico brasileiro que regulamentasse a isenção das tarifas. A instituição financeira também alegou sua ilegitimidade para integrar o polo passivo e sustentou que o Ministério Público não seria parte legítima para propor a ação, pois não estaria caracterizado o interesse social no caso, mas apenas interesses individuais.

Cobrança de tarifas bancárias dificulta concretização do direito a alimentos

Para o relator, ministro Humberto Martins, a cobrança de tarifas para envio de verba alimentar ao exterior representa um obstáculo à concretização do direito aos alimentos.

Martins afirmou que a interpretação literal da Convenção de Nova York pode levar à conclusão de que a isenção de despesas mencionada em seu artigo IX se refere exclusivamente aos trâmites judiciais, mas o objetivo dessa dispensa é “facilitar a obtenção de alimentos, e não apenas a propositura de uma ação de alimentos”.

Segundo o ministro, a isenção deve compreender todos os procedimentos necessários à efetivação da decisão judicial, estendendo-se às tarifas do serviço bancário de remessa de valores para o exterior. Ele invocou precedentes do STJ segundo os quais o benefício da justiça gratuita também alcança os atos extrajudiciais indispensáveis à efetividade da prestação jurisdicional, como a obtenção de certidões de imóveis para ajuizamento da ação ou as providências necessárias à execução da sentença.

“Assim, como a remessa para o exterior de verba alimentar fixada judicialmente representa a efetivação da decisão judicial e, consequentemente, a obtenção dos alimentos, a isenção prevista na Convenção de Nova York deve incidir também sobre as tarifas bancárias exigidas em tal operação, independentemente de norma regulamentar editada pelo Banco Central do Brasil”, declarou.

Martins comentou ainda que, embora o pagamento das tarifas bancárias seja obrigação do alimentante, “a oneração do devedor pode comprometer a remessa da verba alimentar, caracterizando-se como uma das dificuldades que a convenção pretendeu eliminar”.

Defender direitos indisponíveis é papel do Ministério Público

O ministro esclareceu que o direito aos alimentos é um direito indisponível, cuja defesa está entre as atribuições constitucionais do Ministério Público. Ele ressaltou que a legitimidade ativa da instituição, além de amparada pela Constituição Federal, apoia-se no artigo VI da Convenção de Nova York e no artigo 26 da Lei de Alimentos, que lhe atribuem a função de instituição intermediária para garantir a prestação alimentícia.

Quanto à legitimidade passiva do banco, o ministro indicou entendimento já sedimentado no STJ de que as condições da ação – entre elas, a legitimidade – devem ser verificadas a partir das afirmações constantes na petição inicial, conforme preceitua a Teoria da Asserção. Como a petição afirma que o banco vem cobrando as tarifas, o relator concluiu que sua legitimidade passiva é evidente, “já que se pretende a cessação da cobrança”.

Fonte: STJ

Em se tratando de medidas provisórias, quem só vê taxa não vê aprovação

A função típica do Poder Legislativo é legislar. Mas a Constituição de 1988 desenhou um modelo de atividade legislativa fortemente centralizado no Poder Executivo, responsável por uma série de ferramentas, como a iniciativa legislativa reservada, o poder de editar medidas provisórias, o pedido de urgência na tramitação de proposições, etc.

Entretanto, sem o Congresso, o presidente não governa, daí que parte das atenções se volta para as relações entre Executivo e Legislativo para avaliar o desempenho legislativo dos governos.

Desde um ponto de vista estritamente jurídico, as chaves de análise baseadas na separação dos poderes, na lógica do sistema de freios e contrapesos (checks and balances) ou no aspecto estrito da estrutura das normas são insuficientes na compreensão da produção legislativa, sobretudo desde uma perspectiva realista como se propôs aqui.

Torna-se necessário fazer incursões empíricas e interdisciplinares para examinar a produção legislativa do Executivo.

Ocorre que, mesmo quando se parte para a literatura da ciência política, por exemplo, há problemas que não são resolvidos, e a realidade pode até ser distorcida, o que converte as pesquisas legislativas em um campo verdadeiramente desafiador.

Daí que a coluna de hoje — dando sequência às participações anteriores — aponta mais uma imprecisão na forma como parte da academia mede e dissemina seus achados de pesquisa envolvendo as medidas provisórias.

Taxa de sucesso e de dominância
Como sabido, a ciência política trabalha especialmente com dois indicadores bastante tradicionais: a taxa de sucesso (leia-se, o percentual de aprovação das propostas apresentadas pelo Executivo, em relação ao total de iniciativas desse mesmo poder) e a taxa de dominância legislativa do Executivo (isto é, a participação de iniciativas deste último no universo dos projetos aprovados pelo Congresso).

A taxa de sucesso pode ser segmentada por espécie de proposição ou considerar todas juntas (por exemplo, projetos de lei, medidas provisórias, propostas de emenda à Constituição, projeto de lei do Congresso).

Para chegar à taxa de sucesso do Executivo, basta dividir o número das proposições aprovadas pelo número das apresentadas por esse poder.

Já a taxa de dominância é encontrada a partir da divisão do número de leis aprovadas de iniciativa do Poder Executivo pelo total de leis aprovadas no mesmo período, considerando, portanto, as demais iniciativas legislativas.

Observatório do Legislativo Brasileiro monitora esses indicadores em um painel, permitindo visualizar as oscilações ano a ano. A cada ano os números são atualizados, pois essas métricas — ao lado de outras, como o percentual de votações nominais versus simbólicas, a disciplina partidária da base quando há orientação do governo, etc. — expressam a força do Executivo ou o apoio da coalizão.

O problema de indicadores como a taxa de sucesso e a taxa de dominância está em que não captam o emendamento parlamentar, cuja magnitude pode impingir verdadeiras derrotas às preferências do Executivo, que, no entanto, acabam sendo contabilizadas no saldo positivo simplesmente porque houve aprovação, sem olhar para o conteúdo da matéria.

Então, a possível distorção desses indicadores precisa ser olhada com lupas. Do contrário, o indicador não se presta a medir adequadamente o fenômeno investigado.

Exemplos mais concretos ajudam a compreender o argumento
MP nº 1.154/2023, que tratou da estruturação da Esplanada, foi aprovada pelo Congresso, entrando para a taxa de sucesso. Porém, deve-se registrar que foram apresentadas 154 emendas a essa MP, das quais 62 foram acatadas pelo relator, o deputado Isnaldo Bulhões Júnior (MDB-AL).

Com isso, foram revertidas escolhas da versão original da MP. Por exemplo, no art. 42 da MP nº 1154/2023, a demarcação de terras indígenas e quilombolas tinha sido atribuída ao Ministério dos Povos Indígenas, mas durante a tramitação essa responsabilidade foi dividida entre duas outras pastas: o Ministério da Justiça e Segurança Pública (terras indígenas, art. 35) e Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (quilombolas, artigo 25). Assim, a MP nº 1154/2023 foi convertida na Lei nº 14.600/2023, mas não exatamente nos termos pretendidos pelo Executivo.

Nessa mesma MP da reestruturação da Esplanada, a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) — que tinha sido extinta com a edição da MP nº 1.156/2023, tendo suas atribuições divididas entre o Ministério da Saúde e o Ministério das Cidades — acabou sendo recriada.

Explica-se. Por falta de acordo, sabia-se que a MP nº 1156/2023 não seria votada e, de fato, essa MP acabou caducando. Tentando contornar isso, a pedido do governo, o relator da reestruturação da Esplanada chegou a incorporar a extinção da Funasa na MP nº 1154/2023.

Entretanto, essa previsão foi retirada durante a votação dos destaques da MP da reestruturação da Esplanada, que, repita-se, foi aprovada, mas nesse ponto representou mais uma derrota. Em resumo, por duas vezes o governo tentou extinguir a Funasa e a matéria foi rejeitada, mas um desses casos entrou como sucesso.

Como se vê, a aprovação das medidas provisórias (e da legislação em geral) é complexa e sua compreensão por um único indicador binário é inadequada. A vitória ou derrota do Executivo não cabe na simples aprovação ou não de uma única proposição pelo Legislativo.

Uma mesma matéria pode entrar em mais de uma MP, seja via emendamento parlamentar, seja pela reinserção em MP na sessão legislativa subsequente. As discussões se desenrolam ao longo do tempo e isso precisa ser levado em consideração.

De acordo com a literatura da ciência política, o primeiro ano de governo costuma ser o de maior força, com as maiores taxas de sucesso.

Quando os últimos números do atual governo saíram no início de 2024, com a manchete de que o presidente Lula teve o menor índice de medidas provisórias aprovadas em comparação aos seus antecessores, nos primeiros 11 meses de mandato, o governo logo se apressou em explicar que houve matérias veiculadas em MPs não aprovadas que, mesmo assim, acabaram virando lei, pois seu conteúdo foi incorporado a projetos de lei aprovados.

De certa forma, por tudo o que se acaba de explicar, a lógica do governo está certa. De fato, quem só olha para a taxa de aprovação não tem a real dimensão dos conteúdos que se tornaram norma.

Isso vale tanto para derrotas relativas computadas como vitórias plenas — como no caso que se acaba de mencionar da MP nº 1154/2023 (Reestruturação da Esplanada) —, quanto o contrário: matérias não aprovadas em um primeiro momento, que acabaram sendo convertidas em lei depois.

Tudo indica que isso acontecerá mais uma vez, por exemplo, com a MP nº 1.202/2023, na parte em que determinou a reoneração gradual da folha de pagamento de pagamento para 17 setores produtivos a partir de 1º de abril de 2024. Segundo vem sendo noticiado, o presidente da República apresentará um projeto de lei sobre o tema.

Com base nessa constatação — de que a taxa de sucesso apurada de forma só quantitativa vem perdendo sua capacidade para servir como um indicador preciso, capaz de dar conta do grau real de alinhamento entre os poderes Executivo e Legislativo —, Cesar Rodrigues van der Laan vem fazendo um minucioso levantamento quanto às MPs editadas entre 2019 e 2022 (durante o governo Bolsonaro).

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, feita manualmente, porque esse tipo de coleta e análise não pode ser automatizada.

Para tanto, o autor está examinando cada uma das MPs do período.

A leitura, uma a uma, tem o propósito de verificar os casos em que as matérias acabaram sendo aprovadas em um segundo momento (ou seja, derrotas que depois se tornaram vitórias) ou os casos em que, mesmo tendo caducado, as MPs cumpriram seu papel (ou seja, situações de não aprovação que devem ser lidas como sucesso).

Para ficar em só um dos exemplos trazidos por ele, cite-se o caso da MP nº 1.013/2020, bastante ilustrativo do crescente uso estratégico que vem sendo feito das MPs.

A referida MP alterou o artigo 7º da Lei nº 10.480, de 2 de julho de 2002, para prorrogar o prazo de recebimento de gratificações por servidores ou por empregados requisitados pela Advocacia-Geral da União (AGU) até 2 de dezembro de 2022.

Embora não tenha sido convertida em lei (por decurso do prazo sem votação), a MP nº 1013/2020 gerou efeitos concretos enquanto vigeu e amparou pagamentos até abril de 2021.

Então, sem solução de continuidade, foi editada a MP nº 1.042/2021, que promoveu uma reestruturação das gratificações, eliminando a provisoriedade até então vigente, tendo-se convertido na Lei nº 14.204, de 16 de setembro de 2021.

A MP nº 1042/2021 representou uma continuação da MP nº 1.013/2020. Embora a primeira tenha revogado as alterações que a última fez no referido artigo 7º da Lei nº 10.480/2002, ambas precisam ser lidas em conjunto e representam uma vitória do Executivo, seja porque no primeiro round a MP nº 1013/2020 surtiu os efeitos esperados — mesmo não aprovada pelo Congresso deve entrar como vitória —, seja porque no segundo round a MP nº 1.042/2021 resolveu o imbróglio de vez.

Enganos
O trabalho de Cesar Rodrigues van der Laan está em andamento, mas já se revela promissor para mostrar a discrepância da métrica tradicional em consideração às nuances comentadas acima.

Sem adiantar seus achados, basta registrar que ele encontrou uma variação percentual de 31% nas taxas de sucesso, dependendo de a medição ter sido em caráter quantitativo ou qualitativo, uma diferença muito significativa em se tratando de um mesmo fenômeno sob análise.

Com isso, chega-se à síntese do argumento de hoje: mesmo o giro empírico das pesquisas legislativas pode trazer enganos.

Começa-se a ver produções guiadas por estudos quantitativos (a partir de coletas automatizadas) e artigos repletos de gráficos em coluna, em barra, em pizza, em linha, em rede, etc., que até podem embelezar os trabalhos, mas vêm com conclusões — quando não vazias — no mínimo imprecisas, como se acaba de explicar. Com pesquisas exclusivamente quantitativas, perde-se uma dimensão importante.

Atenta a esse ponto, Helen Romero cuidou de estruturar sua pesquisa empírica sobre a edição de MPs e a relação entre a Presidência da República e o Congresso com base em nove variáveis: quantidade, temática, relevância, resultado, tempo, emendas, decisão, veto e deliberação. Tais variáveis foram cruzadas, levando às conclusões pertinentes. Só assim é possível perceber a interação estratégica e as táticas de que o Executivo lança mão para alcançar seu objetivo junto ao Legislativo.

Uma das dificuldades das pesquisas sobre a produção legislativa, sobretudo envolvendo a relação entre o Poder Executivo e o Congresso Nacional, está nisso: para serem bem feitas, certas investigações precisam ser feitas “na unha”, como se diz, manualmente, de forma qualitativa.

Trabalhar só com números, de forma cega para o que de fato significam, pode gerar distorções. O exemplo da taxa de sucesso quantitativa versus qualitativa envolvendo as medidas provisórias é ilustrativo disso.

Só lendo cada uma das proposições para compreender as tendências. Só a partir dos números de não aprovação, por exemplo, não é possível enxergar que, na verdade, o que amentou foi a quantidade de MPs “feitas para caducar”, bem como a maior utilização da via dos PLs para tratar, com êxito, de assuntos que não foram aprovados em MPs.

É desperdício de tempo dedicar-se a computar mecanicamente números em certos fenômenos sociais e humanos. É preciso melhorar os resultados quantitativos das pesquisas e análises, apresentá-los em moldura qualitativa, evitando recair na falácia da falsa precisão.

Deparando-se com dilema semelhante, John Maynard Keynes bem sintetizou o ponto numa frase que, a despeito de pensada para o âmbito da economia e dos investimentos, vem bem a calhar para a pesquisa empírica na Ciência Política e no Direito: “é melhor estar aproximadamente certo do que precisamente errado”.

Fonte: Conjur

Cláusula de renúncia às benfeitorias em contrato de aluguel não se estende às acessões

Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a cláusula de contrato de locação imobiliária que prevê renúncia à indenização por benfeitorias e adaptações não pode ser estendida à hipótese de acessão (aquisição do direito de propriedade sobre os acréscimos feitos no imóvel).

A partir desse entendimento, o colegiado restabeleceu a sentença que reconheceu o direito de um empresário a ser ressarcido depois de construir uma academia em propriedade alugada, mas não conseguir viabilizar o negócio por falta de regularização que dependia da locadora.

“A obra realizada pelo locatário configurou uma acessão – e não uma mera benfeitoria, até porque o valor por ele investido no imóvel alcançou um montante elevado, que supera o senso comum para uma simples adaptação do bem para suas atividades”, avaliou o relator do caso, ministro Marco Aurélio Bellizze.

Ação apontou enriquecimento sem causa da proprietária

Sem poder iniciar as atividades da academia, o empresário parou de pagar os aluguéis até que a situação do imóvel fosse regularizada, mas se viu obrigado a deixar o local devido à ação de despejo movida pela proprietária. Posteriormente, o imóvel foi alugado para outra pessoa que fez uso de toda a estrutura construída.

Por essa razão, o antigo locatário ajuizou ação alegando enriquecimento sem causa da dona do imóvel e pedindo indenização por danos materiais.

O juízo de primeiro grau acolheu o pedido, mas a decisão foi reformada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). A corte entendeu que a cláusula de renúncia ao direito de indenização estabelecida no contrato de locação abrangeria não só as benfeitorias, mas todas as alterações feitas no imóvel. Nessa situação, estaria incluída a construção (acessão) feita para adequar o local à atividade que o locatário pretendia desenvolver.

Benfeitoria e acessão não podem ser tratadas da mesma forma

O ministro Bellizze apontou que a existência de uma nova construção no imóvel ficou claramente demonstrada no processo, havendo divergência entre as instâncias ordinárias quanto ao alcance da cláusula de renúncia a indenizações.

Segundo o relator, é preciso diferenciar os conceitos de benfeitoria e acessão, institutos que não podem ser tratados da mesma forma: a primeira é uma melhoria de natureza acessória realizada em coisa já existente, enquanto a acessão é a aquisição da propriedade de acréscimos, nas formas previstas no artigo 1.248 do Código Civil (CC).

“Por isso, mostra-se inviável estender a previsão contratual de renúncia à indenização por benfeitoria também à acessão, notadamente porque o artigo 114 do CC determina que ‘os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente'”, observou Bellizze.

Código Civil prevê indenização para locatário que age de boa-fé

O magistrado ressaltou ainda que o locatário não pôde explorar a academia por falta de alvará de funcionamento, o qual não foi obtido devido ao desinteresse da proprietária do imóvel. “Ou seja, o locatário foi impedido de iniciar suas atividades em decorrência de ato da locadora”, disse, lembrando que, segundo o artigo 1.255 do CC, quem edifica em terreno alheio perde a construção para o proprietário, mas tem direito à indenização se agiu de boa-fé.

“O locatário procedeu de boa-fé, inclusive mediante autorização da locadora para a realização das obras, podendo-se cogitar a má-fé da proprietária, consoante presunção do artigo 1.256, parágrafo único, do CC, já que a construção se deu com o seu conhecimento e sem impugnação de sua parte”, concluiu o relator ao dar provimento ao recurso especial.

Leia o acórdão no REsp 1.931.087.

Fonte: STJ

TSE vota regra para inteligência artificial nas eleições

O plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) marcou para a sessão desta terça-feira (27) a votação das regras para a eleição municipal de outubro, com destaque para a resolução sobre propaganda eleitoral, que deve disciplinar o uso de tecnologias de inteligência artificial (IA) nas campanhas. 

No texto que deverá ser colocado em votação, a relatora, ministra Cármen Lúcia, propôs que a utilização de material “fabricado ou manipulado” por meio de IA somente seja permitido se a informação sobre o uso da tecnologia for divulgada de forma “explícita e destacada”.

Além disso, a norma traz vedações ao uso de qualquer “conteúdo fabricado e manipulado” com fatos sabidamente não verdadeiros, ou gravemente descontextualizados, que possam causar danos ao equilíbrio da eleição.

A minuta prevê ainda que os provedores de aplicações na internet são responsáveis pela implantação de medidas que impeçam a publicação de conteúdo irregular, que atinja a integridade do pleito.

A minuta sobre o tema foi divulgada em janeiro. Em seguida, foram realizadas audiências públicas obrigatórias, entre 23 e 25 de janeiro, na sede do TSE, para receber contribuições sobre as normas eleitorais.

Os demais ministros estudaram as resoluções sobre as eleições durante o fim de semana. Eles também podem sugerir mudanças. Em mais de uma oportunidade, o presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, defendeu punições para o uso de material manipulado por IA, fenômeno que classificou como “extremamente perigoso”.

O ministros do TSE devem votar, nesta terça, além da resolução sobre propaganda eleitoral, também as regras relativas ao Fundo Eleitoral, a pesquisas eleitorais, a auditorias e fiscalizações do pleito e a prestação de contas, entre outros temas.

Fonte: Logo Agência Brasil

Processo de recuperação judicial pode ser suspenso se empresa não comprovar regularidade fiscal

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou que é válida a exigência de apresentação de certidões de regularidade fiscal como condição para a concessão da recuperação judicial, especialmente depois da entrada em vigor da Lei 14.112/2020, que aumentou para dez anos o prazo de parcelamento dos débitos tributários das empresas em recuperação.

Segundo o colegiado, se não houver comprovação da regularidade fiscal, como exige o artigo 57 da Lei 11.101/2005, o processo recuperacional deverá ser suspenso até o cumprimento da exigência, sem prejuízo da retomada das execuções individuais e dos eventuais pedidos de falência.

O caso julgado diz respeito a um grupo empresarial cujo plano de recuperação foi aprovado pela assembleia geral de credores. Na sequência, o juízo informou que, para haver a homologação do plano e a concessão da recuperação judicial, o grupo deveria juntar em 30 dias, sob pena de extinção do processo, as certidões negativas de débitos (CND) tributários, conforme exige a lei, ou comprovar o parcelamento de eventuais dívidas tributárias. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) negou provimento à apelação das recuperandas.

Ao STJ, o grupo de empresas alegou que o crédito tributário não se sujeita à recuperação judicial. Sustentou também que a falta de apresentação das certidões negativas não pode ser impedimento para a concessão da recuperação, tendo em vista os princípios da preservação da empresa e de sua função social.

Exigência de regularidade fiscal equilibra os fins do processo recuperacional

O relator do recurso, ministro Marco Aurélio Bellizze, observou que a Lei 14.112/2020 entrou em vigor com o objetivo de aprimorar os processos de recuperação e de falência, buscando corrigir as inadequações apontadas pela doutrina e pela jurisprudência entre as disposições da Lei 11.101/2005 e a prática.

De acordo com o ministro, a partir da nova lei – que estabeleceu uma melhor estrutura para o parcelamento fiscal das empresas em recuperação e possibilitou a realização de transações relativas a créditos em dívida ativa –, é possível afirmar que o legislador quis dar concretude à exigência de regularidade fiscal da recuperanda. Segundo Bellizze, essa exigência, como condição para a concessão da recuperação, foi a forma encontrada pela lei para equilibrar os fins do processo recuperacional em toda a sua dimensão econômica e social, de um lado, e o interesse público titularizado pela Fazenda Pública, de outro.

“Justamente porque a concessão da recuperação judicial sinaliza o almejado saneamento, como um todo, de seus débitos, a exigência de regularidade fiscal da empresa constitui pressuposto da decisão judicial que a declare”, afirmou.

O relator também ressaltou que, confirmando a obrigatoriedade de comprovação da regularidade fiscal como condição para a concessão da recuperação judicial, a nova redação do artigo 73, inciso V, da Lei 11.101/2005 estabelece que o descumprimento do parcelamento fiscal é causa de transformação da recuperação em falência.

Princípio da preservação da empresa não justifica dispensar certidões

“Não se afigura mais possível, a pretexto da aplicação dos princípios da função social e da preservação da empresa veiculados no artigo 47 da Lei 11.101/2005, dispensar a apresentação de certidões negativas de débitos fiscais (ou de certidões positivas com efeito de negativas), expressamente exigidas pelo artigo 57 do mesmo veículo normativo, sobretudo após a implementação, por lei especial, de um programa legal de parcelamento factível, que se mostrou indispensável à sua efetividade e ao atendimento a tais princípios”, concluiu o ministro ao negar provimento ao recurso especial.