Devedor solidário que paga dívida sozinho pode assumir lugar do credor na execução em andamento

Após quitar integralmente uma dívida em execução, um dos codevedores pediu a substituição no polo ativo do processo, para que ele passasse a ser o único credor dos demais executados.

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, que o devedor solidário que faz a quitação integral do débito assume os direitos do exequente originário, podendo substituí-lo no polo ativo da execução.

Após quitar integralmente uma dívida bancária que estava em processo de execução, um dos codevedores pediu a substituição no polo ativo da demanda, para que ele passasse a constar como o único credor dos demais executados. O pleito foi acolhido pelo juízo e pelo tribunal de segunda instância.

No recurso ao STJ, dois dos codevedores solidários solicitaram a extinção do processo, alegando que o pagamento ao banco teria extinguido o título executivo extrajudicial, de modo que não haveria mais nenhuma obrigação a respaldar a execução. Os devedores também sustentaram que o direito de regresso exigiria a propositura de ação autônoma, pois não seria possível exercê-lo nos mesmos autos da execução em curso.

Pagamento com sub-rogação: cumpre-se a obrigação, mas a dívida persiste

Ao negar provimento ao recurso, a relatora, ministra Nancy Andrighi, explicou que, conforme o disposto no artigo 778, parágrafo 1º, IV, do Código de Processo Civil, o pagador da dívida adquiriu legitimidade (secundária ou derivada) para prosseguir com a execução do título extrajudicial. Nessa hipótese, a substituição do credor originário no polo ativo da demanda (sub-rogação) ocorre sem o consentimento do executado e dispensa o ajuizamento de ação autônoma de regresso.

“A desnecessidade da propositura de ação autônoma prestigia os princípios da celeridade e da economia processual, e obedece à regra de que a execução se realiza no interesse do exequente”, declarou a ministra.

Nancy Andrighi esclareceu ainda, com fundamento no artigo 379 do Código Civil e na doutrina, que, no pagamento com sub-rogação, há o adimplemento da obrigação, mas permanece vigente o dever de pagar. Isso significa que um credor sai da relação jurídica enquanto outro o substitui, mas a dívida persiste, não havendo motivo para a alegada inexequibilidade do título que dá embasamento à execução.

Fonte: STJ

Limites entre liberdade de organização religiosa e direito à intimidade

Recentemente, no Rio de Janeiro, a ação de uma igreja evangélica causou algumas controvérsias. A denominação utilizou suas redes sociais para revelar pecados dos seus membros, nomeando-os e especificando as punições que receberiam.

Em uma carta aberta, assinada pelo presbitério, a Igreja One enfatiza questões de integridade e santidade. Os motivos para as ações disciplinares variam desde embriaguez até comportamento autoritário e manipulador.

Igreja One/Divulgação

 

Segundo a nota, os líderes afastados admitiram seus erros e se arrependeram. Ato contínuo, começaram um processo de restauração. Além disso, a igreja reconheceu falhas internas na comunicação e na definição de limites claros no discipulado, comprometendo-se a desenvolver protocolos para evitar que essas situações se repitam [1].

A escolha de divulgar publicamente os pecados e as punições dos membros provoca divergências. Alguns fiéis defendem que a transparência é essencial para preservar a integridade da igreja, ao passo que outros consideram a exposição pública desnecessária e prejudicial.

Analisando essa situação do ponto de vista jurídico, precisamos compreender duas questões:

1) Do ponto de vista do pastor e da igreja, como decorrência do direito constitucional à liberdade religiosa, temos a liberdade de organização religiosa, que consiste na capacidade de as igrejas se organizarem como pessoas jurídicas de direito privado, obtendo o reconhecimento, pelo Estado, dos seus estatutos, regimentos e códigos de conduta.

Essa questão é reforçada pelo Código Civil, quando este diz no artigo 44, IV, §1º, que: “São livres a criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamento das organizações religiosas, sendo vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento”.

Em outras palavras, as igrejas possuem uma autodeterminação organizacional para definir suas regras sobre, por exemplo, corrente doutrinária, admissão e exclusão de membros, incluindo a disciplina eclesiástica de membros que incorrem em faltas ou pecados.

2) Por outro lado, do ponto de vista das pessoas expostas, a mesma Constituição estabelece que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (artigo 5º, X), além disso, o Código Penal institui os chamados crimes contra a honra: calúnia, injúria e difamação.

Disciplina religiosa

Pois bem. No caso em tela, é preciso considerar o seguinte: quando alguém adere a uma religião, o faz de maneira livre, pois ninguém pode ser obrigado a se filiar ou associar-se a uma denominação religiosa. É prudente que quem faz parte de uma igreja busque conhecer seu estatuto e regimento interno, para saber acerca dos seus direitos e deveres enquanto membro daquela comunidade, inclusive as regras sobre a disciplina eclesiástica dos que incorrem em pecados.

Não tivemos acesso ao estatuto da igreja em comento, todavia, caso nesse documento fosse previsto expressamente que aqueles que fossem flagrados em faltas e pecados seriam expostos por meio de cartas abertas nas mídias sociais como parte da disciplina religiosa, como pessoas que se associaram livremente àquela denominação, eles deveriam aceitá-la.

Responsabilização

Por outro lado, caso essa decisão de publicizar as condutas dos membros tenha partido de maneira arbitrária pela liderança da igreja, por mera vingança e sem nenhuma previsão normativa nesse sentido nos documentos da igreja (estatuto, regimento interno, etc.), a igreja e o pastor responsável podem sim ser responsabilizados, tanto na esfera cível, podendo ser obrigada a arcar com uma indenização por danos morais devido à ofensa à imagem dos membros, bem como na esfera penal: por injúria (artigo 140, do Código Penal), que consiste em ofender a dignidade ou o decoro de alguém, atingindo diretamente a honra subjetiva da vítima, ou seja, a percepção que ela tem de si mesma; ou por difamação (artigo 139, do Código Penal) que envolve a imputação de fato ofensivo à reputação de alguém, atingindo a honra objetiva, que é a reputação da pessoa perante terceiros.

Isso posto, em nossa compreensão, e salvo melhor juízo, a disciplina eclesiástica, sob a ótica teológica e do direito religioso, deve ser aplicada com rigor, justiça, transparência e sabedoria. Esta deve sempre se basear nas escrituras sagradas e nos documentos eclesiásticos. Contudo, é prudente que tal gestão ocorra internamente. Isto é, os pecados devem ser expostos e tratados confidencialmente entre os membros da comunidade, visando restaurar o pecador e prevenir que testemunhos negativos recaiam sobre a organização religiosa.

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Comissão aprova prioridade na emissão de novos documentos para vítima de violência doméstica

A Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei que garante prioridade na emissão de novos documentos pessoais à vítima de violência doméstica que tenha tido seus documentos retidos ou destruídos pelo agressor. A prioridade também valerá para a documentação dos filhos. 

O texto aprovado também torna crime a destruição, retenção ou subtração de documentos pessoais dessa vítima ou de seus dependentes, com reclusão de 6 meses a 2 anos e multa.

 
Audiência Pública - Proteção de dados e publicidade digital para crianças e adolescentes. Coordenadora do Programa Criança e Consumo - Instituto Alana, Maria Mello e a dep. Silvye Alves (UNIÃO - GO)
Silvye Aires recomendou aprovar versão da proposta – Renato Araújo/Câmara dos Deputados

A Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei que garante prioridade na emissão de novos documentos pessoais à vítima de violência doméstica que tenha tido seus documentos retidos ou destruídos pelo agressor. A prioridade também valerá para a documentação dos filhos. 

O texto aprovado também torna crime a destruição, retenção ou subtração de documentos pessoais dessa vítima ou de seus dependentes, com reclusão de 6 meses a 2 anos e multa.

Conforme a proposta, caberá aos órgãos responsáveis pela emissão de documentos garantir o atendimento prioritário, além da segurança e da privacidade da solicitante, resguardando informações que possam colocar em risco sua integridade. A vítima deverá apresentar, preferencialmente, boletim de ocorrência ou documento equivalente que ateste a situação de violência doméstica e familiar.

O texto aprovado é o substitutivo da relatora, deputada Silvye Alves (União-GO), ao Projeto de Lei 5880/23, do deputado Duda Ramos (MDB-RR). A proposta altera a Lei Maria da Penha e o Código Penal.

A relatora destaca que a lei já considera como violência patrimonial “qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades”. 

Para ela, a conduta deve ser criminalizada. “Entendemos que os agressores também devem ser penalizados, de modo que os juízes não tenham dúvidas no enquadramento criminal do tipo de conduta da qual estamos tratando”, disse. 

Próximos passos
A proposta será analisada em caráter conclusivo pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. 

Fonte: Câmara dos Deputados

Aprovado projeto que aumenta pena para assassinato de professor dentro de escola

A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (12) projeto de lei que aumenta as penas de homicídio praticado em instituição de ensino em certas situações e o considera crime hediondo. A proposta será enviada ao Senado.

De autoria do Poder Executivo, o Projeto de Lei 3613/23, foi aprovado na forma do substitutivo do relator, deputado Jorge Goetten (PL-SC). Segundo o texto, a pena padrão de reclusão de 6 a 20 anos pode ser aumentada em 1/3 se o homicídio na instituição de ensino for cometido contra pessoa com deficiência ou com doença que acarrete condição limitante ou de vulnerabilidade física ou mental.

 
Discussão e votação de propostas. Dep. Jorge Goetten (PL - SC)
Jorge Goetten, relator do projeto – Mário Agra/Câmara dos Deputados

O aumento de pena será de 2/3 se o autor é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tiver autoridade sobre ela, ou, ainda, se é professor ou funcionário da instituição de ensino.

Quanto ao crime de lesão dolosa, haverá agravante (1/3 a 2/3 de aumento da pena) se ele for praticado nas dependências de instituição de ensino.

Nessas mesmas situações de vítima e agressor listadas, a lesão dolosa praticada em instituição de ensino será punível com agravante de 2/3 ao dobro da pena.

O relator do projeto, deputado Jorge Goetten, afirmou que os brasileiros têm testemunhado um aumento exponencial no número de delitos em escolas, que vão desde infrações contra a honra até verdadeiros massacres cometidos contra alunos e professores. “Urge indispensável o recrudescimento das penas quando se tratar de delito cometido nas dependências de instituição de ensino”, declarou.

Goetten foi o coordenador do grupo de trabalho sobre violência nas escolas de 2023. Juntamente com o relatório da deputada Luisa Canziani (PSD-PR), o grupo aprovou quatro sugestões de projetos de lei e seis indicações ao Poder Executivo.

Crime hediondo
O texto aprovado muda ainda a Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/90) para considerá-los assim o homicídio, a lesão corporal dolosa de natureza gravíssima e a lesão corporal seguida de morte quando praticados em instituições de ensino.

Agravante geral
Para todos os crimes tipificados no Código Penal, quando praticados nas dependências de instituição de ensino, o texto considera que haverá agravante se não constituir um crime com agravante já especificado.

Assim, por exemplo, o furto dentro de escola passa a ser considerado um agravante, pois não existe uma qualificação desse crime especificamente para essa situação.

Debate em Plenário
O deputado Chico Alencar (Psol-RJ) disse que as escolas devem ser lugar de acolhida, serenidade e paz. “A violência tem de ser expelida, combatida, banida da escola porque é um corpo estranho e venenoso.”

O deputado Gervásio Maia (PSB-PB) lembrou que a violência no ambiente escolar tem crescido em todo o mundo. “A aprovação do projeto vai representar mais segurança e proteção aos filhos e filhas do povo brasileiro.”

Para o deputado Cabo Gilberto Silva (PL-PB), o projeto já deveria ter sido aprovado há muito tempo, em especial quando aconteceu o ataque a uma creche em Blumenau (SC).

A deputada Ana Paula Lima (PT-SC) ressaltou que houve uma mobilização da comunidade de Blumenau e isso fez o governo federal propor a mudança legal. “Vai estabelecer uma estratégia de prevenção e enfrentamento à violência que, infelizmente, tem acontecido nas unidades escolares.”

Fonte: Câmara dos Deputados

Aprovada a criação do cadastro nacional de condenados por violência contra a mulher

A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (12) projeto de lei que cria o Cadastro Nacional de Pessoas Condenadas por Violência contra a Mulher (CNVM), com informações de pessoas condenadas por crimes dessa natureza. A proposta será enviada ao Senado.

Discussão e votação de propostas. Dep. Dr. Jaziel (PL - CE)
Dr. Jaziel, relator do projeto – Mário Agra/Câmara dos Deputados

De autoria da depurada Silvye Alves (União-GO), o Projeto de Lei 1099/24 foi aprovado na forma de substitutivo do relator, deputado Dr. Jaziel (PL-CE). No cadastro, serão incluídos dados de condenados por sentença penal transitada em julgado, resguardado o direito de sigilo do nome da ofendida.

Para a autora do projeto, em razão da extensão do País, o banco de dados em nível nacional “dará mais um instrumento para a sociedade civil e as autoridades de segurança pública para prevenir tais crimes contra as mulheres”. Ela citou casos de criminosos que praticam esses crimes de forma reiterada e fogem para outra unidade da Federação a fim de se esconder e lá cometem novamente tais crimes.

O relator do projeto, deputado Dr. Jaziel, também ressaltou que a intenção é evitar que os agressores cometam o mesmo crime com outras mulheres.

O cadastro abrange os seguintes crimes:

  • feminicídio;
  • estupro;
  • estupro de vulnerável;
  • violação sexual mediante fraude;
  • importunação sexual;
  • assédio sexual;
  • registro não autorizado de intimidade sexual;
  • lesão corporal praticada contra a mulher;
  • perseguição contra a mulher;
  • violência psicológica contra a mulher.
 
Discussão e votação de propostas. Dep. Silvye Alves (UNIÃO - GO)
Silvye Alves, autora do projeto – Vinicius Loures/Câmara dos Deputados

Dados
Do cadastro deverão constar dados como nome completo e de documentos de identidade (RG e CPF), filiação, identificação biométrica complementada por fotografia de frente e impressões digitais; endereço residencial e crime cometido contra a mulher.

O CNVM incorporará informações mantidas pelos bancos de dados dos órgãos de segurança pública federais e estaduais.

Caberá ao Executivo federal gerir o cadastro, permitindo a comunicação dos sistemas para compartilhamento de informações, que deverão ser periodicamente atualizados e permanecer disponíveis até o término do cumprimento da pena ou pelo prazo de três anos, se a pena for inferior a esse período.

As regras entram em vigor 60 dias depois de sua publicação.

Fonte: Câmara dos Deputados

Ministério Público pode ir à Justiça para questionar honorários abusivos em ações previdenciárias

Para a Terceira Turma, quando pessoas hipossuficientes e vulneráveis são induzidas de forma recorrente a aceitar a cobrança abusiva de honorários, o problema ultrapassa a esfera meramente individual.

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o Ministério Público (MP) tem legitimidade para propor ação civil pública com o objetivo de discutir honorários advocatícios supostamente abusivos cobrados de pessoas hipossuficientes para o ajuizamento de ações previdenciárias.

Para o colegiado, o profissional que cobra valores excessivos pela prestação do serviço de advocacia, além de prejudicar a subsistência do cliente, vai contra a lógica do direito previdenciário – situação que ultrapassa a esfera dos interesses particulares.

Na origem do caso julgado pela Terceira Turma, o MP propôs ação civil pública contra dois advogados, na tentativa de inibir um esquema de captação de clientes, beneficiários da Previdência Social, e de cobrança de honorários supostamente excessivos.

O juízo de primeiro grau julgou a ação parcialmente procedente e tornou sem efeito a cobrança de honorários que ultrapassasse 30% do valor do benefício previdenciário. A sentença também anulou cláusulas contratuais que previam o recebimento integral dos honorários nas hipóteses de rescisão ou distrato e, ainda, determinou que os alvarás expedidos em nome dos advogados fossem de apenas 30% do valor depositado em juízo. O Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO) manteve a decisão.

Em recurso especial dirigido ao STJ, os advogados alegaram a ilegitimidade do MP para propor esse tipo de ação, por envolver interesses individuais e particulares, e sustentaram que não haveria vício nos contratos.

Usuários da Previdência Social estão em situação de vulnerabilidade

A relatora, ministra Nancy Andrighi, comentou que o contrato de prestação de serviços advocatícios está inserido no âmbito do direito privado, mas, quando pessoas em situação de hipossuficiência e vulnerabilidade são induzidas de forma recorrente a aceitar a cobrança abusiva de honorários, o problema ultrapassa os limites da esfera meramente individual.

Segundo a ministra, o caso ganha maior importância por envolver demandas previdenciárias, pois “geralmente são pessoas em situação de hipervulnerabilidade social, econômica e sanitária que estão buscando o poder público para garantir meios de sobrevivência”.

Nancy Andrighi observou que, embora os beneficiários do sistema previdenciário não sejam apenas os idosos, o artigo 74 do Estatuto da Pessoa Idosa dá ao Ministério Público competência para instaurar inquérito civil e ação civil pública para proteção desse público, que compõe a maioria dos segurados.

Ofensa ao sistema previdenciário atinge toda a sociedade

Conforme acrescentou a ministra, a advocacia que visa prejudicar o propósito da Previdência Social é uma ofensa ao próprio sistema previdenciário – bem jurídico de interesse de toda a sociedade, o que atrai a competência do MP.

“A modalidade de advocacia predatória que obsta o propósito da Previdência Social de mantença de seus segurados, ao atuar com desídia para aumentar a sua remuneração e ao cobrar honorários que prejudicam a subsistência dos beneficiários, desvirtua a lógica do direito previdenciário”, concluiu a relatora.

Fonte: STJ

Dedutibilidade de multas administrativas/regulatórias na apuração do IRPJ e da CSLL

De longa data a Receita Federal rotula que as multas por infrações não tributárias recebem tratamento de despesas indedutíveis para fins de tributação do imposto de renda (cf. do artigo 6º do Parecer Normativo CST nº 61, de 24/10/1979).

Todavia, nossa atual sociedade de risco, tal resposta pode eventualmente mostrar-se desconectada com a realidade de uma grande gama de questões específicas enfrentadas pelos contribuintes em seu dia a dia empresarial, incorrendo em ilícitos administrativos sancionados por tais multas.

De outro lado, princípios constitucionais e um ideal de justiça, no sentido de desencentivar por todos os meios (inclusive o tributário) atos contrários à lei, aumentam o calor do debate, seja com relação à resposta ao problema em si, seja com relação aos fundamentos para o alcance da resposta.

Na coluna de hoje, apresentaremos a jurisprudência administrativa e judicial justamente sobre a possibilidade de dedução de gastos com multas não tributárias (administrativas ou regulatórias) da base de cálculo do IRPJ e da CSLL .

Trata-se de tema que, dentro do citado contexto de “desconexão”, toca os fundamentos mais basilares da tributação da renda, [1] alcançando inclusive discussões do ponto de vista da interpretação constitucional do sistema jurídico tributário. [2] Assim é que, no presente artigo, ateremo-nos à controvérsia percebida em nossos tribunais, a qual requer constante atenção por parte dos operadores do direito.

Regra geral de dedutibilidade de despesas necessárias

A regra geral sobre dedutibilidade de despesas, para fins de apuração do quantum devido a título de IRPJ e CSLL pelas pessoas jurídicas está estabelecida pelo atual Regulamento do Imposto de Renda — RIR/18, em seu artigo 311), [3] cujo fundamento legal é o artigo 47 da Lei nº 4.506/1964.

Como é consabido por aqueles que trabalham com a tributação da renda das pessoas jurídicas, somente as despesas necessárias, normais e usuais aos negócios empresariais é que serão dedutíveis da base tributável do IRPJ e da CSLL.

O termo “necessárias”, que qualifica as despesas passíveis de dedução, foi explorado pelo Parecer Normativo CST nº 32/1981 no sentido de que são necessárias as despesas essenciais a qualquer transação ou operação exigida pela exploração das atividades, principais ou acessórias, que sejam vinculadas com as fontes produtoras de rendimentos.

Deve-se de pronto ser afastada a tentativa (ou tentação) de interpretar o termo “necessárias” pelo senso comum, trazendo, inexoravelmente, um ponto de vista subjetivo a respeito desse conceito. Afinal, para cada indivíduo, em seu íntimo, haverá uma acepção sobre a necessidade ou não de determinada coisa. [4]

Estamos aqui diante de conceito que não pode ser retirado do contexto jurídico em que se insere, o qual lhe traz contornos objetivos, adjudicando-lhe, assim, conformidade com toda a sistemática de apuração do Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e, por consequência, trazendo segurança jurídica a todos os envolvidos na relação jurídico tributária.

Os contornos objetivos para ser aferida a necessidade da despesa constam do próprio texto do artigo 47 da Lei n. 4.506/64, quais sejam: i) necessidade para a atividade da empresa e manutenção da fonte produtora; ou ii) necessidade para que se realize transações ou operações exigidas para dar seguimento às próprias atividades da empresa; ou iii) usualidade ou normalidade da despesa no tipo de transações, operações ou atividades empresariais. [5]

A leitura desses critérios legais, como já dito, deve ser feita no contexto estrutural do IRPJ, no qual, como é consabido, é da essência da apuração a dedução de custos e despesas para que se produza o acréscimo patrimonial (cf. artigo 43 do Código Tributário Nacional), atendendo, desse modo, o princípio da universalidade.

Assim, o artigo 47 da Lei n° 4.506/64 conceitua as despesas dedutíveis como aquelas que decorram das atividades empresariais e que sejam normais, usuais e necessárias, cabendo ao Fisco verificar, no caso concreto, a natureza do gasto em questão. Ou seja, o dispositivo não apresenta uma lista fechada das despesas consideradas necessárias para fins de dedução da base de cálculo do IRPJ, mas, ao contrário, apenas apresenta um conceito para classificação de tais despesas por parte do intérprete.

Daí aparece a questão enfrentada no contencioso administrativo e judicial:  as despesas incorridas pelas sociedades empresárias, com o pagamento multas não tributárias (como multas ambientais; multas aplicadas no sistema financeiro; ou por qualquer agência reguladora, por exemplo), decorrentes da materialização de um risco que é inerente à própria atividade empresarial, podem ser consideradas necessárias para fins de dedutibilidade do lucro real e da base de cálculo da CSLL, de acordo com os conceitos trazidos pelo artigo 47 da Lei nº 4.506/64?

Jurisprudência sobre o tema no Carf

O tema ora em apreço ganhou novos debates no âmbito administrativo com a decisão proferida pela 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) no Acórdão nº 9101-006.652, publicado em 20 de setembro de 2023. Nesse julgamento, a maioria dos membros do Colegiado concluiu pela dedutibilidade de multa não tributária, em sentido oposto à jurisprudência do Carf dominante sobre o tema.

No caso concreto, o contribuinte — empresa do mercado industrial de açúcar, etanol e bioeletricidade — foi autuado pela Receita, para pagamento de montantes a título de IRPJ e CSLL decorrentes de diversas glosas procedidas pela autoridade fiscal. Dentre elas, constava glosa decorrente da dedução considerada indevida de despesas com multas de natureza não tributária, mais especificamente sanção administrativa por infrações de natureza ambiental, cominadas pelo IMA (Instituto Mineiro de Agropecuária).

Após apresentação da Impugnação, esta foi julgada improcedente, mantendo-se integralmente o crédito tributário exigido. O contribuinte, então, apresentou recurso voluntário que foi parcialmente provido (Acórdão nº 1401-002.031) para excluir do lançamento diversas glosas, em especial aquela referente as multas ambientais. Irresignada, então, a Procuradoria da Fazenda Nacional apresentou Recurso Especial, o qual foi admitido pela CSRF apenas para a matéria “dedutibilidade de multas de natureza não tributária”.

Há, de fato, dissenso jurisprudencial acerca do tema, de modo que bem andou a CSRF ao reconhecê-lo, para assim pacificá-lo, nos termos do artigo 118 do Ricarf (Regimento Interno do Carf). E sobre a admissibilidade do recurso especial, merece realce um aspecto: constou do juízo preliminar de conhecimento que não é relevante o órgão regulador que aplicou a multa administrativa (Bacen — Banco Central do Brasil; Aneel — Agência Nacional de Energia Elétrica; IMA — Instituto do Meio Ambiente, etc), uma vez que a questão controvertida diz respeito ao antagonismo entre a multa de natureza tributária x não tributária, para fins da legislação do Imposto de Renda.

Avançando agora com relação ao mérito do caso apreciado pela CSRF no Acórdão n. 9101-006.652: o entendimento firmado em diversos precedentes das turmas ordinárias do Carf funda-se no argumento de que a dedução das multas administrativas das bases de cálculo dos tributos resultaria “benefício” ao contribuinte, já que a empresa repassaria para a Administração Pública, e consequentemente, para a sociedade brasileira, parte dos custos pela sua infração, o que ofenderia o sistema jurídico vigente.

Parece possível afirmar que, na realidade, esse é o grande argumento sustentador do entendimento majoritário do Carf: não se pode dar à prática de ilícitos, sancionados por meio de multas administrativas, interpretação que caiba no contexto da “necessidade” das funções empresarias, sob pena de legitimar ou, em última instância, promover a prática de danos ambientais ou regulatórios.

Nesse sentido, citamos os Acórdãos nº 1803-001.784, de 2013 9101­003.876 e 9101-002.196, de 2018 e 1201-003.588, de 2020. Inclusive, o mesmo entendimento desfavorável aos contribuintes foi aplicado no recentíssimo Acórdão nº 1402-006.778, concluindo que as multas regulatórias (no caso concreto, relacionadas ao cumprimento do TTAC (Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta), com o fim de reparar e indenizar os impactos nos âmbitos socioambiental e socioeconômicos, decorrentes do rompimento da barragem do Fundão) não se enquadram no conceito de despesa operacional dedutível para fins de IRPJ e CSLL.

Pois bem. No citado Acórdão 9101-006.652 proferido pela 1ª Turma da CSRF, o relator do caso, Conselheiro Luiz Tadeu Matosinho Machado, votou pela impossibilidade da dedução das multas não tributárias, na toada da jurisprudência dominante sobre o tema no Carf. O conselheiro relator, seguindo a linha do artigo 6º do Parecer Normativo CST nº 61, de 24/10/1979, destacou que admitir a dedução de multas cuja origem é a sanção por ilícitos administrativos significaria reduzir o pagamento do IRPJ/CSLL, sendo o equivalente que dividir os custos da infração com a sociedade, o que não pode ocorrer, uma vez que a pena não pode passar da pessoa do infrator.

Além disso, o conselheiro relator rechaçou o argumento de que a multa deduzida possui natureza compensatória, o que autorizaria sua dedutibilidade, conforme disposição do § 5º do artigo 41, Lei nº 8.981/95 e do artigo 344, § 5º do RIR/99. Ainda, para o relator, a possibilidade deste tipo de compensação ser dedutível da base de cálculo dos tributos sobre a renda, em se tratando de multas ambientais, somente existiria nos casos em que as empresas realmente firmam acordos compensação de danos ambientais causados.

No entanto, foi aberta divergência e a maioria dos membros do Colegiado entendeu pela dedutibilidade da multa não tributária. O voto vencedor, da lavra do Conselheiro Guilherme Adolfo dos Santos Mendes, sustentara que, na prática empresarial, é inerente lidar com o imprevisto, inclusive no contexto dos deveres legais.

Dessa forma, para conduzir atividades econômicas, é essencial enfrentar um amplo campo de incertezas e aceitar suas ramificações. Inclusive, foi asseverado pelo Conselheiro que em muitos setores econômicos, é praticamente impossível conduzir um empreendimento sem enfrentar multas impostas por órgãos da Administração Pública.

Assim é que o risco é uma parte inescapável dos negócios, e suas consequências, inclusive as de natureza monetária punitiva, devem ser assumidas pela empresa. Além disso, constou do voto vencedor do Acórdão 9101-006.652, que das multas aplicadas pela Administração Pública relacionadas à atividade empresarial, apenas aquelas decorrentes do não cumprimento das obrigações tributárias principais não são dedutíveis devido a uma disposição legal expressa (§ 5º, artigo 41, Lei nº 8.981/95). A contrario sensu, as multas não tributárias, devem ser consideradas dedutíveis, uma vez que cumpram os demais requisitos estabelecidos pela legislação.

Além disso, o voto vencedor discorre sobre o princípio da pecunia non olet, que fundamenta a tributação dos lucros de atividades ilícitas. [6] Recorda-se que esse conhecido princípio da tributação tem uma abordagem de neutralidade e, portanto, se aplica não apenas aos elementos positivos, mas também aos negativos que compõem o conceito de renda, garantindo que as características do evento não sejam distorcidas, e, por conseguinte, que seja mantida a integridade da tributação sobre a dimensão econômica que se visa tributar: a renda (e não o mero ato de consumo).

Jurisprudência sobre o tema no âmbito judicial

No âmbito judicial, a posição também é majoritariamente pela impossibilidade de dedução dos valores pagos a título de multa não tributária/administrativa, tendo em vista que, segundo o entendimento dos Tribunais Regionais Federais, tais valores não podem ser considerados gastos necessários ao desenvolvimento da atividade social da empresa. [7]

Conclusões possíveis e impossíveis

Conforme foi possível depreender das recentes decisões proferidas pelo Carf a respeito da dedutibilidade de despesas com multas não tributárias para fins de apuração do IRPJ e da CSLL, há uma nova vertente interpretativa ganhando corpo a respeito do tema.

Esse caminho, que se encontrava somente em decisões solitárias nas turmas ordinárias do Carf, foi agora realçado pelo Acórdão 9101-006.652.

Esse julgado parece bem perceber uma infeliz realidade: vivemos em um Estado intervencionista que, para o bem e para o mal, amplamente regula as atividades empresariais (cf. artigo 174 da Constituição),[8] de modo que a usualidade e a normalidade de despesas necessárias com o pagamento de multas administrativas/regulatória em determinadas atividades empresariais é risco próprio e constante do negócio. Pense-se, por exemplo, nas multas de trânsito para um transportador; nas multas aduaneiras para um importador; ou das multas ambientais para concessionárias.

Para além do que foi dito no referido precedente, dois outros pontos, tão primários quanto fundamentais, devem ser relembrados: i) a dedução de despesas diz com a própria sistemática de apuração do IRPJ e da CSLL, que só pode incidir sobre a renda líquida. Não se trata, portanto, de benefício fiscal, de modo que falar em “incentivo” ou “desincentivos” a condutas ilícitas dentro do tema ora abordado parece um tanto quanto perigoso; e ii) não se pode utilizar o tributo como sanção por ato ilícito (artigo 3º do CTN), seja por meio da sua incidência, seja por meio da interpretação dos seus elementos de apuração, no caso, as despesas necessárias para o IRPJ e para a CSLL.

E mais: uma vez que se trata aqui de questão sobre a interpretação da necessidade de determinada despesa para a sociedade empresarial, parece ser válido questionar se seria mesmo o caso de tratar no “mesmo balaio” todas as espécies de multas administrativas, arcadas por todas as diferentes espécies de atuação no setor econômico em que podem incorrer as empresas brasileiras, ainda mais frente a tantos diferentes arranjos e circunstâncias factuais que podem permear o julgamento da matéria, não em 1979, mas em 2024.

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[1] Vide SCHOUERI, L. E.; GALDINO, G. Dedutibilidade de despesas com atividades ilícitas.

In: ADAMY; Pedro Augustin; FERREIRA NETO, Arthur M.. (Org.). Tributação do Ilícito. 1ed. São Paulo: Malheiros, 2018, v. 1, p. 148-212.

[2] KRALJEVIC, Maria Carolina Maldonado. Dedutibilidade de despesas com atos ilícitos: uma análise a partor dos limites e parâmetros constitucionais. In Caderno de Pesquisas Tributárias n. 47  – Dedutibilidade de despesas no regime do lucro real. MARINS, Ives Gandra e PEIXOTO, Marcelo Magalhães (coords). São Paulo: MP Editora. pp. 427 a 446.

[3] A mesma disposição constada no RIR/99 em seu art. 299.

[4] OLIVEIRA, Ricardo Mariz. Fundamentos do Imposto de Renda – Volume II. São Paulo: IBDT, 2020, p. 863.

[5] OLIVEIRA, Ricardo Mariz. Fundamentos do Imposto de Renda – Volume II. São Paulo: IBDT, 2020, p. 863.

[6] Esse ponto foi, inclusive, objeto de trabalho acadêmico publicado em 2022 pelo Conselheiro: ELIAS, Laura Charallo Grisolia ; MENDES, Guilherme Adolfo dos Santos. A DEDUTIBILIDADE DAS MULTAS NA TRIBUTAÇÃO DA RENDA. In: XI ENCONTRO INTERNACIONAL DO CONPEDI CHILE – SANTIAGO, 2022, Santiago – Chile. DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANCEIRO. Florianópolis: Conpedi, 2022 p. 68-88.

[7] cf. TRF1 (1004000-23.2017.4.01.3700), TRF2 (0013160-30.2017.4.02.5101), TRF3 (0025363-51.2010.4.03.6100) e TRF4 (5002821-50.2018.4.04.7003, 5011436-76.2016.4.04.7107 e 5012390-25.2016.4.04.7107).

[8] Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

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Qual a extensão da sanção imposta pelo Tribunal de Contas ao terceiro setor?

O exame dos repasses públicos ao terceiro setor é, sem dúvida, uma das competências mais relevantes dos Tribunais de Contas. No caso do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP), a importância da tarefa pode ser medida pelos vultosos montantes envolvidos. Segundo dados do Painel do Terceiro Setor, disponibilizado no site oficial da Corte de Contas Paulista, estado e municípios transferiram, em 2023, nada menos que R$ 40,8 bilhões às entidades privadas sem fins lucrativos.

Naturalmente, tamanha quantidade de recursos exige do controle externo não apenas uma atuação diligente como também punição exemplar àquelas organizações que aplicam incorretamente as verbas públicas recebidas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Nesse contexto, o artigo 103, da Lei Complementar 709/93, a Lei Orgânica da Corte do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, prevê, em caso de irregularidade no uso do dinheiro público, a possibilidade de impedir que a entidade venha a receber novos repasses, até que se comprove a correção dos erros constatados. É a chamada pena de suspensão de novos recebimentos. O TCE-SP, inclusive, além de publicar no Diário Oficial, também divulga, no site institucional, a relação de entidades e órgãos proibidos de receber novos auxílios, subvenções ou contribuições.

Divergência

A jurisprudência do Tribunal de Contas, todavia, sempre divergiu sobre a extensão da penalidade prevista no dispositivo legal citado.

Alguns julgadores compreendiam que a pena de suspensão ficava restrita à esfera de governo do órgão no qual se operou a malversação dos recursos. Ou seja, a vedação de novos recebimentos ocorreria somente em relação àquela que foi a administração pública prejudicada ou sancionadora. A entidade, então, poderia seguir recebendo novos recursos de outros municípios ou mesmo do estado, quando os valores contestados não tivessem origem estadual.

Tal entendimento aplicava, por analogia, os dispositivos previstos na Lei Geral de Licitação e Contratos – a então Lei nº 8.666/93 ou a atual Lei 14.133/21 – interpretados pela Súmula 51 desta corte do seguinte modo: nos casos de impedimento e suspensão de licitar e contratar (artigo 87, III da Lei nº 8.666/93 e artigo 7º da Lei nº 10.520/02), a medida repressiva se restringe à esfera de governo do órgão sancionador.

Virada

Porém, na sessão do TCE-SP do dia 29 de maio, por maioria, essa tese foi superada. Prevaleceu então o argumento de que a vedação de novas transferências se estende a todos os órgãos jurisdicionados do Tribunal (TC-018907.989.23). Em outras palavras, a entidade do terceiro setor declarada impedida de auferir novos recursos, nos termos do artigo 103, da Lei Orgânica — constando, portanto, da lista de apenados — não poderá receber repasses seja do estado, seja dos municípios sujeitos às competências do organismo de controle externo estadual.

A tese preponderante reconheceu que os ajustes com o terceiro setor possuem regime jurídico específico, afastando assim a possibilidade de analogia com preceitos do diploma geral de contratações públicas, a Lei 8.666/93 e a Lei 14.133/21.

De fato, a legislação estabeleceu regulação específica para as Organizações Sociais, com procedimentos de seleção e contratação que não se equiparam aos processos licitatórios, permitindo ao poder público a pré-qualificação de entidades e a possibilidade de contratações com termos mais flexíveis e baseada em resultados pré-definidos.

Tais características singularizam a natureza das contratações com o terceiro setor, permitindo, nos termos constitucionais, que o legislador estadual possa suplementar o regime jurídico existente ao criar sanções particulares, como faz o artigo 103 da Lei Orgânica desta Corte.

Essa penalidade, portanto, pode ser aplicada em toda a sua potencialidade, de modo que a suspensão de novos repasses valha para todos os jurisdicionados da Corte de Contas. Contudo, isso não impede que, ante o possível impacto social da decisão e eventual retrospecto positivo da organização, por exemplo, o Tribunal decida por restringir o alcance da sanção ou por deixar de aplicá-la.

Proteção

O posicionamento do colegiado do TCE-SP, como fica claro, se dá no sentido da proteção dos recursos públicos. Ora, como uma entidade que comete irregularidades em um determinado ajuste está propensa a repeti-la em outros, enquanto ela não promover a regularização, não demonstrará também a integridade necessária para receber novos repasses, independentemente da origem federativa dos valores.

Ao fim e ao cabo, o entendimento fixado pela Corte de Contas paulista tem o mérito não só de fortalecer as competências do controle externo como também de reforçar a compulsoriedade da lista de entidades proibidas de receber novos repasses, mensalmente atualizada no site do TCE-SP.

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Projeto de lei prevê pena de homicídio simples para aborto após 22 semanas de gestação

O Projeto de Lei 1904/24 equipara o aborto realizado após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio simples, inclusive no casos de gravidez resultante de estupro.

Em análise na Câmara dos Deputados, a proposta altera o Código Penal, que hoje não pune o aborto em caso de estupro e não prevê restrição de tempo para o procedimento nesse caso. O código também não pune o aborto quando não há outro meio de salvar a vida da gestante. 

Deliberação dos vetos e eleição complementar do Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional.Dep. Sóstenes Cavalcante (PL-RJ)
Sóstenes Cavalcante, autor do projeto, juntamente com outros deputados – Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

Com exceção desses casos em que não há punição, o código prevê detenção de um a três anos para a mulher que aborta; reclusão de um a quatro anos para o médico ou outra pessoa que provoque aborto com o consentimento da gestante; e reclusão de três a 10 anos para quem provoque aborto sem o consentimento da gestante. 

Caso o projeto seja aprovado pelos parlamentares, o aborto realizado após 22 semanas de gestação será punido com reclusão de seis a 20 anos em todos esses casos e também no caso de gravidez resultante de estupro. A pena é a  mesma prevista para o homicídio simples. 

Justificativa
O texto foi apresentado pelo deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) e outros deputados. Segundo os parlamentares, quando o Código Penal foi promulgado, “se o legislador não colocou limites gestacionais ao aborto, não foi porque teria querido estender a prática até o nono mês da gestação”. 

“Em 1940, quando foi promulgado o Código Penal, um aborto de último trimestre era uma realidade impensável e, se fosse possível, ninguém o chamaria de aborto, mas de homicídio ou infanticídio”, apontaram os autores da proposta.

O projeto foi apresentado no mesmo dia em que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes determinou a suspensão da resolução aprovada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) para proibir a realização da chamada assistolia fetal para interrupção de gravidez após 22 semanas de gestação. A técnica utiliza medicações para interromper os batimentos cardíacos do feto, antes de sua retirada do útero.

Circunstâncias individuais
De acordo com o projeto de lei, o juiz poderá mitigar a pena, conforme o exigirem as circunstâncias individuais de cada caso, ou poderá até mesmo deixar de aplicá-la, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária.

Tramitação
A proposta ainda não foi distribuída às comissões da Câmara, mas poderá ser votada diretamente pelo Plenário caso requerimento de urgência do deputado Eli Borges (PL-TO) e outros seja aprovado. 

Fonte: Câmara dos Deputados

TRF-2 cria seção para ações previdenciárias, mas questiona alta judicialização

O aumento da produtividade é um dos grandes desafios do Tribunal Regional Federal da 2ª Região em 2024. Para enfrentá-lo, uma série de medidas administrativas foi gestada ao longo de 2023 para proporcionar às primeira e segunda instâncias os meios necessários para alcançar esse objetivo.

Em 2022, a 2ª Região da Justiça Federal recebeu 390 mil novos casos e decidiu 458 mil processos. Fechou aquele ano com pouco mais de um milhão de processos sem julgamento final, de acordo com dados da corte. Já em 2023 foram distribuídas 486 mil novas ações, aumento de 25% em relação ao ano anterior. Juízes e desembargadores ultrapassaram as 500 mil decisões, enquanto o acervo manteve-se estável.

Um dos motivos para o aumento da produtividade foi a ampliação do quadro de desembargadores da corte, autorizada pela Lei 14.253/2021. O número de assentos no TRF-2 passou de 27 para 35 — dois deles ainda estavam vagos em março de 2024. Com as nomeações, o Órgão Especial ampliou de 14 para 18 o número de integrantes, concretizando a mudança no regimento interno aprovada em 2022.

“Percebemos que houve melhora em relação à produtividade, mas não aquela que ainda desejamos. Entendo que precisamos avançar um pouco mais. A perspectiva para 2024 é mais efetiva”, afirmou o presidente do TRF-2, desembargador Guilherme Calmon, em entrevista ao Anuário da Justiça. O magistrado inicia, em abril de 2024, o segundo ano à frente da 2ª Região da Justiça Federal.

Página 80 - Anuário da Justiça Federal 2024

2ª Região em números

A expectativa decorre das medidas administrativas adotadas em 2023, dentre as quais destaca a aprovação da Resolução TRF2-RSP-2023/00070, que resultou na instalação, em 8 de janeiro de 2024, de duas novas turmas e uma seção especializada exclusivas para apreciação de processos previdenciários e de assistência social.

O Direito Previdenciário é o ramo com maior demanda em toda a Justiça Federal, em todas as suas instâncias de julgamento, como mostra o DataJud, painel de estatísticas do Conselho Nacional de Justiça. Na 2ª Região, representou 41% dos novos processos em 2023. Ao todo, foram 318 mil demandas: 110 mil pedidos de auxílio por incapacidade e quase 99 mil pedidos de aposentadoria. O Direito Administrativo representou 20% da demanda, seguido pelo Direito Tributário, 18%.

A nova seção no TRF-2 atendeu também a uma recomendação da Corregedoria-Geral quanto à possibilidade de se alterar o regimento interno para redefinir a competência da 1ª Seção, então responsável pelo julgamento das ações previdenciárias, ao lado dos processos penais e de propriedade intelectual, a fim de garantir o direito à razoável duração do processo estabelecido pela Constituição Federal.

Página 80 (2) - Anuário da Justiça Federal 2024

500 mil novos casos foram distribuídos a juízes e desembargadores em 2023

Dessa forma, a corte ganhou a 4ª Seção, composta das 9ª e 10ª Turmas, liberando a 1ª Seção, que é integrada pelas 1ª e 2ª Turmas, da competência para julgar temas sobre a previdência e assistência social.

As turmas recém-instaladas têm três integrantes, sendo um desembargador e dois juízes convocados. Os processos novos são automaticamente direcionados a esses órgãos. As ações previdenciárias e sobre assistência social, então distribuídas às 1ª e 2ª Turmas, podem ser encaminhadas às novas unidades se não tiverem sido incluídas em pauta.

“Existia, há algum tempo, uma visão de que, com o desenvolvimento do sistema de juizados especiais federais, a matéria previdenciária ficaria quase que exclusivamente neles. Isso não se confirmou. Ao contrário, não só temos uma demanda muito grande nos juizados, como no sistema da Justiça Federal como um todo”, explicou o presidente Guilherme Calmon.

Página 80 (3) - Anuário da Justiça Federal 2024

JEFs não conseguem julgar mais casos do que os distribuídos

Em que pese a necessária adequação da estrutura judiciária para dar conta do crescente número de processos sobre previdência, uma solução efetiva depende de diálogo interinstitucional, defende o desembargador. Nesse sentido, Calmon destacou os esforços que têm sido feitos na esfera nacional, sob a liderança do CNJ, para envolver o Ministério da Previdência e o Instituto Nacional de Seguridade Social em iniciativas que levem à desjudicialização desses casos. “Temos uma pauta para conversarmos. Não dá para a Justiça Federal continuar servindo de uma agência avançada do INSS”, pontuou.

Além da ampliação da segunda instância, outras medidas administrativas têm sido adotadas para permitir à 2ª Região aumentar sua produtividade em 2024. A Corregedoria-Geral, comandada pela desembargadora Leticia De Santis Mello, investe na Campanha de Priorização de Processos Antigos no Primeiro Grau. O objetivo da iniciativa é incentivar o julgamento de processos incluídos na Meta 2 do CNJ, que tenham sido distribuídos até 31 de dezembro de 2015 aos juizados especiais federais e até a mesma data de 2008 nos demais casos.

O tribunal também tem usado inteligência artificial na gestão dos processos repetitivos que já tenham jurisprudência pacífica nos tribunais superiores. Trata-se do Projeto Inteligência, em desenvolvimento na Vice-presidência do TRF-2 e que, a partir de 2024, passa a funcionar também nas 3ª e 4ª Turmas Especializadas em Direito Tributário.

Página 82 - Anuário da Justiça Federal 2024

Uma ação pode ter uma ou mais demandas

“Desde julho de 2023, conseguimos resultados positivos, superando a distribuição. A Vice-presidência vem trabalhando com bastante afinco, procurando sempre produzir minutas atualizadas e devidamente fundamentadas”, afirmou o vice-presidente do TRF-2, desembargador Aluisio Mendes, ao Anuário da Justiça.

As matérias que mais chegam para apreciação da Vice-presidência são justamente aquelas com maior volume nos órgãos fracionários do TRF-2, a exemplo da inclusão do ISS na base de cálculo do PIS/Cofins (Tema 118/ STF), da Gratificação de Desempenho de Atividade do Seguro Social (GDASS – Tema 983/STF) e fornecimento de medicamento de alto custo (Tema 6/STF).

“No exercício das atribuições da Vice-presidência nos deparamos com muitos temas que ainda precisam de pacificação. Inclusive, indicamos, através da elaboração de Grupos Representativos de Controvérsia, temas que, salvo melhor juízo, necessitam de padronização”, afirmou Mendes.

Também está em andamento na corte o projeto Inovagesta. A iniciativa encerrou 2023 presente em quatro gabinetes: dois especializados em matéria tributária e os demais em Direito Penal e Administrativo. Entre as funcionalidades que a ferramenta oferece, chama a atenção a que permite identificar os processos há mais tempo sem julgamento. A meta para 2024 é expandir o uso do programa para mais órgãos do tribunal.

A declaração de constitucionalidade, pelo Supremo Tribunal Federal, da criação da figura do juiz das garantias também vai repercutir no TRF-2 em 2024. Um grupo de trabalho foi instituído pela corte para estudar a melhor forma de implementar esse novo instituto, agora previsto no Código de Processo Penal. Estimativas iniciais da corte indicam a necessidade de concurso público para a seleção de pelo menos 80 novos juízes federais para assumir a nova atribuição. Em 2023, o Órgão Especial aprovou a abertura do XVIII Concurso Público para a seleção de novos juízes. O último concurso registrou 5.042 inscritos.

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Principais temas discutidos nas ações levadas à 2ª Região

Outra pauta que deve repercutir em 2024 diz respeito ao direito à posse. Por determinação do STF, o TRF-2 criou a Comissão de Soluções de Conflitos Fundiários para mediar disputas de interesses coletivos, envolvendo ocupações em áreas rurais e urbanas, para prevenir confrontos no cumprimento de mandados de reintegração de posse ou despejo. Presidida pelo desembargador Ricardo Perlingeiro, a comissão percorreu os estados do Rio e do Espírito Santo ao longo de 2023 e instaurou 12 incidentes a serem tratados pela via consensual – o que deve ocorrer em 2024.

O tema subtração internacional de crianças também ganhou atenção especial. Segundo estimativas divulgadas pelo presidente da corte, que coordena a Rede de Juízes de Enlace no Brasil, há cerca de 250 casos em tramitação na Justiça Federal. Em 2023, o tribunal lançou no seu portal uma página com informações e links para serviços que podem ser acionados nesses casos. A iniciativa despertou o interesse da Autoridade Central Federal, vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, que pediu a atuação de profissionais em alguns casos fora da 2ª Região.

O post TRF-2 cria seção para ações previdenciárias, mas questiona alta judicialização apareceu primeiro em Consultor Jurídico.