Natureza e materialidade constitucional do ‘Imposto Seletivo’

Sobre a natureza do ‘Imposto Seletivo’

Um dos temas da Emenda Constitucional nº 132 (EC 132) que tem gerado grandes discussões é a instituição do dito “Imposto Seletivo”, previsto neste inciso VIII do artigo 153 da Constituição.

Por mais que tenha se tornado comum a referência a este novo tributo como “Imposto Seletivo”, parece-nos que a nomenclatura talvez não seja a melhor.

Na experiência brasileira, a seletividade tem sido utilizada como uma técnica legislativa dos tributos sobre o consumo que procura diferenciar a incidência sobre contribuintes com base no tipo de consumo, mais ou menos essencial.

Diante da dificuldade que esses tributos apresentam para a utilização da capacidade contributiva como critério de diferenciação e alocação da carga tributária, a essencialidade é usada como método de diferenciação. [1]

O imposto incluído no inciso VIII do artigo 153 não é seletivo nesse sentido, até porque a seletividade é um critério comparativo entre consumos em função de sua essencialidade, e o novo imposto tem como referência não a essencialidade, mas o caráter prejudicial à saúde ou ao meio ambiente.

É possível, inclusive, que se tenha um consumo essencial que seja, ao mesmo tempo, prejudicial ao meio ambiente, por exemplo.

Em tese, seria possível cogitar de uma seletividade baseada não na essencialidade do consumo, mas nas externalidades negativas dos bens ou serviços. Contudo, ainda assim, parece-nos estranho pensar em um imposto em si seletivo, já que, como apontamos, vemos a seletividade como um critério de diferenciação dentro do tributo.

Em manifestação anterior, [2] sustentamos que estaríamos, em verdade, diante de um Imposto Extrafiscal, de finalidade indutora, cujo objetivo seria utilizar a tributação de forma regulatória, com foco em bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.

Durante a tramitação da Proposta de Emenda Constitucional nº 45 (PEC 45) no Senado chegou-se a incluir, explicitamente, no texto do § 6º do artigo 153, que este imposto seria extrafiscal. Contudo, esta parte acabou sendo excluída e não consta na EC 132.

Surge, então, a questão: este imposto pode ser utilizado com finalidades arrecadatórias, ou sua cobrança estaria restrita a fins extrafiscais relacionados às situações previstas no inciso VIII do artigo 153?

Ora, como temos sustentado, arrecadar recursos para os cofres públicos é função inerente a qualquer imposto, mesmo aqueles que têm objetivos extrafiscais. Um imposto que não arrecada é uma contradição de termos.

Consequentemente, não vemos qualquer problema em que o “Imposto Seletivo” venha a ser utilizado “para fins arrecadatórios”, como se diz no discurso público. Como já defendemos, analisando o IPI:

“Com isso, queremos dizer que o IPI e o Imposto de Renda não são diferentes entre si no que se refere ao seu papel fiscal. Não há nada na Constituição Federal que estabeleça que o IPI deva ser utilizado, principalmente, para fins extrafiscais, ou que ele tenha um papel arrecadatório secundário. A Lei Maior apenas estabeleceu um regime específico — para o IPI, o II, o IE e o IOF — que permite que sejam utilizados também para outros fins. Contudo, esse fato não lhes retira a função fiscal — nem mesmo significa que haja — de uma perspectiva constitucional — uma primazia de sua função extrafiscal.” [3]

Após maior reflexão sobre o imposto previsto no inciso VIII do artigo 153, parece-nos que ele não pode ser caracterizado como um tributo predominantemente extrafiscal, sendo prioritariamente arrecadatório tanto quanto o Imposto de Renda ou o próprio Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

Uma das grandes novidades da EC 132 foi a previsão expressa do princípio da justiça tributária no § 3º do artigo 145 da Constituição.

Como já apontamos, a questão central da justiça tributária é estabelecer critérios para a distribuição da carga dos tributos, [4] sendo que o seu subprincípio mais relevante é o princípio da capacidade contributiva.

A EC 132 também elevou a defesa do meio ambiente à categoria de princípio do Sistema Tributário Nacional.

O “Imposto Seletivo”, em sua feição final, parece-nos, portanto, ser um imposto de finalidade prioritariamente fiscal — arrecadatória — cuja instituição e incidência estão limitadas à produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, devendo, segundo o princípio da justiça tributária, sempre que possível, ser pessoal e considerar a capacidade econômica dos contribuintes.

Consequentemente, o controle da constitucionalidade e legitimidade da lei complementar que o instituir dependerá não de uma justificativa indutora/regulatória, mas sim da sua congruência com a materialidade prevista no inciso VIII do artigo 153.

Em linha com essa evolução da natureza do “Imposto Seletivo”, inicialmente ele teria o mesmo regime constitucional dos demais impostos que têm viés extrafiscal — II, IE, IPI e IOF. Contudo, durante a tramitação da PEC 45 os dispositivos que previam que o novo imposto teria uma legalidade mitigada e seria uma exceção à regra da anterioridade foram excluídos.

Assim sendo, da maneira como o debate sobre o “Imposto Seletivo” evoluiu, está claro que ele tem propósito arrecadatório. Naturalmente, como ocorre com qualquer imposto, ele pode ser utilizado para fins extrafiscais. Entretanto, parece-nos um equívoco caracterizá-lo como um imposto extrafiscal ou predominantemente extrafiscal.

A própria previsão da incidência do “Imposto Seletivo” sobre atividades extrativas nos parece confirmar nossa posição.

Afinal, não cremos ser possível defender que a incidência deste imposto sobre atividades econômicas absolutamente essenciais para a economia brasileira tenha por objetivo desincentivá-las, ainda mais se levarmos em conta que não raro tais setores são predominantemente exportadores.

Não há outra explicação para esta incidência, segundo vemos, que não a finalidade de arrecadar recursos para os cofres públicos.

Este debate não é meramente teórico, tendo relevantes consequências concretas, especialmente quando se considera a legitimidade da instituição do imposto.

Com efeito, para aqueles que pretendem que o “Imposto Seletivo” seja um tributo regulatório, a sua instituição se legitima na medida em que se verifica uma indução, necessária e adequada, para a redução de externalidades negativas à saúde e ao meio ambiente.

Não se identificando uma relação de causa e efeito entre a tributação e a proteção do meio ambiente ou da saúde o imposto provavelmente seria considerado inconstitucional.

Não é esta a posição que defendemos. Não nos parece que a legitimidade do “Imposto Seletivo” dependa da existência de uma pretensão regulatória/indutora.

Para a sua incidência basta que se esteja diante de um bem prejudicial à saúde ou ao meio ambiente, mesmo que a cobrança do novo imposto federal — ou a aplicação dos recursos arrecadados por meio dele — não tenham por consequência atenuar os efeitos nocivos do bem ou serviço sobre a saúde ou o meio ambiente.

Pode-se dizer que a competência para a instituição do “Imposto Seletivo” é muito ampla e, de fato, ela o é. Contudo, esta foi a decisão do legislador constitucional derivado brasileiro.

Temos insistido que, com a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 132 devemos interpretar o novo Sistema Tributário Nacional a partir do texto aprovado pelo Congresso, e não segundo experiências estrangeiras e as intenções daqueles que participaram do processo de elaboração das proposições que resultaram na emenda constitucional.

A materialidade constitucional do ‘Imposto Seletivo’

Uma das características da EC 132 é que ao mesmo tempo em que ela aumentou, de forma bastante significativa, o número de dispositivos tributários na Constituição, ela delegou à lei complementar muito da competência para delimitar o alcance de tais dispositivos.

No caso do “Imposto Seletivo”, como vimos, ela estabeleceu a competência da União Federal para instituir um imposto sobre a “produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, nos termos de lei complementar”. (destaque nosso)

As questões, cujo desenvolvimento teremos que acompanhar, conforme o inciso VIII do artigo 153 for interpretado pelos diversos atores, são as seguintes: o legislador complementar terá ampla liberdade de conformação para definir o que é produção, extração, comercialização e importação? Poderá a lei complementar definir, da maneira como entender mais adequado, o que são bens e serviços? Da mesma maneira, como será delimitado o que é prejudicial à saúde e ao meio ambiente?

A tradição conceitualista do Direito Tributário brasileiro tende a sustentar que todos esses termos veiculariam conceitos constitucionais, aos quais o legislador complementar estaria vinculado. Sendo este o caso, a depender do texto da lei complementar, poderemos ter os primeiros litígios pós-reforma tributária.

Veja-se que a própria redação do inciso VIII não é a ideal, já que fala da produção, extração, comercialização e importação de serviços, por exemplo.

Se, de um lado, certamente podemos ter importação de serviços — embora esta não seja uma expressão com definição unívoca — é muito difícil pensar que serviços sejam produzidos, extraídos ou comercializados. Pelo menos esses não são verbos usualmente relacionados às atividades de serviços.

De outra parte, enquanto em relação ao do IBS, a EC 132 deixou claro que a competência prevista na Constituição incluía “bens materiais ou imateriais, inclusive direitos” (artigo 156-A, § 1º, I), no caso do “Imposto Seletivo” a menção foi feita apenas a bens e serviços.

Consequentemente, devemos ter as velhas discussões a respeito da existência de conceitos constitucionais de bens e serviços, os quais pautariam e limitariam a competência do legislador complementar na instituição do imposto. Custa acreditar, mas a EC 132 conseguiu dar sobrevida às incansáveis discussões sobre o conceito constitucional de serviços.

Em todo o caso, os bens e serviços cuja produção, extração, comercialização e importação podem ser tributadas pelo “Imposto Seletivo” são apenas aqueles prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.

A questão aqui é que é difícil imaginar bens e serviços que não tenham alguma externalidade negativa à saúde e ao meio ambiente. Trata-se mais de uma questão de grau do que propriamente de uma questão binária, “prejudicial” versus “não prejudicial”.

Por outro lado, e esta é uma questão importante: o Imposto Seletivo pode incidir sobre bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, em outras palavras, o que deve ser prejudicial é o próprio bem ou serviço, e não o seu processo de produção, extração, comercialização ou importação.

A EC 132 não previu a possibilidade de instituição de um imposto sobre “processos de produção, extração, comercialização e importação” prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.

Esta afirmação está alinhada com a própria origem do imposto. Com efeito, a PEC 45, em sua versão original, tinha como premissa uma neutralidade plena da tributação de bens — inclusive intangíveis — e serviços, os quais seriam, todos, sujeitos à mesma incidência, sem exceções ou benefícios fiscais.

No contexto desse modelo de neutralidade absoluta, o Imposto Seletivo tinha um papel. Pode ser, inclusive, que venha daí sua denominação de Imposto Seletivo.

Afinal, ele serviria para estabelecer alguma diferenciação no âmbito do próprio IBS que, em sua proposta inicial, seria completamente neutro.

Em outras palavras, o papel deste imposto era funcionar como um adicional tributário incidente sobre certos consumos.

Sobreveio a Proposta de Emenda Constitucional nº 110 (PEC 110) e a neutralidade do IBS sofreu a sua primeira mitigação, com a previsão de tratamento diferenciado para alguns setores como, por exemplo, alimentos, saúde e educação.

A PEC 45, na forma aprovada pelo Congresso, implodiu a neutralidade pretendida para o IBS, com a criação de diversas exceções e possibilidades de regimes diferenciados favorecidos.

De toda maneira, nota-se que a lógica do “Imposto Seletivo” não é ser um imposto que grave certos processos de produção, extração, comercialização e importação.

Conclusão

Neste momento, aguardamos a apresentação dos projetos de lei complementar de regulamentação da reforma tributária pelo governo. Em breve, teremos uma percepção mais clara da extensão que a União  pretende dar à competência prevista no inciso VIII do artigo 153 da Constituição.

É verdade que mesmo que se estabeleça, em em sua lei complementar inaugural, que o “Imposto Seletivo” teria uma função predominantemente extrafiscal — como parecer ter sido o caso do Projeto de Lei Complementar nº 29/2024, do deputado Federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança —, isso certamente não significará que tal competência não poderia ser exercida de forma mais ampla adiante. Dessa maneira, ainda travaremos debates sobre a natureza e a materialidade do “Imposto Seletivo” por muitos anos.

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[1] Como apontava Ricardo Lobo Torres, “a seletividade se subordina ao princípio maior da capacidade contributiva e significa que o tributo deve incidir progressivamente na razão inversa da essencialidade dos produtos: quanto menor a essencialidade do produto maior deverá ser a alíquota, e vice-versa” (TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário: Os Tributos na Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. 2007. v. IV. p. 178).

[2] ROCHA, Sergio André. Tributação, finanças públicas e desenvolvimento (Ensaios). Belo Horizonte: Casa do Direito, 2023. p. 178-185.

[3] ROCHA, Sergio André. Fundamentos do Direito Tributário Brasileiro. 2 ed. Belo Horizonte: Casa do Direito, 2022. p. 114-115.

[4] ROCHA, Sergio André. Tributação, finanças públicas e desenvolvimento (Ensaios). Belo Horizonte: Casa do Direito, 2023. p. 39-40.

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Escritórios de advocacia não devem pagar guias judiciais dos clientes?

Nos últimos tempos, os Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) de todo o país têm proferido decisões no sentido de não conhecer de recursos interpostos pelas partes caso seja constatado que o recolhimento de custas e/ou depósito recursal tenha sido feito por um terceiro estranho ao processo.

Mas o que isso representa dizer na prática?

De acordo com essas decisões regionais, o pagamento só poderá ser efetuado pela própria parte litigante no processo judicial (reclamante ou reclamada), excluindo-se, por exemplo, o próprio escritório e/ou profissional da advocacia quem inclusive patrocina os interesses da causa, mesmo que fosse para antecipar o pagamento de tais despesas processuais mediante futuro reembolso, ainda que devidamente autorizado para tanto.

No entanto, tais decisões se olvidam que, por exemplo, no caso de custas judiciais, a guia GRU trabalhista é emitida pelo Banco do Brasil ou pela Caixa Econômica Federal, de sorte que somente os correntistas dessas instituições financeiras conseguem efetuar o pagamento via internet ou aplicativos. Do contrário, a parte precisa comparecer fisicamente em alguma agência bancária e efetuar o pagamento em espécie, presencialmente.

Legislação especializada

Do ponto de vista normativo, de um lado a CLT dispõe, no artigo 899 [2] e seus parágrafos, que em caso de recurso, a peça de irresignação deverá ser acompanhada do respectivo depósito recursal, sendo que na falta de recolhimento, o apelo não será apreciado pelo juízo. Lado outro, o artigo 789 [3] e seus incisos, no tocante à regulamentação das custas processuais, impõe a obrigação formal de que sejam elas recolhidas em guias específicas.

Nesse diapasão, para além da própria intenção de recorrer de uma decisão que a parte entenda lhe ser desfavorável, faz-se necessário o correto recolhimento do preparo recursal, sendo tal obrigação legal tida como um pressuposto recursal imperativo e intrínseco ao conhecimento do recurso.

Lição de especialista

A respeito da temática, oportunos são os ensinamentos do Advogado e Professor, Doutor Marcelo Braghini [4]:

“Ao tratarmos do preparo estamos por nos referir ao ônus processual de natureza tributária, segundo o qual o recorrente somente estará habilitado a recorrer após recolhimento das custas, compreende uma taxa, modalidade ligada a prestação de um serviço individualizado ao contribuinte (específico e divisível de acordo com o art. 145, inciso II, da CF), calculada á base de 2% (dois) por cento sobre o valor arbitrado na decisão como condenação (art. 789 da CLT), que poderá ocorrer uma única vez, ou todas as vezes que, diante da procedência de eventual recurso interposto, venha a ocorrer novo arbitramento que promova a majoração da condenação, exigindo o recolhimento da diferença para efeito do conhecimento do recurso subsequente.

Como uma característica inerente ao Processo do Trabalho, o conceito de preparo abrange não apenas custas, mas, igualmente, a exigência ao reclamado do depósito recursal em conformidade com o art. 899, § 1º, da CLT (…).”

Decisões contrárias dos TRTs ao recolhimento feito por terceiros

É sabido que existem notícias de decisões proferidas por diversos TRTs no sentido de que o pagamento de custas processuais e/ou do depósito recursal realizado por terceiros estranhos à lide caracteriza irregularidade processual, e, portanto, justifica a deserção do recurso interposto [5].

Aliás, em casos totalmente inusitados, os recursos não têm sido conhecidos pelo Poder Judiciário Trabalhista, mesmo em situações que o recolhimento do preparo recursal tenha sido feito pelo(a) advogado(a) do(a) cliente ou pelo escritório de advocacia que patrocina a causa, como ocorreu num certo processo cuja decisão foi proferida pelo TRT da 21ª Região [6].

No mesmo sentido, o TRT/SP da 2ª Região proferiu uma decisão destacando também que o preparo não pode ser realizado por empresas sejam integrantes do mesmo grupo econômico, devendo o ato ser feito apenas e exclusivamente pela parte que figura no polo passivo da ação [7].

Decisões favoráveis dos TRTs ao recolhimento feito por terceiros

Entrementes, no TRT-GO da 18ª Região, foi suscitada a instauração do denominado incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR), para que fosse dirimida exatamente essa problemática, haja vista que no Estado de Goiás foram identificadas decisões colegiadas divergentes em diversos processos, sendo, ao final, firmada a seguinte tese jurídica:

TESE JURÍDICA: PREPARO. GUIAS DE RECOLHIMENTO GERADAS EM NOME DA RECORRENTE, COM A DEVIDA INDICAÇÃO DOS DADOS DO PROCESSO. PAGAMENTO REALIZADO POR PESSOA ESTRANHA À LIDE. VALIDADE. “Deve ser considerado válido o preparo quando as guias de recolhimento das custas e do depósito recursal hajam sido geradas em nome do recorrente, com a devida indicação dos dados do processo, independentemente do pagamento final haver sido realizado por pessoa estranha à lide, porquanto o contribuinte/recorrente/sacado é a figura central na efetivação do preparo.” [8]

Ora, de acordo com a referida tese, prevaleceu o entendimento de que, se o recolhimento do preparo recursal foi realmente feito em nome da parte litigante, cuja guia traz todas as informações relativas ao processo, em especial com a identificação do contribuinte/recorrente/sacado, não existe nenhum impedimento para que o pagamento seja feito por pessoa estranha ao processo, inclusive na pessoa física do(a) advogado(a) ou escritório de advocacia que antecipa e gerencia os recursos financeiros do(a) cliente.

Nesse mesmo diapasão, o TRT da 11ª Região já decidiu pela validade do ato de recolhimento das custas processuais feito por terceiro, notadamente pela impossibilidade de a parte litigante não possuir conta bancária na Caixa Econômica Federal ou no Banco do Brasil, pressuposto esse para que tal finalidade seja cumprida pelo sistema bancário digital [9].

Visão do TST

De acordo com a Súmula nº 128, item I, do TST, “é ônus da parte recorrente efetuar o depósito legal, integralmente, em relação a cada novo recurso interposto, sob pena de deserção”. E, sobre a temática, a Corte Superior Trabalhista tem se inclinado a afastar a deserção na defesa pelo conhecimento do recurso quando os elementos existentes no processo possibilitam apurar a realização do preparo recursal, a tempo e modo [10].

Nessa perspectiva, o TST também já foi provocado a emitir juízo de valor sobre o assunto, de modo que já há decisão pela inaplicabilidade da deserção quando é possível identificar na guia o nome da parte recorrente, o número do processo e o valor recolhido a título de depósito recursal [11].

Em seu voto, o ministro relator ponderou o seguinte:

“(…). Insta salientar a necessária observância dos princípios da razoabilidade, da instrumentalidade e da finalidade dos atos processuais que impede o excesso de rigor e formalismo para a prática do ato processual, se a lei assim não dispõe e se foi atingida a finalidade do ato.

Assim, existindo elementos que vinculem os valores recolhidos a título de depósito recursal à demanda, ainda que efetuado por empresa que não consta do polo passivo, mas pertencente ao mesmo grupo econômico, não há que se falar em deserção do recurso ordinário.”

Em outra situação semelhante, o TST também decidiu que, uma vez alcançada a finalidade essencial do ato processual, e, claro, desde que viabilize a identificação do recolhimento do documento de arrecadação de receitas federais, não há que se falar em deserção recursal por ter sido o pagamento feito por terceiro estranho à lide [12].

Contudo, é importante destacar que, em sentido contrário, existem algumas decisões da Corte Superior que entendem pela aplicação literal do item I da Súmula nº 128, de sorte que se o preparo, v.g., for feito por empresa integrante de grupo econômico, terceira estranha, portanto, à lide trabalhista, o recurso não será conhecido por deserção [13], devendo o ato de recolhimento bancário ser efetivado pela parte que figura no polo passivo da ação [14].

Conclusão

Impende destacar que, com os avanços tecnológicos, é bastante comum hoje pessoas físicas ou jurídicas optarem por bancos digitais. Ora, como o pagamento de guias judiciais, a exemplo da guia GRU de custas processuais, não pode ser realizado frente a qualquer banco, s.m.j., não se mostra minimamente razoável a prematura deserção do recurso quando seja possível verificar na guia os elementos essenciais que identificam o processo.

Entendimento em sentido contrário, em arremate, reafirma uma nefasta prática que fora conhecida como “jurisprudência defensiva”, cuja antiga visão panprocessualista do processo cede lugar à moderna e atual instrumentalidade. Até porque é por demais desarrazoado exigir que a parte, que não tenha conta nos chamados bancos públicos, carregue em mãos e pelas ruas dinheiro em espécie, na busca de uma agência bancária física que, a propósito, também está cada dia mais difícil de encontrar após a pandemia.

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[1] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela coluna Prática Trabalhista, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.

[2] Art. 899. Os recursos serão interpostos por simples petição e terão efeito meramente devolutivo, salvo as exceções previstas neste Título, permitida a execução provisória até a penhora. (…).

[3]Art. 789.  Nos dissídios individuais e nos dissídios coletivos do trabalho, nas ações e procedimentos de competência da Justiça do Trabalho, bem como nas demandas propostas perante a Justiça Estadual, no exercício da jurisdição trabalhista, as custas relativas ao processo de conhecimento incidirão à base de 2% (dois por cento), observado o mínimo de R$ 10,64 (dez reais e sessenta e quatro centavos) e o máximo de quatro vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, e serão calculadas: (…)”.

[4] Direito do trabalho e processo do trabalho em volume único – 2ª ed. – Leme-SP:  Mizuno, 2022.

[5] TRT-8 – ROT: 00000066420225080106, Relator: ALDA MARIA DE PINHO COUTO, 4ª Turma, Data de Publicação: 27/06/2023.

[6] TRT-21 – RORSum: 0000275-94.2023.5.21.0013, Relator: RONALDO MEDEIROS DE SOUZA, Segunda Turma de JulgamentoGabinete do Desembargador Ronaldo Medeiros de Souza.

[7] TRT-2 – ROT: 1001146-88.2021.5.02.0019, Relator: CINTIA TAFFARI, 12ª Turma.

[8] Disponível em https://www.trt18.jus.br/portal/arquivos/2024/03/IRDR-0011549-78.2023.5.18.0000.pdf. Acesso em 15.4.2024.

[9] TRT-11 00014787620185110003, Relator: FRANCISCA RITA ALENCAR ALBUQUERQUE, 1ª Turma

[10] ARR-1000298-87.2017.5.02.0069, 7ª Turma, Relator – Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 12/05/2023.

[11] TST – RR: 00014695520155200008, Relator: Douglas Alencar Rodrigues, Data de Julgamento: 22/03/2017, 7ª Turma, Data de Publicação: 31/03/2017.

[12] TST- Ag-AIRR-54100-48.2012.5.21.0009, Relator Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, 7ª Turma, DEJT 12/08/2016.

[13] RR-11802-64.2019.5.15.0073, 4ª Turma , Relator Ministro Alexandre Luiz Ramos, DEJT 8/4/2022.

[14] AIRR – 258-55.2012.5.03.0042, Relator Ministro: Cláudio Mascarenhas Brandão, Data de Julgamento: 24/2/2016, 7ª Turma , Data de Publicação: DEJT 4/3/2016.

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Justiça derruba resolução do CFM que proíbe procedimento pré-aborto

A Justiça Federal em Porto Alegre suspendeu nesta quinta-feira (18) a resolução aprovada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) que proíbe a realização da chamada assistolia fetal para interrupção de gravidez. O procedimento é usado pela medicina nos casos de abortos previstos em lei, como em estupro. 

A decisão foi assinada pela juíza Paula Weber Rosito e atendeu ao pedido de suspensão feito pela Sociedade Brasileira de Bioética (SBB) e o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes).

A magistrada entendeu que o CFM não tem competência legal para criar restrição ao aborto em casos de estupro.

“A lei que rege o CFM, assim como a lei do ato médico não outorgaram ao Conselho Federal a competência para criar restrição ao aborto em caso de estupro”, escreveu a juíza. Desta forma, a magistrada liberou a realização do procedimento em gestantes com ou mais de 22 semanas em todo o país.

A magistrada também citou que quatro mulheres estupradas e que estão em idade gestacional de 22 semanas não conseguiram realizar o procedimento de assistolia após a entrada em vigor da resolução. O fato foi divulgado pela imprensa.

“Defiro o pedido liminar para suspender os efeitos da Resolução n. 2.378/2024 do CFM, não podendo a mesma ser utilizada para obstar o procedimento de assistolia fetal em gestantes com idade gestacional acima de 22 semanas, nos casos de estupro”, concluiu.

Nas redes sociais, o relator da resolução do CFM, Raphael Câmara, conselheiro federal pelo Rio de Janeiro, disse que o conselho pretende recorrer da decisão judicial. Ele também pede apoio à norma para “salvar bebês de 22 semanas”.

Ao editar a resolução, o CFM argumenta que o ato médico da assistolia provoca a morte do feto antes do procedimento de interrupção da gravidez e decidiu vetá-lo.

“É vedada ao médico a realização do procedimento de assistolia fetal, ato médico que ocasiona o feticídio, previamente aos procedimentos de interrupção da gravidez nos casos de aborto previsto em lei, ou seja, feto oriundo de estupro, quando houver probabilidade de sobrevida do feto em idade gestacional acima de 22 semanas”, definiu o CFM.

Após a publicação da resolução, a norma foi contestada por diversas entidades.

Fonte: Logo Agência Brasil

Terceiro adquirente, obrigação propter rem e coisa julgada

A estrutura formal do processo judicial pressupõe sempre a existência de duas partes contrapostas. É famosa a máxima medieval, cuja paternidade é atribuída a Bulgarus: “iudicium est actus trium personarum, iudicis, actoris et rei”. Assim como ocorre com os elementos objetivos da demanda (causa petendi e petitum), que permanecem em regra inalterados até a sentença, as partes que se encontram presentes no início da ação conduzirão o processo até o seu final.

É possível, no entanto, haver modificação superveniente do elemento subjetivo da demanda durante a tramitação do processo, quando uma das partes falece ou, então, tratando-se de pessoa jurídica, é ela sucedida ou incorporada por outra.

Nestes casos, havendo sucessão a título universal, aplicam-se as disposições dos artigos 110, 313 e 687 do Código de Processo Civil, procedendo-se à substituição da parte pelo seu sucessor legal, a quem são transferidas todas as posições jurídicas atinentes ao objeto da sucessão, inclusive as de natureza processual.

Note-se que, depois de exaurida a prestação jurisdicional, ultimada com o julgamento do recurso especial, o Superior Tribunal de Justiça orienta-se no sentido de inadmitir o pleito de substituição da parte, decorrente de sucessão universal, devendo ser ele apreciado ao ensejo da execução, perante o juízo para esta competente (AgReg. no REsp. n. 174.201-SP, 6ª T., relator ministro Fernando Gonçalves).

Adquirente como substituto

Regrando, por outro lado, as repercussões processuais da sucessão inter vivos, preceitua o artigo 109 do Código de Processo Civil que: “A alienação da coisa ou do direito litigioso por ato entre vivos, a título particular, não altera a legitimidade das partes”. Infere-se que a pendência do processo não é óbice — e nem poderia ser — à fluência normal do comércio jurídico, inclusive no que concerne ao bem ou ao direito litigioso.

O adquirente poderá ingressar no processo e substituir a autor ou o réu, dependendo de quem tenha sido o transmitente, desde que a parte contrária manifeste o seu consentimento (artigo 109, parágrafo 1º). Extrometida a parte substituída ou figurando apenas como assistente simples, o sucessor, passando a atuar como parte, fica obviamente sujeito à coisa julgada.

O adquirente ou cessionário também poderá intervir no processo, assumindo a posição de “parte” e não de assistente litisconsorcial do alienante ou cedente (artigo 109, parágrafo 2º).

Todavia, não ocorrendo qualquer destas hipóteses, consoante os termos do parágrafo 3º do artigo 109: “Estendem-se os efeitos da sentença proferida entre as partes originárias ao adquirente ou cessionário”.

E, em tal senso, de fato, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao ensejo do julgamento do Recurso Especial nº 1.421.034-RS, da relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, decidiu que:

“No Código de Processo Civil de 1973, os limites subjetivos da coisa julgada encontravam-se, expressamente, insertos no artigo 472, segundo o qual ‘a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros’. Nada obstante, além de alcançar quem efetivamente figura como parte em uma dada relação jurídica processual, a autoridade da coisa julgada também se estende ao seu sucessor, ‘porque todo fenômeno de sucessão importa sub-rogação em situações jurídicas e aquele é sempre um prolongamento do sucedido como centro de imputação de direitos, poderes, obrigações, faculdades, ônus, deveres e sujeição’ (Dinamarco, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno, t. 2, 6ª ed. São Paulo, Malheiros, 2010, p. 1.145-1.146)…”.

Visão da doutrina sobre a vinculação do adquirente

Assim, tendo havido alienação da coisa ou do direito litigioso, se o processo continuar entre as partes originárias, qual seria o fundamento jurídico da vinculação do adquirente à autoridade da coisa julgada?

Desde há muito esse tema tem ocupado a atenção da doutrina.

Pela ampla possibilidade de o adquirente intervir no processo e assumir, a partir do negócio celebrado com o transmitente, a posição de parte, a moderna doutrina italiana sustenta ser mais favorável a posição do sucessor no direito italiano, do que nos sistemas alemão e brasileiro, que condicionam o ingresso do adquirente no processo à aquiescência da parte contrária (Luiso, Principio del contraddittorio ed efficacia della sentenza verso terzi, Milano, Giuffrè, 1981, pág. 53).

Dispõe a alínea 2ª do parágrafo 265 do Código de Processo Civil alemão (ZPO): “A alienação ou a cessão [da coisa litigiosa] não influi no processo. O sucessor não está autorizado, sem o consentimento da parte contrária, a assumir o processo como parte principal em lugar do substituído ou a promover uma intervenção principal…”).

Para Sergio Menchini, na esfera do direito italiano, a comunicação da imutabilidade do comando da sentença ao sucessor não fere o princípio constitucional do devido processo legal por duas diferentes razões, a saber: a) é resguardada a possibilidade de o sucessor intervir no processo e participar efetivamente do contraditório (ainda que posticipato), devendo para tanto ter ciência do litígio; e b) a vitória da parte estranha à transmissão não pode ser frustrada, de sorte a constrangê-la, se demandante, a repropor a ação em face do sucessor; ou, se demandada, expor-se a uma nova ação, ajuizada pelo sucessor, sobre o mesmo objeto (Regiudicata civile, Digesto delle discipline privatistiche, vol. 16, Torino, Utet, 1997, pág. 458).

Doutrina processual brasileira

No entanto, no âmbito do nosso direito processual, a situação em que o adquirente fica à margem do processo é que gera toda a problemática sobre a qual muito se discute. Entendo que, para a solução dessa relevante questão, a melhor doutrina, em perfeita simetria com a regra do artigo 18 do Código de Processo Civil, é a que reconhece o transmitente legitimado extraordinário, que atua como substituto processual do adquirente ou cessionário, estranho do processo. E por essa razão — repita-se — o sucessor não escapa da “zona” de eficácia direta da sentença e da autoridade da coisa julgada.

Quanto ao transmitente, suportará ele, consequentemente, como parte formal, apenas os efeitos processuais da sentença.

Esclareça-se, ainda, que se impõe, como pressuposto da extensão da coisa julgada ao sucessor, o conhecimento da litispendência.

Na doutrina brasileira coube a Carlos Alberto Alvaro de Oliveira demonstrar que existem situações nas quais o direito material ressalva a boa-fé do terceiro adquirente, podendo este furtar-se à eficácia da sentença por meio de remédio processual próprio.

Sim, porque se escusável o não conhecimento da litispendência, fica o adquirente, em consequência, obstado a participar do processo. Nesse caso, não se afigura admissível sujeitá-lo à autoridade da coisa julgada, sob pena de ferir a garantia do devido processo legal. (Alienação da coisa litigiosa, 2ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1984, pág. 244 ss).

Mas, “quando tudo se passa de maneira clara: tanto o alienante quanto o adquirente praticam conscientemente negócio sobre o bem que sabem constituir objeto de disputa judicial”, a comunicação da coisa julgada material ao sucessor é inegável (cf. Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. 1, 58ª ed., p. 1.168).

Examinando a alienação feita pelo réu no curso de ação reivindicatória e, portanto, em fraude à execução, pondera Arruda Alvim que a coisa julgada é oponível ao adquirente de boa-fé, porque este, tendo adquirido a non domino, é, na verdade, adquirente de nada, e somente lhe remanesce, diante da eficácia da sentença contra o réu-“transmitente”, que, igualmente, nada lhe transferiu, o direito de deduzir a sua boa-fé, para pleitear perdas e danos (O terceiro adquirente de bem imóvel do réu, pendente ação reivindicatória não inscrita no registro de imóveis, e a eficácia da sentença em relação a esse terceiro, no direito brasileiro, Libro homenaje a Jaime Guasp, Granada, Colmares, 1984, pág. 153.)

Jurisprudência do STJ

E, de fato, era exatamente essa a orientação que iluminava a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que “a penhora de unidade condominial não pode ser autorizada em prejuízo de quem não tenha sido parte na ação de cobrança na qual se formou o título executivo. Necessária a vinculação entre o polo passivo da ação de conhecimento e o polo passivo da ação de execução” (4ª T., min. Marco Buzzi, REsp nº 1.955.545/SP).

Todavia, por paradoxal que possa parecer, mais recentemente, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça acabou superando esse entendimento, a partir da análise da natureza das obrigações propter rem, para estender a eficácia da coisa julgada ao terceiro adquirente, ainda que ele não tenha participado e nem mesmo tido ciência do processo em que formado o título executivo judicial.

Assim, alterando então o antigo posicionamento, o leading case, salvo engano, que acabou por aperfeiçoar a nova orientação, já revelada no precedente julgamento do Recurso Especial nº 1.683.419/RJ, provém do julgamento do Agravo Interno no Recurso Especial nº 1.851.742/PR, com voto condutor da ministra Nancy Andrighi, lastreado em consistentes fundamentos, textual:

“… Com efeito, diversamente do sustentado pela agravante, a atual jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça orienta no sentido de que a obrigação de pagamento das taxas condominiais possui natureza propter rem, razão pela qual deve ser exigida de quem consta na matrícula do imóvel como seu proprietário.

Entende-se, deveras, que a obrigação dos condôminos de contribuir para a conservação da coisa comum é dotada de ambulatoriedade, extraída do artigo 1.345 do Código Civil de 2002, segundo o qual ‘o adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multa e juros moratórios’.

Conforme se depreende desse dispositivo legal, a transmissão da obrigação ocorre automaticamente, isto é, ainda que não seja essa a intenção do alienante e mesmo que o adquirente não queira assumi-la. Com efeito, ‘a responsabilidade pelo pagamento das despesas condominiais acompanha a pessoa do adquirente, que não pode eximir-se com alegação de que os encargos foram gerados anteriormente à aquisição do imóvel” (LOPES, João Batista. Condomínio, 8ª ed. São Paulo: Editora RT, 2003, pág. 98).

O sentido dessa norma, consoante destacado no Recurso Especial n.  1.683.419/RJ (3ª Turma, DJe 26/02/2020) é intuitivo: fazer prevalecer o interesse da coletividade dos condôminos, permitindo que o condomínio receba, a despeito da transferência de titularidade do direito real sobre o imóvel, as despesas indispensáveis e inadiáveis à manutenção da coisa comum, impondo ao adquirente, para tanto, a responsabilidade, inclusive pelas cotas condominiais vencidas em período anterior à aquisição.

Outrossim, no plano processual, partindo-se da premissa de que o próprio imóvel gerador das despesas constitui garantia ao pagamento da dívida, prevalece o entendimento de que o proprietário do imóvel pode ter seu bem penhorado no bojo de ação de cobrança, já em fase de cumprimento de sentença, mesmo que não tenha figurado no polo passivo da fase de conhecimento.

Aliás, no que concerne à coisa julgada, não se olvida de que, nos termos do artigo 506 do CPC/15, os respectivos efeitos, como regra, apenas se operam inter partes, não beneficiando nem prejudicando estranhos à relação processual em que se formou.

No entanto, referida regra não é absoluta e comporta exceções. Em determinadas hipóteses, a coisa julgada pode atingir, além das partes, terceiros que não participaram de sua formação.

É o que ocorre, exatamente, na hipótese de alienação da coisa ou do direito litigioso.

A respeito, o artigo 109, parágrafo 3º, do CPC/15 dispõe expressamente que ‘estendem-se os efeitos da sentença proferida entre as partes originárias ao adquirente ou cessionário’.

Trata-se de previsão legal que, verdadeiramente, faz irradiar a terceiros os efeitos da coisa julgada, em virtude da modificação da situação jurídica da coisa ou bem litigioso.

Nessa toada, na hipótese em julgamento, a conclusão que se alcança é que, sendo a agravante responsável pelo pagamento das despesas condominiais pela aquisição da propriedade do imóvel, não há necessidade de o condomínio promover nova ação contra ela, na medida em que a sentença prolatada na fase de conhecimento lhe é eficaz…”.

Conclui-se, portanto, que, acerca desta questão, o Superior Tribunal de Justiça superou antigo posicionamento, passando a admitir que o terceiro adquirente se sujeita à coisa julgada material, uma vez que, a teor do artigo 109 do Código de Processo Civil, o alienante que permanece no processo, continuando como legitimado, age em nome próprio na defesa do direito do adquirente, ainda que este desconheça demanda pendente sobre o bem adquirido.

Ressalvando a minha opinião pessoal, já exposta no meu livro (Limites Subjetivos da Eficácia da Sentença e da Coisa Julgada, 2ª ed., São Paulo, Marcial Pons, 2020, pág. 165), como advogado do contencioso civil, não posso deixar de compartilhar com os meus colegas operadores do direito, essa importante alteração pretoriana, sobre questão de grande interesse prático, que inclusive já foi recentemente secundada pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Agravo Interno no Recurso Especial nº 1.819.441/SP, relatado pelo ministro Marco Buzzi.

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Comissão aprova projeto que atualiza taxas da Justiça do Trabalho

A Comissão de Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que reajusta os valores das custas e emolumentos cobrados pela Justiça do Trabalho.

Deputado Felipe Francischini (União-PR) fala em comissão da Câmara dos Deputados
O relator, Felipe Francischini, fez alterações no texto original – Vinicius Loures/Câmara dos Deputados

São valores previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e pagos pelas partes para dar andamento aos processos judiciais.

O texto aprovado é um substitutivo do relator, deputado Felipe Francischini (União-PR), ao Projeto de Lei 1290/22. O parecer reduz o tamanho do reajuste.

Correção menor
O TST havia proposto uma correção das taxas com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) acumulado entre o último reajuste (agosto de 2002) e fevereiro de 2022. Nesse período, a inflação acumulada foi de 233%.

Francischini aplicou uma correção menor, com base no INPC acumulado em 12 meses. Segundo ele, a mudança valoriza “o sistema de prestação judicial sem penalizar os seus demandantes”. Com a medida, todos os valores foram reduzidos em relação à proposta original.

Por exemplo, o valor mínimo das custas relativas ao processo de conhecimento passa dos atuais R$ 10,64 para R$ 12,02 (aumento de 13%) no texto aprovado. O TST havia proposto R$ 35,77. A taxa máxima referente aos cálculos realizados por contador judicial sai dos atuais R$ 638,46 para R$ 721,28. O tribunal havia pedido R$ 2.146,44.

Correção anual
O deputado manteve a correção anual das custas e emolumentos pelo INPC, mediante ato do presidente do TST. Mecanismo semelhante existe para as taxas cobradas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Próximos passos
O PL 1290/22 será analisado, em caráter conclusivo, nas comissões de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ).

Fonte: Câmara dos Deputados

Aplicabilidade do CDC e a inversão do ônus da prova nas ações judiciais de seguro agro

O seguro agrícola, ou, como popularmente conhecido, o seguro agro, é um ramo promissor no mercado securitário. Com o excepcional crescimento de 15,1% em 2023, o agronegócio foi o setor que mais contribuiu para o Produto Interno Bruto (PIB) do país naquele ano, que aumentou 2,9% em relação ao ano de 2022 [1]. Deste aumento, incríveis 1,3% correspondem apenas à agropecuária [2].

Assim como a arte pode imitar a vida (ou vice-versa), o direito reflete as dinâmicas da sociedade em que vivemos. Neste contexto, temos observado um amadurecimento do judiciário no enfrentamento de questões ligadas ao direito agrário e ao direito dos seguros. Esse ponto é especialmente evidente em casos relacionados ao seguro agrícola e à (in)aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, bem como à inversão do ônus da prova, temas que abordaremos neste artigo, sem a pretensão de esgotar a discussão.

1. Há relação de consumo no Direito Securitário Agrário?

A Lei nº 8.078, de 1990, que dispõe sobre a proteção ao consumidor, foi paradigmática para reestabelecer a Justiça e a equidade nas chamadas relações de consumo [3], uma vez que representou uma significativa conquista no âmbito legislativo brasileiro, estabelecendo bases fundamentais para a proteção dos direitos dos consumidores, tais como

“[a] vedação às cláusulas abusivas, resolução unilateral de contratos, o estabelecimento da inversão do ônus da prova, entre outros instrumentos, [que] foram e, até hoje, são essenciais à promoção de equilíbrio contratual no seio dessas chamadas relações jurídicas caracterizadas pela hipossuficiência de seus partícipes” [4].

No que concerne às relações de natureza securitária, como regra geral, atualmente aplica-se o Código de Defesa do Consumidor, desde que a relação em análise se caracterize também como uma relação de consumo.

Para que se configure uma relação de consumo, deve haver a presença de um fornecedor de produtos ou serviços e do destinatário final. De acordo com o artigo 2º do Código Consumerista, “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço comodestinatário final. Já o fornecedor “(…) é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de (…) prestação de serviços”. O serviço, por sua vez, é contemplado como uma atividade fornecida no mercado, mediante remuneração, entre elas, as de natureza securitária.

Além disso, requisito fundamental para se estabelecer a relação de consumo é a vulnerabilidade do consumidor, na forma do artigo 4º, inciso I do CDC. Este requisito é um pilar da teoria finalista, segundo a qual o conceito de consumidor deve ser submetido a uma interpretação restritiva, “calcada na sua vulnerabilidade presumida, limitando a proteção legal a quem retira o produto ou o serviço do mercado para uso não profissional, ou seja, para satisfação de necessidades próprias ou de sua família” [5]. Nesse sentido,

“(…) contanto que haja um consumidor, assim entendido, um não profissional, que atue sem finalidade lucrativa, como destinatário final da garantia prestada pelo segurador, o seguro torna-se contrato de consumo, atraindo a incidência do regime protetivo do Código de Defesa do Consumidor. (Destacado no original)” [6].

Claudia Lima Marques, do mesmo modo, entende que

“Destinatário final é aquele destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa jurídica ou física. Logo, segundo esta interpretação teleológica não basta ser destinatário fático do produto e retirá-lo da cadeia de produção, e levá-lo para o escritório ou residência, é necessário ser destinatário final econômico do bem, não adquiri-lo para revenda, não adquiri-lo para uso profissional, pois o bem seria novamente um instrumento de produção cujo preço será incluído no preço final do profissional que o adquiriu” [7].

Importa mencionar, nessa seara, que atualmente o Superior Tribunal de Justiça adota o entendimento da teoria finalista mitigada nas relações de consumo, ao reconhecer “a existência das relações de consumo mesmo em face de consumidores que fazem um uso profissional do produto ou do serviço, mas exige para tanto a caracterização da sua vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica” [8].

Desse modo, insta questionar: na relação entre uma seguradora e um segurado que contrata seguro agrícola para sua produção haverá relação de consumo? A resposta é: depende. Caso o segurado seja um pequeno e vulnerável agricultor, que realiza a plantação para a própria subsistência e a de sua família, por exemplo, então seria possível caracterizar a relação consumerista, com base na teoria finalista mitigada. Mas pense no caso em que o segurado é um agricultor que realiza cultivo em larga escala para comercialização. O cenário permaneceria o mesmo?

Alguns autores, como Juliano Ferrer e Maria Izabel Indrusiak Pereira, defendem que sequer haveria espaço para a aplicação da teoria finalista mitigada nas demandas envolvendo produtores rurais, e que o mais correto seria a aplicação da teoria finalista nesses casos. Segundo eles, “[o] objetivo do Código de Defesa do Consumidor é tutelar de maneira especial um grupo da sociedade que é efetivamente mais vulnerável. Não é o caso, especialmente neste particular, do produtor rural” [9].

2. Análise jurisprudencial da aplicação do CDC e inversão do ônus da prova no seguro agrícola

Com o objetivo de investigar o que tem ocorrido nas demandas judiciais envolvendo o seguro agrícola e o produtor rural, foi realizada pesquisa no site de buscas jurisprudenciais do Tribunal de Justiça do Paraná, estado com grande representatividade no setor do agronegócio do Brasil. Foram aplicados os seguintes os parâmetros: “CDC”, “seguro” e “agrícola”, entre o início de setembro de 2023 e o início de janeiro de 2024. De 31 julgados selecionados, 24 aplicaram o CDC e a inversão do ônus da prova, enquanto apenas um deixou de aplicá-los [10]. Dos julgados restantes, 1 se absteve da análise por carência de interesse recursal e cinco não se aplicavam à pesquisa.

Em vez de corroborar o caminho a ser seguido, os números dispostos acima são rechaçáveis. Data maxima venia, nos parece necessário um aprofundamento na análise dessa temática, afinal, os agricultores muitas vezes produzem em larga escala e o fazem de forma organizada e com o intuito de obter lucro. Ou seja, constituem verdadeiramente uma empresa agrícola. A contratação dos seguros por estes produtores, empresários do agronegócio, representam uma fonte de segurança para que sua operação comercial seja bem-sucedida. Nesse diapasão, o seguro é contratado como insumo à produção, e os segurados, a toda evidência, não poderiam ser qualificados como destinatários finais dos serviços prestados pela seguradora.

Essa mesma linha de raciocínio é adotada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que entendeu, em demanda de seguro agrícola, que o “Código de Defesa do Consumidor não se aplica no caso em que o produto ou serviço é contratado para implementação de atividade econômica, já que não estaria configurado o destinatário final da relação de consumo (teoria finalista ou subjetiva)” [11]. A Corte Superior de Justiça firmou o entendimento de que admite o abrandamento da regra apenas “quando ficar demonstrada a condição de hipossuficiência técnica, jurídica ou econômica da pessoa jurídica, autorizando, excepcionalmente, a aplicação das normas do CDC (teoria finalista mitigada)” [12]. Assim também é o entendimento do STJ, em regra, para outras demandas envolvendo contratos de seguros empresariais [13].

Ou seja, diferente do que vem ocorrendo na prática – salvo alguns excelentes precedentes – [14] a aplicabilidade do diploma consumerista nas demandas de seguro agrícola, usualmente, deveria ser afastada, sendo admitida apenas quando se comprovar a hipossuficiência do segurado, em circunstâncias excepcionais. Nas ações judiciais relativas ao seguro agrícola, portanto, denota-se que a hipossuficiência das partes não deveria ser presumida, mas comprovada e analisada caso a caso.

3. Uma análise relativa à vulnerabilidade dos produtores rurais

Com base na pesquisa realizada como uma amostra do que vem ocorrendo no judiciário, a vulnerabilidade dos produtores rurais segurados, na grande maioria dos casos, ainda tem sido reconhecida de forma presumida, sem que haja a necessária comprovação de sua hipossuficiência. É certo que as vulnerabilidades, sejam elas técnica, jurídica, econômica ou informacional – esta última que tem se agregado às três hipóteses tradicionais [15] – devem ser analisadas em conformidade com as circunstâncias particulares de cada caso. Todavia, discorreremos de forma breve sobre o porquê da hipossuficiência não se aplicar aos empresários do agronegócio nos casos de contratação de seguro agrícola.

Em primeiro lugar, conforme esclarecido pela doutrina: “[a] vulnerabilidade técnica caracteriza-se quando o contratante não detém ou detém reduzido conhecimento específico sobre a natureza do contrato ou objeto da contratação, sujeitando-se ao poder técnico da outra parte” [16]. Este não é o caso dos empresários rurais, que, além de contar com corretoras especializadas em seguro agrícola, que os representam e negociam melhores condições com as seguradoras, possuem todo um aparato técnico, com equipes de assessoria agrônoma, jurídica e contábil, por exemplo.

Em relação à vulnerabilidade econômica, ela se verifica “quando o contratante se sujeita ao poder econômico ostensivamente superior da contraparte na imposição da contratação em si ou das suas condições” [17]. Isto muitas vezes também não ocorre com os segurados em questão, sendo certo que alguns deles possuem situação econômica semelhante ou até mesmo superior à das seguradoras. Mesmo que em alguns casos possam vir a apresentar poder econômico inferior ao das seguradoras, essa diferença não é significativa à ponto de configurar vulnerabilidade.

“A vulnerabilidade jurídica, por sua vez, caracteriza-se quando o contratante carece de conhecimentos relativos ao exercício dos seus próprios direitos na relação jurídica que se estabelece” [18], o que também não sucede com os empresários do ramo agrícola, sendo certo que não se tem notícia de quaisquer dificuldades no ajuizamento da ação e no exercício do próprio direito pelos segurados, que possuem o aparato jurídico necessário para auxiliá-los e por vezes são procurados por advogados após um evento climático adverso.

Podemos mencionar, ainda, a “vulnerabilidade informacional, caracterizada pelo fato de o contratante possuir ‘dados insuficientes sobre o produto ou serviço capazes de influenciar no processo decisório de compra’” [19]. Mais uma vez, percebe-se que este não é o caso, pois os empresários do agronegócio estão acostumados à natureza das transações securitárias e dos termos adotados no seguro agrícola.

Nesse sentido, quando o segurado, empreendedor do ramo do agronegócio, trata das informações técnicas do plantio objeto do seguro, não nos parece que o Código de Defesa do Consumidor seja aplicável. E, ainda que se entenda o contrário, é necessário que o Juízo responsável pelo julgamento da demanda verifique se deverá ser aplicada a inversão do ônus da prova, medida autorizada pelo artigo 6º, inciso VIII, do CDC, que excepcionaliza a regra tradicional do artigo 373, caput, do Código de Processo Civil.

É correto afirmar, então, que a inversão do onus probandi não ocorre de maneira automática à aplicação do CDC, uma vez que possui natureza excepcional, podendo ser aplicada apenas quando o juiz constatar a verossimilhança das alegações autorais e a hipossuficiência do consumidor. Essa análise se mostra importante, pois, como mencionado anteriormente, não raras vezes o segurado/empresário não possui qualquer vulnerabilidade, e ainda conta com um corpo de engenheiros agrônomos e aparato técnico necessário para que o cultivo lhe proporcione o lucro almejado.

4. Conclusões

Diante desse cenário, o que mais importa às partes litigantes, que acionam o judiciário buscando a tutela de seus direitos, é que a aplicação da lei seja a mais adequada possível, pois os regramentos trazidos pelo Código de Defesa do Consumidor ou qualquer outra lei não se prestam a propiciar proteção desmedida a uma das partes, relegando à parte adversa a certeza do insucesso. A finalidade do ordenamento jurídico repousa na paridade de armas e no equilíbrio processual, observadas as características próprias das partes envolvidas, para o regular desenvolvimento do processo que produzirá um resultado que atenda aos anseios sociais nos termos da legislação vigente.

Em conclusão, a questão da (in)aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor e da inversão do ônus da prova em ações judiciais de seguros agrícolas é complexa e necessita de uma análise cuidadosa das circunstâncias específicas de cada caso. A jurisprudência dos tribunais estaduais demonstra uma tendência à proteção do segurado, porém, como visto, nem sempre a sua figura se enquadra na definição tradicional de consumidor, especialmente no contexto do agronegócio, onde muitas vezes a produção é em larga escala e com finalidades comerciais.

Assim, a distinção entre o segurado consumidor e o segurado empresário se faz crucial para determinar a aplicabilidade do CDC e a possibilidade de inversão do ônus da prova. É fundamental que o judiciário equilibre a proteção ao consumidor com a necessidade de não presumir a vulnerabilidade de forma automática, garantindo, assim, a justiça e a equidade nas relações contratuais securitárias, respeitando as particularidades do setor agrícola e contribuindo para o desenvolvimento sustentável e econômico do país.


[1] Disponível em https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/39303-pib-cresce-2-9-em-2023-e-fecha-o-ano-em-r-10-9-trilhoes#:~:text=Em%202023%2C%20o%20PIB%20(Produto,Servi%C3%A7os%20(2%2C4%25).&text=O%20PIB%20totalizou%20R%24%2010%2C9%20trilh%C3%B5es%20em%202023. Acesso em 02/03/2022.

[2] Disponível em https://globorural.globo.com/economia/noticia/2024/03/agro-nao-deve-contribuir-tanto-com-o-pib-em-2024-dizem-especialistas.ghtml. Acesso em 02/03/2024.

[3] Goldberg, Ilan. Há vulnerabilidade nos contratos de seguro D&O? Conjur. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-mar-16/seguros-contemporaneos-debate-vulnerabilidade-contratos-seguro/. Acesso em 12/03/2024.

[4] Idem.

[5] SCHREIBER, Anderson. Manual de direito civil contemporâneo, 2. Ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 679.

[6] MIRAGEM, Bruno; PETERSEN, Luiza. Direito dos seguros, 2. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2024, p. 75.

[7] MARQUES, Cláudia Lima, Contratos no Código de Defesa do Consumidor: O novo regime das relações contratuais, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 253-254.

[8] SCHREIBER, Anderson. Ibid. p. 680.

[9] FERRER, Juliano; PEREIRA, Maria Izabel Indrusiak. Uma análise da obrigação legal e contratual que deve ser observada pelo segurado, como elemento essencial à quantificação e aceitação de risco. In: Seguros em artigos de acadêmicos – Acervo de Cátedras da ANSP. São Paulo, 2022.

[10] TJ-PR; Agravo de Instrumento nº 0038737-51.2023.8.16.0000, Des.ª Themis de Almeida Furquim, 8ª Câmara de Direito Privado; j. 22/09/2023.

[11] STJ; AgInt no AREsp nº 1.973.453/RS; Relator Ministro Luis Felipe Salomão; Quarta Turma; j. 11/04/2022; p. 19/04/2022.

[12] Idem.

[13] Nesse sentido, confira-se: STJ, REsp nº 1.926.477/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, j.18/10/2022, p. 27/10/2022; STJ, AgInt no AREsp nº 1.096.881/SP, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. 15/03/2018, p. 20/03/2018; STJ, AgInt no AgInt nos EDcl no AgInt no AREsp nº 1.326.846/RS, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. 30/05/2022, p. 01/06/2022.

[14] Por exemplo: TJ-RS, Agravo de Instrumento nº 5228355- 09.2021.8.21.7000, Quinta Câmara Cível, Rel. Desembargador Jorge André Pereira Gailhard, j. 05/12/2022; TJSP, Apelação Cível nº 1001173-54.2018.8.26.0279, relatora Mary Grün, 32ª Câmara de Direito Privado, j. 12/05/2022, p. 13/05/2022; TJMT, Agravo de Instrumento nº 1017352-39.2021.8.11.0000, relator João Ferreira Filho, Primeira Câmara de Direito Privado, j. 08/02/2022, p. 14/02/2022.

[15] Schreiber, Anderson. Ibid. p. 680.

[16] Idem. (Destacado no original).

[17] Idem.

[18] Idem. (Destacado no original).

[19] Idem. (Destacado no original).

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Questão central no Tema 1.156: dano anímico ou dano extrapatrimonial presumido?

Após um pedido de vista da ministra Nancy Andrighi, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deverá retomar no dia 18/4/2024 o julgamento do Recurso Especial (REsp) 1.962.275/GO, afetado ao rito dos recursos repetitivos sob o Tema 1.156, cuja relatoria é do ministro Villas Bôas Cueva.

De acordo com os autos, a 2ª Seção vai definir “se a demora na prestação de serviços bancários superior ao tempo previsto em legislação específica gera dano moral individual in re ipsa apto a ensejar indenização ao consumidor”, diante da divergência de entendimentos existente entre tribunais de segunda instância, bem como entre as próprias Turmas especializadas em Direito Privado da Corte Superior

Todavia, sob a perspectiva defendida pelo Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon) em sua manifestação como amicus curiae, a questão central que o STJ precisará dirimir neste julgamento é que, no Brasil, os danos extrapatrimoniais são tradicionalmente chamados de “danos morais” [1] e com eles são confundidos. Isso se soma ao fato de que, numa parcela da doutrina e em grande parte da jurisprudência, ainda persiste o entendimento bastante ultrapassado de que o dano moral configura-se somente com a dor, o sofrimento, o abalo psicológico da pessoa. [2].

Lições da doutrina

Em face dessa controvérsia, Anderson Schreiber [3] leciona que “a definição do dano moral não pode depender do sofrimento, [da] dor ou [de] qualquer outra repercussão sentimental do fato sobre a vítima, cuja efetiva aferição, além de moralmente questionável, é faticamente impossível”. Para o autor, a definição hodierna do dano moral deve centrar-se no “objeto atingido (o interesse lesado)”, e não nas “consequências emocionais, subjetivas e eventuais da lesão”.

Adicionalmente, Fernando Noronha [4] afirma que, no Brasil, existe uma “tradicional confusão entre danos extrapatrimoniais e morais […] presente em praticamente todos os autores justamente reputados como clássicos nesta matéria, desde Aguiar Dias até Carlos Alberto Bittar e Yussef S. Cahali”. Buscando superar esse problema, Noronha propõe que os danos extrapatrimoniais sejam chamados de “danos morais em sentido amplo”, e que os danos anímicos sejam chamados de “danos morais em sentido estrito”.

Na atualidade, juristas de escol como Francisco Amaral (2018) e o próprio Noronha (2013) convergem no entendimento de que o dano moral em sentido estrito, enquanto espécie de dano extrapatrimonial, pode ser definido como o prejuízo não econômico que resulta da lesão à integridade psicofísica da pessoa, ao passo que o dano moral em sentido amplo, enquanto gênero que corresponde ao dano extrapatrimonial, conceitua-se como o prejuízo não econômico que decorre da lesão a bem extrapatrimonial juridicamente tutelado [5] – onde a Teoria do Desvio Produtivo inseriu o “tempo do consumidor” [6].

Teoria do Desvio Produtivo

Contudo a prática judicial brasileira revela uma grande dificuldade no reconhecimento de novas categorias de danos extrapatrimoniais para além da esfera anímica da pessoa, o que vem contribuindo para a manutenção de uma jurisprudência anacrônica baseada no argumento do “mero aborrecimento” [7].

Com efeito, a Teoria do Desvio Produtivo, ao identificar e valorizar pioneiramente o “tempo do consumidor” (em sua dimensão estática) como um bem jurídico, demonstra que não se sustenta a compreensão jurisprudencial de que a “peregrinação” a que o consumidor é submetido, diante de um problema de consumo criado e imposto pelo próprio fornecedor, representaria “mero dissabor ou aborrecimento” normal na vida do consumidor [8].

Partindo da noção de que dano é o prejuízo decorrente da lesão a um bem jurídico, material ou imaterial [9], a Teoria sustenta que, em situações como as esperas excessivas por atendimento bancário, o bem jurídico imediatamente violado é o “tempo do consumidor”, e não a sua “integridade psicofísica”. Por esse motivo é descabido cogitar se tais esperas excessivas geram sentimentos negativos – como “dissabores ou aborrecimentos” –, pequenos (“meros”) ou grandes (“mega”).

De fato, o consumidor que passa – ou melhor, que perde – uma, duas, três horas aguardando por atendimento bancário não sofre dano anímico (ou moral em sentido estrito), mas sim dano extrapatrimonial de natureza existencial (ou moral em sentido amplo), em razão da lesão ao seu tempo vital e a consequente alteração prejudicial e indesejada do seu cotidiano ou planejamento de vida.

Afinal o tempo, enquanto bem personalíssimo, é o suporte implícito da vida, que dura certo tempo e nele se desenvolve, e a vida, enquanto direito fundamental, constitui-se das próprias atividades existenciais que cada um escolhe nela realizar [10]. Logo um evento de desvio produtivo traz como resultado um dano que, mais do que temporal, é existencial pela alteração prejudicial do cotidiano ou do projeto de vida do consumidor [11].

Presunção do dano existencial

Outra questão central que o STJ também precisará dirimir, neste julgamento, refere-se à presunção do dano existencial (ou moral em sentido amplo) que se verifica nas situações de esperas excessivas por atendimento bancário. Nos termos da referida Teoria, o dano extrapatrimonial de natureza existencial resultante de um evento de desvio produtivo é necessariamente presumido, porque o prejuízo existencial é deduzido de dois postulados que representam fatos notórios, a saber: 1°) em sua dimensão estática, o tempo é um recurso produtivo limitado, que não pode ser acumulado nem recuperado ao longo da vida das pessoas; e 2°) ninguém pode realizar, ao mesmo tempo, duas ou mais atividades de natureza incompatível ou fisicamente excludentes, do que resulta que uma atividade preterida/adiada no presente, em regra, só poderá ser realizada no futuro deslocando-se no tempo outra atividade [12].

Conforme bem observou Alexandre Freitas Câmara [13], não se trata aqui de aplicação da presunção legal (absoluta ou relativa), mas sim da praesumptio hominis – também denominada presunção simples ou judicial.

Leonard Ziesemer Schmitz [14] explica a diferença entre os dois institutos: “Na presunção legal, o legislador antecipa efeitos probatórios a certos fatos, que se têm por demonstrados até prova em contrário; na judicial [,] essa eficácia probatória só ocorre por conta da demonstração específica de relação entre fatos. Nas presunções legais há um deslocamento do ônus de prova […]; nas inferências judiciais o que ocorre é uma circunstância específica, que autoriza a suficiência da produção de uma prova não relacionada diretamente ao fato que se quer conhecer”.

De acordo com Schmitz [15], a presunção “não é exatamente um meio de prova – embora o Código Civil assim o trate, no artigo 212, IV –, mas sim um processo de compreensão para que se dê por provado um fato. O que resulta da presunção não é de forma alguma um fato provado, mas o instrumento da presunção atribui a esse fato a mesma eficácia dos fatos provados – aliás, é essa a utilidade do raciocínio presuntivo: dispensar prova do fato e mesmo assim tê-lo por demonstrado”.

Schmitz [16] ensina que as presunções simples ou judiciais “são inferências probatórias que independem de juízos prévios legislativos, e tradicionalmente se apoiam naquilo que ordinariamente acontece (art. 375, do CPC)”. O autor acrescenta que, “em certa medida[,] se poderá dizer que o fato notório, cujo conhecimento é indispensável para que sirva de fato instrumental a uma presunção, […] serve, mesmo que indiretamente, à demonstração daquilo que compõe o objeto de prova”.

Mas Schmitz [17] distingue as regras de experiência dos fatos notórios. As regras de experiência “são juízos universais a respeito daquilo que ordinariamente acontece” e “servem para determinar o modo de ocorrência de fatos cujo inteiro conhecimento por provas diretas não é possível”, enquanto os fatos notórios “são constatações de fatos concretos, ainda que tenham impacto generalizado sobre uma determinada comunidade ou população”.

O autor acrescenta que pode existir certa confusão entre regras de experiência e fatos notórios, visto que “a doutrina é firme na ideia de que as regras da experiência devem surgir como generalizações notórias em si mesmas, no sentido de que sua veracidade ou pertinência não precise ser justificada”. Porém Schmitz esclarece que o que acontece aí é uma confusão sobre “a verdadeira função do art. 374, I, [do CPC,] que se presta apenas a dispensar prova de determinados fatos” [18].

Portanto, na questão controvertida ora em análise, a presunção simples, judicial ou hominis permite ao juiz, com base nas regras de experiência, desenvolver um raciocínio probatório por inferência observando aquilo que ordinariamente acontece – no caso, o modo de ocorrência dos dois postulados existenciais anteriormente enunciados (fato-base notório) –, relacionando-o a outro fato que se quer conhecer – no caso, o prejuízo existencial (fato presumido) que ordinariamente resulta de um evento provado de desvio produtivo –, para que ele, juiz, possa concluir e assim reconhecer que o dano extrapatrimonial ou moral em sentido amplo está demonstrado no caso concreto (presunção em si).

Considerações finais

Diante do que foi exposto e, ainda, com respaldo na Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor, é possível então se chegar às seguintes conclusões:

1º) Que a demora na prestação de serviços bancários, em tempo superior ao estipulado na legislação específica, caracteriza vício de qualidade do serviço por “não atender as normas regulamentares de prestabilidade”, conforme prevê o art. 20, § 2º, do CDC;

2º) Que a prestação de serviços bancários em desacordo com tais normas, sempre que verificada de modo reiterado ou excessivo, caracteriza a omissão ou recusa do fornecedor quanto à sua responsabilidade de sanar o vício, representando prática abusiva vedada pelo CDC;

3º) Que o tempo perdido pelo consumidor em esperas excessivas por atendimento bancário, somada à alteração indesejada do seu cotidiano ou projeto de vida, caracteriza a lesão danosa à sua autodeterminação temporal e existencial;

4º) Que uma vez provada a lesão ao tempo do consumidor, presume-se o prejuízo existencial dela decorrente – sendo tal prejuízo inferido pelo juiz com base no que ordinariamente acontece a partir daqueles dois postulados, que são fatos notórios;

5º) Que o tempo vital e as atividades existenciais do consumidor são bem e interesses jurídicos personalíssimos; logo sua lesão atinge o consumidor enquanto indivíduo, legitimando-o a mover ação em nome próprio – paralelamente à legitimação das entidades que podem promover ação coletiva.

Consequentemente o Instituto Brasilcon, sob nosso patrocínio, pediu ao STJ que negue provimento ao REsp 1.962.275/GO e, no mérito, que fixe a tese assim proposta: a demora reiterada ou excessiva na prestação de serviços bancários, em tempo superior ao previsto na legislação específica, caracteriza vício de qualidade do serviço por não atender às normas regulamentares de prestabilidade, o que gera dano extrapatrimonial de natureza existencial presumido (ou seja, dano moral lato sensu in re ipsa) pela lesão ao tempo e às atividades existenciais personalíssimos do consumidor, ensejando sua reparação tanto em ação individual quanto em tutela coletiva.


[1] SANSEVERINO, Paulo de Tarso V. Princípio da reparação integral: indenização no código civil. 1. ed., 2. tir. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 189.

[2] Veja-se, por todos, CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 8. ed. rev. e ampl. 3. reimpr. São Paulo: Atlas, 2009. p. 83-84, e STJ, REsp 844736/DF, j. 27-10-2009, rel. Min. Luis Felipe Salomão, rel. p/ acórdão Min. conv. Honildo Amaral de Mello Castro.

[3] SCHREIBER, Anderson. Direitos da personalidade. São Paulo: Atlas, 2011. p. 17.

[4] NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 591.

[5] DESSAUNE, Marcos. Teoria ampliada do desvio produtivo do consumidor, do cidadão-usuário e do empregado. 3. ed. rev., modif. e ampl. Vitória: Edição Especial do Autor, 2022. p. 135.

[6] DESSAUNE, 2022, p. 172-173.

[7] DESSAUNE, Marcos. A superação do argumento do “mero aborrecimento” promovida pela Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor na jurisprudência brasileira. Revista IBERC, Belo Horizonte, v. 6, n. 3, p. 113-132, set./dez. 2023. passim.

[8] DESSAUNE, 2022, p. 305.

[9] AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 10. ed. rev. e modif. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 954.

[10] DESSAUNE, 2022, p. 367.

[11] SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. p. 42-46, passim.

[12] DESSAUNE, 2022, p. 363-364.

[13] CÂMARA, Alexandre Freitas. Debate sobre o PL 2856/22 do Senado que positiva a Teoria do desvio produtivo do consumidor, realizado com DESSAUNE, Marcos em 01-09-2023, no auditório da OAB/RJ no Rio de Janeiro/RJ.

[14] SCHMITZ, Leonard Ziesemer. Raciocínio probatório por inferências: critérios para o uso e controle das presunções judiciais (Tese de doutorado). PUC-SP: São Paulo, 2018. p. 186.

[15] SCHMITZ, 2018, p. 183.

[16] SCHMITZ, 2018, p. 193 e 195-196.

[17] SCHMITZ, 2018, p. 206 e 234.

[18] SCHMITZ, 2018, p. 234.

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Portal da Transparência ganha tutoriais para pesquisa em licitações e contratos do tribunal

Com o objetivo de facilitar a busca por informações em seu Portal da Transparência e Prestação de Contas, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) disponibilizou guias com o passo a passo para localizar documentos referentes a licitações e contratos.

Os tutoriais podem ser acessados nas seguintes áreas de consulta, a partir do ícone Licitações e Contratos na página inicial do Portal da Transparência: licitações; compras efetuadas e notas de empenho emitidas; e contratos e instrumentos de cooperação efetuados.

Os documentos trazem, entre outras informações, detalhes sobre licitações realizadas e em andamento, editais de credenciamento e habilitação, dados de aquisições e contratações com suas respectivas notas de empenho, contratos administrativos e acordos firmados pelo tribunal nos últimos anos.

A nova funcionalidade foi desenvolvida de acordo com os parâmetros definidos pela Portaria 25/2024 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que institui o regulamento do Ranking de Transparência do Poder Judiciário.

Fonte: STJ

Prevenção contra o assédio moral: uma questão de tipificação?

Muito se tem debatido a respeito da tipificação do assédio moral. Há quem sustente que a criação de um crime específico seria o único meio efetivo para sua prevenção. Por outro lado, muitos argumentam que a criminalização de mais uma conduta não seria a bala de prata para solucionar o crescente número de casos desse tipo que têm permeado o ambiente corporativo brasileiro.

O Projeto de Lei mais recente sobre o tema (PL 1.521/2019) está em trâmite no Senado Federal e tem por objetivo tipificar a conduta de “ofender reiteradamente a dignidade de alguém causando-lhe dano ou sofrimento físico ou mental, no exercício de emprego, cargo ou função”, com pena de detenção de um a dois anos e multa, além da pena correspondente à violência.

Não há ainda definição legal de assédio moral na esfera trabalhista, sendo que, de forma geral, a doutrina e jurisprudência têm considerado assédio moral qualquer situação humilhante e constrangedora, repetitiva e prolongada, durante o trabalho e no exercício de funções profissionais, com o objetivo de desestabilizar a pessoa emocionalmente. Com base nesse conceito, a Justiça Trabalhista tem reconhecido a prática do assédio moral e indenizado as vítimas.

Na esfera criminal, a despeito de ainda não ter sido tipificado, esse tipo de comportamento pode configurar crimes já previstos no Código Penal, como Perseguição e Violência Psicológica contra a mulher (artigo 147-A e B), Difamação (artigo 139), Injúria (artigo 140), Calúnia (artigo 138), Ameaça (artigo 147) e até mesmo os recentes crimes de Intimidação Sistemática (artigo 146-A).

Não se questiona o fato de se tratar de comportamento que mereça ser reprimido e punido, diante da gravidade, seriedade e complexidade da conduta, mas sim se, assim como em outras situações, a criminalização será suficiente para seu combate e prevenção.

Isso porque, sob uma perspectiva preventiva (e até mesmo repressiva), os últimos anos têm mostrado que investimentos em mudança de cultura, políticas e procedimentos corporativos podem trazer muito mais impacto e resultados.

A corrupção, por exemplo, é considerada crime no Brasil já há vários anos e não foi o risco de responsabilidade criminal que desestimulou sua prática, ou que incentivou as empresas no Brasil a valorizarem e se engajarem em programas de integridade.

Ambientes seguros

A Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013), que prevê a responsabilização administrativa e civil das pessoas jurídicas, bem como a pressão dasautoridades e do mercado em relação à implementação de programas de integridade trouxe um impacto e mudanças muito significativas no ambiente corporativo brasileiro, no qual, até então, muito pouco se ouvia a palavra “compliance”.

Da mesma forma, o compliance também pode ser um grande agente de mudança no combate ao assédio moral, possivelmente muito mais eficaz, a curto prazo, do que a tipificação de uma conduta específica.

Tamanha é a relevância do tema para o mundo corporativo que, na reunião conjunta realizada entre B20 [1] e G20 [2], no começo deste ano, para definir a agenda anual e as prioridades para promover o crescimento sustentável dos países pertencentes ao grupo, ficou definido que serão prioridades, entre outros temas, a garantia dos direitos humanos e o cuidado com a saúde mental dos funcionários, visando à promoção de ambientes livres de assédios [3].

A discussão desse tema entre as empresas e o mercado e a conscientização de sua relevância é essencial, para que percebam e reconheçam a importância de se investir em medidas robustas de compliance, capazes de prevenir que esse tipo de situação venha a ocorrer e, caso ocorra, seja prontamente reportada e coibida pela própria empresa (além de, é claro, eventuais outras medidas cíveis e criminais, quando cabíveis).

Para isso, é fundamental que as empresas invistam em políticas claras contra o assédio moral, que elucidem no que consiste tal comportamento, bem como estabeleçam, de forma transparente, as consequências para os eventuais infratores (sejam elas disciplinares sejam legais).

Nesse mesmo sentido, devem ser ministrados treinamentos periódicos a seus funcionários, com exemplos práticos, visando a conscientizá-los a respeito das condutas que caracterizam o assédio moral, para que saibam identificar quando estejam agindo em desacordo com as políticas da empresa ou, para que possam identificar e relatar quando sejam vítimas desse tipo de comportamento.

Canais de denúncias

Igualmente importante, as empresas devem implementar canais de denúncias acessíveis e confidenciais, para que seus funcionários se sintam confortáveis, protegidos e acolhidos, ao relatar esse tipo de conduta. E que os funcionários responsáveis por tais canais sejam especialmente treinados sobre práticas antidiscriminatórias, aptos a resolver demandas que envolvam questões de gênero, raça, etnia, religião e pessoas com deficiência.

Não menos importante, as empresas devem promover uma cultura organizacional que valorize o respeito, a diversidade e o diálogo, por meio da realização de campanhas e eventos de conscientização.

Os benefícios da prevenção ao assédio e de um programa de compliance bem implementado são diversos e rapidamente sentidos pela empresa, como um ambiente de trabalho mais positivo e saudável, redução de faltas, licenças médicas e rotatividade de pessoal. Além, é claro, da mitigação da exposição da companhia a contingências oriundas de processos judiciais, que podem gerar vultosos passivos trabalhistas e uma gestão de crise com potenciais danos à imagem empresarial.

É certo, portanto, que todas essas medidas – preventivas, informativas e de compliance – certamente trarão um retorno muito mais imediato e efetivo, na busca das empresas por um ambiente íntegro e psicologicamente saudável.


[1] O Business 20 (B20) é o fórum oficial de diálogo do G20 com a comunidade empresarial global. Este ano está sendo sediado no Brasil e organizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). O grupo possui sete forças-tarefa e um conselho de ação, dedicados a áreas específicas que ressoam o lema “Crescimento Inclusivo para um Futuro Sustentável”. Disponível em: https://www.g20.org/pt-br/g20-social/business. Acesso em 5.4.2024.

[2] “Grupo dos Vinte (G20) é o principal fórum de cooperação econômica internacional. Desempenha um papel importante na definição e no reforço da arquitetura e da governança mundiais em todas as grandes questões econômicas internacionais.” Disponível em: https://www.g20.org/pt-br/sobre-o-g20. Acesso em 5.4.2024.

[3]     Disponível em: https://b20brasil.org/w/b20-brazil-integrity-compliance-task-force-meets-with-g20-anti-corruption-work-group. Acesso em 5.4.2024.

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Consulta pública recebe sugestões sobre melhorias nos presídios

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) abriram nesta segunda-feira (15) consulta pública para receber sugestões sobre melhorias para o sistema carcerário do país. Os interessados podem preencher o formulário virtual até 5 de maio.

A iniciativa do CNJ e do MJ objetiva estabelecer as medidas para cumprir a decisão tomada em outubro do ano passado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A Corte reconheceu a violação dos direitos humanos nos presídios do país e determinou que o Estado brasileiro elabore um plano de enfrentamento aos problemas carcerários.

Os interessados em participar da pesquisa poderão opinar sobre questões envolvendo controle de entrada nos estabelecimentos penais, qualidade dos serviços aos presos, infraestrutura, inserção social e adoção de políticas para correção dos problemas apontados pelo Supremo.

O Supremo também determinou que o CNJ participe da elaboração dos planos e que também conduza estudo para a ampliação das varas de execução penal no país, responsáveis por monitorar o cumprimento de pena.

Após receber as sugestões, o CNJ e o Ministério da Justiça realizarão uma audiência pública, nos dias 29 e 30 de abril, para debater o tema. O prazo para inscrição termina hoje.

Fonte:  Logo Agência Brasil