TNU firma tese sobre direito a abatimento mensal em saldo devedor em contratos do Fies

O pedido de uniformização foi julgado pelo Colegiado na sessão de 13 de março

A Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU) decidiu, na sessão de 13 de março, dar provimento a um pedido de uniformização sobre saldo devedor em contratos do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), nos termos do voto da relatora, juíza federal Lílian Oliveira da Costa Tourinho, firmando a seguinte tese:

“Na contagem do prazo de um ano de docência, para fins de aquisição do direito ao abatimento mensal de 1% do saldo devedor consolidado nos contratos de financiamento estudantil, previsto no art. 6º-B, inciso I, da Lei n. 10.260/2001, devem ser levados em consideração os meses laborados, inclusive, no ano em curso da solicitação de abatimento, e não apenas os meses trabalhados no ano anterior ao pedido. É ilegal a restrição contida na Portaria Normativa MEC/Fies n. 7, de 26/4/2013, que estabelece como base o período de janeiro a dezembro do ano anterior.” – Tema 341.

A parte interpôs o pedido contra acórdão da 5ª Turma Recursal do Rio Grande do Sul, que negou provimento a seu recurso, mantendo sentença que julgou improcedente a implantação do abatimento de 1% previsto no art. 6º-B da Lei n. 10.260/2001 desde a data do requerimento administrativo em outubro de 2021, com o posterior recálculo do saldo devedor do Fies, bem como a restituição dos valores pagos indevidamente até a implantação do referido desconto. Sobre o tema, ficou demonstrada a divergência do julgado com o paradigma analisado pela 9ª Turma Recursal da Seção Judiciária do Estado de São Paulo.

Voto da relatora

A juíza federal Lílian Oliveira da Costa Tourinho trouxe destaques sobre a Portaria Normativa MEC/Fies n. 7/2013, que prevê a operacionalização do referido abatimento pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), na condição de agente operador do Fies, anualmente, nos meses de março e abril de cada ano, tendo como base o período de janeiro a dezembro do ano anterior.

Em seu voto, a magistrada argumentou que: “Em que pese a lei remeter a operacionalização anual do desconto ao agente operador do Fies, na forma do regulamento, a Portaria em questão não pode restringir o direito assegurado por lei, no caso, o abatimento mensal de 1% do saldo devedor do financiamento para aqueles estudantes, graduados em licenciatura, que tenham mais de um ano de trabalho na docência na rede pública de educação básica com jornada de, no mínimo, 20 horas semanais.”

A relatora pontuou que, na contagem do prazo de um ano de docência, devem ser levados em consideração os meses laborados, inclusive, no ano em curso da solicitação de abatimento, e não apenas os meses trabalhados no ano anterior ao pedido.

A juíza federal ressaltou que a base de cálculo não pode ser restrita ao ano anterior. Segundo ela, a restrição contida na Portaria Normativa MEC/Fies n. 7/2013 impede o efetivo gozo do direito ao abatimento do saldo devedor do financiamento para aqueles estudantes que completarem o ano laboral de magistério, apenas no ano da solicitação do pedido.

Processo n. 5009358- 24.2021.4.04.7111/RS

Fonte: Jusfitiça Federal

AGU defende correção do FGTS que garanta valor da inflação

A Advocacia-Geral da União (AGU) enviou nesta quinta-feira (4) ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma proposta para encerrar o julgamento sobre a legalidade do uso da Taxa Referencial (TR) para correção das contas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). 

Na petição protocolada no STF, a AGU defendeu que as contas devem ter correção mínima que garanta o valor do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), índice oficial da inflação. A proposta vale somente para novos depósitos a partir da decisão do STF e não seria aplicada a valores retroativos.

Para a AGU, deve ser mantido o atual cálculo que determina a correção com juros de 3% ao ano, o acréscimo de distribuição de lucros do fundo, além da correção pela TR. Contudo, se o cálculo atual não alcançar o IPCA, caberia ao Conselho Curador do FGTS estabelecer a forma de compensação.

Correção do FGTS

A manifestação foi protocolada antes do início do julgamento sobre a correção das contas do FGTS, que está previsto para ser retomado hoje.

O caso começou a ser julgado pelo Supremo a partir de uma ação protocolada em 2014 pelo partido Solidariedade. A legenda sustenta que a correção pela TR, com rendimento próximo de zero, por ano, não remunera adequadamente os correntistas, perdendo para a inflação real.

Criado em 1966 para substituir a garantia de estabilidade no emprego, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço funciona como uma poupança compulsória e proteção financeira contra o desemprego. No caso de dispensa sem justa causa, o empregado recebe o saldo do FGTS, mais multa de 40% sobre o montante.

Fonte: Logo Agência Brasil

Projeto prevê medidas para proteger mulher agredida no ambiente de trabalho

O Projeto de Lei 816/24 prevê a possibilidade de o juiz determinar providências específicas para proteger mulher agredida no ambiente de trabalho, quando o agressor frequentar o mesmo local.

 
Alberto Fraga fala em sessão do Plenário da Câmara
Alberto Fraga é o autor do projeto – Zeca Ribeiro / Câmara dos Deputados

O autor da proposta, deputado Alberto Fraga (PL-DF), argumenta que são “bastante comuns” os casos em que o marido ou o companheiro trabalha no mesmo local da vítima, o que justifica a medida. 

Em análise na Câmara dos Deputados, o texto altera a Lei Maria da Penha e inclui essas providências entre as medidas protetivas de urgência que o juiz pode adotar em casos de violência contra a mulher. 

Fraga lembra que a proposta surgiu, inicialmente, de discussões do Grupo Alpha Bravo Brasil, como forma de garantir maior proteção no caso de servidoras públicas vítimas de violência doméstica e sob riscos no ambiente de trabalho. “Em debates, ampliou-se seu escopo para abranger as trabalhadoras de modo geral, cabendo ao juiz avaliar quais medidas serão razoáveis e efetivas nestes caso”, destacou.

Tramitação
A proposta será analisada em caráter conclusivo pelas comissões de Defesa dos Direitos da Mulher; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. 

Fonte: Câmara dos Deputados

Projeto determina suspensão de carteira de motorista e linha telefônica de agressor de mulher

O Projeto de Lei 699/24 determina a suspensão por um ano da carteira nacional de habilitação e das linhas telefônicas de quem agredir mulher. Pela proposta, em análise na Câmara dos Deputados, em caso de reincidência, o prazo será aplicado em dobro.

 
Leur Lomanto Júnior participa de reunião na Câmara dos Deputados
Leur Lomanto Júnior que ampliar instrumentos de repressão à violência contra mulher – Renato Araújo/Câmara dos Deputados

O Projeto de Lei 699/24 determina a suspensão por um ano da carteira nacional de habilitação e das linhas telefônicas de quem agredir mulher. Pela proposta, em análise na Câmara dos Deputados, em caso de reincidência, o prazo será aplicado em dobro.

Caberá às operadoras de celular o bloqueio de todas as linhas telefônicas vinculadas ao CPF do agressor enquanto durar a suspensão. 

“Temos a intenção de apresentar mais um instrumento para reprimir e prevenir a violência ou grave ameaça cometidas contra mulheres”, afirma deputado Leur Lomanto Júnior (União-BA), autor do projeto. 

Tramitação
A proposta será analisada em caráter conclusivo pelas comissões de Defesa dos Direitos da Mulher; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.

 

Fonte: Câmara dos Deputados

Dogmática jurídico-penal: 4 teses defensivas para crime de falsidade ideológica

O crime de falsidade ideológica, tipificado ao artigo 299 do Código Penal, possui alta relevância na prática forense. Trata-se de um delito que, na letra da lei, aparenta uma simplicidade que não corresponde à complexidade do fenômeno (e isso vale para os crimes de falso em geral).

Ora, não é nada simples demonstrar o que é “alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”, por exemplo, uma vez que essa locução necessita de um exercício a contrario sensu. Nesse sentido, impõe-se a pergunta: o que é a verdade de um fato juridicamente relevante?

É esse exercício que a hermenêutica jurídico-penal deve fazer para encontrar o âmago deste delito — que, em apertada síntese, significa dizer encontrar a ofensa ao bem jurídico fé pública.

Nesse contexto, este ensaio visa debater quatro teses defensivas para o delito em tela, incidentes sobre, respectivamente: o tipo objetivo, referentes à 1) atipicidade objetiva e 2) crime impossível; e o tipo subjetivo, tanto por 3) ausência de dolo quanto por 4) erro de tipo.

Ainda à abertura, se esclarece que o tipo penal que se está a tratar, amiúde, apresenta-se subsumido no uso de documento falso (artigo 304, do Código Penal), mas que, pelo princípio da absorção, e pelo desvalor que este delito possui, o debate acaba se concentrando no núcleo típico do artigo 299. 

1) Atipicidade objetiva da conduta 

No crime em comento, há uma série de situações cotidianas que já foram largamente tratadas na jurisprudência, concluindo-se que não há crime nenhum a ser punido, por uma evidente atipicidade objetiva.

Os processos judiciais são ricos em exemplos. Por exemplo, tem-se o caso da parte que declara hipossuficiência mesmo possuindo recursos para arcar com as custas judiciais; que apresenta endereço diverso que o verdadeiro; ou ainda que apresenta documento falso em processo visando à obtenção de aposentadoria junto à secretaria municipal competente.

Já fora do âmbito dos processos judiciais, cita-se caso de médico concursado que insere dados falsos na folha-ponto, conduta que, embora censurável moralmente e em também por outros ramos do direito, não o é perante o Direito Penal (princípio da subsidiariedade).

De um modo geral, fundamenta-se que tais situações não ensejam potencialidade ou idoneidade lesiva, mormente pela não demonstração de fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.

2) Crime impossível (artigo 17, do Código Penal)

Ao contrário dos casos citados acima, há uma situação um tanto mais esdrúxula, que merece maior atenção. Embora estranho à primeira vista, esse problema é relativamente comum: o caso do sujeito que, visando obter porte legal de arma, apresenta documento falso junto à Polícia Federal. Parece uma piada de mau gosto, mas não é. É uma situação bastante corriqueira, e que enseja algumas dúvidas dogmáticas interessantes.

Inicialmente, é preciso destacar que o simples fato de o sujeito querer obter o porte legal de arma de fogo já lança sombras sobre a tipicidade da conduta — isto é, mesmo que o agente tenha querido valer-se de uma alteração da verdade sobre fato, é de se perguntar se essa alteração é juridicamente relevante, ou se há algum direito a ser prejudicado.

Isso porque, se fosse para obter posse de arma ilegalmente, não seria necessário ir à Polícia Federal, bastaria comprar uma arma e mantê-la em sua posse às escondidas. Portanto, pode-se tanto pensar em atipicidade objetiva, pois ausente a incidência de elementos normativos do tipo, quanto em subjetiva, por ausência de dolo.

A jurisprudência pátria, contudo, vem entendendo que tal situação se amolda à categoria do crime impossível. Tal instituto está previsto ao artigo 17 do Código Penal brasileiro.

De uma maneira sintetizada, pode-se dizer que é impunível a tentativa que não puder ensejar nenhum grau de ofensa ao bem jurídico-penal tutelado, o que, nos termos da lei, ocorre por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto.

O TRF-4 possui não poucos julgados sobre o tema. Para ficar apenas em um dos mais recentes, transcreve-se a ementa:

“RECURSO CRIMINAL EM SENTIDO ESTRITO. FALSIDADE IDEOLÓGICA. DECLARAÇÃO FALSA PERANTE A POLÍCIA FEDERAL PARA OBTENÇÃO DE ARMA DE FOGO. AUSÊNCIA DE POTENCIALIDADE LESIVA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. MANUTENÇÃO. 1. A declaração falsa prestada em requerimento de aquisição de arma de fogo perante a Polícia Federal não ostenta potencialidade lesiva, uma vez que, nos termos da legislação vigente à época, se sujeita à comprovação pelas certidões negativas de antecedentes e à posterior averiguação por parte do órgão policial. Precedentes. 2. A ocorrência de crime impossível pressupõe a ineficácia absoluta do meio ou a absoluta impropriedade do objeto.” (TRF-4, RSE 5003384-47.2023.4.04.7107/RS, 8ª Turma, relator Marcelo Malucelli, juntado aos autos em 14/6/2023).

No caso acima citado, a pessoa declarou primariedade, embora ostentasse condenações. Segundo o voto do relator, “a declaração prestada pelo denunciado no requerimento de aquisição de arma de fogo carece de potencialidade lesiva, porquanto sujeita à comprovação pelas certidões negativas de antecedentes e a posterior averiguação por parte do órgão policial, são os precedentes citados na sentença”. Portanto, considerando a ineficácia do meio empregado, trata-se de crime impossível.

3) Atipicidade por ausência de dolo específico

Como se sabe, o tipo penal é composto pelos tipos objetivo e subjetivo, este último subdividido em dolo e culpa. O dolo consiste, em apertada síntese, no conhecimento e na vontade do agente em praticar determinado fato. Como referência legislativa, tem-se o artigo 18, inciso I, e o artigo 20, ambos do Código Penal.

No âmbito do delito de falsidade ideológica, fala-se na necessidade de “dolo específico”. Em termos de doutrina, essa categoria é bastante criticada, inclusive pelo signatário deste texto.

De todo o modo, fato é que a jurisprudência abraça tanto o seu conceito quanto a sua incidência no caso do tipo penal em apreço. Assim, no âmbito do crime de falsidade ideológica, o “dolo específico” pode ser definido como o intuito de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente irrelevante.

Na jurisprudência, encontra-se situações em que o reconhecimento da ausência do dolo específico enseja a absolvição. Por exemplo, o sujeito que insere dado falso em declaração de endereço junto ao Detran.

Essa conclusão ocorre também em situações mais complexas. No âmbito empresarial, houve caso de emissão de notas fiscais falsas utilizadas para obtenção de crédito indevido junto ao ICMS.

Na instrução da ação penal, chegou-se à conclusão de que a pessoa jurídica em questão havia sofrido muitas trocas societárias, sendo que as pessoas que foram denunciadas não haviam realizado a emissão dessas notas fiscais, tampouco tinham conhecimento a respeito disso.

O resultado foi a absolvição pela ausência de dolo específico, especialmente porque no crime de falsidade ideológica “é imprescindível a presença do dolo específico e do especial fim de agir de se lesar o particular ou o Estado, tendo a clara e inequívoca intenção de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”. Uma vez que não forem comprovados tais elementos, a atipicidade da conduta se evidencia.

Vale destacar que também há situações em que sequer se chega a descer à minúcia da categoria do dolo específico: fala-se na ausência do dolo em geral. É o caso, p. ex., do candidato em processo eleitoral, que, ao preencher o pedido de registro de candidatura, omite desempenho de função pública (artigo 350, do Código Eleitoral). Esta simples omissão, se não comprovada a intenção dolosa do agente em fraudar o processo eleitoral, não constitui crime.

Outra situação se deu em município que recolheu a menor contribuição previdenciária de natureza patronal dos servidores públicos municipais.

Nesse contexto, alguns agentes públicos, incluindo parlamentares, teriam elaborado, assinado e apresentado ao Ministério da Previdência Social (MPAS) seis comprovantes de repasse e recolhimento de RPPS, atestando que o recolhimento do tributo se dera de forma legal, e não a menor.

Ao julgar o caso, decidiu o Supremo Tribunal Federal que, apesar de comprovada a materialidade, não se pôde concluir pelo objetivo de falsear informações para prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante – levando à absolvição pela ausência de dolo.

4) Atipicidade por erro de tipo

Derradeira hipótese a ser tratada, esta é, sem dúvida, a de mais escassa ocorrência. Trata-se de incidência de erro de tipo, instituto previsto ao artigo 20 do Código Penal, e que pressupõe a ausência de conhecimento de determinado elemento do tipo penal — que, como consequência, afasta o dolo da conduta.

Na jurisprudência, há caso em que o sujeito mantinha vínculo de dedicação exclusiva com universidade federal, mas teve cumulação indevida de cargos públicos, pois era também concursado a nível municipal. Logo, é incontestável que havia vínculo ilegal.

Nesse sentido, o agente assinou, junto à universidade, declaração de não acumulação de cargos públicos, o que ensejou denúncia por falsidade ideológica. Ocorre que, quando assinou tal declaração, o sujeito já havia solicitado o afastamento do cargo ao município, de modo que ele cria não havia mais haver nenhum vínculo entre eles.

Interessante referir que o juízo singular fundamentou o édito absolutório com a incidência de erro de proibição. Já no TRF-1, o fundamento foi o erro sobre o tipo. Destaca-se: “[…] o réu não teria agido de maneira dolosa, por acreditar que já não preenchia o cargo na [Prefeitura], deveria decorrer da incidência do instituto do erro de tipo (art. 20 do CP), com o consequente reconhecimento da atipicidade formal da conduta”.

Assim, há raras situações em que um elemento fático não é conhecido pelo sujeito ao firmar determinada declaração. Logo, mesmo que se possa falar objetivamente em uma inverdade, é evidente que o desconhecimento sobre ela exclui o dolo através de erro de tipo.

Por derradeiro: sobre a (im)possibilidade de exclusão da culpabilidade por erro de proibição

O instituto do erro sobre a proibição é previsto ao artigo 21 do Código Penal, e ocorre quando a pessoa desconhece o teor ilícito do fato que está a praticar – trata-se, portanto, de instituto que exclui a culpabilidade da conduta. Trata-se de situação raríssima na jurisprudência no âmbito do crime em comento, quiçá jamais aceita.

Amiúde, fala-se que o desconhecimento da lei é inescusável — palavras que estão no próprio artigo 21 do Código Penal. Para colorir esse conceito, encontra-se o afastamento desta tese em situações como: quando a pessoa insere declaração falsa em requerimento de atualização de carteira de identidade de estrangeiro; quando a pessoa, ao preencher instrumento para declaração de aves junto ao Sispass (Sistema de Cadastro de Criadores Amadoristas de Passeiriformes), insere informações falsas; ou, ainda, quando motorista insere declarações falsas em formulário de identificação de condutor junto à Polícia Rodoviária Federal, identificando terceiros como condutores em infrações de trânsito, com a intenção de não contabilizar pontos em sua carteira de habilitação.

Como se pode perceber, as situações acima elencadas não diferem tanto daquelas mostradas nos tópicos acima. Fato é que, quando há absolvição, ela não é fundamentada pelo erro de proibição, mas, sim, por outras teses. Um bom exemplo disso é o caso citado no tópico acima: o juízo singular absolveu com base no erro de proibição; o tribunal, embora mantendo a absolvição, modificou o seu fundamento para o erro de tipo.

Outro caso paradigmático é o do condutor que, notificado por multa de trânsito do Detran, faz constar o nome do proprietário do veículo ao invés do seu. Devido a esse fato, foi denunciado por falsidade ideológica. Em juízo, declarou que não sabia que tal fato fosse considerado crime.

Apesar dessas circunstâncias, a absolvição ocorreu, mas ela não se deu por erro de proibição, e sim por atipicidade da conduta, uma vez que tal declaração não possui capacidade de, por si só, modificar a imposição de multa — e, portanto, não foi capaz de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.

Portanto, percebe-se que as hipóteses exculpantes do delito ora tratado se manifestam essencialmente no âmbito do tipo, tanto por eventual falsidade tratar-se de verdadeiro indiferente penal (atipicidade material ou crime impossível) quanto pela ausência de conhecimento do agente de que a conduta concreta pudesse, de fato, ensejar um fato criminoso (ausência de dolo) ou, em raras circunstâncias, desconhecer algum elemento da realidade que, afasta definitivamente o dolo (erro de tipo).

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Supremo decidirá sobre lei que proíbe pesca profissional em MT

O ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal, vai encaminhar para manifestação da Procuradoria-Geral da República os processos que discutem a validade de lei estadual de Mato Grosso que proíbe a pesca profissional pelo período de cinco anos. Após o parecer, ele proferirá decisão sobre a matéria.

Pesca pescaria pescador lago

 

Ações questionam mudanças na política da pesca do estado de Mato Grosso – Freepik

O magistrado anunciou a medida nesta terça-feira (2/4), em razão de as partes envolvidas no caso não terem chegado a um acordo nas audiências de conciliação.

Mendonça é relator das ações diretas de inconstitucionalidade sobre o tema propostas pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), pelo Partido Social Democrático (PSD) e pela Confederação Nacional dos Pescadores e Aquicultores (CNPA).

As ações contestam as alterações na Política da Pesca de Mato Grosso (Lei estadual 9.096/2009), promovidas pela Lei estadual 12.197/2023, para proibir a pesca profissional no estado por cinco anos, a partir de 1° de janeiro deste ano.

Entre outros argumentos, os autores alegam que a regra contraria a legislação federal sobre a matéria, além de colocar em risco a continuidade de vida tradicional e comprometer a sobrevivência das comunidades pesqueiras no estado. Ao convocar as rodadas de negociação, o relator ressaltou as vantagens para a construção de um consenso sobre a matéria.

 

Espécies de peixes

A primeira audiência foi promovida no dia 25 de janeiro. Na ocasião, as partes se comprometeram a apresentar sugestões visando a ajustar a legislação para atender aos interesses de preservação ambiental e de sobrevivência dos pescadores.

Na segunda audiência, promovida nesta terça-feira, representantes do governo de Mato Grosso e da Assembleia Legislativa apresentaram a flexibilização da legislação, mantendo a proibição de apenas 12 espécies. Representantes dos pescadores ponderaram que quatro espécies de peixes da lista do governo estadual poderiam ser liberadas: pintado, tucunaré, trairão e piraputanga.

 

Sem acordo

A discussão sobre as proibições, no entanto, não avançou. A representante da Advocacia-Geral da União (AGU), por sua vez, disse que a legislação estadual, tal como prevista, restringe a gestão da pesca em Mato Grosso apenas ao governo estadual. A proposta do governo federal foi de suspensão da vigência da lei até que fossem concluídos estudos técnicos para estabelecer quais espécies devem ser proibidas, mas a sugestão não foi acolhida pelo governo mato-grossense.

Diante do impasse na via conciliatória, o Supremo deverá deliberar sobre o caso. Antes, contudo, diante das inovações legislativas apresentadas, o ministro relator encaminhará ao caso à PGR para emissão de novo parecer sobre a controvérsia.

Participaram das audiências representantes do governo federal por meio da AGU, dos ministérios do Meio Ambiente e Mudança do Clima e da Pesca e Aquicultura, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), além de representantes do governo do estado e da Assembleia Legislativa. Os partidos que ingressaram com as ações também participaram. Com informações da assessoria de imprensa do STF.

 

ADI 7.471
ADI 7.514
ADI 7.590

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As provas digitais na reforma do Código Civil

A comprovação da ocorrência ou da inocorrência de um fato ou de um ato jurídico é elemento central para a aquisição ou preservação de posições jurídicas.

Mesmo que não vigore mais um sistema estático de tarifação de provas, o Código Civil continua prevendo que a demonstração de fatos jurídicos pode ocorrer de maneiras determinadas.

Contudo, não se pode ignorar que, de acordo com a legislação civil, nem todos os atos podem ser comprovados com o uso de qualquer fonte de prova.

A prova testemunhal, por exemplo, é considerada frágil e por isso somente é admitida de maneira subsidiária ou complementar à prova documental, independente do valor do negócio jurídico (artigo 227, § único).

Ainda que se possa questionar o sistema de tipicidade das fontes contido no artigo 212 do Código Civil, que elenca a confissão, a apresentação de documento, a oitiva de testemunha,  a presunção e a perícia como maneiras de comprovação do fato jurídico, salvo negócio que imponha forma especial, é inegável que, na atual conjuntura, a tecnologia é elemento integrante das fontes de provas admitidas em direito.

Reforma do Código Civil

O grupo de direito digital da comissão de juristas para a reforma do Código Civil explicitou essa questão, por exemplo, ao caracterizar documento eletrônico [1] e prever o uso de videoconferência notarial como meio de verificação da manifestação da vontade da parte em ato lavrado de maneira eletrônica.

No Código de Processo Civil de 2015, o tópico foi abarcado pela redação do artigo 369 ao prever que as partes poderão empregar todos os meios legais e moralmente legítimos com o intuito de provar a verdade dos fatos, ainda que não expressamente indicados no Código, admitindo, portanto, o uso de meios de prova típicos e atípicos.

A temática probatória é um dos grandes pontos de intersecção entre o direito material e processual, já que muitas vezes as normas jurídicas sobre as fontes de prova do Código Civil influenciam a sua admissão e valoração quando utilizadas como meio de prova judicial para comprovação de fatos constitutivos, impeditivos, modificativos ou extintivos.

Nesse sentido, a sugestão apresentada pelo grupo diz respeito à prova testemunhal e busca ampliar o seu momento de produção para que não ocorra somente em juízo, em ação de produção antecipada de provas ou no curso do processo de conhecimento, abrangendo também a via extrajudicial, independente da existência ou não de processo judicial.

A recomendação reflete tendência maior de desjudicialização de certos atos e fases processuais, com criação de incentivos para adoção de variados mecanismos, como os meios alternativos de resolução de litígios, e para a promoção de execuções que se desenvolvam na esfera extrajudicial, com o magistrado atuando na supervisão dos atos, interferindo de maneira pontual.

Essa propensão está calcada em razões diversas, sendo as mais conhecidas as relacionadas com a morosidade do aparelho estatal, com os custos financeiros atrelados ao ajuizamento de demandas judiciais e a até mesmo aquelas relativas ao desgaste emocional inerente a certas espécies de demanda, como aquelas em que há relação prévia entre as partes, exemplo maior as de cunho familiar.

Discovery

A introdução de mecanismo que se assemelha à discovery do common law possui o condão de servir como parâmetro para as partes sobre a robustez das provas existentes e sobre a possibilidade de êxito caso haja ajuizamento de demanda judicial, evitando a propositura de ações com baixa, ou nenhuma, perspectiva de julgamento de procedência.

Conforme o texto sugerido, as partes deverão estar representadas por advogado, de maneira individual ou conjunta, e a sessão de oitiva deverá ser gravada em vídeo, com arguições realizadas pelo causídico.

Spacca

O emprego dessa prova em processo judicial apenas ocorrerá caso o juiz competente entenda que durante a sua elaboração houve observância ao devido processo legal e às demais garantias processuais relacionadas, em especial o contraditório e a ampla defesa, o que acaba por decorrência lógica afastando o uso de técnicas vexatórias voltadas ao constrangimento ou indução da testemunha.

Da mesma forma, a valoração probatória ocorrerá em conformidade com o livre convencimento motivado do magistrado vigente no sistema processual brasileiro.

A iniciativa poderia ser complementada com esclarecimentos procedimentais sobre, por exemplo, quais estímulos poderão ser utilizados para que as testemunhas compareçam à colheita probatória extrajudicial, a sua (in)suficiência para ensejar o deferimento de pedido de tutela de provisória, de urgência ou de evidência, sobre o uso do testemunho como prova emprestada em demanda correlata, entre tantos outros.

No entanto, a proposta aproxima o tema da prova, no aspecto material e judicial, da tecnologia, ao mesmo tempo em que busca desvincular a sua produção do necessário ajuizamento de demanda judicial, conferindo maior liberdade de condução do conflito às partes e seus advogados.


[1] Ainda que não positivada, a questão já havia sido objeto de dois enunciados da IV Jornada de Direito Civil de 2007: O documento eletrônico tem valor probante, desde que seja apto a conservar a integridade de seu conteúdo e idôneo a apontar sua autoria, independentemente da tecnologia empregada (Enunciado 297); Os arquivos eletrônicos incluem-se no conceito de “reproduções eletrônicas de fatos ou de coisas” do art. 225 do Código Civil, aos quais deve ser aplicado o regime jurídico da prova documental (Enunciado 298).

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Contratos não são fixos: como comportamentos podem mudar regra escrita

Desde antes da promulgação do Código Civil, em vigor desde 2003, a doutrina e os tribunais brasileiros já entendiam que a dinâmica dos contratos pode mudar para além do previsto por escrito. Caso as partes se portem de forma diferente do previamente acordado e essa nova dinâmica acabe se tornando um hábito que represente as expectativas das partes, ela pode se tornar a nova regra. Na prática, a mudança será considerada uma alteração contratual — ainda que tácita — e prevalecerá sobre o que está escrito.

Assinatura, contrato

 

Isso acontece porque a essência de qualquer contrato é justamente fixar soluções jurídicas para problemas concretos. Então, se a solução que melhor se adequar a uma determinada situação não for a que está prevista no contrato, as partes podem, livremente, combinar uma nova dinâmica.

Um exemplo prático: um contrato estabelece que os pagamentos de um aluguel de imóvel sejam em todos os quintos dias úteis de cada mês. Porém, o locatário paga sempre no dia 10. Se o locador aceita essa dinâmica por meses a fio sem a questionar, depois de um certo tempo não será mais possível alegar violação do contrato na Justiça Cível.

Isso porque o instituto da boa-fé objetiva, previsto no artigo 422 do Código Civil, proíbe o que é chamado de “comportamento contraditório”. A regra repreende comportamentos contrários à postura que as partes adotaram durante a execução de um contrato e que geraram legítimas expectativas à contraparte, mesmo que não haja disposição disso por escrito. Ou seja, o comportamento é contraditório porque a parte deixa de fazer aquilo que se propôs ou toma uma atitude que deu a entender que não tomaria.

Situações como essa são muito frequentes, o que faz com que o comportamento contraditório seja cada vez mais rechaçado pelo Poder Judiciário. Até porque ele pode ser interpretado, por exemplo, como uma tentativa de tirar vantagem, alegar a própria torpeza e até mesmo enganar o julgador.

 

O que é o comportamento contraditório

Dessa forma, o comportamento contraditório se apresenta como uma conduta ilícita, uma vez que a contradição viola a confiança e expectativas da outra parte, causando prejuízos e sendo até mesmo passível de indenização.

Por outro lado, o comportamento coerente e a confiança são imperativos e requisitos éticos imprescindíveis nas relações contratuais: todos os negócios jurídicos postulam a credibilidade das situações.

É o que diz, por exemplo, o jurista António Menezes Cordeiro, no Tratado de Direito Civil. Para ele, quem tem sua confiança frustrada em uma relação contratual é “uma pessoa violentada na sua sensibilidade moral”. Por sua vez, aquele que quebra essa confiança está indo “contra um código ético imediato”. Nesse contexto, o jurista conclui que a confiança é uma forma de concretizar os valores firmados no contrato.

O comportamento contraditório é, portanto, a mais clara ofensa à confiança e ao dever de lealdade, decorrentes da boa-fé objetiva e depositados no momento da formação do contrato, justamente porque se caracteriza pela posição contrária àquela que vinha sendo praticada por uma das partes.

Não por acaso, a proibição ao comportamento contraditório é reforçada em outros regramentos. Por exemplo, as Jornadas de Direito Civil, organizadas pelo Conselho da Justiça Federal, aprovaram enunciados sobre a vedação ao comportamento contraditório: o de nº 362, IV, que dispõe que “a vedação ao comportamento contraditório se baseia na proteção da confiança disposta nos artigos 187 e 422 do Código Civil”; e o de nº 412, que considera o comportamento contraditório um “exercício inadmissível de uma situação jurídica subjetiva”.

 

Princípio da boa-fé

A perspectiva do Superior Tribunal de Justiça (STJ) também merece destaque. No REsp nº 1.099.550/SP, o tribunal entendeu que os princípios da segurança jurídica, da boa-fé objetiva e a vedação ao comportamento contraditório impedem que uma parte, após praticar ato em determinado sentido, adote comportamento contrário depois.

Já o REsp nº 1.894.715/MS se fundamentou na aplicação da teoria dos atos próprios como uma concretização do princípio da boa-fé objetiva, reconhecendo que é ilícito fazer valer um direito em contradição com a conduta anterior na mesma relação negocial.

A principal lição que se tira é que há uma grande necessidade de melhorar o gerenciamento dos contratos, desde a elaboração até o final de sua validade. Eles devem ser redigidos de forma muito cuidadosa, já pensando em evitar a criação de dinâmicas distintas das regras escritas, que abram brechas para as partes reclamarem ou que provoquem a mitigação da força obrigatória dos contratos.

Igual atenção é necessária ao monitorar a execução do contrato: o responsável deve se certificar de que a execução está seguindo o acordo escrito. Caso se perceba que uma nova dinâmica foi criada — e constate-se que ela não deve prevalecer —, a recomendação é que se tente voltar rapidamente às disposições escritas, caso ambos os lados concordem.

Nesse momento, também é recomendável formalizar o desvio contratual por escrito, deixando claro que ele não acontecerá novamente (mas relembrando que isso também deve ocorrer na prática, se não, de nada adiantará a formalização).

O direito, como se vê, dá atenção à conduta e à postura das partes, e pode desprezar disposições escritas se entender que não correspondem à realidade do negócio. Nessa vertente, prevalece a boa-fé objetiva, que valoriza a confiança de uma parte na outra e os comportamentos adotados na execução dos contratos.

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Chegou o momento de um Código Aduaneiro brasileiro?

No cenário econômico global, o Direito Aduaneiro emerge como um campo de vital importância, não apenas por sua complexidade e especificidade, mas pela sua capacidade de influenciar diretamente o desenvolvimento econômico e a competitividade internacional do país.

A legislação aduaneira desempenha um papel crucial na regulação das operações de comércio exterior, impactando diretamente no desenvolvimento econômico, na segurança jurídica e na eficiência administrativa dos países.

Neste contexto, a formulação de um Código Aduaneiro no Brasil surge não apenas como uma necessidade, mas como um imperativo estratégico diante dos desafios contemporâneos e das perspectivas futuras.

A atual dispersão e a inacessibilidade das normas aduaneiras não só dificultam sua compreensão e aplicação, mas também elevam os custos operacionais e a insegurança jurídica, impactando negativamente todos os agentes envolvidos [1].

O “super” Poder Executivo e o acúmulo de funções

Historicamente, a concentração das funções legislativa, executiva e fiscalizatória nas mãos do Executivo tem se mostrado uma prática contrária aos princípios de um Estado democrático de Direito, comprometendo a eficácia e a transparência necessárias para que o país se alinhe às expectativas e compromissos internacionais. Esta centralização desmedida distancia o Brasil das melhores práticas globais e de uma gestão aduaneira que atenda às demandas do século 21.

Trata-se de atuação temerária e que deriva da conveniência da própria Receita Federal em legislar em favor de seus interesses e convicções e poder impor restrições que atendam às suas preferências e dificuldades administrativas. Por outro lado, não se pode negar que o panorama atual de atuação de um “super Executivo” não surgiu despropositadamente.

Foi a inércia do Poder Legislativo, desde antes da promulgação da Constituição de 1988, que acabou por obrigar as autoridades administrativas a suprirem as lacunas existentes para que o comércio exterior pudesse existir.

Ou seja, apesar das críticas à atuação da Aduana/Receita, não se pode negar que esta foi, em um primeiro momento, forçada a atuar em múltiplas posições diante da omissão do Poder originalmente competente. Tem-se, assim, uma situação em que o Executivo é, simultaneamente, vítima e algoz.

Há de se reconhecer que o Brasil deu, recentemente, passos significativos ao ratificar importantes acordos internacionais como o Acordo sobre Facilitação do Comércio da OMC, a Convenção de Quioto Revisada da OMA, e o Protocolo sobre Facilitação do Comércio ao Acordo Bilateral de Comércio e Cooperação Econômica com os Estados Unidos.

Esses acordos, embora já integrados ao ordenamento jurídico brasileiro, esbarram na obsolescência do Decreto-Lei n° 37/66, uma norma que não reflete as exigências contemporâneas de eficiência, transparência e agilidade nas operações aduaneiras.

É neste contexto que o despertar do Legislativo para a temática do comércio exterior torna-se tão relevante e promissora. Independente do texto do PLS n° 508/2024, é a ação do senador Renan Calheiros, enquanto propositor do projeto, que chama a atenção e traz expectativa aos estudiosos e especialistas da área aduaneira.

O PLS n° 508/2024 é recebido com otimismo, pois representa uma abertura para o diálogo e a reformulação necessária na estruturação do Direito Aduaneiro brasileiro. Contudo, é crucial reconhecer que a mera consolidação de normativas esparsas e defasadas não é suficiente.

É necessário um esforço conjunto e significativo para revisar, modernizar e, acima de tudo, harmonizar a legislação aduaneira do país com as práticas e padrões internacionais.

Ademais, as tentativas anteriores de consolidação por meio de regulamentos não atingiram os objetivos esperados, evidenciando a necessidade de uma legislação autônoma e de hierarquia superior, que reflita as peculiaridades e demandas do comércio exterior atual.

O PLS n° 508/2024 está em tramitação. E agora?

O PLS n° 508/2024 original não está em condições de aprovação e não respeita totalmente o processo de consolidação de leis da LC 95/1998. Ainda assim, trata-se de importante iniciativa política e que pode abrir o espaço necessário para o amadurecimento do assunto e para discussões técnicas de alto nível.

Não queremos e não podemos revestir normas defasadas com uma película de modernidade. Precisamos ir ao âmago de assunto e impulsionar a necessária e urgente reforma das estruturas sob as quais a Aduana brasileira se funda. Do contrário, vamos simplesmente emprestar legitimidade às normas produzidas e pensadas na ditadura militar e destinar o Brasil a mais algumas décadas de atraso.

O Brasil, diferentemente de seus vizinhos do Mercosul, ainda navega sem um Código Aduaneiro consolidado, enfrentando desafios e oportunidades únicas nessa jornada. A experiência internacional, especialmente dos países do Mercosul que já possuem Códigos Aduaneiros, oferece valiosas lições sobre a estrutura e conteúdo essenciais desses instrumentos. Tais códigos incorporam desde glossários para uniformizar a terminologia até disposições detalhadas sobre jurisdição aduaneira, penalidades e procedimentos específicos.

O desenvolvimento de um Código Aduaneiro deve ser orientado não apenas pela consolidação legislativa, mas pela criação de uma estrutura normativa que promova a facilitação do comércio, a segurança jurídica e a previsibilidade nas operações aduaneiras.

Isso envolve superar as limitações impostas pela aplicação de princípios tributários inadequados e pela histórica centralização de poder no Executivo, caminhando em direção a uma gestão aduaneira moderna, eficiente e alinhada às necessidades globais.

A oportunidade apresentada pelo PL n° 508/2024 deve ser aproveitada para repensar e reconstruir o panorama aduaneiro nacional, garantindo que o Brasil se posicione de forma competitiva e inovadora no cenário do comércio internacional.

Um Código Aduaneiro para o Brasil

O que temos defendido é a “transformação” do PL n° 508/2024 em um projeto de Lei Aduaneira. Ou seja, que se utilize o momento e a vontade política existentes para criação do tão sonhado Código Aduaneiro Brasileiro.

Não se tratar de uma iniciativa simples e, como todo código, levará tempo e exigirá o envolvimento de especialistas, autoridades e operadores afetados. No entanto, trata-se de uma perfeita oportunidade para a criação de um marco regulatório claro e abrangente, facilitando as operações de importação e exportação, ao mesmo tempo em que protege os interesses nacionais.

Além de permitir a correção e a superação das significativas limitações da infraestrutura legal atual, baseada em um emaranhado de regulamentos, decretos e normativas.

A codificação legal tem sido historicamente associada à busca por racionalização, progresso e uma visão pedagógica do Direito. No contexto moderno, a codificação deve, além disso, limitar e esclarecer, proporcionando uma estrutura que evite arbitrariedades e promova a conformidade com os parâmetros legais estabelecidos para o funcionamento da sociedade.

Assim, a construção de um Código Aduaneiro daria ao país a oportunidade de repensar as bases do Direito atual, colocando em perspectiva necessidades da Administração e dos administrados e dando o devido reconhecimento às obrigações internacionais assumidas pelo Brasil sobre a matéria e que, apesar de ratificadas e internacionalizadas com status de legislação ordinária, atualmente se perdem dentro do imbróglio normativo e das ilegalidades do sistema.

Elementos essenciais de um Código Aduaneiro

Considerando as melhores práticas internacionais e as necessidades internas, nos parece que os elementos primordiais a serem considerados na elaboração de um Código Aduaneiro e que não constam no PL n° 508/2024 são: (1) glossário; (2) definição de jurisdição aduaneira e seu detalhamento em termos de atuação, princípios, prerrogativas e limitações; (3) clara identificação de todos os sujeitos aduaneiros, seus direitos e deveres; e (4) estabelecimento de um verdadeiro contencioso aduaneiro.

Esta lista, como se vê, não é exaustiva e está longe de esgotar os elementos necessários de um Código Aduaneiro. Pelo contrário, tem-se outras tantas questões de primeira importância como: controle aduaneiro, regimes aduaneiros especiais, infrações e penalidades, tributação, etc.

No entanto, esses são pontos que já existem nas normas atuais, necessitando não se criação, mas de revisão e adequação. Por tal motivo, os deixaremos para um artigo futuro.

Quanto aos elementos essenciais que atualmente inexistem no quadro normativo existente, compartilhamos as seguintes ponderações e preocupações.

Primeiro, a ausência de um glossário específico para guiar a aplicação e interpretação das normas aduaneiras tem levantado questões complexas, como a definição precisa do que constitui um importador, as atividades relacionadas à importação e os princípios que norteiam essa atividade.

A clareza nessas definições é fundamental para orientar tanto os operadores quanto os cidadãos em geral sobre suas obrigações e direitos e evitar tratamentos equivocados e discrepantes ao longo das extensas fronteiras nacionais.

Segundo, a questão da definição e delimitação da jurisdição da Aduana e seus princípios e propósitos. Ao pensar em um possível Código Aduaneiro, é essencial não apenas consolidar normas existentes, mas também refletir sobre o propósito subjacente.

Um enfoque puramente arrecadatório pode ser insuficiente para promover a conformidade desejada em uma Aduana moderna, que busca equilibrar a arrecadação de receitas com uma abordagem pedagógica que desencoraje práticas irregulares.

Apesar de a própria Receita afirmar que o grande foco da Aduana está na fiscalização de caráter extrafiscal, visando o interesse público no controle das fronteiras com foco em saúde, defesa, meio ambiente, comércio justo, entre outros, basta uma rápida leitura na IN SRF n° 680/2006 para se verificar o contrário.

Por exemplo, em seu artigo 21, que trata de parametrização e seleção para conferência aduaneira, ao menos cinco dos oito critérios indicados no §1º relacionam-se diretamente com questões fiscais e de cunho arrecadatório.

Ou seja, independentemente do quanto as arrecadações da Aduana representam aos cofres públicos e sua suposta perda de importância, é inegável que a fiscalização das operações de comércio exterior, principalmente na importação, ainda é primordialmente focada no aspecto fiscal-tributário.

Para atualizar a legislação aduaneira e modificar seu foco, é necessário iniciar a reforma pela clara definição de quem é a Aduana e qual o seu propósito, a fim de que isto reflita em todas as demais normas de cunho operacional.

Se a Aduana possui caráter eminentemente extrafiscal, focada no controle do mercado interno, das fronteiras e de interesses nacionais coletivos, isto precisa estar refletido em sua forma de organização e atuação — o que hoje, certamente, não está.

Isso vale, igualmente, para questões de treinamento e progressão na carreira dos agentes, procedimentos de disciplina e ética, critério de alocação de bônus — o que, inclusive, já abordamos em oportunidade anterior —, etc.

Terceiro, faz-se necessário identificar e pontuar quem são os jurisdicionados do código e de seus futuros regulamentos, explicitando seus direitos e obrigações. Este ponto se relaciona com a própria eficiência de políticas e regras de conformidade.

Se as autoridades buscam, por meio das leis, promover a conformidade voluntária — e não a mera arrecadação diante de erros e infrações — faz-se necessário investir em informação. Sem que os tutelados do Direito tenham reais condições de conhecer e compreender seus deveres e direitos, sempre haverá um número expressivo de infrações e uma necessidade de utilização de sistemas de repressão.

A exemplo da reforma aduaneira promovida nos Estados Unidos nos anos 1990, a busca por uma maior conformidade voluntária incentivou a criação de novos princípios e paradigmas na atuação da Aduana: os chamados informed compliance (conformidade informada) e shared responsibility (responsabilidade compartilhada).

Esses princípios, que desde então são a base da lei aduaneira nos EUA, partem da premissa que a conformidade voluntária dos operadores do comércio exterior está diretamente relacionada com a obrigação da Aduana de garantir o acesso a informações claras e de fácil compreensão, o que faz com que o respeito às normas vigentes dependa de uma intensa relação e aproximação entre autoridade e setor privado.

No Brasil, as infrações não possuem um propósito pedagógico e não há sequer métricas que permitam o acompanhamento de reincidências com vistas a se compreender e monitorar uma conformidade voluntária.

Pelo contrário, além da falta de acesso às informações e das constantes dúvidas sobre interpretação, existe uma cultura altamente pautada na punição e na restrição das hipóteses de denúncia espontânea. Sendo este mais um motivo para uma urgente revisão do sistema legal atual.

Por fim, o quarto elemento apontado diz respeito à criação de um verdadeiro contencioso aduaneiro, quiçá, a maior lacuna do modelo atual.

Há décadas, a ausência de um contencioso aduaneiro fez com que o vácuo existente fosse tratado por meio de mera aplicação das regras e procedimentos do contencioso tributário.

Com efeito, tem-se um processo decisório inadequado, que desrespeita os tratados internacionais ratificados pelo Brasil e que faz prevalecer sobre o Direito Aduaneiro os princípios e regras de outro ramo jurídico, subjugando este rico e complexo universo a um mero embate sobre arrecadação.

A despeito das modificações recentes, como a criação do Cejul — da qual já tratamos em artigo específico — ou mesmo da recentíssima criação de turmas aduaneiras no Carf, noticiada nesta coluna na semana passada, são notórios os problemas causados por esta condução inadequada dos processos aduaneiros.

Considerações finais

Urge repensar a base normativa existente e adotar uma abordagem mais abrangente e atualizada. O PLS 408/2024, como está, acaba por simplesmente validar Decreto-Lei 37/66 com uma Lei de 2024, mas não aborda as questões fundamentais, de modo que a sua mera aprovação representaria uma perda de oportunidade de verdadeira atualização.

Temos diante de nós a chance de desenharmos, definitivamente, os limites da potestade da Aduana, distinguindo claramente suas atribuições em relação à Receita Federal e dar ao país a chance de se preparar e adequar aos desafios impostos pela competitividade internacional.

Em suma, repensar a codificação no Direito Aduaneiro exige uma abordagem inovadora e uma disposição para questionar o status quo. Somente dessa forma poderemos promover uma legislação mais eficiente, transparente e adaptada às necessidades da sociedade contemporânea.


[1] Este artigo vem como continuidade à discussão já instaurada nesta coluna pelo colega Leonardo Branco.

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Remição de pena por curso profissionalizante a distância exige cadastro da instituição de ensino no MEC

A Quinta Turma negou o pedido de desconto dos dias de estudo porque a instituição responsável pelo curso feito pelo preso não era devidamente credenciada pelo poder público para essa finalidade.

Para que o preso seja beneficiado com remição de pena por ter feito um curso profissionalizante a distância, é necessário que a instituição de ensino tenha vínculo com o presídio e esteja cadastrada no Sistema Nacional de Informações da Educação Profissional e Tecnológica, do Ministério da Educação (MEC). Os procedimentos são necessários para que o curso tenha respaldo das autoridades educacionais competentes e a remição cumpra os requisitos previstos na Lei de Execução Penal (LEP).

O entendimento foi estabelecido pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao manter decisão monocrática do relator, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, que reformou acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e negou o pedido de remição de pena, por entender que a instituição responsável pelo curso que embasava o requerimento do benefício não era devidamente credenciada pelo poder público para essa finalidade.

No recurso, a defesa do preso alegou que, embora a instituição de ensino não fosse conveniada com o presídio, ela tinha idoneidade para prestar serviços educacionais, o que daria direito à remição de pena pela conclusão do curso a distância.

Caso não diz respeito à falta de fiscalização estatal

O ministro Reynaldo Soares da Fonseca lembrou que, nos termos do artigo 126, parágrafo 2º, da LEP, as atividades de estudo que possibilitam a remição de pena devem ser certificadas pelas autoridades educacionais.

Ainda segundo o relator, a Resolução 391/2021 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) prevê que as atividades de educação não escolar – a exemplo daquelas destinadas à capacitação profissional – devem ser integradas ao projeto político-pedagógico da unidade prisional e realizadas por instituições de ensino autorizadas ou conveniadas ao poder público para esse fim.

No caso dos autos, o ministro reforçou que, além de não estar cadastrada na unidade prisional, a instituição de ensino que emitiu o certificado ao apenado não comprovou estar credenciada no Sistema Nacional de Informações da Educação Profissional e Tecnológica do MEC para oferecer os cursos – situação que viola os requisitos da LEP para a concessão da remição.

“Não se olvida da orientação jurisprudencial de que o apenado não pode ser prejudicado pela inércia do Estado na fiscalização. No caso, contudo, não se cuida de falha na fiscalização. O que se verifica, na verdade, é a efetiva ausência de prévio cadastramento da entidade de ensino na unidade prisional e no poder público para a finalidade pretendida, conforme expressamente consignado pelo juízo das execuções penais”, concluiu Reynaldo Soares da Fonseca.

Leia o acórdão no REsp 2.105.666.

Fonte: STJ