Comissão de leiloeiro público deve ser fixada, no mínimo, em 5% sobre os bens arrematados

A Quarta Turma reformou acórdão no qual o TJSP entendeu que, em leilões judiciais, a remuneração do leiloeiro poderia ser arbitrada sem a limitação de piso ou teto.

Ao reafirmar o caráter especial e cogente do Decreto 21.981/1932 – que regulamenta a profissão de leiloeiro e estabelece o mínimo de 5% para a sua comissão –, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) para que seja feita a complementação do pagamento devido a um leiloeiro, até o mínimo legal.

Nos autos de uma falência, o tribunal paulista reduziu a comissão do leiloeiro de 5% para 2%, ao fundamento de que o artigo 884, parágrafo único, do Código de Processo Civil (CPC) viabiliza o arbitramento dessa remuneração nos leilões judiciais e não estipula piso ou teto.

Entre outros pontos, o leiloeiro alegou que o Decreto 21.981/1932 é norma específica em relação ao CPC, não podendo ser afastado por ele, conforme reconhecido pelo artigo 7º da Resolução 236/2016 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Caráter especial do Decreto 21.981/1932

Segundo a relatora na Quarta Turma, ministra Isabel Gallotti, o tratamento conferido à comissão do leiloeiro não sofreu alteração com a passagem para o regime do atual CPC, que, como o anterior, não estabelece o percentual devido a título de comissão, apenas o direito de recebê-la. Esse percentual mínimo, observou, é fixado pelo artigo 24, parágrafo único, do Decreto 21.981/1932, que regulamenta a profissão.

A ministra explicou que, com base nesse dispositivo legal, a Resolução 236/2016 do CNJ estabeleceu que o leiloeiro público terá direito, além da comissão fixada pelo juiz em no mínimo 5% sobre o valor da arrematação, ao ressarcimento das despesas comprovadas com remoção, guarda e conservação dos bens.

A relatora lembrou precedente do STJ segundo o qual a expressão “obrigatoriamente”, no parágrafo único do artigo 24 do Decreto 21.981/1932, revela que a intenção da norma foi estabelecer um valor mínimo, ou seja, pelo menos 5% sobre o bem arrematado. A ministra também destacou que o tribunal já se pronunciou sobre o caráter especial do decreto, em julgamento proferido pela Primeira Turma, em 2008.

Por fim, Isabel Gallotti ressaltou o julgamento de um procedimento administrativo no qual o CNJ, reafirmando a sua competência privativa para regulamentar a matéria, determinou à corregedoria do TJSP que se adequasse aos ditames legais quanto ao tema.

Fonte: SJT

Excesso de judicialização é trava para avanço do setor aéreo

O excesso de judicialização é um problema que trava o desenvolvimento  do setor aéreo e de sua infraestrutura, o que dificulta a diminuição dos valores cobrados pelas empresas de aviação. Essa é a análise de Fábio Campos, diretor de Assuntos Governamentais, Relações Aeroportuárias e Comunicação Corporativa da Azul Linhas Aéreas, feita durante o XI Fórum Jurídico de Lisboa.

De acordo com o executivo, o Brasil representa uma faixa de cerca de 2,7% dos voos de todo o mundo. Por outro lado, segundo ele, cerca de 90% das ações judiciais contra empresas aéreas de todo o mundo são movidas por consumidores brasileiros.

“De 2018 para 2019, a aviação adicionou 20% de viajantes, enquanto as ações judiciais cresceram em 109% nesse mesmo período. Em 2022, a gente já está coletando dados. Esses números triplicaram desde 2019. Temos um crescimento exponencial de uma indústria que se usa do sistema judiciário, que inclusive tem a ver muito com essa questão de digitalização, justamente porque muitas delas são plataformas digitais, aplicativos, que captam clientes no intuito da judicialização.”

Campos cita a Resolução 400 da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), que estabelece as condições gerais aplicáveis ao transporte aéreo regular de passageiros, seja ele doméstico ou internacional. “Ela é uma regulamentação, quando comparada com o resto do mundo, mais pró-consumidor que existe. Não estou questionando a resolução, mas acho que você já põe o consumidor numa situação extremamente positiva quando comparado ao resto do mundo.”

Fábio Campos participou da mesa “Turismo, infraestrutura, governança e perspectivas”, que foi mediada por Ticiano Figueiredo, presidente do Instituto de Garantias Penais e sócio-fundador do Figueiredo & Velloso Advogados Associados.

O presidente da Embratur, Marcelo Freixo, defendeu a necessidade de se colocar o turismo como um elemento central de modelo de desenvolvimento que dialogue com a sustentabilidade no Brasil. “O turismo, com toda a precariedade que a gente tem, representa historicamente 7,8% do PIB do país.”

Freixo acredita que nenhum outro setor tem a capacidade que o turismo tem de oferecer retorno à economia. “É preciso mudar a mentalidade política brasileira. Eu não estou falando nem com a direita, nem com a esquerda. Estou falando com todos. É preciso mudar a mentalidade política e colocar o turismo no lugar central do modelo de desenvolvimento.”

A ex-ministra Daniela Carneiro participou da mesa antes de deixar o comando do Ministério do Turismo. Ela lembrou que o turismo “é a arte de vender felicidade”. Para que o setor se fortaleça, é preciso dar maior atenção à infraestrutura e qualificação de profissionais que atuam na área. “Somente de contratos que já temos ativos no Brasil, são R$ 2,4 bilhões em investimentos em obras.”

Ex-presidente do Turismo de Portugal, Luis Araújo destacou que um dos principais problemas do setor no país europeu é a sazonalidade, quando a movimentação de turistas se concentra em um único período do ano. Além disso, lembrou a baixa qualificação dos profissionais. “60% das pessoas que trabalham no turismo, quase 300 mil pessoas, têm apenas um ensino básico. Isto é inadmissível.”

Diretor da Agência Nacional dos Transportes Terrestre (ANTT), Guilherme Theo Sampaio destacou que o Brasil é um país que movimenta grande parte do seu turismo em rodovias. “Podemos dizer que, hoje, 90% das pessoas se conectam através do transporte rodoviário de passageiros. Paralelo a isso, todo nosso transporte efetivo de cargas e pessoas é feito através de rodovias. Nesse aspecto do âmbito de atuação da agência, nossa competência é fomentar e desenvolver os projetos de infraestrutura de concessões de rodovias e ferrovias.”

Secretário de Turismo da Bahia, Luís Maurício Bacellar Batista disse que o estado possui uma estratégia turística baseada em um farol de ações do governo local. “São dois pilares: a inovação e a sustentabilidade. Em cima deles, nós trabalhamos em quatro eixos: biossegurança sanitária, capacitação e qualificação de mão de obra, obras de infraestrutura e a promoção do ‘destino Bahia’. O desenvolvimento destas ações colocaram o estado em um espaço privilegiado.”

Deputado federal por Pernambuco, Felipe Carreras disse que o básico de infraestrutura turística é a capacitação dos profissionais que atuam na área. “Sem sombra de dúvidas, a principal indústria geradora de empregos é o turismo. Para a gente ter uma política de Estado, de gestão com resultado, é importante ter continuidade de políticas públicas voltadas para o turismo para a gente poder promover, capacitar, gerar emprego e renda.”

Fonte: Conjur

CJF libera o pagamento de RPVs a mais de 185 mil beneficiários

Caberá aos TRFs, segundo cronogramas próprios, efetuar o depósito dos recursos financeiros

O Conselho da Justiça Federal (CJF) liberou aos Tribunais Regionais Federais (TRFs) os limites para o pagamento de Requisições de Pequeno Valor (RPVs), autuadas em junho de 2023, para um total de 148.677 processos, com 185.904 beneficiários. A soma atinge o valor de R$2.102.721.419,53.  

 Do total geral, R$1.721.995.487,27 correspondem a matérias previdenciárias e assistenciais, a exemplo de revisões de aposentadorias, auxílio-doença, pensões e outros benefícios, que somam 84.091 processos, com 109.403 beneficiários.  

 O Conselho esclarece ainda que cabe aos TRFs, segundo cronogramas próprios, o depósito dos recursos financeiros liberados. Com relação ao dia em que as contas serão efetivamente liberadas para saque, esta informação deve ser buscada na consulta de RPVs disponível no portal do Tribunal Regional Federal responsável.  

Fonte: Justiça Federal

PPA é ficção se não for retroalimentado pelos dados do Censo

O ciclo orçamentário da política pública é dinâmico e, grosso modo, é composto pelas etapas interconexas de planejar, executar e controlar. Caso operasse segundo pressupostos constitucionalmente adequados, tal circularidade deveria nos permitir sobrepujar a força pedagógica do controle, para extrair a máxima aprendizagem dos erros diagnosticados nos exercícios anteriores e, com isso, seria possível tanto aprimorar a gestão durante a execução orçamentária em curso, quanto formular melhores peças de planejamento para os anos vindouros.

Se controle bom é o que retroalimenta o planejamento, esse, por sua vez, precisa necessariamente buscar rastrear e incorporar todos os diagnósticos disponíveis, bem como todos os apontamentos feitos pelas mais diversas instâncias de controle, para fins de detecção, no mínimo, dos vazios assistenciais.

A recomendações e ressalvas apresentadas pelos conselhos sociais de acompanhamento e monitoramento de políticas públicas não podem ser ignoradas, tampouco podem ser preteridos seus congêneres instrumentos de notificação e alerta acerca das irregularidades emitidos pelos Tribunais de Contas. A própria série histórica de demandas judiciais revela, na mais discreta das hipóteses, um diagnóstico de déficit de cobertura das políticas públicas ordinariamente executadas pela Administração Pública.

Para além da dimensão reativa e quase sempre punitivista, os controles social, externo e judicial deveriam ter consciência de que a eficácia e a resolutividade das suas ações são diretamente proporcionais à capacidade de introjetar no âmbito do controle interno a aprendizagem institucional a que se referem os incisos I e II do artigo 74 da Constituição de 1988.

Todavia tal perspectiva ainda não é usualmente pautada, a despeito de ser — a rigor — óbvia. Ora, às vésperas do envio do projeto de plano plurianual relativo ao quadriênio 2024/2027 pelos Estados e pela União, se o ciclo orçamentário fosse reflexivo e comprometido intertemporalmente com a ampliação progressiva da qualidade do planejamento, estaríamos agora precisamente a debater como incorporar os dados do Censo 2022. Em igual medida, estaríamos a refletir amplamente sobre como internalizar, no diálogo dos poderes políticos em torno da elaboração das leis orçamentárias, o acúmulo hermenêutico produzido pelas instâncias de controle em torno da etapa de planejamento anterior e da sua respectiva execução.

A circularidade orçamentária das políticas públicas é um convite à aprendizagem intertemporal, mas — na complexa realidade social brasileira — não a temos aproveitado, na medida em que nos deixamos aprisionar por uma espiral ignorante de repetição dos erros do passado, enquanto resta pragmaticamente interditada a construção dos projetos de futuro comum por força da primazia do curto prazo eleitoral que domina a execução orçamentária em curso.

Vale lembrar que, em um mesmo exercício financeiro cada ente político deve prestar contas do quanto realizado no ano anterior, enquanto é executada a lei orçamentária vigente e é projetado o próximo ciclo, com suas respectivas diretrizes orçamentárias e orçamento anual.

Se planejar é antecipar racionalmente o futuro, necessariamente deveríamos buscar superar os problemas acumulados ao longo do tempo. Para conceber rotas aprimoradas de futuro, é preciso conhecer exaustivamente a realidade antecedente e diagnosticar a existência dos problemas, mesmo sabendo que o Estado não vai conseguir resolvê-los em sua totalidade, de uma só vez e em de uma vez por todas.

Todo bom planejamento tem como ponto de partida o diagnóstico, ou seja, o levantamento ostensivo dos vários desafios que a realidade traz, respeitadas as competências federativas de cada ente político.

Não sabemos o que fazer, porque não conhecemos consistentemente nossos problemas e, por conseguinte, não elegemos aqueles conflitos que serão enfrentados em qual sequência temporal, nem somos capazes de precisar quais insumos/meios são considerados faticamente necessários para tentar resolvê-los. Nós não avaliamos adequadamente os gastos públicos em sua série histórica, nem mesmo monitoramos os resultados e falhas das políticas públicas verificados anteriormente, de modo que quase sempre aceitamos como normal a trágica repetição dos erros ao longo dos anos e décadas.

Uma ignorância histórica de tal monta nos encerra em cenário de capturas cumulativas — sofregamente vívidas no curto prazo — que perpassam nosso capitalismo de compadrio, revelado nas múltiplas e conflituosas demandas por renúncias fiscais, créditos subsidiados, emendas parlamentares balcanizadas, contratos administrativos direcionados, subvenções, auxílios etc. É como se só fosse possível a gestão patrimonialista, porque não refletimos e corrigimos nossos erros, porque o controle não é pedagógico, tampouco retroalimenta o planejamento no ciclo da política pública.

Simplesmente não nos ocupamos do básico esforço de diagnosticar seriamente todos os problemas e, a partir daí, não confrontamos reciprocamente suas pretensões de prioridade. Assim tudo parece caótico, tudo reclama qualquer solução, tudo pode ser alvo de consultorias ou promessas milagrosas de cura pelo mercado ou pelo terceiro setor, diante de um Estado inepto e capturado não só pela cadeia produtiva de fornecedores e variados tipos de intermediários, mas até mesmo por seus agentes públicos insulados burocraticamente.

Nenhuma promessa de aprimoramento da qualidade do gasto público se implementará, de fato, sem nos dedicarmos ao diagnóstico — sempre temporal e territorialmente circunstanciado — dos nossos problemas.

Obviamente não há como pensar em soluções sem se conhecer em profundidade os problemas. Infelizmente, porém, a praxe da maioria dos nossos municípios reside na contratação de consultorias contábeis e jurídicas que oferecem modelos padronizados e genéricos de planejamento setorial e/ou orçamentário.

Neste ano em que serão formulados e apreciados os projetos de PPA estaduais e federal, a existência de haver quem venda e quem compre planejamento genérico e padronizado para fins meramente protocolares na Administração Pública brasileira reclama ser reconhecida como uma das causas centrais da fragilidade das nossas finanças públicas.

As consultorias contábeis e jurídicas que vendem sistemas informatizados com modelos padronizados, por exemplo, de plano plurianual, lei de diretrizes orçamentárias e lei orçamentária anual (PPA, LDO e LOA) precisam ser questionadas do mesmo modo que médicos têm sido demandados em juízo por oferecerem cirurgias sem prévio diagnóstico exaustivo das condições clínicas de cada paciente e sem cumprirem o dever de informação especializado para fins de consentimento específico sobre as soluções contratuais propostas.

Modelos genéricos e padronizados de PPA-LDO-LOA são como cirurgias realizadas em abstrato, porquanto sem suficiente informação prévia individualizada do paciente (aqui equiparado, no nosso caso, à coletividade afetada pela política pública proposta sem prévio diagnóstico circunstanciado).

Tecnicamente a responsabilidade estrutural da atividade de planejamento sequer pode ser terceirizada para consultorias, vez que só é cabível a execução indireta naquilo que implicar “serviços auxiliares, instrumentais ou acessórios”. Esse é o teor do artigo 3º, inciso I e § 1º do Decreto 9.507/2018, que regulamentou a execução indireta (terceirização) no âmbito da Administração Pública federal.

As consultorias contábeis e jurídicas não podem vender modelos padronizados de planejamento setorial e orçamentário, sob pena de nulidade absoluta dessa terceirização e de responsabilidade extracontratual de tais prestadores de serviço, nos moldes dos artigos 6º e 14 do Código de Defesa do Consumidor.

As consequências da frágil concepção terceirizada e pasteurizada do planejamento estatal vão desde a abertura excessiva de créditos adicionais suplementares e especiais, até a própria ineficiência da gestão pública que realiza gastos fúteis diante de tantos vazios assistenciais em outras áreas prioritárias.

O aprimoramento democrático da concepção sobre qual é o papel do Estado brasileiro e sobre quais são suas prioridades na consecução de políticas públicas deveria ser um dos nossos maiores desafios em torno do aprimoramento das regras fiscais que nos regem. O público precisa ser feito em público, até porque diagnóstico de problemas e prognóstico de possíveis soluções na Administração Pública pressupõe inafastavelmente participação popular, tal como exigido pelo artigo 48, §1º, inciso I da Lei de Responsabilidade Fiscal.

A noção de impositividade orçamentária — prevista no §10 do artigo 165 da CF/1988 — passa pela máxima vinculação do gestor ao planejamento que ele formula em diálogo com a sociedade. Para tanto, é preciso retomar a imprescindibilidade do dever de diagnóstico específico que se impõe tanto ao gestor, quanto a todas as consultorias que ele contrata a título de “serviços auxiliares, instrumentais ou acessórios”.

É preciso diagnóstico circunstanciado e individualizado de cada ente político da federação em cada política pública, para que a população possa — durante o processo legislativo que fomenta o debate das leis do planejamento setorial e orçamentário — exercer seu direito de questionar e influenciar o que vier a ser reputado democrática e republicanamente como prioridade da ação governamental.

Nenhuma fonte de conhecimento da realidade brasileira é mais rica e tecnicamente hígida do que aquela que se pode extrair dos dados do Censo de 2022, tanto quanto os apontamentos feitos pelas diversas instâncias de controle (a título de recomendações, ressalvas, alertas e determinações).

Sem esse esforço estrutural, seguiremos a acumular soluções ineptas ou abusivas em nossos instrumentos legais de planejamento protocolar, de onde se originam a má qualidade do gasto público posteriormente executado, a corrupção e, por vezes, a inércia preguiçosa de algumas instâncias de controle que se orientam tardiamente para a punição dos delitos e improbidades consumados.

O diagnóstico é o ponto de partida, mas não é o ponto de chegada. Muito embora até haja um elenco relativamente amplo de dados empíricos coletados para fins de diagnóstico, falta-nos capacidade de enfrentar a perspectiva de que é impossível resolver tudo, para todos e de uma vez só. Eis a razão pela qual é preciso ordenar prioridades em face da própria gestão da escassez.

Desse modo, precisamos fortalecer o PPA, mas não apenas ele. Precisamos resgatar a intrínseca correlação substantiva entre os planos orçamentários quadrienais, de um lado, e as peças de planejamento setorial nas mais diversas políticas públicas, de outro.

É oportuno lembrar que a essência do PPA reside nos programas de duração continuada, porque ali é que estão densificados fiscalmente os serviços públicos essenciais que devem ser mantidos ao longo do tempo, independentemente do governo que entrar ou sair.

Os programas de duração continuada do PPA correspondem, na seara orçamentário-financeira, ao núcleo indisponível da ação estatal, que deve ser financiado até mesmo por meio de dívida pública. Tal garantia intertemporal também pode ser associada, no Direito Administrativo, ao princípio da continuidade dos serviços públicos. Para o Direito Financeiro, portanto, os programas de duração continuada identificam, em última instância, o tamanho constitucionalmente necessário do Estado.

Esse horizonte de essencialidade fiscal delimita o tamanho do Estado e fixa as despesas que não podem ser preteridas ou mitigadas ao longo do tempo. Trata-se, como já dito, da própria identidade constitucional mínima do que o orçamento público precisa contemplar.

A fixação dos programas de duração continuada do PPA como o locus onde podemos reconhecer o tamanho constitucionalmente necessário do Estado é reforçada todos os anos pela lei de diretrizes orçamentárias, em seu anexo de despesas não suscetíveis de contingenciamento. Aludido anexo arrola todas as despesas que correspondem normativamente a obrigações estatais e, como tal, não podem ser fiscalmente reduzidas ou limitadas, independentemente do comportamento da arrecadação estatal, o que implica, no limite, que seu financiamento deve ser assegurado até mesmo mediante dívida pública.

As despesas não contingenciáveis são prioritárias, porque devem ser executadas, ainda que haja frustração de receita, mesmo quando se verifique risco de descumprimento da meta de resultado primário e ainda que o PIB seja negativo em determinado exercício financeiro. No pior dos cenários, elas devem ser financiadas mediante dívida pública, daí porque é possível correlacioná-las com a noção de “mínimo existencial” no âmbito do Direito Financeiro.

Tendo isso claro em mente, devemos impugnar a hipótese de determinado gestor público “furar a fila” de prioridades normativas durante a execução orçamentária, passando despesas discricionárias de curto prazo eleitoral, à frente de tais despesas obrigatórias não suscetíveis de contingenciamento ou dos programas de duração continuada do PPA.

É preciso questionar como fiscalmente ilegítima a opção de postergar tais gastos prioritários, sobretudo quando se verificar que houve alocação de recursos públicos, por exemplo, em festividades, shows e propaganda, ou ainda, quando forem concedidas novas renúncias de receitas por prazo indeterminado e sem pleno atendimento aos requisitos exigidos pelo artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Programas de duração continuada e despesas insuscetíveis de contingenciamento são as prioridades indiscutivelmente eleitas no bojo das leis do ciclo orçamentário. Não cabe frustrar a primazia alocativa que lhes ampara, por meio de filas de espera, omissões regulamentares, restos a pagar, passivos judicializados e precatórios, entre outras estratégias de inversão de prioridades ao longo da execução do orçamento.

É premente que passemos a impor, de forma ampla e ostensiva, o dever de aderência do executado em face do planejado, salvo motivação que objetivamente circunstancie os eventuais desvios de rota. Essa, aliás, é a dimensão conceitual do que foi inscrito no §10 do artigo 165 da Constituição de 1988, pela Emenda 100/2019, a pretexto de impositividade orçamentária.

Entre a teoria e a prática, porém, vai uma longa distância. Infelizmente, no Brasil, nós não temos tido capacidade de pautar a ação estatal, para além do curto prazo eleitoral dos agentes políticos de ocasião. Falta-nos o horizonte de médio e longo prazos.

Sem esse olhar referido ao que almejamos no futuro para o conjunto das políticas públicas, a sociedade brasileira perde a capacidade de enfrentar os riscos de captura patrimonialista dos recursos governamentais.

A esse propósito, precisamos estar conscientes de que é impossível, na realidade brasileira contemporânea, falar de revisão das regras fiscais e de rediscussão qualitativa do teto, sem debatermos as razões pelas quais o planejamento não vincula execução orçamentária.

Por que não fiscalizamos a execução orçamentária, no mínimo, à luz dos pressupostos teóricos do controle do ato administrativo discricionário? No Direito Administrativo, é possível controlar se o motivo alegado para prática de determinado ato discricionário, de fato, existiu e, caso o motivo seja falso ou não seja consonante com a regra de competência, o ato pode vir a ser anulado.

Ora, precisamos considerar a execução orçamentária como uma série de atos administrativos, suscetíveis a controle, no mínimo, pelos prismas do dever de motivar, da existência e consistência dos motivos invocados para a prática do ato, do desvio de finalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade, tal como já assentado na doutrina administrativista.

É premente a necessidade de impormos o ônus de motivação, caso o executado não seja aderente ao planejado, sobretudo à luz da impositividade orçamentária, como já dito prevista no §10 do artigo 165 da CF/1988. A noção de orçamento impositivo já é adotada em vários países desenvolvidos e essencialmente diz respeito ao dever de motivar a distorção entre planejado e executado.

Não obstante isso, as finanças públicas brasileiras ainda estão presas à retrógrada tese de insindicabilidade da discricionariedade orçamentária. Precisamos reconhecer que, de fato, a inversão de prioridades alocativas, que ocorre durante a execução orçamentária, ainda é muito pouco suscetível a controle. Para superar a frágil sujeição ao sistema de freios e contrapesos na seara fiscal, precisamos, porém, resgatar o planejamento como o eixo de ordenação legítima de prioridades, até porque esse é o fio da meada que permitirá o exercício do controle sem ofensa ao princípio da separação de poderes.

Para fortalecer o controle é preciso situá-lo como um esforço pedagógico capaz de retroalimentar o próprio planejamento. Ou seja, controle adequado é aquele que é reflexivo e obriga o gestor a aprimorar a concepção da política pública na próxima etapa de planejamento, na medida em que aponta seus vazios assistenciais e inconsistências de prognóstico.

Para superar a pecha de peça de ficção, os PPA’s estaduais e federal relativos ao próximo quadriênio devem incorporar os dados já disponíveis do Censo 2022 e o acúmulo hermenêutico das mais diversas instâncias de controle.

Eis o ponto de partida estrutural para um debate efetivamente sistêmico sobre a qualidade do gasto governamental e, por conseguinte, das próprias políticas públicas. É uma óbvia circularidade, mas, infelizmente, não é um caminho fácil de ser trilhado em nossa realidade orçamentária tão pouco reflexiva.

Fonte: Conjur

Consumidores também são responsáveis por proteção de dados

A proteção dos dados inscritos em sites de compra e venda, ou em programas de milhagem de empresas aéreas e congêneres, exige atenção por parte da empresa, mas também do consumidor — este deve se resguardar de compartilhar as informações e senhas que possam guardar questões sensíveis.

Juíza entendeu que não houve vazamento de dados por parte de companhia aérea
Reprodução

Sob esse entendimento, a juíza Roberta Nasser Leone, do 5º Juizado Especial Cível da comarca de Goiânia (GO), indeferiu indenização por danos morais a uma mulher por exposição de seus dados no bojo de uma ação de dissolução de união estável.

A autora alegou que seus dados foram vazados por uma empresa aérea, o que teria ferido, além de seus direitos de personalidade, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). A juíza, no entanto, considerou que não houve vazamento de dados uma vez que o print anexado ao processo só poderia ter sido obtido por alguém que tivesse a senha do aplicativo, que só poderia ter sido passada pela própria titular.

No processo, consta que a autora e seu ex-cônjuge estão passando por uma dissolução de união estável que corre na 6ª Vara de Família da comarca. Na lide conjugal, o ex-cônjuge anexou prints do aplicativo da companhia aérea mostrando que a autora viajou a Portugal no final de 2021, momento em que “experimentou o término da união estável”.

Para a juíza, houve descuido por parte da autora, o que não reverbera em dano moral:

“Os prints mencionados pela autora foram obtidos do aplicativo da Azul, mostrando a opção de ‘gerenciar a reserva’, uma vez que a pessoa acessou o aplicativo da Azul com seu próprio usuário e senha e tirou um print das informações da reserva. Aliás, no tocante a este fato, é de conhecimento comum que apenas com informações de login e senha é que a pessoa tem acesso as informações por aplicativo, o que pode ser conseguido por qualquer pessoa que receba do títular tais informações para acesso.”

A julgadora diz que, por conta deste contexto, não há como provar qualquer vazamento de dados por parte da empresa.

“A proteção de dados exige cautela de ambas as partes, ou seja, das empresas ao criarem políticas e medidas de segurança, e dos usuários em manter seus dados pessoais e senhas protegidos e sem compartilhamento de informações. No caso, ressalto , a pessoa que teve acesso era ex-companheiro da autora.”

Fonte: Conjur

Uma faca, dois gumes: prescrição da execução penal

23 de julho de 2023, 13h17 – 4 minutos de leitura

Por Willer Tomaz

O Supremo Tribunal Federal, no último dia 30 de junho, ao julgar o Agravo em Recurso Extraordinário (ARE) 848.107, afetado ao Tema 788 da repercussão geral, pacificou o entendimento de que “o prazo para a prescrição da execução da pena concretamente aplicada somente começa a correr do dia em que a sentença condenatória transita em julgado para ambas as partes”.

Significa dizer que a pretensão executória não começa mais com o simples trânsito em julgado para a acusação, situação em que normalmente há recurso da defesa pendente de julgamento.

O artigo 112, inciso I, do Código Penal, prevê que a prescrição começa a correr do dia em que a sentença condenatória transita em julgado “para a acusação”. Porém, o dispositivo foi dado pelo STF como incompatível com a Constituição, devendo ser interpretado em harmonia com o novo entendimento.

Até então, embora a matéria não se assentasse em terra firme, predominava a literalidade do Código Penal, tendo inclusive sido salientado no acórdão revisto pelo STF que “não [é] cabível considerar como termo inicial do prazo prescricional a data do trânsito em julgado definitivo [para a acusação e para a defesa], sob pena de eleger termo interruptivo não previsto em lei”.

O próprio Supremo já decidira, diversas vezes, que “cuidando-se de execução da pena, o lapso prescricional flui do dia em que transitado em julgado para a acusação, conforme previsto no artigo 112 combinado com o artigo 110 do Código Penal” (STF, ARE 764.385/DF-AgR, relator ministro Luiz Fux, T1, DJe 2/5/2014 — vide também HC 113.715, relatora ministra Cármen Lúcia, T2, DJe 28/5/2013; HC 110.133, relator ministro Luiz Fux, T1, DJe 19/4/2012; ARE 758.903, relatora ministra Cármen Lúcia, T2, DJe 24/9/2013; RE 771.598/DF-AgR, relatora ministra Cármen Lúcia, T2, DJe de 14/2/2014).

Ocorre que em 2020, ao julgar as Ações Diretas de Constitucionalidade (ADC) 43, 44 e 54, o Supremo conferiu nova interpretação aos princípios constitucionais da estrita legalidade e da presunção de inocência para reconhecer a inconstitucionalidade da execução antecipada da pena, tendo esse julgamento servido de parâmetro à nova tese firmada sobre o termo inicial da prescrição da pretensão executória.

O raciocínio é simples: de um lado, se a legalidade penal e a presunção de inocência valem para obstar a formação definitiva da culpa por ausência de trânsito em julgado da condenação, sendo que de acordo com o artigo 5º, inciso LVII, da Constituição, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, então, de outro lado, os mesmos princípios devem valer também para o nascimento da pretensão executória, à luz do princípio da actio nata (STF, ARE 682.013/SP-AgR, T1, relatora ministra Rosa Weber, DJe 6/2/2013), segundo o qual, em linhas gerais, o termo inicial do prazo prescricional é a data do nascimento da pretensão resistida.

Ou seja, a pretensão executória somente surgirá quando a culpa do acusado estiver definitivamente formada por sentença penal condenatória transitada em julgado não para a acusação, não para a defesa, mas para ambas as partes, pois esse é o primeiro e único momento em que se é conhecida, de fato e de direito, a culpa indene de dúvidas em todos os seus aspectos.

Como afirmou o STF, “não podendo o Ministério Público executar o título condenatório, descabe cogitar do início do prazo prescricional”.

Com as vênias devidas, não podemos olvidar que a prescrição penal se fundamenta na “inconveniência da aplicação da pena muito tempo após a prática da infração” (CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 614), pois quando o fato é constatado e as provas são certas, o castigo “deve ser seguido de perto o crime, se se quiser que o mesmo seja um freio útil contra os celerados” (BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. São Paulo: Edipro, 2018. p. 74), não podendo o acusado estar sujeito a sobressaltos e intempéries decorrentes da letargia estatal sistêmica e extremada para julgar os seus recursos, sobretudo quando as instâncias revisionais proverem tais recursos de qualquer modo.

Isso porque o tempo demasiado para a formação da culpa é fator de insegurança e de injustiça, motivo pelo qual defendemos que a demora excessiva há de assumir sempre maior importância em matéria de direito sancionador, justamente pela maior gravidade da coerção estatal que “intervém nos direitos fundamentais da pessoa humana, individualmente considerados, da maneira mais terrível, concreta, direta e ‘inesperada'” (FEITOZA, Denílson. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. Niterói: Impetus, 2010. p. 48).

Não há como negar coerência lógica do STF nos julgamentos do Tema 788 e das ADCs 43, 44 e 54. Cabe lembrar, porém, o aforismo popular de que “tudo na vida é faca de dois gumes”, não sendo diferente no processo penal, de modo que a vantagem atual poder ser a desvantagem futura, especialmente quando atingir direitos fundamentais.

Willer Tomaz é sócio do escritório Tomaz & Aragão Advogados Associados.


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Pais não podem ser cobrados por dívida escolar se o contrato foi celebrado por terceiro

A Quarta Turma entendeu que a execução da dívida só poderia ser direcionada aos pais do aluno caso algum deles tivesse dado sua anuência ou participado do contrato com a escola.

Para a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a execução de dívida resultante do não pagamento de mensalidades escolares, quando a prestação dos serviços educacionais foi contratada por terceiro estranho à entidade familiar, não pode ser direcionada aos pais do aluno, que não participaram de tal contrato.

Uma pessoa não pertencente à família assinou o contrato com a escola particular, como responsável financeira pelo estudante, mas, no decorrer do ano letivo, algumas parcelas não foram pagas, e a instituição de ensino pretendeu dirigir a execução da dívida contra os pais. O juízo de primeiro grau decidiu que eles não eram responsáveis solidários pelos débitos contratuais objeto da ação executória, entendimento mantido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

No recurso ao STJ, a instituição de ensino invocou a jurisprudência firmada a partir do julgamento do REsp 1.472.316, segundo a qual os pais são responsáveis solidários pelo pagamento das despesas escolares dos filhos, em decorrência do poder familiar, mesmo que um deles não faça parte do contrato.

Contrato feito por estranho à entidade familiar não se estende aos genitores

O ministro Raul Araújo, relator do recurso da escola, destacou que a dívida originada da manutenção dos filhos no ensino regular é comum ao casal. Assim, firmado o contrato por um dos genitores, é indiferente que o outro não conste no instrumento, pois o poder familiar implica responsabilidade solidária de ambos pela educação dos filhos.

“O casal responde solidariamente pelas obrigações relativas à manutenção da economia doméstica, em proveito da entidade familiar, ainda que a dívida tenha sido contraída por apenas um dos cônjuges/companheiros”, afirmou o ministro, com base em dispositivos do Código Civil e do Código de Processo Civil.

No entanto, ele ressaltou que a situação trazida pela recorrente difere da jurisprudência mencionada, pois diz respeito a contrato celebrado com terceiro estranho à entidade familiar, que assumiu os encargos com a educação do aluno por mera liberalidade. Não se trata, portanto, de uma obrigação decorrente do poder familiar.

O relator lembrou que, nos termos do artigo 265 do Código Civil, “a solidariedade não pode ser presumida, resultando de previsão legal ou contratual”.

Para Raul Araújo, não havendo como reconhecer a responsabilidade solidária oriunda do poder familiar, a execução só poderia ser direcionada aos pais do aluno caso algum deles tivesse dado sua anuência ou participado do contrato com a escola – o que não ocorreu no caso em discussão.

Fonte: STJ

Câmara aprovou projeto que favorece réu quando houver empate em julgamento

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Proposta também altera regras para expedição de habeas corpus

No primeiro semestre deste ano, o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou 46 projetos de lei, 17 medidas provisórias, 18 projetos de decreto legislativo, 3 projetos de resolução, 2 projetos de lei complementar e 1 proposta de emenda à Constituição (PEC).

Na área de Direito e Justiça, os deputados aprovaram, entre outras propostas, o Projeto de Lei 3453/21, que prevê a adoção da decisão mais favorável ao réu nos julgamentos de todas as matérias penal ou processual penal quando houver empate. A proposta está em debate no Senado.

De autoria do deputado Rubens Pereira Júnior (PT-MA), o projeto assegura também a expedição de habeas corpus, de ofício, por juiz ou tribunal ainda que sem o conhecimento da ação ou recurso contra coação ilegal.

O texto aprovado é um substitutivo do deputado Elmar Nascimento (União-BA), que determina a proclamação imediata da decisão mais favorável ao réu no caso de empate, mesmo que o julgamento tenha ocorrido sem a totalidade dos integrantes do colegiado em razão de vaga aberta a ser preenchida, de impedimento, de suspeição ou da ausência de membro.

As mudanças ocorrerão no Código de Processo Penal e na lei que institui normas procedimentais para determinados processos apresentados perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF), como crimes de ação penal pública, habeas corpus e recursos.

Fonte: Câmara Notícias

Apesar de decisão do STF, grávidas ainda são encarceradas no Brasil

“Pobre, carente, negra, subordinada a um homem, condenada pelo crime de tráfico de drogas e mãe irresponsável”. É assim que são descritas, por membros do Judiciário e do Ministério Público, as mulheres gestantes, lactantes e com filhos de até 6 anos de idade que chegam ao sistema penal no Brasil, revela estudo feito pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).  

Segundo o estudo, mesmo após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que concede a prisão domiciliar a todas as gestantes e mães de crianças menores de 12 anos presas preventivamente, de três a cada dez acusadas grávidas ainda são presas no país.

Com o título Relatos da invisibilidade: representações de atores públicos sobre a aplicação do Marco Legal da Primeira Infância no cenário penal e socioeducativo feminino, a pesquisa traz um amplo diagnóstico, com dados e entrevistas com 180 interlocutores, sendo eles 62 profissionais que atuavam em serviços do poder executivo municipal ou estadual, 40 representantes do Poder Judiciário, 32 da sociedade civil, 23 do Ministério Público e também 23 da Defensoria Pública.

“O que os resultados, seja no âmbito quantitativo ou qualitativo, nos retratam é que, a despeito de conquistas normativas, ainda temos muitos desafios para a implementação de fato do Marco Legal da Primeira Infância”, diz a pesquisadora do Pnud Paola Stuker. Segundo ela, o que ocorre, na prática é o que consta no título na pesquisa, a invisibilização desses casos.

Mesmo após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que concede a prisão domiciliar a todas as gestantes e mães de crianças menores de 12 anos presas preventivamente, de três a cada dez acusadas grávidas ainda são presas no Brasil – Arquivo/Agência Brasil

O Marco Legal da Primeira Infância estabelece diretrizes para políticas públicas e garantias específicas para crianças de até 6 anos de idade, incluindo políticas de saúde, que abrangem cuidados desde a gravidez e de educação e assistência social, entre outras.

De acordo com Paola, diante desse normativo, as ações devem também chegar tanto às adolescentes em regime de internação quanto a mulheres presas grávidas ou mães. “É muito importante olhar para esse público, porque é importante olhar para todos os públicos que estão relacionados com a criação de seres humanos na primeira infância. Olhar para todas as famílias, todos os profissionais que são responsáveis pelos cuidados e proteção de crianças na primeira infância. A gente tem que olhar também para todas as gestantes, todas as mães, independente das condições em que se encontram”, diz Paola.

Queda no encarceramento

O relatório mostra que houve queda no percentual de encarceramento após o Marco Legal da Primeira Infância. Enquanto, em 2016, o percentual de decisões por encarceramento para mulheres gestantes e não gestantes nas audiências de custódia era praticamente equivalente, de 49,5% e 49,6%, respectivamente, a proporção passou, em 2020, para 31,6% e 42,4%, respectivamente. Isso mostra que uma a cada três gestantes ainda é encarcerada.

“Precisamos, sim, melhorar muito”, diz a juíza auxiliar da presidência do CNJ, Karen Luise de Souza. “Vemos que esses julgamentos não observam tudo que se vem dizendo sobre os impactos no desenvolvimento das crianças, que acabam sendo privadas do convívio com seus pais e responsáveis ou acabam se desenvolvendo dentro de um ambiente de privação de liberdade.”

Um dos trechos de entrevista com integrante da Defensoria Pública, que não é identificado, publicado no estudo, bate com o que diz Karen Souza e mostra que os resultados dos julgamentos dependem muito do juiz. “Depende muito da pessoa que está ali julgando. Tem juízes que, sim, que atendem nesse sentido. Entendem a infância como prioridade absoluta e falam: ‘apesar do que aconteceu, agora vamos pensar nessa criança que está chegando, ou que já chegou e que está precisando da mãe’. Tem juízes que não. Aí, a gente tem que recorrer. Tem casos que chegam ao tribunal. No tribunal, dependendo da turma, a gente também não tem sucesso. Às vezes, tem que levar para cima, tem que levar para o STJ [Superior Tribunal de Justiça]. Então, é muito relativo. É como eu disse: ‘esbarra-se muito na questão do ato infracional’”.

Outro trecho do relatório ressalta que, entre as mulheres adultas, muitas são vistas, sobretudo por membros do Judiciário e do Ministério Público, como “irrecuperáveis”, de modo que a relação materno-infantil pareceu ser mobilizada, em muitos momentos, como mecanismo adicional de punição.

Ações do CNJ

Segundo Karen Souza, o CNJ busca orientar os magistrados para que consideram prioritária a questão da primeira infância nas decisões. O Manual Resolução nº 369, disponível na página do CNJ, traz um capítulo inteiro com o tema Elementos para facilitar a tomada de decisão.

“A [Resolução] 369 vem exatamente para oferecer essas ferramentas, auxiliar os colegas na tomada de decisões, estabelecer procedimentos. A partir dela, sem interferir na independência funcional, a gente pretende modificar o que está aí e que impacta diretamente a vida de crianças e adolescentes”, diz a juíza.

Fonte: Logo Agência Brasil

TCU identifica distorções de valor em auditoria realizada sobre o Balanço-Geral da União

Irregularidades encontradas em transações e valoração de bens ressaltam o compromisso do Tribunal com suas competências constitucionais

Resumo: 

  • Em auditoria sobre o Balanço-Geral da União (BGU), o TCU identificou duas distorções de valor: em transações intraorçamentárias e na valorização de bens imóveis classificados incorretamente.  
  • O relatório da fiscalização é baseado nas auditorias financeiras realizadas pelo TCU e pela Controladoria-Geral da União (CGU) sobre os componentes significativos do BGU.  
  • Considerando apenas o trabalho das equipes do TCU, foram fiscalizados R$ 14,9 trilhões no aspecto patrimonial e R$ 4,1 trilhões na perspectiva orçamentária.    

Na sessão do último dia 12 de julho, o Plenário do Tribunal de Contas da União (TCU) analisou relatório de auditoria financeira sobre as Demonstrações Contábeis Consolidadas da União, conhecidas como Balanço-Geral da União (BGU), do exercício de 2022. A fiscalização buscou avaliar a adequação das demonstrações contábeis em relação à posição patrimonial e financeira da União em 31 de dezembro de 2022 e à execução orçamentária. 

O relatório da fiscalização é baseado nas auditorias financeiras realizadas pelo TCU e pela Controladoria-Geral da União (CGU) sobre os componentes significativos do BGU. Essa seleção foi feita com base na representatividade do orçamento e dos ativos de cada componente. As auditorias abarcaram oito ministérios com maior relevância financeira e o Fundo do Regime Geral da Previdência Social, que representam mais de 90% da despesa orçamentária e dos ativos da União.  

Considerando apenas o trabalho das equipes do TCU, foram fiscalizados R$ 14,9 trilhões no aspecto patrimonial (bens e direitos, obrigações e patrimônio líquido) e R$ 4,1 trilhões na perspectiva orçamentária (despesas empenhadas e receitas arrecadadas).  

O relatório subsidiou a elaboração do Capítulo 5 do Relatório sobre as Contas do Presidente da República relativas ao exercício de 2022 e a emissão do Parecer Prévio correspondente. O Tribunal emitiu opinião com ressalva sobre as demonstrações contábeis consolidadas da União devido à relevância das distorções detectadas. 

“Esta auditoria propicia o aprimoramento dos controles internos e dos procedimentos contábeis dos órgãos da administração pública federal, alinhando-os aos padrões internacionais e contribuindo para o aumento da transparência, da credibilidade e da utilidade das informações financeiras apresentadas nas demonstrações contábeis consolidadas da União e nas demonstrações contábeis dos órgãos e entidades”, afirma o relator do processo, ministro Jorge Oliveira, em seu voto. 

Na auditoria foram identificadas duas distorções de valor, notadamente: 

  • distorção no montante de R$ 23,56 bilhões referente a transações intraorçamentárias que deveriam ter sido excluídas na elaboração das demonstrações consolidadas; 
  • distorção no montante de R$ 95,95 bilhões concernente a valorização de bens imóveis classificados erroneamente

Decisão do Plenário 

Os ministros do TCU decidiram recomendar que a Secretaria do Tesouro Nacional revise e ajuste os procedimentos de consolidação das demonstrações contábeis da União. O objetivo é eliminar as operações intragrupo até o limite em que o equilíbrio dessas demonstrações não seja comprometido. Além disso, as operações que não forem excluídas devem ser consideradas imateriais em termos de classes de transações e saldos das demonstrações contábeis. 

Também será informado à Secretaria do Tesouro Nacional e à Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União que a inadequação dos procedimentos contábeis relacionados à valorização e desvalorização de bens imóveis resultou em distorções significativas nos saldos e elementos dos demonstrativos contábeis de órgãos e entidades da administração pública federal, e nos demonstrativos contábeis consolidados da União. 

A decisão do Plenário do TCU deverá ser comunicada aos Ministérios da Fazenda e da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos e à Controladoria-Geral da União, e incluída no processo de apreciação das Contas do Presidente da República referentes ao exercício de 2022.  

O relator do processo é o ministro Jorge Oliveira. A unidade técnica do TCU responsável pela fiscalização foi a Unidade de Auditoria Especializada em Certificação de Contas (AudFinanceira). 

Fonte: Secon TCU