Taxação pode afastar super-ricos e não ter eficácia na prática

Em teoria, a taxação de fundos de investimento de super-ricos — proposta encampada na última semana pelo ministro da Fazenda Fernando Haddad (PT) — pode até soar como um possível redutor de desigualdades, em especial a de renda, mas, na prática, seus efeitos no cenário tributário e econômico do país podem não ser tão significativos.

Essa é a perspectiva de advogados tributaristas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico sobre a chamada segunda fase da reforma tributária. As primeiras mudanças foram aprovadas em Emenda Constitucional votada na Câmara dos Deputados no último dia 7. O texto está atualmente no Senado.

Na última quarta-feira, Haddad afirmou que enviará ao Congresso uma proposta para taxar fundos exclusivos de investimento. O dispositivo vai compor a segunda parte da reforma tributária, que terá como alvo as desigualdades do Imposto de Renda. Hoje, o cotista de fundo exclusivo é taxado somente na hora do resgate de seus rendimentos.

“A extensão do come-cotas para a fundos exclusivos equalizaria o tratamento tributário dispensado a fundos abertos, tratando-os da mesma maneira. O ponto que devemos discutir aqui é se essa equalização é desejável”, diz o advogado Luis Felipe de Campos, do Rolim, Goulart, Cardoso Advogados.

O instrumento citado pelo tributarista, popularmente conhecido como come-cotas, é basicamente o recolhimento de imposto de renda (IR) sobre os rendimentos de determinados fundos de investimento. Uma tributação automática é feita de seis em seis meses sobre os ganhos de determinado investidor naquele período. As alíquotas variam de 15% a 20%, a depender do tipo de produto.

“Embora a Fazenda estime o potencial de arrecadação desta medida de acordo com o estoque de investimentos em fundos exclusivos no Brasil, o capital é extremamente móvel e pode fugir do país” argumenta Campos, citando ponto recorrente entre empresários que são críticos da medida.

“O super-rico ainda teria possibilidade de evitar tal cobrança, transformando o fundo em um produto de previdência, por exemplo”, sentencia.

Na prática é diferente
Para o advogado Gustavo Godoy, do TAGD Advogados, o governo, ao pensar na medida, não levou em conta sua aplicação prática. Ele endossa a ideia de que os ativos podem ser transferidos para países em que não há incidência desse imposto, chamando a política do governo de “meia ideia”.

“As medidas anunciadas para aumento da tributação dos chamados super ricos são propostas de políticas públicas que não foram construídas a partir de análises circunstanciais que permitam sua execução na prática”, diz

“Como o impacto dessa alteração será bastante significativo, diversos investidores já iniciam análises de como migrar seus ativos para estruturas ou produtos financeiros sem incidência do come-cotas. Ou seja, a medida do governo é uma meia ideia, pois dificilmente alcançará os resultados práticos desejados (diminuição da desigualdade tributária no país).”

Já a tributarista Fernanda Lains, do Bueno Tax Lawyers, diz que, sob a lógica da distribuição de renda, a medida seria importante para equilibrar determinadas arrecadações, “ao menos em teoria”. “O valor arrecadado dos super-ricos deveria voltar para a população de menor renda seja em forma de menos taxação, seja como serviço público de qualidade.”

“Resta saber se essa destinação efetivamente se dará ou se servirá apenas para fazer frente ao custo da máquina pública inchada ou das emendas parlamentares necessárias aos acordos políticos”, afirma a especialista.

A desigualdade tributária, diz a advogada Luciana Aguiar, do Alma Law, não se sana apenas com aumento de arrecadação, e também tem relação com a aplicação do orçamento, que precisa ser “bem mais eficiente”.

“Não vai aumentar e nem diminuir a desigualdade. A tributação vai trazer o ‘efeito caixa’, mas a tributação dos fundos fechados ocorreria em algum momento porque os fundos nunca foram isentos. E a desigualdade não se resolve apenas com a arrecadação. Ela depende até mais da decisão sobre o gasto”, diz a tributarista.

Fotne: Conjur

Excesso de judicialização é trava para avanço do setor aéreo

O excesso de judicialização é um problema que trava o desenvolvimento  do setor aéreo e de sua infraestrutura, o que dificulta a diminuição dos valores cobrados pelas empresas de aviação. Essa é a análise de Fábio Campos, diretor de Assuntos Governamentais, Relações Aeroportuárias e Comunicação Corporativa da Azul Linhas Aéreas, feita durante o XI Fórum Jurídico de Lisboa.

De acordo com o executivo, o Brasil representa uma faixa de cerca de 2,7% dos voos de todo o mundo. Por outro lado, segundo ele, cerca de 90% das ações judiciais contra empresas aéreas de todo o mundo são movidas por consumidores brasileiros.

“De 2018 para 2019, a aviação adicionou 20% de viajantes, enquanto as ações judiciais cresceram em 109% nesse mesmo período. Em 2022, a gente já está coletando dados. Esses números triplicaram desde 2019. Temos um crescimento exponencial de uma indústria que se usa do sistema judiciário, que inclusive tem a ver muito com essa questão de digitalização, justamente porque muitas delas são plataformas digitais, aplicativos, que captam clientes no intuito da judicialização.”

Campos cita a Resolução 400 da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), que estabelece as condições gerais aplicáveis ao transporte aéreo regular de passageiros, seja ele doméstico ou internacional. “Ela é uma regulamentação, quando comparada com o resto do mundo, mais pró-consumidor que existe. Não estou questionando a resolução, mas acho que você já põe o consumidor numa situação extremamente positiva quando comparado ao resto do mundo.”

Fábio Campos participou da mesa “Turismo, infraestrutura, governança e perspectivas”, que foi mediada por Ticiano Figueiredo, presidente do Instituto de Garantias Penais e sócio-fundador do Figueiredo & Velloso Advogados Associados.

O presidente da Embratur, Marcelo Freixo, defendeu a necessidade de se colocar o turismo como um elemento central de modelo de desenvolvimento que dialogue com a sustentabilidade no Brasil. “O turismo, com toda a precariedade que a gente tem, representa historicamente 7,8% do PIB do país.”

Freixo acredita que nenhum outro setor tem a capacidade que o turismo tem de oferecer retorno à economia. “É preciso mudar a mentalidade política brasileira. Eu não estou falando nem com a direita, nem com a esquerda. Estou falando com todos. É preciso mudar a mentalidade política e colocar o turismo no lugar central do modelo de desenvolvimento.”

A ex-ministra Daniela Carneiro participou da mesa antes de deixar o comando do Ministério do Turismo. Ela lembrou que o turismo “é a arte de vender felicidade”. Para que o setor se fortaleça, é preciso dar maior atenção à infraestrutura e qualificação de profissionais que atuam na área. “Somente de contratos que já temos ativos no Brasil, são R$ 2,4 bilhões em investimentos em obras.”

Ex-presidente do Turismo de Portugal, Luis Araújo destacou que um dos principais problemas do setor no país europeu é a sazonalidade, quando a movimentação de turistas se concentra em um único período do ano. Além disso, lembrou a baixa qualificação dos profissionais. “60% das pessoas que trabalham no turismo, quase 300 mil pessoas, têm apenas um ensino básico. Isto é inadmissível.”

Diretor da Agência Nacional dos Transportes Terrestre (ANTT), Guilherme Theo Sampaio destacou que o Brasil é um país que movimenta grande parte do seu turismo em rodovias. “Podemos dizer que, hoje, 90% das pessoas se conectam através do transporte rodoviário de passageiros. Paralelo a isso, todo nosso transporte efetivo de cargas e pessoas é feito através de rodovias. Nesse aspecto do âmbito de atuação da agência, nossa competência é fomentar e desenvolver os projetos de infraestrutura de concessões de rodovias e ferrovias.”

Secretário de Turismo da Bahia, Luís Maurício Bacellar Batista disse que o estado possui uma estratégia turística baseada em um farol de ações do governo local. “São dois pilares: a inovação e a sustentabilidade. Em cima deles, nós trabalhamos em quatro eixos: biossegurança sanitária, capacitação e qualificação de mão de obra, obras de infraestrutura e a promoção do ‘destino Bahia’. O desenvolvimento destas ações colocaram o estado em um espaço privilegiado.”

Deputado federal por Pernambuco, Felipe Carreras disse que o básico de infraestrutura turística é a capacitação dos profissionais que atuam na área. “Sem sombra de dúvidas, a principal indústria geradora de empregos é o turismo. Para a gente ter uma política de Estado, de gestão com resultado, é importante ter continuidade de políticas públicas voltadas para o turismo para a gente poder promover, capacitar, gerar emprego e renda.”

Fonte: Conjur

PPA é ficção se não for retroalimentado pelos dados do Censo

O ciclo orçamentário da política pública é dinâmico e, grosso modo, é composto pelas etapas interconexas de planejar, executar e controlar. Caso operasse segundo pressupostos constitucionalmente adequados, tal circularidade deveria nos permitir sobrepujar a força pedagógica do controle, para extrair a máxima aprendizagem dos erros diagnosticados nos exercícios anteriores e, com isso, seria possível tanto aprimorar a gestão durante a execução orçamentária em curso, quanto formular melhores peças de planejamento para os anos vindouros.

Se controle bom é o que retroalimenta o planejamento, esse, por sua vez, precisa necessariamente buscar rastrear e incorporar todos os diagnósticos disponíveis, bem como todos os apontamentos feitos pelas mais diversas instâncias de controle, para fins de detecção, no mínimo, dos vazios assistenciais.

A recomendações e ressalvas apresentadas pelos conselhos sociais de acompanhamento e monitoramento de políticas públicas não podem ser ignoradas, tampouco podem ser preteridos seus congêneres instrumentos de notificação e alerta acerca das irregularidades emitidos pelos Tribunais de Contas. A própria série histórica de demandas judiciais revela, na mais discreta das hipóteses, um diagnóstico de déficit de cobertura das políticas públicas ordinariamente executadas pela Administração Pública.

Para além da dimensão reativa e quase sempre punitivista, os controles social, externo e judicial deveriam ter consciência de que a eficácia e a resolutividade das suas ações são diretamente proporcionais à capacidade de introjetar no âmbito do controle interno a aprendizagem institucional a que se referem os incisos I e II do artigo 74 da Constituição de 1988.

Todavia tal perspectiva ainda não é usualmente pautada, a despeito de ser — a rigor — óbvia. Ora, às vésperas do envio do projeto de plano plurianual relativo ao quadriênio 2024/2027 pelos Estados e pela União, se o ciclo orçamentário fosse reflexivo e comprometido intertemporalmente com a ampliação progressiva da qualidade do planejamento, estaríamos agora precisamente a debater como incorporar os dados do Censo 2022. Em igual medida, estaríamos a refletir amplamente sobre como internalizar, no diálogo dos poderes políticos em torno da elaboração das leis orçamentárias, o acúmulo hermenêutico produzido pelas instâncias de controle em torno da etapa de planejamento anterior e da sua respectiva execução.

A circularidade orçamentária das políticas públicas é um convite à aprendizagem intertemporal, mas — na complexa realidade social brasileira — não a temos aproveitado, na medida em que nos deixamos aprisionar por uma espiral ignorante de repetição dos erros do passado, enquanto resta pragmaticamente interditada a construção dos projetos de futuro comum por força da primazia do curto prazo eleitoral que domina a execução orçamentária em curso.

Vale lembrar que, em um mesmo exercício financeiro cada ente político deve prestar contas do quanto realizado no ano anterior, enquanto é executada a lei orçamentária vigente e é projetado o próximo ciclo, com suas respectivas diretrizes orçamentárias e orçamento anual.

Se planejar é antecipar racionalmente o futuro, necessariamente deveríamos buscar superar os problemas acumulados ao longo do tempo. Para conceber rotas aprimoradas de futuro, é preciso conhecer exaustivamente a realidade antecedente e diagnosticar a existência dos problemas, mesmo sabendo que o Estado não vai conseguir resolvê-los em sua totalidade, de uma só vez e em de uma vez por todas.

Todo bom planejamento tem como ponto de partida o diagnóstico, ou seja, o levantamento ostensivo dos vários desafios que a realidade traz, respeitadas as competências federativas de cada ente político.

Não sabemos o que fazer, porque não conhecemos consistentemente nossos problemas e, por conseguinte, não elegemos aqueles conflitos que serão enfrentados em qual sequência temporal, nem somos capazes de precisar quais insumos/meios são considerados faticamente necessários para tentar resolvê-los. Nós não avaliamos adequadamente os gastos públicos em sua série histórica, nem mesmo monitoramos os resultados e falhas das políticas públicas verificados anteriormente, de modo que quase sempre aceitamos como normal a trágica repetição dos erros ao longo dos anos e décadas.

Uma ignorância histórica de tal monta nos encerra em cenário de capturas cumulativas — sofregamente vívidas no curto prazo — que perpassam nosso capitalismo de compadrio, revelado nas múltiplas e conflituosas demandas por renúncias fiscais, créditos subsidiados, emendas parlamentares balcanizadas, contratos administrativos direcionados, subvenções, auxílios etc. É como se só fosse possível a gestão patrimonialista, porque não refletimos e corrigimos nossos erros, porque o controle não é pedagógico, tampouco retroalimenta o planejamento no ciclo da política pública.

Simplesmente não nos ocupamos do básico esforço de diagnosticar seriamente todos os problemas e, a partir daí, não confrontamos reciprocamente suas pretensões de prioridade. Assim tudo parece caótico, tudo reclama qualquer solução, tudo pode ser alvo de consultorias ou promessas milagrosas de cura pelo mercado ou pelo terceiro setor, diante de um Estado inepto e capturado não só pela cadeia produtiva de fornecedores e variados tipos de intermediários, mas até mesmo por seus agentes públicos insulados burocraticamente.

Nenhuma promessa de aprimoramento da qualidade do gasto público se implementará, de fato, sem nos dedicarmos ao diagnóstico — sempre temporal e territorialmente circunstanciado — dos nossos problemas.

Obviamente não há como pensar em soluções sem se conhecer em profundidade os problemas. Infelizmente, porém, a praxe da maioria dos nossos municípios reside na contratação de consultorias contábeis e jurídicas que oferecem modelos padronizados e genéricos de planejamento setorial e/ou orçamentário.

Neste ano em que serão formulados e apreciados os projetos de PPA estaduais e federal, a existência de haver quem venda e quem compre planejamento genérico e padronizado para fins meramente protocolares na Administração Pública brasileira reclama ser reconhecida como uma das causas centrais da fragilidade das nossas finanças públicas.

As consultorias contábeis e jurídicas que vendem sistemas informatizados com modelos padronizados, por exemplo, de plano plurianual, lei de diretrizes orçamentárias e lei orçamentária anual (PPA, LDO e LOA) precisam ser questionadas do mesmo modo que médicos têm sido demandados em juízo por oferecerem cirurgias sem prévio diagnóstico exaustivo das condições clínicas de cada paciente e sem cumprirem o dever de informação especializado para fins de consentimento específico sobre as soluções contratuais propostas.

Modelos genéricos e padronizados de PPA-LDO-LOA são como cirurgias realizadas em abstrato, porquanto sem suficiente informação prévia individualizada do paciente (aqui equiparado, no nosso caso, à coletividade afetada pela política pública proposta sem prévio diagnóstico circunstanciado).

Tecnicamente a responsabilidade estrutural da atividade de planejamento sequer pode ser terceirizada para consultorias, vez que só é cabível a execução indireta naquilo que implicar “serviços auxiliares, instrumentais ou acessórios”. Esse é o teor do artigo 3º, inciso I e § 1º do Decreto 9.507/2018, que regulamentou a execução indireta (terceirização) no âmbito da Administração Pública federal.

As consultorias contábeis e jurídicas não podem vender modelos padronizados de planejamento setorial e orçamentário, sob pena de nulidade absoluta dessa terceirização e de responsabilidade extracontratual de tais prestadores de serviço, nos moldes dos artigos 6º e 14 do Código de Defesa do Consumidor.

As consequências da frágil concepção terceirizada e pasteurizada do planejamento estatal vão desde a abertura excessiva de créditos adicionais suplementares e especiais, até a própria ineficiência da gestão pública que realiza gastos fúteis diante de tantos vazios assistenciais em outras áreas prioritárias.

O aprimoramento democrático da concepção sobre qual é o papel do Estado brasileiro e sobre quais são suas prioridades na consecução de políticas públicas deveria ser um dos nossos maiores desafios em torno do aprimoramento das regras fiscais que nos regem. O público precisa ser feito em público, até porque diagnóstico de problemas e prognóstico de possíveis soluções na Administração Pública pressupõe inafastavelmente participação popular, tal como exigido pelo artigo 48, §1º, inciso I da Lei de Responsabilidade Fiscal.

A noção de impositividade orçamentária — prevista no §10 do artigo 165 da CF/1988 — passa pela máxima vinculação do gestor ao planejamento que ele formula em diálogo com a sociedade. Para tanto, é preciso retomar a imprescindibilidade do dever de diagnóstico específico que se impõe tanto ao gestor, quanto a todas as consultorias que ele contrata a título de “serviços auxiliares, instrumentais ou acessórios”.

É preciso diagnóstico circunstanciado e individualizado de cada ente político da federação em cada política pública, para que a população possa — durante o processo legislativo que fomenta o debate das leis do planejamento setorial e orçamentário — exercer seu direito de questionar e influenciar o que vier a ser reputado democrática e republicanamente como prioridade da ação governamental.

Nenhuma fonte de conhecimento da realidade brasileira é mais rica e tecnicamente hígida do que aquela que se pode extrair dos dados do Censo de 2022, tanto quanto os apontamentos feitos pelas diversas instâncias de controle (a título de recomendações, ressalvas, alertas e determinações).

Sem esse esforço estrutural, seguiremos a acumular soluções ineptas ou abusivas em nossos instrumentos legais de planejamento protocolar, de onde se originam a má qualidade do gasto público posteriormente executado, a corrupção e, por vezes, a inércia preguiçosa de algumas instâncias de controle que se orientam tardiamente para a punição dos delitos e improbidades consumados.

O diagnóstico é o ponto de partida, mas não é o ponto de chegada. Muito embora até haja um elenco relativamente amplo de dados empíricos coletados para fins de diagnóstico, falta-nos capacidade de enfrentar a perspectiva de que é impossível resolver tudo, para todos e de uma vez só. Eis a razão pela qual é preciso ordenar prioridades em face da própria gestão da escassez.

Desse modo, precisamos fortalecer o PPA, mas não apenas ele. Precisamos resgatar a intrínseca correlação substantiva entre os planos orçamentários quadrienais, de um lado, e as peças de planejamento setorial nas mais diversas políticas públicas, de outro.

É oportuno lembrar que a essência do PPA reside nos programas de duração continuada, porque ali é que estão densificados fiscalmente os serviços públicos essenciais que devem ser mantidos ao longo do tempo, independentemente do governo que entrar ou sair.

Os programas de duração continuada do PPA correspondem, na seara orçamentário-financeira, ao núcleo indisponível da ação estatal, que deve ser financiado até mesmo por meio de dívida pública. Tal garantia intertemporal também pode ser associada, no Direito Administrativo, ao princípio da continuidade dos serviços públicos. Para o Direito Financeiro, portanto, os programas de duração continuada identificam, em última instância, o tamanho constitucionalmente necessário do Estado.

Esse horizonte de essencialidade fiscal delimita o tamanho do Estado e fixa as despesas que não podem ser preteridas ou mitigadas ao longo do tempo. Trata-se, como já dito, da própria identidade constitucional mínima do que o orçamento público precisa contemplar.

A fixação dos programas de duração continuada do PPA como o locus onde podemos reconhecer o tamanho constitucionalmente necessário do Estado é reforçada todos os anos pela lei de diretrizes orçamentárias, em seu anexo de despesas não suscetíveis de contingenciamento. Aludido anexo arrola todas as despesas que correspondem normativamente a obrigações estatais e, como tal, não podem ser fiscalmente reduzidas ou limitadas, independentemente do comportamento da arrecadação estatal, o que implica, no limite, que seu financiamento deve ser assegurado até mesmo mediante dívida pública.

As despesas não contingenciáveis são prioritárias, porque devem ser executadas, ainda que haja frustração de receita, mesmo quando se verifique risco de descumprimento da meta de resultado primário e ainda que o PIB seja negativo em determinado exercício financeiro. No pior dos cenários, elas devem ser financiadas mediante dívida pública, daí porque é possível correlacioná-las com a noção de “mínimo existencial” no âmbito do Direito Financeiro.

Tendo isso claro em mente, devemos impugnar a hipótese de determinado gestor público “furar a fila” de prioridades normativas durante a execução orçamentária, passando despesas discricionárias de curto prazo eleitoral, à frente de tais despesas obrigatórias não suscetíveis de contingenciamento ou dos programas de duração continuada do PPA.

É preciso questionar como fiscalmente ilegítima a opção de postergar tais gastos prioritários, sobretudo quando se verificar que houve alocação de recursos públicos, por exemplo, em festividades, shows e propaganda, ou ainda, quando forem concedidas novas renúncias de receitas por prazo indeterminado e sem pleno atendimento aos requisitos exigidos pelo artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Programas de duração continuada e despesas insuscetíveis de contingenciamento são as prioridades indiscutivelmente eleitas no bojo das leis do ciclo orçamentário. Não cabe frustrar a primazia alocativa que lhes ampara, por meio de filas de espera, omissões regulamentares, restos a pagar, passivos judicializados e precatórios, entre outras estratégias de inversão de prioridades ao longo da execução do orçamento.

É premente que passemos a impor, de forma ampla e ostensiva, o dever de aderência do executado em face do planejado, salvo motivação que objetivamente circunstancie os eventuais desvios de rota. Essa, aliás, é a dimensão conceitual do que foi inscrito no §10 do artigo 165 da Constituição de 1988, pela Emenda 100/2019, a pretexto de impositividade orçamentária.

Entre a teoria e a prática, porém, vai uma longa distância. Infelizmente, no Brasil, nós não temos tido capacidade de pautar a ação estatal, para além do curto prazo eleitoral dos agentes políticos de ocasião. Falta-nos o horizonte de médio e longo prazos.

Sem esse olhar referido ao que almejamos no futuro para o conjunto das políticas públicas, a sociedade brasileira perde a capacidade de enfrentar os riscos de captura patrimonialista dos recursos governamentais.

A esse propósito, precisamos estar conscientes de que é impossível, na realidade brasileira contemporânea, falar de revisão das regras fiscais e de rediscussão qualitativa do teto, sem debatermos as razões pelas quais o planejamento não vincula execução orçamentária.

Por que não fiscalizamos a execução orçamentária, no mínimo, à luz dos pressupostos teóricos do controle do ato administrativo discricionário? No Direito Administrativo, é possível controlar se o motivo alegado para prática de determinado ato discricionário, de fato, existiu e, caso o motivo seja falso ou não seja consonante com a regra de competência, o ato pode vir a ser anulado.

Ora, precisamos considerar a execução orçamentária como uma série de atos administrativos, suscetíveis a controle, no mínimo, pelos prismas do dever de motivar, da existência e consistência dos motivos invocados para a prática do ato, do desvio de finalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade, tal como já assentado na doutrina administrativista.

É premente a necessidade de impormos o ônus de motivação, caso o executado não seja aderente ao planejado, sobretudo à luz da impositividade orçamentária, como já dito prevista no §10 do artigo 165 da CF/1988. A noção de orçamento impositivo já é adotada em vários países desenvolvidos e essencialmente diz respeito ao dever de motivar a distorção entre planejado e executado.

Não obstante isso, as finanças públicas brasileiras ainda estão presas à retrógrada tese de insindicabilidade da discricionariedade orçamentária. Precisamos reconhecer que, de fato, a inversão de prioridades alocativas, que ocorre durante a execução orçamentária, ainda é muito pouco suscetível a controle. Para superar a frágil sujeição ao sistema de freios e contrapesos na seara fiscal, precisamos, porém, resgatar o planejamento como o eixo de ordenação legítima de prioridades, até porque esse é o fio da meada que permitirá o exercício do controle sem ofensa ao princípio da separação de poderes.

Para fortalecer o controle é preciso situá-lo como um esforço pedagógico capaz de retroalimentar o próprio planejamento. Ou seja, controle adequado é aquele que é reflexivo e obriga o gestor a aprimorar a concepção da política pública na próxima etapa de planejamento, na medida em que aponta seus vazios assistenciais e inconsistências de prognóstico.

Para superar a pecha de peça de ficção, os PPA’s estaduais e federal relativos ao próximo quadriênio devem incorporar os dados já disponíveis do Censo 2022 e o acúmulo hermenêutico das mais diversas instâncias de controle.

Eis o ponto de partida estrutural para um debate efetivamente sistêmico sobre a qualidade do gasto governamental e, por conseguinte, das próprias políticas públicas. É uma óbvia circularidade, mas, infelizmente, não é um caminho fácil de ser trilhado em nossa realidade orçamentária tão pouco reflexiva.

Fonte: Conjur

Consumidores também são responsáveis por proteção de dados

A proteção dos dados inscritos em sites de compra e venda, ou em programas de milhagem de empresas aéreas e congêneres, exige atenção por parte da empresa, mas também do consumidor — este deve se resguardar de compartilhar as informações e senhas que possam guardar questões sensíveis.

Juíza entendeu que não houve vazamento de dados por parte de companhia aérea
Reprodução

Sob esse entendimento, a juíza Roberta Nasser Leone, do 5º Juizado Especial Cível da comarca de Goiânia (GO), indeferiu indenização por danos morais a uma mulher por exposição de seus dados no bojo de uma ação de dissolução de união estável.

A autora alegou que seus dados foram vazados por uma empresa aérea, o que teria ferido, além de seus direitos de personalidade, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). A juíza, no entanto, considerou que não houve vazamento de dados uma vez que o print anexado ao processo só poderia ter sido obtido por alguém que tivesse a senha do aplicativo, que só poderia ter sido passada pela própria titular.

No processo, consta que a autora e seu ex-cônjuge estão passando por uma dissolução de união estável que corre na 6ª Vara de Família da comarca. Na lide conjugal, o ex-cônjuge anexou prints do aplicativo da companhia aérea mostrando que a autora viajou a Portugal no final de 2021, momento em que “experimentou o término da união estável”.

Para a juíza, houve descuido por parte da autora, o que não reverbera em dano moral:

“Os prints mencionados pela autora foram obtidos do aplicativo da Azul, mostrando a opção de ‘gerenciar a reserva’, uma vez que a pessoa acessou o aplicativo da Azul com seu próprio usuário e senha e tirou um print das informações da reserva. Aliás, no tocante a este fato, é de conhecimento comum que apenas com informações de login e senha é que a pessoa tem acesso as informações por aplicativo, o que pode ser conseguido por qualquer pessoa que receba do títular tais informações para acesso.”

A julgadora diz que, por conta deste contexto, não há como provar qualquer vazamento de dados por parte da empresa.

“A proteção de dados exige cautela de ambas as partes, ou seja, das empresas ao criarem políticas e medidas de segurança, e dos usuários em manter seus dados pessoais e senhas protegidos e sem compartilhamento de informações. No caso, ressalto , a pessoa que teve acesso era ex-companheiro da autora.”

Fonte: Conjur

Câmara aprovou projeto que favorece réu quando houver empate em julgamento

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Direito e Justiça - Direito - juiz - magistrado - julgamento - advogado
Proposta também altera regras para expedição de habeas corpus

No primeiro semestre deste ano, o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou 46 projetos de lei, 17 medidas provisórias, 18 projetos de decreto legislativo, 3 projetos de resolução, 2 projetos de lei complementar e 1 proposta de emenda à Constituição (PEC).

Na área de Direito e Justiça, os deputados aprovaram, entre outras propostas, o Projeto de Lei 3453/21, que prevê a adoção da decisão mais favorável ao réu nos julgamentos de todas as matérias penal ou processual penal quando houver empate. A proposta está em debate no Senado.

De autoria do deputado Rubens Pereira Júnior (PT-MA), o projeto assegura também a expedição de habeas corpus, de ofício, por juiz ou tribunal ainda que sem o conhecimento da ação ou recurso contra coação ilegal.

O texto aprovado é um substitutivo do deputado Elmar Nascimento (União-BA), que determina a proclamação imediata da decisão mais favorável ao réu no caso de empate, mesmo que o julgamento tenha ocorrido sem a totalidade dos integrantes do colegiado em razão de vaga aberta a ser preenchida, de impedimento, de suspeição ou da ausência de membro.

As mudanças ocorrerão no Código de Processo Penal e na lei que institui normas procedimentais para determinados processos apresentados perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF), como crimes de ação penal pública, habeas corpus e recursos.

Fonte: Câmara Notícias

TST e o combate à dispensa discriminatória fundada na Súmula 443

A Súmula nº 443 do Tribunal Superior do Trabalho prevê ser discriminatória a dispensa de empregado soropositivo (HIV) ou acometido por outra doença grave capaz de provocar estigma ou preconceito. Assim, uma vez dispensado o empregado, este terá direito à reintegração ao emprego, em vista da invalidade do ato. O entendimento supra foi publicado ao final de setembro de 2012, há mais de dez anos, após a análise minuciosa de aproximadamente 23 precedentes.

Nesta oportunidade, o TST, diante dessa nefasta discriminação, chegou à conclusão da necessidade de elaboração de uma súmula capaz de consolidar a proteção desses empregados, vítimas frágeis do abuso do poder diretivo dos empregadores.

As súmulas são, para a doutrina majoritária, fontes do Direito. Afinal, seus enunciados traduzem a jurisprudência dominante de determinado órgão ou tribunal sobre algum tema até então controvertido e causador de instabilidade e insegurança jurídica.

Ora, o empregado já se encontra naturalmente em condição de vulnerabilidade perante o empregador, seja ela técnica, econômica, financeira etc. Por tal razão, é necessária a proteção jurídica daqueles ainda mais fragilizados por questões de saúde, que podem ter suas chances no mercado trabalho minadas e, com isso, extinta a fonte de renda para a garantia de suas necessidades básicas.

Tratava-se e ainda se trata de questão afeta à dignidade da pessoa humana, fundamento de nossa República Federativa, de modo que, não poderia o TST tomar decisão diferente. Em resumo, com o posicionamento adotado, o Tribunal Superior do Trabalho tem pacificado o entendimento de que o direito potestativo do empregador, em dispensar empregados sem justo motivo encontra limites.

Esses limites são confirmados pelos princípios constitucionais assecuratórios do direito à vida, ao trabalho, à dignidade da pessoa humana e a não discriminação, respaldados pelos artigos 1º, III e IV, 3º, IV, 5º, caput e XLI, 7º, I, 170 e 193 da Constituição Federal de 1988; pelas previsões contidas na Lei nº 9.029/1985, que vedam práticas discriminatórias para efeitos admissionais ou de permanência na relação de trabalho; além das Convenções 111 e 117 da Organização Internacional do Trabalho.

Ocorre que, a expressão “outra doença grave que suscite estigma ou preconceito” é aberta e inexata. A consequência disso são as dúvidas para os próprios trabalhadores e empregadores em identificá-las no momento de dispensa, mas, principalmente, um desafio interpretativo para os juízes e tribunais trabalhistas.

O problema reside no fato de que ainda não existe um rol certo e determinado que contenha quais doenças seriam consideradas graves a ponto de gerar estigma ou preconceito. Deste modo, cabe aos julgadores determinarem, nos casos concretos, quais seriam tais doenças ou situações, o que provoca críticas dos positivistas, os quais sugerem a violação de princípios como o da legalidade, da reserva legal e da separação dos poderes, além do controle do poder potestativo do empregador.

Críticas à parte, em caso de relatoria do ministro Maurício Godinho Delgado, datado de março de 2023, a 3ª Turma do TST reconheceu a dispensa discriminatória de empregada que foi despedida no curso da licença médica, e com perícia agendada no INSS, por ser acometida com quadro grave de TEPT (transtorno de stress pós-traumático) e TP (transtorno de pânico). Vejamos:

“A) AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. […]. Agravo de instrumento provido. B) RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015 /2014 E ANTERIOR À LEI 13.467 /2017. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA PSIQUIÁTRICA INCAPACITANTE. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL DECORRENTE DA DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. Presume-se discriminatória a ruptura arbitrária do contrato de trabalho, quando não comprovado um motivo justificável, em face de circunstancial debilidade física causada por doença grave. Esse entendimento pode ser abstraído do contexto geral de normas do nosso ordenamento jurídico, que entende o trabalhador como indivíduo inserto numa sociedade que vela pelos valores sociais do trabalho, pela dignidade da pessoa humana e pela função social da propriedade (arts. 1º, III e IV, e 170, III e VIII, da CF). Não se olvide, outrossim, que faz parte do compromisso do Brasil, também na ordem internacional (Convenção 111 da OIT), o rechaçamento a toda forma de discriminação no âmbito laboral. Na esfera federal, sobressai o disposto no art. 1º da Lei 9.029 /1995, que veda a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros. Na esteira desse raciocínio, foi editada a Súmula 443 /TST, que delimita a pacificação da jurisprudência trabalhista neste aspecto, com o seguinte teor: “Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego”. Importante registrar que, seguindo a diretriz normativa proibitória de práticas discriminatórias e limitativas à manutenção da relação de trabalho, tem-se que a não classificação da doença do empregado como suscetível de causar estigma ou preconceito, a teor da Súmula 443 desta Corte Superior, não constitui, por si só, em óbice à constatação de dispensa discriminatória, quando tal prática ilícita emergir do acervo probatório produzido nos autos. Nesse passo, se o ato de ruptura contratual ofende princípios constitucionais basilares, é inviável a preservação de seus efeitos jurídicos. […]. Na hipótese, extrai-se do acórdão recorrido que ” a reclamante laborou de 07/12/2011 a 04/05/2017, sendo dispensada imotivadamente com aviso prévio indenizado. Todavia, há provas nos autos de que, à época da dispensa, a autora não gozava de capacidade laboral e, portanto, não poderia ter sido desligada “. O TRT afirmou que, do conteúdo probatório constante dos presentes autos, extrai-se que há atestado – assinado em 20/04/2017 – por médica psiquiatra, confirmando que a Obreira encontrava-se em tratamento psiquiátrico, no qual consta recomendação de afastamento do trabalho até a data da perícia – 09/06/2017. […] Nesse contexto, a Corte de Origem manteve a sentença que entendeu ser devida a reintegração da Obreira, em razão de ter sido dispensada doente. […] Não obstante todas essas premissas, entendeu que não houve dano moral e indeferiu o pagamento de indenização por dano moral em razão de despedida discriminatória. Nesse cenário, evidencia-se dos elementos fáticos delineados pela Corte Regional que a Reclamante foi dispensada doente e que a Ré detinha conhecimento sobre o seu quadro de saúde – de incontestável natureza grave. Desse modo, considera-se que a decisão regional, ao entender que não houve discriminação na dispensa da Reclamante, foi proferida em dissonância ao entendimento consubstanciado na Súmula 443 /TST. Registre-se, outrossim, que a conduta discriminatória é gravemente censurada pela ordem jurídica, especialmente a partir dos comandos constitucionais de 5.10.1988 (Preâmbulo do Texto Máximo; art. 1º, III; art. 3º, I e IV; art. 5º, caput e inciso I; art. 5º, III, in fine, todos preceitos da Constituição da República). O caráter discriminatório da dispensa restou evidenciado nos autos, mormente pelos dados fáticos constantes do acórdão regional – o que não foi desconstituído pela Reclamada, haja vista que não há notícias, no acórdão recorrido, de que a dispensa tenha validamente decorrido de outro motivo. Forçoso concluir, desse modo, que é inequívoco o dano moral sofrido pela Reclamante, pois a caracterização da dispensa discriminatória configura ato ilícito que atentou contra a sua dignidade, a sua integridade psíquica e o seu bem-estar individual – bens imateriais que compõem seu patrimônio moral protegido pela Constituição -, ensejando a reparação moral, conforme autorizam os incisos V e X do art. 5º da Constituição Federal e os arts. 186 e 927, caput, do CCB/2002. Desse modo, considera-se que o Tribunal Regional, ao entender que não houve discriminação na dispensa da Reclamante, decidiu em contrariedade ao entendimento consubstanciado na Súmula 443 /TST. Recurso de revista conhecido e provido”. (TST, AIRR -1000934-94.2017.5.02.0702, 3ª Turma, relator ministro Maurício Godinho Delgado, DEJT 31/3/2023).

O caso é bastante significativo, tendo em vista que o recurso de revista da trabalhadora foi conhecido justamente por contrariedade à Súmula 443 do TST e ao artigo 186 do CC/2022, quando a reclamante se viu frustrada em suas tentativas de receber a devida proteção e reparação jurídica, tanto em primeira, quanto em segunda instância.

Destaca-se que foi dado provimento ao recurso de revista para reformar o acórdão do Tribunal Regional e reconhecer o término da relação de trabalho por ato discriminatório do empregador, acrescentando-se a condenação ao pagamento de indenização por danos extrapatrimoniais, no importe de R$ 30 mil.

Na inicial, a trabalhadora pretendeu o reconhecimento da dispensa discriminatória, a reintegração ao emprego, a manutenção do plano de saúde fornecido pelo empregador e a indenização por danos morais. As principais alegações da autora estavam fundadas em prova documental.

Contudo, o juízo de 1º grau não reconheceu a dispensa discriminatória e igualmente julgou improcedente o pedido de indenização por danos extrapatrimoniais da autora, apesar de o conjunto probatório o levar a determinar sua reintegração e a manutenção do plano de saúde.

Restou comprovado que o empregador tinha conhecimento de que a trabalhadora estava em licença e, mesmo assim, a convocou para realizar exame de retorno, tendo esta sido dispensada dentro do ambulatório médico, por representantes da empresa.

A decisão a quo foi confirmada pelo acórdão da 6ª turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região que, apesar de manter a reintegração ao emprego e a consequente manutenção do plano de saúde, mesmo após recurso da reclamada, negou provimento ao recurso ordinário da reclamante não reconhecendo a dispensa discriminatória e negando o direito à indenização, sob o fundamento de que o quadro psicológico que acometeu a trabalhadora, “embora lamentável, não suscita estigma ou preconceito”.

Ora, a ordem cronológica dos fatos e o conjunto probatório escancararam a discriminação perpetrada pelo empregador em face da empregada. Porém, somente na instância extraordinária trabalhista foi dada a devida atenção ao caso concreto, mesmo não havendo motivos de ordem técnica, financeira, econômica, ou jurídica, para sua dispensa.

Assim, a importante decisão do TST, que se valeu da interpretação analógica, finalística e teleológica da Súmula 443, felizmente, garantiu a proteção necessária à trabalhadora no caso em comento, após a dispensa discriminatória sofrida.

Fonte: Conjur

Plenário da Câmara aprovou 87 propostas no 1º semestre; reforma tributária foi maior destaque

Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

Discussão e votação de propostas.

Câmara fez esforço concentrado para concluir  a votação da reforma tributária

Após anos de debate na Casa em várias versões, a Câmara dos Deputados aprovou neste semestre a reforma tributária (Proposta de Emenda à Constituição 45/19) para simplificar a tributação sobre consumo e serviços, reunindo tributos estaduais e municipais em um único imposto. Outros dois tributos federais também são criados para substituir os já existentes. A matéria está agora em análise no Senado.

Também na área de economia, os deputados aprovaram projeto de lei complementar (PLP 93/23) com novas regras para substituir o atual teto de gastos. A ideia é garantir correções da despesa em razão do crescimento real da receita e do cumprimento de metas de resultado fiscal. A votação das mudanças feitas pelo Senado à proposta ficou para agosto.

Outra matéria polêmica aprovada foi o projeto (PL 2384/23) que dá ao representante da Fazenda Nacional o voto de desempate no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), última instância de julgamento de questões tributárias na administração federal. O texto seguiu para exame do Senado.

Ao todo, o Plenário da Câmara aprovou no primeiro semestre do ano 46 projetos de lei, 17 medidas provisórias, 18 projetos de decreto legislativo, 3 projetos de resolução, 2 projetos de lei complementar e 1 proposta de emenda à Constituição (PEC).

Direitos sociais
Várias proposições com direitos sociais foram também aprovadas, como a que muda os estatutos da Pessoa Idosa e da Pessoa com Deficiência (PL 4438/21) para incluir medidas protetivas a serem decretadas pelo juiz no caso de violência ou da iminência dela. Essas medidas são semelhantes às constantes da Lei Maria da Penha.

Para pessoas com deficiência permanente ou Transtorno do Espectro Autista (TEA), o Plenário aprovou projeto de lei (PL 507/23) que torna indeterminado o prazo de validade de laudo atestando essas condições.

Por meio da Medida Provisória 1164/23, já transformada em lei, a Câmara dos Deputados aprovou a retomada do programa Bolsa Família, garantindo o valor mínimo de R$ 600 por família com renda mensal familiar per capita igual ou menor a R$ 218, além de R$ 150 por criança entre zero e seis anos e R$ 50 para cada integrante familiar gestante, nutriz, criança entre 7 e 12 anos ou adolescente de 12 a 18 anos.

Educação
Na área de educação, o destaque ficou por conta do Programa Escola em Tempo Integral (PL 2617/23), que repassará recursos federais a estados e municípios para estimular a abertura de novas matrículas na educação básica com carga horária de sete horas diárias.

Meio ambiente
Um dos temas objeto de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o marco temporal da ocupação de terras por povos indígenas foi proposto com a aprovação do Projeto de Lei 490/07, restringindo a demarcação dessas terras àquelas já tradicionalmente ocupadas por esses povos em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da nova Constituição federal.

Já as florestas públicas concedidas para exploração com planos de manejo foram tema da Medida Provisória 1151/22, convertida na Lei 14.590/23. As concessionárias poderão explorar outras atividades não madeireiras e aproveitar e comercializar créditos de carbono.

Mulher
Quanto aos direitos da mulher, a Câmara aprovou, por exemplo, projeto que institui uma pensão especial aos filhos e outros dependentes menores de 18 anos de mulheres vítimas de feminicídio (PL 976/22) se a renda familiar mensal per capita for igual ou inferior a 25% do salário mínimo (R$ 330).

O combate ao assédio sexual e outros crimes sexuais é tema do Programa de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Sexual, à Violência Sexual e aos demais Crimes contra a Dignidade Sexual. A iniciativa estava prevista na Medida Provisória 1140/22, aprovada pelos deputados, e convertida na Lei 14.540/23.

O programa abrangerá toda a administração pública direta e indireta, federal, estadual, distrital e municipal, além do ambiente escolar.

Saúde
Outro programa nacional, de prevenção da depressão, consta do Projeto de Lei 4712/19. Entre os objetivos da iniciativa, estão combater o preconceito social contra as pessoas com depressão por meio de diferentes mecanismos e da participação de instituições sociais e outros agentes que atuem na proteção da saúde mental.

Por meio da Medida Provisória 1165/23, convertida na Lei 14.621/23, a Câmara dos Deputados aprovou mudanças no Programa Mais Médicos para permitir a prorrogação de contratos e criar indenizações de incentivo ao exercício da atividade em áreas de difícil fixação dos profissionais.

FONTE: Câmara Notícias

Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados
Discussão e votação de propostas.
Câmara fez esforço concentrado para concluir  a votação da reforma tributária

Após anos de debate na Casa em várias versões, a Câmara dos Deputados aprovou neste semestre a reforma tributária (Proposta de Emenda à Constituição 45/19) para simplificar a tributação sobre consumo e serviços, reunindo tributos estaduais e municipais em um único imposto. Outros dois tributos federais também são criados para substituir os já existentes. A matéria está agora em análise no Senado.

Também na área de economia, os deputados aprovaram projeto de lei complementar (PLP 93/23) com novas regras para substituir o atual teto de gastos. A ideia é garantir correções da despesa em razão do crescimento real da receita e do cumprimento de metas de resultado fiscal. A votação das mudanças feitas pelo Senado à proposta ficou para agosto.

Outra matéria polêmica aprovada foi o projeto (PL 2384/23) que dá ao representante da Fazenda Nacional o voto de desempate no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), última instância de julgamento de questões tributárias na administração federal. O texto seguiu para exame do Senado.

Ao todo, o Plenário da Câmara aprovou no primeiro semestre do ano 46 projetos de lei, 17 medidas provisórias, 18 projetos de decreto legislativo, 3 projetos de resolução, 2 projetos de lei complementar e 1 proposta de emenda à Constituição (PEC).

Direitos sociais
Várias proposições com direitos sociais foram também aprovadas, como a que muda os estatutos da Pessoa Idosa e da Pessoa com Deficiência (PL 4438/21) para incluir medidas protetivas a serem decretadas pelo juiz no caso de violência ou da iminência dela. Essas medidas são semelhantes às constantes da Lei Maria da Penha.

Para pessoas com deficiência permanente ou Transtorno do Espectro Autista (TEA), o Plenário aprovou projeto de lei (PL 507/23) que torna indeterminado o prazo de validade de laudo atestando essas condições.

Por meio da Medida Provisória 1164/23, já transformada em lei, a Câmara dos Deputados aprovou a retomada do programa Bolsa Família, garantindo o valor mínimo de R$ 600 por família com renda mensal familiar per capita igual ou menor a R$ 218, além de R$ 150 por criança entre zero e seis anos e R$ 50 para cada integrante familiar gestante, nutriz, criança entre 7 e 12 anos ou adolescente de 12 a 18 anos.

Educação
Na área de educação, o destaque ficou por conta do Programa Escola em Tempo Integral (PL 2617/23), que repassará recursos federais a estados e municípios para estimular a abertura de novas matrículas na educação básica com carga horária de sete horas diárias.

Meio ambiente
Um dos temas objeto de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o marco temporal da ocupação de terras por povos indígenas foi proposto com a aprovação do Projeto de Lei 490/07, restringindo a demarcação dessas terras àquelas já tradicionalmente ocupadas por esses povos em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da nova Constituição federal.

Já as florestas públicas concedidas para exploração com planos de manejo foram tema da Medida Provisória 1151/22, convertida na Lei 14.590/23. As concessionárias poderão explorar outras atividades não madeireiras e aproveitar e comercializar créditos de carbono.

Mulher
Quanto aos direitos da mulher, a Câmara aprovou, por exemplo, projeto que institui uma pensão especial aos filhos e outros dependentes menores de 18 anos de mulheres vítimas de feminicídio (PL 976/22) se a renda familiar mensal per capita for igual ou inferior a 25% do salário mínimo (R$ 330).

O combate ao assédio sexual e outros crimes sexuais é tema do Programa de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Sexual, à Violência Sexual e aos demais Crimes contra a Dignidade Sexual. A iniciativa estava prevista na Medida Provisória 1140/22, aprovada pelos deputados, e convertida na Lei 14.540/23.

O programa abrangerá toda a administração pública direta e indireta, federal, estadual, distrital e municipal, além do ambiente escolar.

Saúde
Outro programa nacional, de prevenção da depressão, consta do Projeto de Lei 4712/19. Entre os objetivos da iniciativa, estão combater o preconceito social contra as pessoas com depressão por meio de diferentes mecanismos e da participação de instituições sociais e outros agentes que atuem na proteção da saúde mental.

Por meio da Medida Provisória 1165/23, convertida na Lei 14.621/23, a Câmara dos Deputados aprovou mudanças no Programa Mais Médicos para permitir a prorrogação de contratos e criar indenizações de incentivo ao exercício da atividade em áreas de difícil fixação dos profissionais.

FONTE: Câmara Notícias

Sistema eletrônico deu celeridade a processos, mas ainda há riscos

Foi muito significativa a evolução observada na dinâmica dos processos com a implantação do sistema eletrônico. Além dos ganhos práticos e da redução do uso de papel, o que resultou em benefício para o meio ambiente, o andamento das ações tornou-se mais célere. No entanto, ainda é preciso ter muito cuidado com o risco de ataques cibernéticos e de acesso indevido a dados.

Essa conclusão foi apresentada durante a mesa de discussões “Tokenização: o impacto digital na atividade cartorária”, que fez parte do XI Fórum Jurídico de Lisboa, evento que reuniu no fim de junho vários dos mais importantes nomes do Direito do Brasil e da Europa. O debate foi mediado pelo ministro Antonio Saldanha Palheiro, do Superior Tribunal de Justiça.

Sócio do escritório Wambier, Yamasaki, Bevervanço & Lobo Advogados e professor do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), o advogado Luiz Rodrigues Wambier ressaltou as vantagens apresentadas pelo processo judicial eletrônico.

“O processo está mais célere, embora isso não deva ser o objetivo central. O processo eletrônico democratizou, simplificou e desburocratizou as ações judiciais. Ele deixou de ter aquele peso cartorial do passado. Essa evolução demorou, mas chegou à atividade notarial e registral. Foi um passo longo e difícil, mas que vem sendo paulatinamente implantado”, disse Wambier.

“Além disso, o processo eletrônico trouxe vantagens periféricas interessantes, secundárias, mas não menos relevantes, como, por exemplo, a atenção com o meio ambiente. Nós eliminamos o uso das montanhas de papel. Provavelmente toneladas de árvores que passaram a ser e que podem ser conservadas em função do uso mais restrito do papel”, complementou o advogado.

Por outro lado, o presidente do Colégio Notarial do Brasil da Seção do Distrito Federal, Hércules Benício, chamou a atenção para os problemas surgidos com a novidade tecnológica. “Nós temos os riscos dos ataques cibernéticos e em relação à confidencialidade e à assimetria informacional entre as partes. Assim, é importante a definição de token e suas espécies, e o que há de nova regulação para o país.”

Tokens
Tabeliã no 15º Ofício de Notas do Rio de Janeiro e ex-procuradora do estado do Rio, Fernanda Leitão explicou que o token cartorial é diferente do bancário. Como um código hash (usado para fazer o depósito de registro de programa de computador), o token é um bem, seja ele tangível ou não. “Pode ser imóvel, direito autoral, tela de arte ou qualquer outro tipo de bem de valor econômico que não seja fungível, como é o caso do dinheiro e dos bitcoins”.

token, disse Fernanda, só existe quando há blockchain, que é um conjunto de tecnologias já conhecidas de criptografia, um banco de dados centralizado. A grande novidade é que com o blockchain é possível tornar um arquivo digital íntegro, ou seja, não se pode copiá-lo, multiplicá-lo ou editá-lo.

“Esse registro é imutável, transparente, descentralizado. Ou seja, ele parte de um consenso. Não existe uma só autoridade certificadora, o que dá uma segurança a mais para esses procedimentos.”

Fernanda destacou ainda que, caso o primeiro registro dentro do blockchain seja falso, ele vai contaminar todo o sistema e todos os demais registros, afetando a segurança do sistema imobiliário. “Então, é essencial essa intervenção dos notários para que toda essa tokenização seja feita de forma transparente e segura.”

Presidente do Colégio Notarial do Brasil e 23ª Tabeliã de Notas de São Paulo, Giselle Oliveira de Barros apresentou o conceito de smart escrituras (contratos inteligentes): “Contratos inteligentes são programas que se executam de forma automática assim que certas condições acordadas previamente pelas partes são atendidas. Não há necessidade de intermediários, como bancos ou entidades reguladoras, para garantir a execução das cláusulas.”

Segundo Giselle, todo o processo é feito de forma automática, usando códigos que executam as regras pré-definidas pelas partes assim que os contratos são publicados. Dessa forma, eles são inseridos em uma rede de blockchain, não sendo mais possível alterar ou manipular as disposições contratuais.

“Quando formalizada por um tabelião de notas, constitui-se a smart escritura, que representa, a meu modo de ver, um mundo perfeito. Isto é, uma vez que temos a imutabilidade do blockchain, acrescida da segurança decorrente da fé pública de um notário, conseguimos juntar na smart escritura a humanização e a expertise do atendimento notarial, a gestão automatizada e a tecnologia do blockchain.”

Diretor-geral da Faculdade Baiana de Direito e sócio da banca Didier, Sodré e Rosa Advocacia e Consultoria, Fredie Didier disse que o token funciona como um avatar para os imóveis. “É preciso lembrar que o Brasil possui um sistema de serventias amplo, estrutura tecnológica muito forte e normas que permitem que negócios sejam criados.”

O senador Wilder Morais (PL-GO) levou ao debate o projeto de lei de sua autoria que trata da prestação de serviços de ativos virtuais e que determina que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) seja a responsável pelo monitoramento de ativos passíveis de tokenização.

“Nós temos de ter um processo que tenha certificação e que dê garantia de que aquele título tenha um procedimento e um acompanhamento. É muito importante que o sistema imobiliário e os cartórios participem diretamente para que a gente possa ter a origem de cada um desses empreendimentos.”

O evento
Esta edição do Fórum Jurídico de Lisboa, que aconteceu entre 26 e 28 de junho, teve como mote principal “Governança e Constitucionalismo Digital”. O evento foi organizado pelo IDP, pelo Instituto de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (ICJP) e pelo Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário da FGV Conhecimento (CIAPJ/FGV)

Ao longo de três dias, a programação contou com 12 painéis e 22 mesas de discussão sobre temas da maior relevância para os estudos atuais do Direito — entre eles debates sobre mudanças climáticas, desafios da inteligência artificial, eficácia da recuperação judicial no Brasil e meios alternativos de resolução de conflitos.

Fonte: Conjur

Regime aberto é suficiente em caso de tráfico de pequena quantidade

O regime aberto e a substituição da pena privativa de liberdade são suficientes para a repressão e prevenção do crime de tráfico de drogas quando a quantidade apreendida é pequena, o tráfico privilegiado é reconhecido e o réu não é reincidente.

Com essa fundamentação, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, fixou o regime inicial aberto para um homem condenado pelo tráfico de 0,59 grama de crack e ainda converteu a pena em medidas restritivas de direitos, cujas condições devem ser estabelecidas pelo juízo de origem.

O réu foi condenado em primeira instância a dois anos e três meses de prisão em regime semiaberto. Mais tarde, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) reduziu a pena para um ano e 11 meses.

A defesa, então, impetrou pedido de Habeas Corpus no Superior Tribunal de Justiça, mas ele foi negado pelo relator, desembargador convocado Jesuíno Rissato.

Ao STF, o advogado Geazi Fernando Ribeiro pediu a aplicação do princípio da insignificância. Ele também alegou que não ficou claro o envolvimento do acusado com o tráfico e que não houve prova da destinação da droga apreendida a atividades ilegais.

Na visão de Alexandre, os elementos apontados pelas instâncias antecedentes “não se mostram aptos a justificar o agravamento do regime prisional”.

Ele destacou a pequena quantidade de droga, indicou que foi aplicada a minorante do tráfico privilegiado em seu patamar máximo e observou que não há registro de reincidência.

“Presentes essas circunstâncias”, o magistrado considerou que o regime aberto era adequado. E, “considerando que os vetores para a substituição da pena são basicamente os mesmos para o estabelecimento do regime prisional”, ele também autorizou a conversão da pena em medida restritiva de direitos.

Fonte: Conjur

Íntima convicção rima com qualquer tipo de absolvição

Por Lenio Luiz Streck

Escrevi na coluna da semana passada que o uso da tese da legítima defesa da honra não é incompatível com a íntima convicção no Júri (ler aqui). Como se diz no Twitter, sigam o fio:

1. Expliquei que, válida a íntima convicção, não é possível sindicar o seu conteúdo — exatamente porque íntima convicção é algo insondável. O que quis dizer é que precisamos levar nossas teses às últimas consequências. Quis dizer que é uma contradição entender que a soberania dos veredictos permite prisão imediata e, ao mesmo tempo, imiscuir-se na íntima convicção dos jurados. Simples assim.

2. De todo modo, vejo que ficaram dúvidas. Um amigo estimado, de alta patente jurídica, disse-me que gostara do meu texto, mas continuava a achar que não havia incompatibilidade entre íntima convicção e legítima defesa da honra.

3. Pois foi exatamente isso que eu falei na minha coluna. Era exatamente este o busílis: se vale a íntima convicção… então vale. Era esse o ponto. De todo modo, agradeço ao meu interlocutor, porque me oportuniza a deixar isso ainda mais claro.

§§§

Como já referi na coluna passada, a íntima convicção é uma resposta dos revolucionários franceses à prova tarifada do antigo regime — enfim, ao modo como se julgava. Era o povo que deveria, agora, julgar. E com sua convicção pessoal. Típico otimismo revolucionário. Vejamos:

(i) Interessante é o que diz o artigo 342 do Código de Instrução Criminal do ano de 1808, na França pós-revolucionária:

“A lei não pede contas aos jurados quanto aos meios pelos quais se convenceram; não prescreve as regras das quais devem fazer depender em particular a plenitude e suficiência de uma prova; preceitua que interroguem a si mesmos, em silêncio e recolhimento, e que busquem determinar, na sinceridade de sua consciência, que impressão as provas produzidas contra o acusado e os meios de sua defesa causaram em seu raciocínio… A lei não os faz senão uma pergunta, que contempla toda a medida de seus deveres: tens uma convicção íntima?

(ii) Avez-vous une intime conviction? Era esse o ponto. Era mesmo esse o ponto. E é aí que está a questão, percebem?

(iii) Pronto. Parece que até hoje não inventaram melhor conceito de íntima convicção do que o que consta no artigo 342. É isso. Gostemos ou não. Eu — todos sabem — não concordo com o uso da íntima convicção em um Estado Democrático de Direito. Porém, em sendo válido — e isso parece não incomodar a comunidade jurídica — então temos de tirar consequências. E qual é? É a de que íntima convicção não é sindicável. Ponto.

§§§

Insisto: não me agrada a ideia de “íntima convicção”. É um equívoco filosófico, porque ignora exatamente o paradigma da intersubjetividade. Só que, se vale, e se já foi reafirmada como válida, não pode ser (casuisticamente) ignorada — em seus pressupostos e suas consequências —, de vez em quando, por aqueles que dizem que ela vale. Não gosto da ideia de íntima convicção. Mas é preciso ter coerência.

a) Nesse sentido, aliás, os italianos já falaram, no século 19, na íntima convicção na teoria negativa das provas legais: a livre apreciação — e isso vale para a convicção íntima, na nossa discussão — só se aplica em favor do acusado, sendo a condenação sempre dependente de requisitos previstos em lei. Claro e evidente: se a íntima convicção e o livre convencimento surgiram num paradigma iluminista, pós-revolucionário, qual poderia ser seu sentido? Se o que veio foi para superar exatamente um sistema inquisitorial, num ambiente filosófico de celebração da racionalidade e da liberdade humana, bom…

b) Poderíamos aprender com os italianos. Íntima convicção só para absolvição. Não esqueçamos que o quesito a ser respondido é: o réu deve ser absolvido?

c) Explico: o quesito genérico é feito, nitidamente, em favor do réu. Escrevi sobre isso em artigo na ConJur em 2019. E isso se deduz de uma coisa singela: não se pergunta se o réu deve ser condenado. Disso deflui a pergunta: o recurso previsto na letra “d” do inciso III, do artigo 593 é também um recurso que pode ser manejado pela acusação? Como aferir a contrariedade à prova dos autos se os jurados podem absolver o acusado sem necessidade de dizer por quê? E não esqueçamos o voto do ministro Celso de Mello sobre o tema.

d) No fundo, o que quero dizer aqui é simples: um Estado (Democrático) de Direito exige coerência. E precisamos ter coerência com nossas próprias teses. Simples assim. E complexo.

§§§

Numa palavra:

(A) Quero também lançar minha provocação epistemológica à comunidade jurídica. Estou escrevendo livro sobre o assunto, mas já lanço aqui o problema.

(B) Será possível que insistiremos na surrada tese de que “a livre apreciação (ou livre convencimento) veio para superar a prova tarifada”… Assim, na maioria das vezes em citações repetidas?

(C) Ora, é verdadeiro dizer, no seu contexto, no seu tempo, que o livre convencimento veio para superar um paradigma de provas tarifadas no sistema romano, do direito canônico etc. Mas é verdadeiro de certo modo. E só é verdadeiro no contexto e com as devidas explicações. Que não vejo serem feitas.

Haverá muitas revelações no livro.

Fonte: Conjur