Turma Nacional de Uniformização afeta sete temas como representativos da controvérsia

Os temas foram analisados nas sessões virtual e presencial realizadas no mês de agosto

A Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU) afetou sete temas como representativos da controvérsia nas duas sessões de julgamento realizadas em agosto, sendo seis deles na sessão virtual, entre os dias 9 e 16, e um na reunião presencial, realizada no último dia 16, na sede do Conselho da Justiça Federal (CJF).

As questões controvertidas submetidas a julgamento foram as seguintes:

1)      Tema 333 (sessão presencial) – “Se diante da retenção do IRRF pela fonte pagadora, esta assume a responsabilidade pelo pagamento do imposto de renda aos cofres públicos, haverá exclusão da responsabilidade do contribuinte pelo repasse”. (Pedilef n. 0005167-44.2018.4.03.6338 /SP, sob a relatoria da juíza federal Paula Emília Moura Aragão de Sousa Brasil)

2)      Tema 334 – “Saber se é devida a manutenção do pagamento de adicional de insalubridade ao servidor público durante o exercício de trabalho remoto por motivo de força maior (pandemia de covid-19)”. (Pedilef n. 5031629-51.2021.4.04.7200/SC, sob a relatoria da juíza federal Lilian Oliveira da Costa Tourinho)

3)      Tema 335 – “Saber se é devido o pagamento de salário maternidade à segurada gestante cujo serviço desempenhado é incompatível com a prestação de atividades à distância, tendo em vista o disposto na Lei n. 14.151/2021, que prevê o afastamento das atividades presenciais da segurada gestante durante a emergência de saúde pública decorrente do novo coronavírus”. (Pedilef n. 5029053-17.2021.4.03.6100/SP, sob a relatoria da juíza federal Lilian Oliveira da Costa Tourinho)

4)      Tema 336 – “Saber se é válido o ato de renúncia pelo servidor público federal à ajuda de custo e transporte de que trata o art. 53 da Lei n. 8.112/1990″. (Pedilef n. 1000737-52.2019.4.01.4301/ TO, sob a relatoria da juíza federal Luciana Ortiz Tavares Costa Zanoni)

5)      Tema 337 – “Saber se a exposição à pressão atmosférica anormal, no exercício da atividade de aeronauta, leva ao enquadramento de atividade especial depois de 28/4/1995, quando entrou em vigor a Lei n. 9.032/1995.” (Pedilef n. 5018712-43.2020.4.04.7100/RS e Pedilef n. 5019035-87.2021.4.04.7205/SC, ambos de relatoria da juíza federal Luciane Merlin Clève Kravetz)

6)      Tema 338 – “Definir se a tese jurídica firmada no Tema 255 dos representativos de controvérsia deve ser revista, diante de acórdãos supervenientes do Superior Tribunal de Justiça que albergaram entendimento diverso.” (Pedilef n. 0007105-51.2019.4.03.6302/SP, sob a relatoria do juiz federal Odilon Romano Neto)

7)      Tema 339 – “Definir se, diante das alterações empreendidas pelas Leis n. 12.702/2012 e n. 13.324/2016, que possibilitaram a incorporação da GACEN aos proventos de aposentadoria, incide contribuição previdenciária sobre a GACEN.” (Pedilef n.  0000981-71.2018.4.01.3900/PA, sob a relatoria do juiz federal Francisco de Assis Basílio de Moraes. Para acórdão: juiz federal Odilon Romano Neto)

Fonte: Justiça Federal

Abuso do direito de ação: o reconhecimento de limites no acesso à Justiça

O abuso do direito de ação é o uso exagerado ou desvirtuado desse direito, com o objetivo de atrasar ou impedir o andamento de processos, ou de obter alguma vantagem ilegítima.
O amplo acesso à Justiça é um direito fundamental cristalizado no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal. Mas, como qualquer outro direito, o acesso à Justiça também encontra as suas limitações no ordenamento jurídico e deve ser exercido com responsabilidade. O abuso do direito de ação é caracterizado pela utilização exagerada ou desvirtuada desse direito, com o objetivo de prolongar, atrasar ou impedir o andamento de processos. Há ainda os que ajuízam ações com conflitos forjados ou fictícios, pretendendo obter alguma vantagem de forma ilegítima. O STJ já analisou diversos casos sobre abuso do direito de ação e definiu as possibilidades de reconhecimento dessa situação excepcional ao amplo acesso à Justiça, inclusive do chamado assédio processual.

Ajuizamento de sucessivas ações pode configurar assédio

Entrar na Justiça com sucessivas ações desprovidas de fundamentação idônea, intentadas com propósito doloso e abusivo, pode configurar ato ilícito de abuso do direito de ação ou de defesa e levar ao reconhecimento do assédio processual. O entendimento foi adotado pela Terceira Turma, por maioria, ao dar parcial provimento ao REsp 1.817.845. Duas famílias disputavam uma área de mais de 1.500 hectares de uma fazenda. Foram propostas diversas ações – entre elas, uma ação divisória, em 1988 – e interpostos diferentes tipos de recursos. Em 1995, foi proferida a sentença na primeira fase da ação divisória, em que se determinou a divisão do imóvel entre as famílias. Às vésperas da restituição da área que cabia aos autores da ação divisória, a outra família ajuizou sucessivamente, entre setembro e novembro de 2011, uma série de novas ações, todas sem qualquer fundamento relevante, manejadas quando já estava consolidada, há mais de 16 anos, a propriedade da outra parte. No voto que prevaleceu no julgamento, a ministra Nancy Andrighi apontou que tal atitude configurou abuso de direito, uma vez que, conforme o artigo 187 do Código Civil, comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. “O abuso do direito fundamental de acesso à Justiça em que incorreram os recorridos não se materializou em cada um dos atos processuais individualmente considerados, mas, ao revés, concretizou-se em uma série de atos concertados, em sucessivas pretensões desprovidas de fundamentação e em quase uma dezena de demandas frívolas e temerárias, razão pela qual é o conjunto dessa obra verdadeiramente mal-acabada que configura o dever de indenizar”, concluiu.

Reiteração de medidas processuais descabidas autoriza trânsito em julgado

Com apoio em precedentes, em 2021, a Primeira Seção determinou a certificação imediata do trânsito em julgado na Rcl 41.549, por reconhecer abuso do direito de ação na insistência da parte em apresentar medidas descabidas. No caso, uma mulher ajuizou ação buscando receber a pensão especial deixada por ex-combatente, sob o argumento de que esta poderia ser requerida a qualquer tempo, não sendo aplicável a prescrição de fundo de direito. Com o objetivo de reverter o acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) que negou sua pretensão, a mulher impetrou vários recursos e outras medidas no STJ – entre eles, agravo em recurso especial, ação rescisória, reclamação, agravo interno e pedido de reconsideração. Após a Primeira Seção do STJ indeferir liminarmente a ação rescisória, a parte entrou com reclamação, sustentando que o colegiado teria usurpado a competência do próprio tribunal. Em decisão monocrática, o relator, ministro Og Fernandes, afirmou que não cabe reclamação dirigida ao STJ contra acórdão proferido por um de seus órgãos jurisdicionais. “Não faz sentido reconhecer que a Primeira Seção do STJ tenha usurpado sua própria competência para julgamento da ação rescisória”, declarou o ministro ao considerar que a reclamação foi usada como sucedâneo de recurso, “o que é inadmissível”. Não satisfeita, a parte recorreu com agravo interno. A seção negou provimento ao recurso e, em razão da insistência na utilização de um instrumento processual manifestamente descabido, aplicou a multa prevista no artigo 1.021, parágrafo 4º, do Código de Processo Civil (CPC), fixada em 1% sobre o valor atualizado da causa. A parte, então, apresentou pedido de reconsideração, alegando não ter condições de pagar a multa processual e insistindo na procedência da reclamação. No entanto, não há previsão legal ou regimental desse tipo de pedido em relação a decisão colegiada. “A reiteração de medida judicial manifestamente descabida caracteriza abuso do direito de ação e autoriza a certificação imediata do trânsito em julgado da demanda”, decidiu Og Fernandes, que foi acompanhado de forma unânime pela seção.

Reconhecimento do abuso de direito de ação é medida excepcional

No julgamento do REsp 1.770.890, de relatoria do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, a Terceira Turma reafirmou a jurisprudência segundo a qual o reconhecimento de abuso do direito de ação é excepcional, por estar intimamente atrelado ao acesso à Justiça, devendo ser analisado com prudência pelo julgador e declarado apenas quando o desvirtuamento do exercício desse direito for amplamente demonstrado. O colegiado afastou a condenação por danos morais de três ex-vereadores do município Rio do Sul (SC) em razão de ação popular ajuizada por eles para impugnar a venda de um imóvel pela prefeitura. Os ex-vereadores haviam sido condenados nas instâncias ordinárias porque teriam utilizado a ação popular para fins políticos, mas o STJ concluiu que não foram demonstrados nem o abuso do direito de ação nem o dano moral indenizável. De acordo com o relator, a análise da configuração do abuso deve ser ainda mais minuciosa quando se tratar da utilização de uma ação constitucional, como é o caso da ação popular, voltada para a tutela de direitos coletivos e um importante instrumento para a efetivação da democracia participativa, pois possibilita a interferência do cidadão na gestão da coisa pública. O ministro Villas Bôas Cueva explicou que, mesmo sendo válida a preocupação do julgador com um eventual uso político da ação popular – o que significaria desvirtuamento do instituto –, essa análise deve se pautar pela prudência, “de modo a não coibir o seu uso diante de possíveis lesões ao patrimônio público e à moralidade pública”.

Mandados de injunção idênticos com diferentes pessoas no polo ativo

Para a Corte Especial, a impetração de vários mandados de injunção, com diferentes indivíduos no polo ativo, não caracteriza assédio processual. O colegiado entendeu que, em tal situação, a parte impetrante não deve ser condenada ao pagamento de indenização ou multa por litigância de má-fé ou abuso do direito de ação, pois a Constituição Federal autoriza a impetração de mandado de injunção sempre que a pessoa considerar que a demora do Estado em editar norma jurídica a impede de exercer direito assegurado constitucionalmente. No caso dos autos, um militar entrou com o pedido de mandado de injunção contra o comandante da Aeronáutica, alegando omissão dessa autoridade na edição de norma para disciplinar o direito de promoção do Quadro Especial de Sargentos. Durante o trâmite do MI 345 no STJ, a União sustentou a ocorrência de assédio processual, que estaria caracterizado pela impetração de diversos mandados de injunção desprovidos de fundamentação idônea e intentados sem nenhum interesse legítimo a ser tutelado. Por isso, pediu que fosse fixada indenização ou multa contra o impetrante, por abuso de direito processual e litigância de má-fé. Ao proferir sua decisão, o ministro Raul Araújo, relator, observou que o simples fato de o litigante utilizar ação ou recurso previsto em lei ou – como no caso – na própria Constituição não significa litigância de má-fé. “O fato de terem sido impetrados vários mandados de injunção idênticos, cada qual com um indivíduo no polo ativo, não caracteriza, por si só, a litigância de má-fé. Julgando embargos de declaração similares aos dos presentes autos, a Corte Especial já teve a oportunidade de se manifestar, concluindo pela não configuração da litigância de má-fé e do assédio processual”, afirmou. No AREsp 952.308, de forma semelhante, a Quarta Turma considerou indevida a aplicação de multa por litigância de má-fé ou abuso do direito de ação contra a pessoa que utiliza legitimamente um recurso previsto na legislação processual civil com o objetivo de esgotar a instância ordinária e possibilitar a interposição do recurso especial ao STJ. Nesse caso, foi ajuizada contra um banco ação declaratória de inexigibilidade de dívida, cumulada com pedido de indenização por danos morais. A instituição financeira foi condenada à reparação dos danos pela inscrição indevida do nome do autor em órgãos de restrição de crédito. Em embargos de declaração, o consumidor requereu o aumento da indenização, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), além de rejeitar o pedido, puniu o embargante com multas, dada a sua insistência em argumentos já rejeitados. O relator, ministro Raul Araújo, ressaltou que, como a interposição de agravo interno configura legítimo exercício das garantias do devido processo legal, deve-se afastar não apenas a multa do artigo 1.021, parágrafo 4º, do Código de Processo Civil, mas também a sanção por litigância de má-fé, pois ambas foram fundadas no mesmo fato (interposição do recurso).

Inversão automática do ônus da prova pode facilitar abuso do direito de ação

Ao julgar o REsp 1.866.232, a Terceira Turma entendeu que a inversão do ônus probatório a respeito da veracidade e da correção da informação publicitária, prevista no artigo 38 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), não se aplica a demandas que discutem concorrência desleal. Nesse processo, a rede de lanchonetes Burger King buscava fazer com que o restaurante Madero Steak House, seu concorrente, parasse de veicular propaganda supostamente enganosa com a frase “o melhor hambúrguer do mundo”. A Burger King alegou que deveria haver inversão do ônus da prova, ficando seu concorrente responsável pelo custeio da produção da perícia, pois, embora não houvesse relação de consumo entre as partes, a aplicação do artigo 38 do CDC era necessária para proteger o consumidor de práticas abusivas e desleais. O relator do recurso no STJ, ministro Paulo de Tarso Sanseverino (falecido), afirmou que a norma do CDC não poderia ser aplicada nas relações entre empresas concorrentes, pois poderia facilitar o abuso do direito de ação, incentivando estratégias anticoncorrenciais, uma vez que, a partir do ajuizamento de demanda fútil, o ônus da prova estaria direta e automaticamente imposto ao concorrente com menor porte econômico. Em tal hipótese, comentou o ministro, o processo estaria sendo utilizado não para obter um provimento jurisdicional, mas, sim, “como meio de dificultar a atividade do concorrente ou mesmo de barrar a entrada de novos competidores no mercado”. Fonte: STJ

Comissão sobre direito digital debate poder normativo e poder regulador

Will Shutter / Câmara dos Deputados
Deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG) na primeira audiência pública da comissão especial
Para Andrada, o convidado deste debate poderá contribuir muito com os trabalhos do colegiado

A Comissão Especial sobre Direito Digital da Câmara dos Deputados promove, na próxima terça-feira (29), audiência pública com o tema “Direito digital: poder normativo e poder regulador”.

Foi convidado para discutir o assunto com os parlamentares, a pedido do relator, deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG), o PhD em Direito Digital, Dr. Matheus Puppe.

O colegiado avalia propostas para adaptar a legislação brasileira ao mundo atual de avanços tecnológicos e estabelecer a Política Nacional de Desenvolvimento Econômico Digital.

“Nos últimos anos estamos nos desenvolvendo e nos reinventando por meio da tecnologia, sejam as mídias sociais, a interconectividade fundamental e mais recentemente o uso de tecnologia de aprendizado para emular as capacidades humanas e nos auxiliar em nossa evolução técnica”, diz Lafayette de Andrada.

“Tais mudanças na conexão devem ser incorporadas ao direito, possibilitando a criação de novas leis, bem como a adaptação das já existentes, vez que situações antes complexas estão sendo incorporadas em nossas atividades diárias de maneiras anteriormente inconcebíveis”, defende o deputado.

Confira a pauta completa

A audiência está marcada para as 14 horas, no plenário 15.

Fonte: Câmara Notícias

STF vai retomar julgamento do marco temporal na próxima semana

O Supremo Tribunal Federal (STF) marcou para a próxima quarta-feira (30) a retomada do julgamento do processo que trata da constitucionalidade do marco temporal para demarcação de terras indígenas.

A data foi marcada, no início da noite desta quinta-feira (24), pela presidente do STF, Rosa Weber, após o ministro André Mendonça liberar o processo para julgamento.

Em junho deste ano, o julgamento foi suspenso após pedido de vista feito por Mendonça, que tinha até 90 dias para devolver o processo para julgamento, de acordo com as regras internas do Supremo.

O placar do julgamento está em 2 votos a 1 contra o marco temporal. Edson Fachin e Alexandre de Moraes se manifestaram contra o entendimento, e Nunes Marques se manifestou a favor.

No julgamento, os ministros discutem o chamado marco temporal. Pela tese, defendida por proprietários de terras, os indígenas somente teriam direito às áreas que estavam em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, ou que estavam em disputa judicial na época. Os indígenas são contra o entendimento.

O processo que motivou a discussão trata da disputa pela posse da Terra Indígena (TI) Ibirama, em Santa Catarina. A área é habitada pelos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, e a posse de parte da terra é questionada pela procuradoria do estado.

Fonte: Logo Agência Brasil

Opinião: Cancelamento do registro imobiliário de terras devolutas

O Pontal do Paranapanema está localizado no extremo oeste do estado de São Paulo, na divisa entre os estados do Paraná e de Mato Grosso do Sul. A região é conhecida nacionalmente por questões fundiárias, de grilagens e de seguidas invasões de propriedades. No meio disso tudo está o Estado de São Paulo, sustentando que as terras são devolutas, e que os registros imobiliários em nome dos particulares estão eivados de vício insanável na origem da filiação dominial.

A situação da região é diferente de outras regiões do Brasil, pois quase todos os imóveis estão devidamente registrados nos Cartórios de Registros de Imóveis.

A maioria das matrículas imobiliárias atuais da citada região deriva do primeiro registro imobiliário de 31 de março de 1901, no Cartório de Imóveis de Assis (SP), Transcrição nº 133, do imóvel denominando Fazenda Pirapó e Santo Anastácio.

Segundo a Procuradoria Geral do Estado (PGE), o registro originário da Fazenda Pirapó e Santo Anastácio teria sido aberto de forma ilegal, sem o devido destaque do Estado ou do processo de revalidação exigido pela Lei nº 601 de 1850, conhecida como Lei de Terras.

Com fundamento nessa alegação são promovidas as ações discriminatórias visando separar as terras particulares das terras devolutas. Terminado o processo, se a ação for julgada procedente, dar-se-á início a fase demarcatória para individualizar o perímetro devoluto, momento em que são canceladas as matrículas imobiliárias atuais até o registro primitivo, possibilitando ao Estado entrar com a ação reivindicatória para tomar posse do imóvel.

Normalmente, o Estado é obrigado a indenizar pelas benfeitorias feitas no imóvel antes de ser imitido na posse. Todavia há casos em que o proprietário sequer teve esse direito reconhecido [1].

É importante consignar que o registro imobiliário tem origem no Brasil justamente quando vigia a Lei de Terras nº 601/1850, e seu regulamento no Decreto nº 1.318/1.854. Assim, quando da abertura da Transcrição nº 133, em 31 de março de 1901, deveria o oficial registrador observar os dispositivos legais vigentes.

O oficial de registro só poderia abrir o registro imobiliário se o possuidor tivesse promovido a revalidação do seu título de posse ou registro paroquial junto à repartição de terras públicas, artigos 3º, 4º e 5º da Lei 601/1850, no caso da Transcrição nº 133, só consta como título de origem um registro paroquial, que de acordo com os artigos 93 e 94 da Lei de Terras não possuía aptidão para caracterizar o domínio e não poderia ensejar a abertura do registro imobiliário.

Com efeito, o registrador tinha obrigação legal de conferir as normas vigentes na abertura do registro da transcrição imobiliária, e sem o título hábil não se poderia dar ensejo ao registro. Essa é a conclusão da jurisprudência do STJ (Superior Tribunal de Justiça) [2] e do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) [3].

Desta forma, se o oficial de registro não podia abrir a referida transcrição imobiliária, resta evidenciado o erro ou culpa, que induziram a erro os adquirentes dos imóveis.

Os adquirentes das terras foram comprando seus imóveis ao longo destes anos através de escrituras públicas devidamente registradas no folio real, recolhendo impostos intervivoscausa mortis e ITR, em favor do Estado, sem que houvesse qualquer restrição ou informação nos registros imobiliários. Os compradores, terceiros de boa-fé, não sabiam que sobre aquele registro pairava suspeita de vício na origem da cadeia dominial, há casos em que o Estado demorou mais de cem anos para dar entrada na ação discriminatória.

O erro e a culpa do oficial registrador ao não observar as regras para abertura da Transcrição nº 133 são notórios e comprova o nexo de causalidade entre a conduta culposa do agente e os danos experimentados pelos proprietários, que estão tendo suas matrículas canceladas e correndo o risco de perder o imóvel.

Não há qualquer dúvida que o oficial de registro procedeu em desconformidade com o que determinava a legislação. E como os serviços de registros são exercidos por delegação pública [4], o Estado de São Paulo é o grande culpado pela conflagração fundiária que assombra o Pontal do Paranapanema, seja porque demorou muito tempo para buscar resolver o problema, seja porque não fiscalizou os cartórios.

O Estado busca transferir sua responsabilidade para os proprietários que muitas vezes não recebem a indenização pela perda de suas terras, imóveis adquiridos com fulcro na fé pública dos registros imobiliários, conforme dispõe a Lei Federal nº 8.935/94 e artigo 19, II da Constituição Federal.

Nesses termos, a nova Lei de Regularização paulista nº 17.557/2022 é um alento aos proprietários rurais.  Mas no a PGE insista na retomada dos imóveis. A Constituição estabelece a responsabilidade civil objetiva e solidária do Estado no dever de indenizar:

“Artigo 37 (…)§6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

O STF (Supremo Tribunal Federal) assentou tese de repercussão geral, obrigando o Estado a indenizar as vítimas por atos praticados pelos oficiais de registro que no exercício da sua função causem prejuízos a terceiros, exatamente como no caso das terras do Pontal do Paranapanema, Recurso Extraordinário nº 842.846/SC, devendo os tribunais e juízes obedecerem a orientação:

“O Estado responde, objetivamente, pelos atos dos tabeliães e registradores oficiais que, no exercício de suas funções, causem dano a terceiros, assentado o dever de regresso contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa, sob pena de improbidade administrativa.”

A responsabilidade do Estado por atos irregulares praticados pelos registradores existe desde a codificação anterior. O artigo 15 do Código Civil de 1916 [5] trazia redação semelhante ao atual artigo 43 [6], e o STF no RE nº 116.662, relator ministro Moreira Alves, reconheceu a responsabilidade objetiva do Estado quando presente a culpa do registrador, aliás no Brasil nunca vigorou a irresponsabilidade total do Estado, mesmo quando não havia legislação legal específica, a responsabilização já era aceita como princípio fundamental (CAVALIERI FILHO, 2008) [7], e na lição de Pedro Henrique Baiotto Noronha [8].

Assim os proprietários que tiverem suas terras declaradas devolutas e suas matrículas imobiliárias canceladas, devem buscar a reparação integral de seu prejuízo, na esteira desta fundamentação em sintonia com os artigos 186, 927 e 944 do Código Civil, e a indenização deve ser total e corresponder ao valor de mercado da terra nua e das benfeitorias, com direito de retenção até que os valores sejam efetivamente pagos pelo Estado.

[1] REsp nº 1744310/SP – relator ministro Mauro Campbell Marques.

[2] REsp 389.372/SC, relator LUIS FELIPE SALOMÃO, Quarta Turma, unânime, 04 de junho de 2009.

[3] CGJSP nº 10.819/96.

[4] Constituição Federal artigo 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.

[5] Artigo 15. As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos dos seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano.

[6] Artigo 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado o direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.

[7] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2009.

[8] RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NO DIREITO BRASILEIRO encontrado: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-civil/a-responsabilidade-civil-do-estado-no-direito-brasileiro/

Fonte: Conjur

Reconhecimento judicial de falha do cartório abre prazo prescricional da ação indenizatória contra tabelião

Uma empresa processou o tabelião depois de ter negociado a compra de um imóvel com pessoa que apresentou procuração pública lavrada com base em identidade falsa.
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que o prazo prescricional para ajuizar pedido de indenização contra o tabelião, em razão dos danos materiais decorrentes de procuração nula lavrada por ele, começa a contar a partir do trânsito em julgado da sentença que reconheceu a nulidade. De acordo com os autos, a empresa autora da ação indenizatória negociou a compra de um imóvel com uma pessoa que possuía procuração supostamente passada pela proprietária. Após a concretização do negócio, a antiga dona do imóvel ajuizou ação declaratória de nulidade e cancelamento de registro e uma ação de reintegração de posse. A primeira, julgada procedente, transitou em julgado em 2017. Diante disso, em 2019, a empresa compradora do imóvel acionou judicialmente o tabelião, pedindo indenização pelos prejuízos sofridos em decorrência da lavratura de procuração pública com base em identidade falsa, e obteve êxito nas instâncias ordinárias, que reconheceram a legitimidade passiva do tabelião e afastaram a prescrição. No recurso especial dirigido ao STJ, o tabelião sustentou que o prazo de prescrição da reparação civil, de três anos nesse caso, deveria ser contado da data da lavratura da procuração, conforme o artigo 22, parágrafo único, da Lei 8.938/1994.

Configuração do efetivo prejuízo depende do trânsito em julgado

A relatora, ministra Nancy Andrighi, afirmou que o ato notarial e de registro tem presunção legal de veracidade e, por isso, no caso em julgamento, o efetivo prejuízo só se configurou com o trânsito em julgado da sentença que reconheceu a nulidade documental e resultou na reintegração da antiga proprietária na posse do imóvel. “A pretensão indenizatória da autora contra o tabelião nasceu somente quando infirmada, definitivamente, a autenticidade do ato notarial e de registro lavrado no cartório de que ele é titular”, acrescentou. A ministra apontou uma decisão semelhante, também da Terceira Turma, no AREsp 2.023.744, que aplicou a teoria da actio nata por entender que “a pretensão indenizatória da parte recorrida dependia do reconhecimento judicial do vício no registro”. “Não merece reparo o acórdão exarado pelo tribunal de origem, ao manter a decisão que afastou a alegada prescrição, fundado na teoria da actio nata“, concluiu a relatora. Leia o acórdão no REsp 2.043.325. Fonte: STJ

CCJ aprova projeto que permite aplicação subsidiária do Código de Processo Civil em ação penal

Pablo Valadares/Câmara dos Deputados
Ricardo Ayres fala durante reunião em comissão
Ricardo Ayres foi o relator da proposta na comissão

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei que autoriza a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil  no âmbito do processo penal, de maneira semelhante ao que ocorre atualmente nos processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos.

Foi aprovado o substitutivo elaborado pelo relator, deputado Ricardo Ayres (Republicanos-TO), para o Projeto de Lei 49/23, do deputado Marangoni (União-SP). Como tramitava em caráter conclusivo, o texto deve seguir para o Senado, a menos que haja recurso para análise do Plenário da Câmara.

“Com o substitutivo, deixamos claro que a norma processual civil apenas poderá ser ‘importada’ ao processo penal (e também aos demais ramos) quando não conflitar com os princípios e a sistemática que lhes são próprios”, disse o relator.

Segundo Marangoni, autor do projeto original, a medida facilitará o “diálogo” entre as fontes normativas processuais diante de lacunas na lei penal “desde que a regra a ser aplicada seja compatível com o sistema processual penal”.

Fonte: Câmara Notícias

Projeto permite cobrança de honorários advocatícios em prescrição intercorrente

Reila Maria/Câmara dos Deputados
Fernando Monteiro fala durante reunião de comissão
Para Fernando Monteiro, proposta retoma padrão de “litigância responsável”

O Projeto de Lei 1423/23 restabelece a possibilidade de o devedor pagar honorários advocatícios em processo de execução que prescreve devido à falta de atuação do credor (prescrição intercorrente). A proposta tramita na Câmara dos Deputados.

Pelo texto, quando extinta a execução por prescrição intercorrente, não haverá ônus para o devedor apenas se houver concordância do credor.

O Código de Processo Civil prevê que o reconhecimento da prescrição intercorrente da ação pelo juiz, e a consequente extinção do processo, não gera qualquer ônus para as partes (credor e devedor). Essa regra foi incluída no código por uma lei em 2019.

“A alteração proposta visa restaurar a segurança jurídica e a previsibilidade necessárias para estimular um padrão de litigância responsável”, disse o deputado Fernando Monteiro (PP-PE), autor do projeto.

Tramitação
O projeto será analisado em caráter conclusivo pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ).

Fonte: Câmara Notícias

Pedido de vista adia votação para participação de juízes em eventos

O corregedor-nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, pediu mais tempo para analisar a proposta de regulamentação, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), da participação de juízes em eventos, palestras e atividades acadêmicas.

O chamado pedido de vista apresentado por Salomão durante a sessão desta terça-feira (22) interrompeu o julgamento da proposta logo após o relator, conselheiro Vieira de Mello Filho, apresentar seu voto a favor do estabelecimento de uma “política nacional de transparência ativa de prevenção de conflitos de interesse” na magistratura.

“A justificativa para apresentação da presente proposta é o avanço da concretização do princípio da transparência no Poder Judiciário brasileiro”, justificou Mello Filho. “A demanda por transparência ainda é um nó górdio a ser enfrentado pelo Poder Judiciário brasileiro que, historicamente, nunca deteve tanto poder quanto nos tempos atuais, tempos de judicialização da política.”

Antes de suspender a votação da proposta, a presidente do CNJ, ministra Rosa Weber, classificou o debate acerca do regramento da participação de juízes e magistrados em eventos organizados por empresas privadas ou entidades de classe, e também no magistério, interessa à sociedade.

“Não podemos esconder embaixo do tapete [as] questões que, volta e meia, nos são trazidas, seja nos processos, seja em manifestações da imprensa e da sociedade”, disse a ministra, que também preside o Supremo Tribunal Federal (STF). Para a ministra, o pedido de vista de Salomão permitirá o aprofundamento do debate em torno da proposta a ser aprovada.

“O que queremos é debater. Por isso, parabenizo o ministro [relator] Mello Filho que, à frente da comissão [de Transparência] pertinente, traz o tema a debate. Vamos aperfeiçoá-lo? Quem sabe a partir da proposta apresentada, o rejeitemos , mas o importante é que haja o debate”, acrescentou a ministra. “Queremos uma magistratura respeitada e a transparência é imprescindível”.

A proposta que o ministro Mello Filho apresentou hoje estabelece os deveres dos magistrados que participarem de eventos, como a obrigação de comunicar à Corregedoria, previamente, sua intenção de participar de evento como palestrante, conferencista ou debatedor.

A minuta também trata de uma série de outros aspectos, inclusive ligados à evolução patrimonial dos magistrados. Segundo Mello Filho, o regramento é uma das melhores formas de prevenir eventuais conflitos de interesse, garantindo a independência e imparcialidade dos magistrados.

Mesmo com o pedido de vista do corregedor-nacional de Justiça, o conselheiro Mário Goulart Maia pediu para se manifestar, votando a favor do relatório de Mello Filho.

Fonte: Agência Brasil

Processo sobre penhora de imóvel alienado em execução de condomínio abre prazo para amicus curiae

Atualmente, somos capazes de, por meio de técnicas de inteligência artificial, processar quantidades enormes de dados que alimentam modelos de apoio à tomada de decisão. No setor financeiro, a administração de carteiras é vista por muitos como uma espécie de arte, com gestores consagrados (alguns deles até mesmo tornando-se influencers). Apesar disso, não é incomum que os fundos de investimento, em sua grande maioria, tenham desempenho abaixo dos seus parâmetros de referência (benchmarks).

Nesse contexto, surge a hipótese de ser possível criar um programa capaz de derrotar o mercado, gerando retornos acima de índices. A busca do “santo graal” algorítmico é mais uma dentre tantas lendas do mercado. Sobre o tema, recomendo três bons livros: The Man Who Solved the Market (Gregory Zuckerman, Portfolio, 2019), A Man for All Markets (Edward O. Thorp, Random House, 2017) e The Quants (Scott Patterson, Crown, 2010).

Naturalmente, discute-se como gestores podem se valer de técnicas de inteligência artificial para obterem melhores resultados – ou até mesmo se serão substituídos por “robôs-gestores”.

Desde o exame de demonstrações financeiras e informações eventuais (como fatos relevantes e comunicados ao mercado), passando por análise de sentimento baseada em mensagens em redes sociais e chegando a modelos preditivos com base em estatísticas de preços e volumes, o estado atual da IA sugere que podemos estar diante de um novo desafio à hipótese de que o passado não nos ajuda a prever o futuro.

Dito de outra forma, o fato de uma moeda não viciada ter sido jogada para cima e o resultado ter sido “cara” dez vezes seguidas não interfere na probabilidade de, na próxima jogada, ser obtido “cara” ou “coroa”. Assim, as tendências nos preços seriam ilusões que até permitiriam ganhos no curto prazo, mas as decisões baseadas em dados históricos não resultarão em retornos acima do mercado. Em termos simplificados, esse raciocínio está relacionado à hipótese do mercado eficiente, formulada por Eugene Fama no final dos anos 1960, rendendo-lhe um Prêmio Nobel de Economia e originando toda a “indústria” de fundos passivos.

Poderia a IA escolher uma carteira (e alterá-la ao longo do tempo) de modo a obter retornos superiores aos dos gestores humanos?

Céticos dirão que o uso de algoritmos já é uma realidade no mercado há muito tempo e os algoritmos de IA ainda estão sujeitos a problemas (como é o caso das “alucinações” do ChatGPT), sem, ainda, poder substituir o relacionamento mais próximo do gestor com seus clientes. Ou, ainda que os algoritmos dominem o mercado, após algum tempo estarão “lutando” uns contra os outros, gerando um novo equilíbrio, sem que nenhum obtenha ganhos expressivos e se destaque.

Em um relatório recente publicado pela Deloitte, consta a possibilidade de utilização da IA para inferir tendências de crescimento das empresas a partir de dados diversos, tais como tráfego no website, declarações públicas de administradores, informações setoriais (clima, tráfego, estoques etc.) e outros indicadores para refinar modelos preditivos e para detectar fraudes. Nesse contexto, vale a pena conferir também outro relatório, elaborado pela Deloitte para o Banco Mundial em 2018, intitulado The New Physics of Financial Services.

De forma sistemática, alguns casos de uso da IA para gestão de investimentos, de acordo com a Deloitte, podem envolver:

  • Inferências automatizadas;
  • Identificação de correlações não óbvias entre ativos e indicadores de mercados;
  • Conjugação de dados setoriais com indicadores de mercado para refinar modelos e previsões de crescimento das empresas;
  • Aumento das bases de dados passíveis de análise, incluído mídias sociais;
  • Reduzir custos operacionais pela automatização de processos;
  • Monitoramento de risco e supervisão de ilícitos;
  • Geração de materiais e interação com clientes, inclusive para demandas pontuais customizadas (maior personalização de acordo com perfis dos clientes).

Portanto, a IA pode ser fundamental não apenas para a obtenção de maiores retornos (geração de alfa), mas também para tornar a gestão de risco mais efetiva, aumentar a eficiência operacional e aprimorar os produtos e a geração e distribuição de conteúdo das empresas de investimentos.

Para além de robôs-gestores que vencem o mercado, podemos filtrar o barulho da euforia em torno da IA, para compreender e implementar soluções que resultem em inovação não tão disruptiva quanto se propala, mas capaz de modernizar a atividade de gestão de recursos e obter ganhos importantes para o desenvolvimento e a integridade do mercado.

Fonte: Conjur