Rigor sobre gratuidade de Justiça deve se ater a má-fé e dúvida da parte contrária

A triagem mais rigorosa pelo Judiciário do pedido de gratuidade de Justiça, quando são exigidos documentos para além da mera declaração de hipossuficiência econômica, deve acontecer em casos de indícios de má-fé do requerente do benefício ou a partir de uma provocação da parte contrária, que tem o direito de levantar a dúvida.

justiça edital
Comprovação deve atender o contraditório, mas sem restringir acesso à Justiça

 

 

 

A avaliação é de advogados consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico. Em São Paulo, por exemplo, a Justiça Estadual tem exigido diferentes documentos, e não só a declaração de hipossuficiência, a quem pleiteia a gratuidade de Justiça, que isenta taxas e outros pagamentos na ação — e não se confunde com a assistência judiciária gratuita, prevista constitucionalmente e prestada pela Defensoria Pública ou advogados conveniados.

O tema foi levantado pela desembargadora Débora Vanessa Caús Brandão, da 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo. Ela falou sobre a Justiça gratuita durante o 1º Congresso de Assistência Judiciária da OAB-SP e afirmou que, do ponto de vista prático do cotidiano da magistratura, não basta apenas a comprovação de hipossuficiência para que seja concedido o benefício.

Previsão no CPC

A gratuidade de Justiça é prevista pelo artigo 98 do Código de Processo Civil. A controvérsia sobre o pedido, no entanto, mora no artigo 99, também do CPC, segundo avalia Francisco Jorge Andreotti Neto, que preside a Comissão da Assistência Judiciária da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP).

 

O § 3º do dispositivo estabelece que “presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural”. Para o advogado, o TJ-SP tem afastado essa presunção ao julgar a gratuidade.

“O legislador infraconstitucional deixa evidente e cristalino o entendimento de que a simples alegação faz presumir hipossuficiência do declarante, consignado no § 4º do mesmo dispositivo, que ‘a assistência do requerente por advogado particular não impede a concessão de gratuidade de Justiça’. E o artigo 100 da lei processual concede o prazo de 15 dias para que a parte contrária ofereça impugnação ao deferimento da gratuidade”, diz.

“Todavia, tantos os juízes singulares quanto o Tribunal de Justiça de São Paulo têm entendido de forma contrária a norma infraconstitucional, afastando a presunção prevista no § 3º do artigo 99 do CPC e exigindo que o jurisdicionado anexe, juntamente com sua alegação de hipossuficiência financeira, inúmeros documentos, inclusive quebrando seu sigilo fiscal e bancário”, completa Andreotti Neto, que é também conselheiro estadual da OAB-SP.

Indícios de má-fé

A pesquisadora Fernanda Tereza Melo Bezerra, do Núcleo de Processo Civil da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Nupepro/Emerj), e o professor Dierle Nunes, da Universidade Federal de Minas Gerais, concordam que, não havendo indícios de má-fé no processo, a mera declaração deveria bastar.

“Ao juiz, entendo que somente é possível determinar a juntada de documentos capazes de comprovar a insuficiência alegada quando existirem nos autos elementos que demonstrem a ausência dos pressupostos legais, hipótese prevista no § 2º, do art. 99, CPC, dispositivo este que, ao meu ver, deveria estar no lugar do § 3º, e vice-versa”, diz Bezerra, que é também assessora do Núcleo de Cooperação Judiciária do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

Nunes acrescenta: “O sistema delineado pelo CPC cria a possibilidade de que, se porventura a pessoa não fizer jus ao benefício, ocorreria uma impugnação nos moldes do artigo 100, que permitiria, inclusive, que a pessoa que tivesse feito o requerimento de má-fé fosse apenada pelo pagamento de dez vezes as custas não adimplidas. Então, essa exigência fora das hipóteses que a própria lei estabelece, de haver fortes indícios de que a pessoa não faz jus ao benefício, me parece desarrazoado.”

Exigência adequada

O também professor José Rogério Cruz e Tucci, livre-docente da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), diverge de ambos, por entender que os tribunais têm razão em exigir prova documental complementar à declaração exigida pela lei, embora pondere haver dificuldade de se produzir prova negativa de estado de pobreza.

“Para provar essa necessidade bastaria a declaração mais a cópia das últimas declarações de renda do litigante que vai bater às portas da Justiça”, diz o docente, sócio da banca Tucci Advogados Associados.

“Entendo também que uma Certidão do Distribuidor Civil seria interessante para demonstrar que o interessado não é um litigante habitual, que não deseja arcar com as custas judiciais”, afirma.

A advogada Maria Cristine Lindoso, associada ao escritório Trench Rossi Watanabe e professora voluntária da Universidade de Brasília (UnB), concorda com Tucci que a declaração tem presunção relativa de veracidade e, idealmente, deveria ser acompanhada de comprovação da real necessidade da gratuidade de Justiça.

“Mas o mais importante é reconhecer que a parte contrária tem a possibilidade de questionar essa declaração e suscitar dúvida quanto à verdadeira hipossuficiência. A partir disso, o magistrado deve determinar à parte que pretende receber o benefício a comprovação da sua situação de vulnerabilidade, sendo, então, imprescindível alguma prova concreta da situação de hipossuficiência”, afirma a pesquisadora em Direito Civil.

Critérios objetivos

Andreotti Neto diz que a questão poderá ser pacificada a partir do julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça do Tema 1.178, sob o rito dos recursos repetitivos,  que pretende “definir se é legitima a adoção de critérios objetivos para aferição da hipossuficiência na apreciação do pedido de gratuidade de Justiça formulado por pessoa natural, levando em conta as disposições dos arts. 98, 99, § 2º do Código de Processo Civil”.

“Enquanto o Superior Tribunal de Justiça não realizar o julgado desse tema, ainda teremos inúmeras decisões que conflitam a norma infraconstitucional”, afirma o conselheiro da OAB-SP.

Maria Cristine Lindoso contesta, no entanto, que a definição de critérios objetivos para reconhecer a hipossuficiência não é tarefa simples e pode ser prejudicial a grupos mais vulneráveis no acesso à gratuidade de Justiça.

“Uma mesma família pode apresentar o mesmo contracheque e ter situações de vulnerabilidade muito diferentes. Um homem solteiro que recebe dois salários mínimos vive em uma condição de vida. Uma mulher que recebe os mesmos dois salários mínimos e alimenta, além de si mesma, os filhos, os pais e um companheiro desempregado, vive em uma situação muito distinta. Por esses motivos, é difícil criar critérios tão objetivos”, explica.

Fernanda Tereza Melo Bezerra endossa: “Ao analisar a questão, não deve o magistrado voltar os olhos somente para os ganhos do requerente, mas também para os seus gastos, para o quanto ele precisa para manter as suas despesas. Muitas vezes, o requerente até recebe quantia considerável, mas não há como pagar as custas, as despesas processuais e honorários advocatícios, sem que isso traga prejuízo ao seu sustento.”

O professor Dierle Nunes alega que o escrutínio exagerado não pode igualmente causar prejuízos no acesso à Justiça aos mais vulneráveis, mesmo que sob o argumento de que a triagem pretende evitar prejuízos ao erário, uma vez que a maior parte do acervo do Judiciário vem de grandes litigantes, como o Poder Público.

“Tive situações no passado em que houve uma análise mais exigente desses requisitos, e isso acabou gerando um problema no que tange a concessão de uma medida provisória, em que a pessoa acabou perdendo a possibilidade de um determinado direito. Como nós temos um quadro grande de vulnerabilidade na sociedade brasileira, de pessoas que não têm uma orientação jurídica adequada, isso pode acabar criando embaraço”, afirma.

Lindoso pondera que a solução para esta discussão deve vir de fora dos tribunais. “Resolver esse problema como um todo é atribuição do Poder Legislativo e do governo federal. Isso porque o acesso à Justiça precisa ser pensado como política pública, criando-se possibilidades para baratear as custas em certos litígios, fortalecer a Defensoria Pública, melhor distribuir os ônus sucumbenciais e prestigiar o acesso de grupos mais vulneráveis. E isso vai muito além de criar definições objetivas de quais documentos comprovam a hipossuficiência.”

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Lei cria conselho curador para fundo da Defensoria Pública da União

A Lei 14.941/24, publicada nesta quarta-feira (31), cria um conselho curador para garantir a correta utilização dos recursos arrecadados pelo Fundo de Aperfeiçoamento da Defensoria Pública da União (DPU).

O conselho curador ficará encarregado de aprovar e firmar convênios e contratos relacionados ao uso correto desses recursos.

 
Prédio com um letreiro onde se lê: defensoria pública
A defensoria atende quem não pode pagar advogado em questões relacionadas à União – Pedro França/Agência Senado

A nova norma teve origem no Projeto de Lei 3038/21, de autoria da própria DPU. O texto foi aprovado pela Câmara no ano passado com parecer favorável do deputado Felipe Francischini (União-PR). No Senado, a proposta foi aprovada neste ano.

O Fundo de Aperfeiçoamento da Defensoria Pública da União é composto de pagamentos de honorários realizados pela parte perdedora em processos judiciais, conhecidos como verbas de sucumbência, inclusive as devidas por órgãos públicos. Também recebe doações de verbas privadas e transferências de outros fundos privados.

Integrantes
Com sede em Brasília, o conselho curador será formado pelo defensor público-geral federal, pelo subdefensor público-geral federal, pelo diretor da Escola Nacional da Defensoria Pública da União, e por três defensores públicos federais eleitos pelo Conselho Superior da Defensoria Pública da União.

Fonte: Câmara dos Deputados

IA no Direito: máquinas não podem tudo, mas podem muito

Sábado passado, enquanto relia, empolgado, o livro Inteligência Artificial & Data Science no Judiciário brasileiro, de Roberta Eggert Poll (Fundação Fênix aqui), fui indagado por Sofia (minha filha de 16 anos que, para minha alegria, gosta de filosofia, cognição, inteligência artificial e quejandos; Felipe, Artur e Caio gostam mais de futebol e jogos eletrônicos, embora sejam antenados) sobre o reducionismo de se chamar o que as máquinas fazem de “inteligência artificial”.

Sofia, então, perguntou-me: pai, quando eles falam de inteligência artificial, de que inteligência eles falam? Dialogamos sobre o momento histórico da nomeação do domínio (1956), dos achados da ciência contemporânea e de que as máquinas conseguem realizar inferências dedutivas e, no limite, indutivas, sem que a abdução seja viável, por enquanto. Nunca se sabe sobre o que poderá advir no futuro, até porque ela reconhece a possibilidade quanto à conexão máquina-humanos.

Finalizamos com a conclusão de que é injusto ler a expressão (inteligência artificial) fora do seu contexto de atribuição. Muitas vezes a crítica sequer entende do que se trata. Em seguida ela perguntou-me sobre a autora e o conteúdo do livro.

Respondi: então, Sofia, conheci Roberta Eggert Poll pelo mundo virtual, quando da defesa do seu trabalho de doutorado junto ao programa de doutorado da PUC-RS, sob orientação do colega Eugênio Facchini Neto. Calhou com o tema que pesquisamos porque os diálogos que travamos desde então sempre ocorreram pela rede, em poucos e proveitosos debates quanto aos limites e possibilidades da máquina em apoio à decisão humana, nunca em substituição.

Sofia me disse — e concordei — que existem diversos tipos de sentença e nem todas demandam atividade cognitiva, devendo-se separar o grau de exigência (por ser filha de mãe e o pai juízes, já viu modelos de extinção de execuções pelo pagamento, por exemplo). De fato, se houve pagamento e o credor concordou, não há controvérsia a ser dirimida por sentença que, então, poderia ser prolatada pela máquina sob supervisão humana.

No entanto, quando se tratar de decisão com inferências quanto à articulação entre premissas normativas e fáticas, a questão se modifica. Mesmo assim, a depender dos pontos controversos, por mais que a máquina não decida, poderá apoiar na organização do conteúdo, atualização de fontes (legislação, doutrina e jurisprudência), além de auxiliar na construção de modelo pessoal do julgador.

Aqui a máquina pode muito, como demonstrou Fábio Porto no recente livro sobre IA Generativa no Direitoaqui. Aliás, tenho construído e refinado os meus modelos e ficado impressionado com a acurácia das entregas (voltarei ao tema no futuro. Funcionam).

Perspectivas não excludentes

Eis o contexto digital que estamos inseridos, no qual as coordenadas que orientam a atuação jurídica exigem três perspectivas não excludentes: (a) continuidade; (b) ajuste; e/ou, (c) ruptura. Entretanto, para que tenhamos um debate minimamente honesto, além do “fla-flu” (rivalidade de posições: contra ou favorável), mostra-se necessário entender as possibilidades e os limites da inteligência artificial, com ênfase na generativa (GPT, Lhama, Claude, Gemini, Mistral etc.) porque depois, pelo menos, do uso de “tokens” e do “Transformers” (aos menos avisados não é o filme de carros-robôs), é revolucionária a capacidade de os modelos aprenderem contextos.

Aliás, o Lhama da Meta conta atualmente com três versões de 8, 70 e 405 bilhões de parâmetros, com alto potencial de uso porque “open source”. O ritmo das novidades é incompatível com o das discussões que se referem a modelos de inteligência artificial fora do atual “estado da arte”.

Fabiano Hartmann, Fernanda Lage, Isabella Ferrari, Dierle Nunes, Vinícius Mozetic, Alexandre José Mendes, Raimundo Teive e Diogo Cortiz, dentre outros, demostram a importância de revisão do contexto, evitando-se críticas a modelos ultrapassados. Em geral, a crítica jurídica é alheia ao que se discute no domínio da IA, valendo-se da falácia do espantalho (constrói uma caricatura fantasiosa do que não é).

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Nesse sentido, Roberta Poll escreveu um livro de modo direto e consistente sobre temas complexos, articulando a temática de modo a conferir o devido letramento do leitor. A continuidade está descrita no item 2.1 do livro, com o respeito às regras do jogo democrático. Entretanto, os ajustes precisam acontecer de modo honesto e aberto, por meio de discussões informadas para além da superfície de gente que sequer sabe o que significa “hagging face” (visite e se assuste, se puder entender, claro aqui).

Antes disso, porém, devemos situar a transformação digital no Direito. O impacto da leitura do trabalho cuidadoso demonstra a preocupação com os destinos assumidos pelo processo eletrônico, transformado inicialmente em mero sistema de gestão de documentos, sem a “integração”, para usar um termo “cringe”, das amplas possibilidades da inteligência artificial.

No ponto, chegou o momento de termos um único sistema nacional porque é impossível que advogados, partes, magistrados e interessados tenham que se submeter a sistemas fracassados que continuam por renitência dos decisores, exigindo-se a unificação nacional, quem sabe, com o Eproc do TRF-4 que, como gestor de documentos, em relação aos concorrentes, ganha com sobras.

Chega a ser covardia a diferença da experiência do usuário. Aliás, muito se fala sobre o tema, em geral, sem o domínio das categorias necessárias à compreensão do suporte técnico e dos limites do campo da IA aplicado à gestão de processos judiciais, com iniciativas de duvidosa legitimidade que se abraçam em modelos comerciais sem a transparência necessária exigida inclusive pelos atos normativos do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

A crítica formulada por Roberta passa pelo desconhecimento quanto ao funcionamento das máquinas, com demandas de impossível atendimento, justamente porque se confundem os registros. As máquinas não podem tudo, mas podem muito quanto se trata de processar imensos volumes de dados, realizar consultas, promover a interoperabilidade dos diversos bancos de dados disponíveis e que, em regra, não são trazidos aos autos.

A premissa liberal do processo, consistente em “o que não está nos autos, não está no mundo”, decorria do contexto analógico, com a atribuição às partes do ônus de obter e juntar a documentação e, por consequência, os dados relevantes à resolução do caso.

No entanto, diante dos interesses em jogo, especialmente de vulneráveis (consumidor, idosos, deficientes, crianças e adolescentes etc.) e do interesse público subjacente em decisões de melhor qualidade na esfera do Direito Público, chegou a hora de negar as aparências, disfarçando as evidências quanto ao impacto da invasão tecnológica (virada tecnológica, diz Dierle Nunes).

Qual o motivo para não termos uma base de dados nacional de jurisprudência, legislação, fornecedores, indicação de julgados similares e outras funcionalidades disponíveis às partes e ao julgador? Capacidade tecnológica não falta, como os eventos organizados por Ademir Piccoli indicam.

Parece-me que a ruptura com o modelo liberal de direito civil também precisa aportar no processo. Se os bancos de dados podem se conectar aos processos eletrônicos por meio da chave CPF, custa acreditar na resistência de muitos em nome de um processo do tempo do papel, certidões, carimbos e juntadas.

Se o contexto analógico ficou para trás (sobre contexto Onlife de Luciano Floridi aqui), então, a resistência irracional quanto às possibilidades do uso de máquinas em apoio à decisão, dentro de controles estatais, é ineficaz e ineficiente. Claro que máquinas não conseguem tudo, mas podem apoiar. Muito. Eu mesmo uso diversos recursos de apoio, embora fora dos sistemas oficiais, porque internamente o que temos são meros gestores de documentos, com uma ou outra funcionalidade, ainda que a Plataforma Digital do Poder Judiciário seja promissora.

A preocupação de Roberta vai no ponto certo. Reproduzo a sua preocupação:

“Uma teoria da decisão judicial sob uma perspectiva de IA precisa demonstrar como se deve dar o discurso argumentativo, a partir do qual será construída a decisão judicial e quais os papéis dos seus diversos atores. Deve, ainda, demonstrar quais as consequências do descumprimento daquilo que foi decidido ou estabelecido pelo sistema inteligente. Além disso, deverá ser capaz de lançar luzes sobre a possibilidade de controle da decisão judicial, ou seja, os critérios mínimos que limitem a utilização de algoritmos decisionais, considerando o estágio atual de evolução da IA no Direito.”

É um sintoma do que se passa com as novas coordenadas impostas que já chegaram e são utilizadas, como se verifica atualmente com as oportunidades e riscos do GPT 4, 5, Lhama, Claude etc. O futuro chegou, principalmente para quem usa errado (pergunta sobre fatos para modelos, p.ex.; construir prompts é uma necessidade). As máquinas não podem tudo. Mas podem muito, para quem sabe ler o contexto e integrar as oportunidades, mantida a preocupação com a “democraticidade” das decisões, para usar o termo de Rui Cunha Martins.

O futuro, também, será o lugar em que Sofia, Felipe, Artur, Caio e Lucca (filho da Roberta) irão viver. Muito do que vivenciarão depende da geração atual. Nesse sentido, recomendo a leitura do livro, na esperança de que possamos construir modelos democráticos de decisão judicial. Até porque, como demonstra Roberta, no atual estado de coisas, não é inteligente desprezar todo potencial existente. É irracional, como diz Richard Susskind, no livro “Advogados do Amanhã”, traduzido para o português, pela editora Emais (aqui):

“É, simplesmente inconcebível que a tecnologia alterará radicalmente todos os ângulos da economia e da sociedade e, ainda de alguma forma, os serviços jurídicos serão uma exceção a toda a mudança. […] Tecnologia digital não é uma mania passageira. […]. E, ainda assim, muitos advogados, ignorantes, ainda afirmam que essa questão da tecnologia é exagerada. Poucos ainda apontam para uma bolha do ponto com e alegam – baseado não se sabe em quem – que o impacto da tecnologia está diminuindo e que a recente conversa sobre IA no direito não passará de teoria. Isto é uma leitura grotescamente equivocada das tendências.” (2023, p. 34-35)

Por fim, somos filhos da geração antecedente. Roberta teve a sorte de poder dialogar em casa, assim como Lucca também terá. Quem não dispõe de um mentor privado, precisa de boas fontes. O livro de Roberta é uma delas. Sofia me pediu um exemplar. Ganhou o livro da Roberta e, também, do Richard Susskind. O mundo mudou.

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Tribunal lança modelo de ofício em linguagem simples

A partir desta quinta-feira (1º), o Superior Tribunal de Justiça (STJ) passou a usar um modelo mais simples e direto de comunicação com os tribunais e as varas judiciárias de todo o país. Com recursos de linguagem simples e visual law, foram adaptados três tipos de comunicação da Secretaria de Processamento de Feitos (SPF): solicitação de informações, comunicação de decisões e solicitação de informações acompanhada de comunicação de decisões.

Além do texto simplificado, o novo padrão tem um layout mais leve, incluindo somente o número do ofício, os destinatários, os dados do processo, a informação solicitada ou comunicada e um link para acesso aos autos no STJ, bem como instruções para o envio das informações.

A mudança pretende aproximar o Judiciário do cidadão, fazendo com que qualquer pessoa que leia o documento compreenda o que está sendo solicitado. Tornar a comunicação com a sociedade mais acessível e inclusiva é um dos objetivos da atual gestão da presidente do STJ, ministra Maria Thereza de Assis Moura, e do vice-presidente, ministro Og Fernandes.

Segundo a ministra, a implantação dos novos modelos de ofício “traduz o compromisso desta corte com a modernização dos processos de trabalho, para que se tornem mais eficientes e inclusivos, contribuindo, assim, para o oferecimento de uma justiça ágil, moderna, preventiva e cidadã”.

Durante a sessão que abriu o semestre forense, nesta quinta (1º), a presidente do STJ falou sobre a novidade. “Documentos simples e precisos contribuem para a comunicação desejada e, consequentemente, para o cumprimento das nossas funções. Inclusive, ontem, nós lançamos o primeiro mandado de intimação com a observância da linguagem simples. Todos os nossos documentos estão sendo revistos e preparados com base na linguagem simples”, informou.

Quanto mais acessível a informação, mais ágil a tramitação

Os ofícios em linguagem simples são fruto de um trabalho capitaneado pelo laboratório de inovação, o STJ Lab, com o envolvimento de diversas áreas do tribunal. Gisele Benvegnu, secretária de processamento de feitos substituta, comentou as dinâmicas feitas pelo laboratório de inovação do tribunal até chegar no modelo final de ofício.

Gisele destacou que o grupo buscou adequar as comunicações da corte ao Pacto Nacional pela Linguagem Simples e às diretrizes da atual gestão de simplificação dos procedimentos burocráticos e administrativos. Segundo ela, a ideia é, a partir desses novos modelos, adaptar todas as comunicações da SPF.

“A principal caraterística de um texto em linguagem simples é ser entendido de forma fácil, sem a necessidade de reler várias vezes. Quanto mais fácil a informação estiver no documento, mais ágil se torna a tramitação interna até o destinatário que deverá cumprir a providência solicitada pelo STJ”, destacou.

Notícias resumidas em linguagem acessível

Outra medida para facilitar a comunicação e torná-la mais inclusiva foi a criação de um resumo simplificado que acompanha a maioria das notícias sobre julgamentos publicadas no site do STJ.

Lançado em 19 de março pela Secretaria de Comunicação Social, o resumo pode ser acessado por um ícone logo abaixo do título da notícia. Trata-se de um pequeno texto que informa de maneira simples e didática o ponto principal da decisão judicial, redigido especialmente para leitores não especializados, com o cuidado de traduzir para linguagem coloquial as expressões mais “complicadas” do direito.

Fonte: STJ

Sub-rogação legal prevista no artigo 786 do Código Civil

1. A delimitação do problema [1]

 O presente texto tem como objetivo enfrentar o seguinte problema: em caso de contrato de seguro celebrado como garantia de eventual descumprimento contratual, o artigo 786 do Código Civil [2] implica, por si, a eficácia direta de convenção de arbitragem relativa ao contrato segurado perante o segurador que, dela, não participou?

A resposta, parece-nos, é negativa.

São três os principais pontos que destacaremos: (1) a natureza, o fenômeno e o regime da sub-rogação legal, que não se confunde com a cessão de crédito; (2) a distinção entre essas duas operações contratuais; (3) a relatividade dos efeitos da convenção de arbitragem.

2. Sobre o pagamento com sub-rogação

 Em nosso sistema jurídico, a sub-rogação tem natureza mista: é meio de satisfação do crédito e é forma de transmissão de situação jurídica ativa, a título singular ou particular. Tem, portanto, simultaneamente, eficácias extintiva e translativa. Satisfeito o crédito, em razão do adimplemento feito pelo terceiro interessado, a relação originária extingue-se (total ou parcialmente); nada obstante, o crédito remanesce, deslocando-se, em seu polo ativo, para o terceiro que adimpliu [3].

ratio da norma é a garantia da operação subjacente ao pagamento pelo terceiro: é um reforço de reembolso, uma garantia de restituição para o terceiro que adimple [4]. A sub-rogação serve para substituir a posição de credor, do originário para aquele que pagou a dívida, justamente para impedir o enriquecimento ilícito do devedor, com o consequente empobrecimento de quem realmente adimpliu [5].

Por esse motivo, a sub-rogação é meio de proteção ao terceiro, o novo credor.

Em nosso sistema, a sub-rogação pode ser legal ou convencional.

É legal a sub-rogação que decorre da incidência do artigo 346 do Código Civil ou de outra previsão normativa específica, como no caso do artigo 786 do Código Civil, quando verificada uma das hipóteses fáticas previstas.

Nesses casos, a sub-rogação tem como causa o pagamento, um ato-fato jurídico, aquele cujo suporte fático “prevê uma situação de fato a qual, no entanto, somente pode materializar-se como resultante de uma conduta humana” [6]. O conteúdo da vontade é irrelevante nesse caso, já que não é ele que é apreendido pela norma [7].

O pagamento, como causa da sub-rogação, não é ato jurídico negocial; a vontade, aqui, é irrelevante para a apreensão do fato jurídico. E essa é uma das principais diferenças entre a sub-rogação e a cessão de crédito.

A sub-rogação legal não decorre de exteriorização de vontade das partes, não tem fonte negocial. Trata-se de efeito jurídico previsto na norma que incide com o pagamento. É nesse sentido que o artigo 346 do Código Civil diz que se opera a sub-rogação “de pleno direito”.

É convencional a sub-rogação quando a eficácia translativa do pagamento de terceiro é decorrente do exercício do autorregramento (artigo 347 do Código Civil [8]).  O artigo 348 do Código Civil dispõe que, “na hipótese do inciso I do artigo antecedente, vigorará o disposto quanto à cessão do crédito”. Cuida-se de disposição restrita à sub-rogação convencional; ela não se refere à sub-rogação legal.

A sub-rogação não se confunde com a cessão de crédito. Na cessão de crédito, o polo ativo altera-se em razão da exteriorização de vontade do credor originário (fonte negocial, portanto). Por outro lado, não há satisfação do credor originário (não há eficácia satisfativa/extintiva). Há apenas transmissão da titularidade da situação ativa, que se desloca de um patrimônio para outro, sem que se satisfaça o crédito.

A cessão de crédito tem como ratio possibilitar a circulação do crédito, como operação econômica própria e diversa daquela que originou o crédito cedido. A circulação do crédito em si não é finalidade imediata da sub-rogação, que, como visto, é meio de proteção do terceiro que paga. Por isso mesmo, ao sub-rogado só é devido o pagamento até a quantia desembolsada (artigo 350 do Código Civil [9]). A cessão de crédito, por seu turno, possui caráter especulativo; pode o cessionário cobrar a totalidade do crédito cedido (se cedido totalmente), ainda que o valor pago ao cedente tenha sido inferior ao valor total do crédito.

São institutos jurídicos distintos, que traduzem fatos jurídicos distintos, que irradiam ou abrangem efeitos próprios. Possuem, por isso, regimes jurídicos distintos.

A sub-rogação também não se confunde com a cessão de posição contratual (que também é negócio jurídico). O sub-rogado não se torna parte no contrato ou na relação contratual celebrado entre o credor originário e o devedor.

Em síntese, a hipótese do artigo 786 do Código Civil é de sub-rogação legal. Não há cessão de posição contratual: o segurador não passa a ser parte no contrato segurado. Em princípio, também não há cessão de crédito, nem sub-rogação convencional. O efeito da sub-rogação decorre da lei, em razão do pagamento, e não de vontade das partes.

3. A sub-rogação da seguradora que faz o pagamento em razão de contrato de seguro de dano

Aqui, há duas as operações contratuais: o contrato segurado e o contrato de seguro. O segurador não é, nem se torna, parte na operação contratual segurada. O segurador não é titular da obrigação decorrente do contrato segurado; ele obrigou-se a, garantindo o interesse contratual do beneficiário, arcar com os riscos e consequências do descumprimento do contrato segurado. Ao pagar, o segurador está cumprindo obrigação decorrente do contrato de seguro, e não do contrato segurado.

A sub-rogação irradiada tem como causa o pagamento (ato-fato jurídico). O pagamento é apreendido juridicamente pelas normas decorrentes dos artigos 786 e 346 do Código Civil, apreensão que, em princípio, não decorre de ato negocial, expresso ou concludente. Não se trata, assim, de sub-rogação convencional, mas, sim, de sub-rogação legal.

De outra parte, o contrato de seguro, em si, não pode ser qualificado como ato negocial suficiente para que a sub-rogação seja qualificada como convencional, nos termos do artigo 347, I, do Código Civil. O ato negocial referido no artigo 347, I, do Código Civil é aquele que tem como objeto em si o direito à sub-rogação. O contrato de seguro, em si, não significa o exercício do autorregramento sobre a sub-rogação.

4. O segurador é terceiro com relação à convenção de arbitragem

Dessa forma, o segurador não é nem se torna parte do contrato segurado, muito menos da convenção de arbitragem que lhe é relativa. Caracteriza-se, assim, como terceiro em relação à convenção de arbitragem, não titularizando o efeito próprio que lhe é decorrente.

A circunstância de ser terceiro interessado no cumprimento de uma das relações eficaciais decorrentes do contrato não o torna parte do contrato, nem da convenção de arbitragem. Terceiro interessado não é parte contratual; continua sendo qualificado como terceiro.

Por outro lado, inexiste norma do sistema que excepcione o princípio da relatividade dos efeitos contratuais (que se aplica, logicamente, e ainda com mais força, em razão das peculiaridades da jurisdição arbitral, às convenções de arbitragem). Ao contrário, o artigo 3o da Lei nº 9.307/1996 estabelece que as “partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral”. Como bem se sabe, a autonomia da vontade é a fonte da jurisdição arbitral; aqui, com ainda maior razão, a convenção de arbitragem deve ser eficaz apenas em relação aos seus signatários ou a terceiros que tenham a ela aderido, expressamente ou por meio de comportamento concludente.

5. Conclusão: a ineficácia da cláusula compromissória perante o segurador que dela não é parte

Do teor do artigo 786 do Código Civil, não se faz possível extrair norma que vincule o segurador ao efeito direto da convenção arbitral, com a qual não concordou, expressa ou tacitamente.

Também do artigo 349 do Código Civil não se depreende tal regra. Ao contrário, o dispositivo prevê que a sub-rogação transfere, ao novo credor, juntamente com o crédito, todos os “direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores” (a ratio, vale lembrar, é justamente proteger o terceiro que paga a dívida). Não se fala em transmissão de cláusula compromissória, nem de negócios processuais celebrados pelo credor originário, o que seria incompatível com a ratio normativa.

Não nos parece possível considerar uma transmissão automática do efeito direto da cláusula compromissória, que, inclusive, é autônoma das demais disposições contratuais (artigo 8o, Lei nº 9.307/1996), em razão de uma sub-rogação legal, sem que tenha ocorrido qualquer exteriorização de vontade do segurador-terceiro, ainda que tácita.

Não bastasse tudo isso, e especificamente no que concerne ao regime jurídico da sub-rogação legal no âmbito do contrato de seguro de dano, o § 2o do artigo 786 do Código Civil assim prevê: “É ineficaz qualquer ato do segurado que diminua ou extinga, em prejuízo do segurador, os direitos a que se refere este artigo”.

Em síntese, não se pode extrair, dos textos normativos citados, qualquer norma que excepcione o princípio da relatividade dos efeitos negociais no caso de sub-rogação legal de segurador no âmbito de contrato de seguro de dano. É possível que, no caso concreto, o segurador tenha concordado ou aderido à convenção de arbitragem, mas aí a sua vinculação decorre do autorregramento, e não do efeito legal da sub-rogação.

Essa ratio, inclusive, é verificada em precedentes do Superior Tribunal de Justiça, ao enfrentar a questão da eficácia da cláusula de eleição de foro constante no contrato segurado com relação ao segurador sub-rogado. No julgamento do Recurso Especial nº 1.962.113/RJ, decidiu-se que “o instituto da sub-rogação transmite apenas a titularidade do direito material, isto é, a qualidade de credor da dívida, de modo que a cláusula de eleição de foro firmada apenas pela autora do dano e o segurado (credor originário) não é oponível à seguradora sub-rogada” (REsp nº 1.962.113/RJ, relatora ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 22/3/2022, DJe de 25/3/2022) [10].

Com relação à eficácia da cláusula compromissória perante o segurador, a questão foi enfrentada no julgamento do Recurso Especial nº 1.988.894/SP (REsp nº 1.988.894/SP, relatora ministra Maria Isabel Gallotti, 4ª Turma, julgado em 9/5/2023, DJe de 15/5/2023). Em um primeiro momento, a construção da fundamentação do acórdão foi no sentido ora defendido, de não transmissibilidade automática da cláusula compromissória, inclusive com citações ao artigo de nossa autoria publicado na Revista de Direito Civil Contemporâneo.

Sucede que, na sequência, o acórdão considera que a ciência prévia da cláusula compromissória pelo segurador bastaria para a sua vinculação. A questão é analisada não sob a perspectiva de possível anuência tácita do segurador, mas como se, com a ciência da cláusula, ela passasse a ser objeto do risco segurado, o que, com todo respeito, não nos parece ser o caso. O risco segurado é o inadimplemento contratual; é sobre ele que se negocia no âmbito do contrato de seguro, abstratamente considerado.

De outra parte, não nos parece que apenas a ciência da cláusula compromissória, por si, seria suficiente para a configuração de uma exteriorização tácita de vontade. Sendo esse o raciocínio, haveria sempre a transferência automática da cláusula compromissória constante em contrato de seguro garantia – e, como demonstrado, não há tal regra em nosso sistema jurídico. Por meio do contrato de seguro em si, não se negocia sobre o conteúdo da sub-rogação.


[1] Escrevemos mais longamente sobre o tema em DIDIER JR., Fredie; BOMFIM, Daniela Santos. A sub-rogação prevista no art. 786 do Código Civil e a convenção de arbitragem celebrada pelo segurado. Revista de Direito Civil Contemporâneo. São Paulo: RT, 2020, v. 24, p. 95 e segs.

[2] “Art. 786. Paga a indenização, o segurador sub-roga-se, nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano.” Cuida-se de previsão normativa específica da sub-rogação legal, que está em consonância com a regra decorrente do art. 346, III, do Código Civil, segundo a qual “a sub-rogação opera-se, de pleno direito, em favor: III – do terceiro interessado, que paga a dívida pela qual era ou podia ser obrigado, no todo ou em parte.”

[3]  Cf. MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado, parte especial, Tomo XXIV. Editor Borsoi: Rio de Janeiro, 1971, p. 283; CORDEIRO, António Menezes. Tratado de direito civil português. Direito das Obrigações. Tomo IV:  cumprimento e não cumprimento, transmissão, modificação e extinção, garantias, cit., p. 233.

[4] Nesse sentido, também SIMÕES, Marcel Edvar. Transmissão em direito das obrigações: cessão de crédito, assunção de dívida e sub-rogação pessoal. Dissertação de Mestrado em Direito Civil apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2011, p. 121.

[5] MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil, volume V, tomo I: do direito das obrigações, do adimplemento e da extinção das obrigações / Judith Martins-Costa; Coordenador Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 432; PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, parte especial. Tomo XXIV, cit., p. 285.

[6] MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico. Plano da existência. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 130.

[7] MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado. Tomo I. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983, p. 83.

[8] “Art. 347. A sub-rogação é convencional: I – quando o credor recebe o pagamento de terceiro e expressamente lhe transfere todos os seus direitos; II – quando terceira pessoa empresta ao devedor a quantia precisa para solver a dívida, sob a condição expressa de ficar o mutuante sub-rogado nos direitos do credor satisfeito.

[9] “Art. 350. Na sub-rogação legal o sub-rogado não poderá exercer os direitos e as ações do credor, senão até à soma que tiver desembolsado para desobrigar o devedor.”

[10] No mesmo sentido, STJ, 3ª T., REsp n. 1.038.607/SP, rela. min. Massami Uyeda, j. em 20.5.2008, DJe de 5.8.2008.

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Projeto permite citar por edital empregador não localizado em ação trabalhista sumária

O Projeto de Lei 1120/24 autoriza a Justiça a citar o empregador por meio de edital, em processos trabalhistas sujeitos a procedimento sumaríssimo, quando não for possível localizá-lo. Nesse caso, o rito sumaríssimo será convertido em ordinário.

Deputado Alberto Fraga fala ao microfone
Alberto Fraga, o autor da proposta – Mário Agra/Câmara dos Deputados

A Câmara dos Deputados analisa a proposta, que altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Atualmente, de acordo com a CLT, são julgados em procedimentos sumaríssimos os processos envolvendo até 40 salários mínimos, os quais são instruídos e julgados em única audiência entre as partes.

Nesses casos, no entanto, não é permitida a citação por edital, cabendo ao autor da reclamação fazer a correta indicação do nome e endereço da empresa, sob pena de arquivamento do processo.

Autor do projeto, o deputado Alberto Fraga (PL-DF) sugere alterar a CLT para permitir a conversão do rito sumaríssimo em ordinário quando for imprescindível citar o reclamado por edital.

Na prática, o texto de Fraga preserva as regras do rito sumaríssimo previstas na CLT e inclui a possibilidade de abertura de instância na justiça trabalhista, o que atualmente é uma prerrogativa do presidente do tribunal, do procurador da justiça do trabalho e dos sindicatos.

Por fim, a proposta estabelece que o arquivamento pela falta de endereço do empregador só ocorrerá nos casos em que reclamante não justificar os motivos da não indicação.

Próximos passos
O projeto será analisado, em caráter conclusivo, pelas comissões de Trabalho; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Fonte: Câmara dos Deputados

Possibilidade de prorrogação do contrato emergencial sob a nova Lei de Licitações

A regra geral da escolha de fornecedores para o poder público é a licitação, como se sabe.

No entanto, o ordenamento jurídico aplicado às licitações em geral já prevê hipóteses em que o procedimento licitatório é incompatível com os objetivos da administração, retirando seu caráter obrigatório sem que esta providência implique ilegalidade nas contratações que podem advir do procedimento de contratação direta.

De maneira simples, a realização de procedimento licitatório é a regra para a celebração de qualquer contratação feita pela administração pública. Mas essa regra admite exceções, em hipóteses taxativas ou conceituais, em que a contratação direta se mostra o veículo mais eficiente para o atingimento da finalidade perseguida com a contratação.

De fato, como se sabe, a Lei Federal n° 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações) prevê expressamente o seguinte:

Art. 75. É dispensável a licitação:

(…)

VIII – nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a continuidade dos serviços públicos ou a segurança das pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para aquisição dos bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 1 (um) ano, contado da data de ocorrência da emergência ou da calamidade, vedadas a prorrogação dos respectivos contratos e a recontratação de empresa já contratada com base no disposto neste inciso.”

Ou seja: a lei possibilita a contratação direta em situações emergenciais para garantir a continuidade de serviços públicos, mas veda expressamente a recontratação de empresa já contratada com base na mesma justificativa.

Ocorre, no entanto, que na prática há certos casos em que se vislumbra a caracterização de hipótese que admite exceção a essa regra, ainda que, em tese, de forma contrária ao texto expresso da lei, em atenção ao interesse público e à continuidade do serviço público essencial.

E isso porque a estrita observância da lei, sem o sopesamento das possíveis consequências práticas dessa decisão, seria, na verdade, prejudicial ao interesse público, ensejando a instauração de uma situação verdadeiramente calamitosa ante a não prestação adequada de um serviço essencial.

Recontratação emergencial

De fato, em muitos casos, não se trata de uma recontratação emergencial do particular por uma emergência fabricada, mas de situação em que a administração pública, apesar dos esforços perpetrados, não foi capaz de encerrar uma nova licitação antes do encerramento do contrato emergencial então vigente, criando-se uma situação que, caso não haja a prorrogação do contrato/recontratação do mesmo particular e enquanto não celebrado um novo contrato, pode resultar (1) na assunção, pela administração pública, da prestação direta do serviço — o que demandaria equipamentos e pessoal muitas vezes não disponíveis; (2) na sua completa interrupção — aí, sim, causando prejuízo à administração e aos usuários do serviço público; ou, ainda, (3) na necessidade de uma outra contratação emergencial, de outra empresa não preparada para a assunção dos serviços, principalmente dentro de um prazo tão curto (que ainda se mobilizaria para assumir o serviço por tão pouco tempo).

E considerando que as opções cogitadas abstratamente nos itens ‘1’ e ‘2’ supra são dificilmente factíveis, e (2) é razoável se considerar que a opção do item ‘3’ não é economicamente/logisticamente interessante para qualquer empresa que não esteja já mobilizada (resultando, inclusive, em preços muito superiores ao da empresa que já está mobilizada), a prorrogação do contrato/recontratação do particular já contratado em caráter emergencial é a medida que se mostra mais razoável, permitindo uma relativização do texto expresso da lei em sua leitura isolada em prol da preservação do interesse público pela exegese sistêmica do conjunto normativo aplicável [1].

Necessário esclarecer, no entanto, que, caso haja a prorrogação do contrato/recontratação do particular nos termos acima discutidos, é recomendável que (1) sejam mantidas integralmente as condições já existentes de prestação dos serviços, sem acréscimo de valor ou escopo; (2) seja mantida a previsão expressa de cláusula resolutiva do contrato caso seja concluído o processo licitatório para nova contratação antes do termo contratual, sem qualquer ônus à administração; e (3) seja feita uma consulta prévia de eventuais interessados (e seus respectivos preços) na assunção dos serviços de forma emergencial, como forma de se evitar qualquer alegação de prejuízo ao erário.

Isso posto, o que se pode concluir é que, estando para se encerrar o prazo de vigência do contrato emergencial atual e não havendo ainda novo particular escolhido por licitação, a conclusão a que se chega é de que a solução mais proporcional e adequada ao interesse público é mesmo uma nova e excepcional prorrogação/recontratação, ainda que a legislação não preveja a possibilidade de um novo acréscimo de prazo — inclusive em consonância o artigo 22, § 1º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (norma geral com diretrizes fundamentais que orientam a aplicação e a interpretação das leis no Brasil), que prevê expressamente que “Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados”.

Ou seja: ainda que haja norma expressa em sentido contrário, o fundamental é que as decisões tomadas tenham como foco a continuidade do serviço público e a efetividade das políticas públicas, assegurando o cumprimento das obrigações administrativas de maneira eficiente e em conformidade com os princípios legais e constitucionais, sem apego à formalidade excessiva em casos de obstáculos inesperados encontrados pelo gestor.


[1] Nesse sentido: (1) REZENDE OLIVEIRA, Rafael Carvalho. Licitações e Contratos Administrativos, Teoria e Prática. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2023; (2) BITTENCOURT, Sidney. Contratando sem Licitação: Contratação Direta ou por Dispensa ou Inexigibilidade – Lei Nº 14.133, de 1º de Abril de 2021 – Nova Lei De Licitações – Lei Nº 13.303, De 30 De Junho De 2016 – Lei Das Estatais. São Paulo: Grupo Almedina, 2021. E-book. ISBN 9786556273822. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786556273822/. Acesso em: 26 abr. 2024.

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