Jurimetria e limites da análise preditiva no âmbito jurídico brasileiro

A crescente utilização de tecnologia no campo jurídico está transformando a forma como decisões judiciais são analisadas e previstas, bem como a preparação e propositura das ações. A jurimetria, aliada à análise preditiva, oferece ao Judiciário e aos escritórios de advocacia ferramentas para otimizar tempo e recursos, gerando previsões sobre probabilidade de êxito, tempo estimado de tramitação e até mesmo projeções de valores envolvidos nas disputas.

Contudo, o uso de jurimetria e de inteligência artificial no Direito exige bastante cautela, uma vez que esses métodos, embora úteis, têm suas limitações, especialmente em um sistema jurídico complexo e desafiador como o brasileiro.

Conceitos e limites

Antes de avançarmos, é importante compreender o conceito de jurimetria, que envolve o uso de ferramentas estatísticas e matemáticas para analisar dados sobre decisões judiciais e identificar padrões que permitam prever o desfecho provável de casos futuros. De acordo com a Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ), a jurimetria pode ser encarada como um “estudo empírico do Direito”, e ainda, “uma disciplina do conhecimento que utiliza a metodologia estatística para investigar o funcionamento de uma ordem jurídica”. Assim, ela pode ser utilizada como ferramenta de tomada de decisão em diferentes finalidades.

Já a análise preditivalato sensu, trata-se de uma técnica que utiliza dados históricos, algoritmos estatísticos, aprendizado de máquina e modelagem para identificar padrões e prever eventos futuros. Aplicada ao Direito, a análise preditiva combina dados passados sobre decisões judiciais com recursos avançados de inteligência artificial para estimar probabilidades e projeções, ajudando escritórios de advocacia e o próprio Judiciário a encontrar caminhos mais eficientes.

Contudo, apesar dos benefícios comentados, é fundamental entender os limites dessas tecnologias no âmbito jurídico. Isso porque o Direito é uma ciência essencialmente interpretativa, envolvendo variáveis complexas, como a subjetividade dos magistrados e fatores sociopolíticos e econômicos, que não podem ser capturados de forma completa por modelos matemáticos.

Decisões judiciais não seguem um padrão rígido, imutável, mas, sim, envolvem análise jurídica profunda e a aplicação apurada das normas aos casos que se apresentam na realidade. Assim, embora a automação e o uso de modelos preditivos possam apresentar algumas vantagens, no momento atual não é possível que essas ferramentas substituam a interpretação que advogados e magistrados aplicam em seus trabalhos, com olhar humano, sensível às intempéries das diferentes condições de vida em sociedade.

Faz-se indispensável destacar que o exercício da advocacia é uma atividade profundamente humana e interpretativa. Advogados e advogadas não apenas replicam textos, dedicam anos de estudo para interpretar as nuances do Direito, aplicando inteligência e expertise a cada caso. A tecnologia deve, assim, ser uma ferramenta de apoio e não um substituto a essa análise individualizada, técnica e humana.

Ferramentas de otimização do trabalho

Esse apoio, por sua vez, é fundamental, tendo em vista o número de litígios que um magistrado deve julgar. A Justiça no Brasil soluciona uma média de 79 mil processos por dia. Por magistrado, no período de análise, são baixados 1.787 processos, uma média de 7,1 casos solucionados por dia útil. Assim, o uso de jurimetria e tecnologia tende a auxiliar os magistrados com a quantidade de litígios a serem analisados e solucionados.

Não se pode negar que a jurimetria e a análise preditiva são grandes aliadas na otimização do Judiciário, visto que o sistema enfrenta um volume crescente de processos e, em sentido inverso, importantes limitações de recursos e de pessoal. O Brasil figura entre os países com mais ações judiciais do mundo: são mais de 80 milhões de processos em tramitação, conforme informações do relatório “Justiça em Números 2024”, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e a sobrecarga de trabalho nos tribunais é um desafio constante.

Por isso, ferramentas tecnológicas, desde que utilizadas com critérios bem definidos, podem auxiliar na triagem de processos, na identificação de padrões de litígio e até mesmo no encaminhamento de decisões de menor complexidade, proporcionando aos magistrados mais tempo para dedicar aos casos que exigirem análise mais apurada e ponderação.

Desta forma, harmonizam-se os benefícios oferecidos pelas tecnologias atuais e as exigências legais, bem como são cumpridos os deveres dos magistrados, conforme disposto no artigo 35 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, incluindo o compromisso de decidir de forma justa, independente e com base na lei. Indispensável ressaltar a importância da postura ética e imparcial dos juízes, cujas decisões possuem relevância social e moral, institutos que, ainda que um dia seja possível, não devem ser avaliados e determinados pelas máquinas.

O uso indiscriminado de modelos preditivos e inteligência artificial no Judiciário poderia trazer problemas comparáveis, guardadas as devidas proporções, à experiência frustrante do atendimento automatizado nos serviços de atendimento ao consumidor de muitas empresas, nos quais a falta de personalização torna difícil a resolução de problemas específicos. Por mais que a inteligência artificial evolua, ainda é limitada na capacidade de lidar com particularidades e contextos únicos que certos processos revelam. A jurimetria, no fim das contas, trabalha com cálculos e probabilidades, sendo baseada em premissas que, se incorretas, podem resultar em interpretações equivocadas e prejudicar os jurisdicionados ao invés de ajudar.

Como se denota, o uso de tecnologias como a jurimetria e a análise preditiva apresenta diversos prós e contras que merecem reflexão, devendo ser visto como um apoio à atuação do Judiciário, dos profissionais de advocacia e demais operadores do Direito, esses sim essenciais para garantir uma análise adequada dos processos. É necessária uma combinação equilibrada entre a inovação tecnológica e o respeito às particularidades do sistema jurídico brasileiro, para que o uso dessas ferramentas seja realmente benéfico, contribuindo na prestação jurisdicional à população.

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Inadimplência e endividamento

A inadimplência e o endividamento de pessoas físicas e jurídicas são questões críticas para a economia, especialmente em contextos de alta inflação e juros elevados. Esse foi o tema do programa ‘Revista Maranhão’ desta segunda-feira (28), que também trouxe informações sobre alternativas para driblar essas situações.

Apresentado pela jornalista Keith Almeida, o programa recebeu o contador e educador financeiro André Veras. Na entrevista, o profissional falou sobre as principais causas que levam ao endividamento.


“A falta de planejamento é o que leva na maioria das vezes a esse endividamento exorbitante que vemos hoje, não apenas no Maranhão, mas em todo o país. Tanto o planejamento quanto a falta de conhecimento. Às vezes, os contribuintes não procuram um profissional mais capacitado e acabam se endividando”, destacou.

Ainda segundo o profissional, a falta desse planejamento pode acarretar consequências sérias para as pessoas físicas e jurídicas que vão desde as restrições até possíveis falências.

Controle de gastos

Para evitar o endividamento e a inadimplência, tanto pessoas físicas quanto jurídicas devem manter um controle rigoroso de suas finanças, criando orçamentos para acompanhar receitas e despesas. É importante reservar uma parte da renda para emergências e evitar compras por impulso, além de usar crédito de forma consciente, pagando sempre o valor integral das faturas e renegociando dívidas quando necessário. A educação financeira também é essencial para compreender a gestão do dinheiro e tomar decisões mais acertadas.

Para empresas, a gestão eficiente do fluxo de caixa e a manutenção de um capital de giro adequado são fundamentais para garantir a saúde financeira. Analisar o crédito dos clientes, planejar o endividamento de forma estratégica e rever constantemente os custos operacionais ajudam a evitar problemas financeiros. Investir na capacitação da equipe em práticas de gestão financeira também contribui para decisões mais sustentáveis e para manter a empresa longe da inadimplência.

O programa ‘Revista Maranhão’ é exibido toda segunda-feira, às 12h30, na TV Assembleia (canal aberto digital 9.2; Maxx TV, canal 17; e Sky, canal 309). A entrevista completa está disponível no Youtube.

Fonte: Agência Maranhão

O Direito Administrativo brasileiro pelo olhar de mestre Yoda

“Contextualista, pragmático e experimentalista o Direito Administrativo brasileiro é”, poderia dizer o Mestre Yoda, caso aportasse no Brasil em 2024. O otimismo seria excessivo: essas ideias são defendidas pela doutrina e ressoam em normas legais recentes, mas ainda não contam com adesão consolidada no cotidiano.

No entanto, a sabedoria Jedi pode servir de analogia didática para capturar tendências importantes para a renovação da gestão pública no país.

Contextualismo: a força da adaptabilidade

O contextualismo é pilar para uma Administração Pública realista, avessa à rotina das soluções uniformes, capaz de analisar cenários decisórios alternativos.

O artigo 22 da LINDB vocaliza essa orientação: prescreve que na interpretação das normas sobre gestão pública sejam considerados os obstáculos reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo.

A pandemia de Covid-19 reforçou esta exigência ao impor que gestores públicos, à semelhança de Padawans, fossem forçados à adaptação rápida e ajustada a contextos restritivos de decisão. 

Para Yoda, o conhecimento é a base do processo decisório: “em um lugar escuro nos encontramos e um pouco mais de conhecimento ilumina nosso caminho”.

Pragmatismo: o caminho Jedi da eficácia como meta

“Não! Tentar não. Faça ou não faça. Tentativa não há”, assentou Yoda. O pragmatismo ecoa nesta máxima, que aplicada à gestão pública apela por resultados tangíveis e eficientes, que atendam carências sociais.

Cabe ao gestor pragmático avaliar alternativas à luz do custo-benefício e da aderência às políticas públicas. Pesar as consequências práticas e explicitar as consequências jurídicas e administrativas é hoje diretriz explícita do art. 20 da LINDB.

Experimentalismo: o treinamento Jedi da Administração Pública

O experimentalismo é corolário do contextualismo e do pragmatismo. Assim como jovens Jedi aprendem pela prática, a Administração Pública é convidada ao aprendizado contínuo através da experimentação controlada.

A criação de laboratórios regulatórios ou sandboxes permite que gestores testem novas normas em ambientes controlados antes de implementá-las em larga escala, combinando flexibilidade com segurança jurídica. 

O direito ao erro: pressuposto da experimentação

Em Star Wars, até os mais sábios mestres Jedi erraram. De forma análoga, também a doutrina admite o “direito ao erro” na gestão pública. O conceito não é carta branca para a imprudência, mas o reconhecimento de que a gestão envolve sempre falhas e riscos. Ele oferece aos agentes margem para testar novas abordagens sem o receio paralisante de punições apoiadas em paradigmas irreais ou idealistas de atuação. 

Conclusão

Como alertou mestre Yoda, “sempre em movimento o futuro está”. O Direito Administrativo brasileiro move-se na direção de um futuro em que eficiência, adaptabilidade e inovação sejam vetores de uma administração pública a serviço do cidadão. Que a força esteja conosco para realizar esses objetivos!

Fonte: Jota

Para Quinta Turma, crime continuado não impede celebração do acordo de não persecução penal

A descoberta de fraudes em série levou o agente a ser condenado em continuidade delitiva, por isso o tribunal de segunda instância entendeu que não seria cabível o ANPP.

Ao interpretar o artigo 28-A, parágrafo 2º, II, do Código de Processo Penal (CPP), a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concluiu que “a continuidade delitiva não impede a celebração do acordo de não persecução penal (ANPP)”. No mesmo julgamento, o colegiado também definiu que o acordo “pode ser aplicado retroativamente em processos penais em andamento, desde que presentes os requisitos legais e antes do trânsito em julgado”.

Segundo o processo, um funcionário da Caixa Econômica Federal se apropriou de valores da instituição mediante fraudes e manipulação de contas bancárias, causando prejuízo significativo entre os anos de 2010 e 2011.

Ele foi condenado pelo crime de peculato por 16 vezes, na forma continuada (artigo 71 do Código Penal), o que levou o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) a considerar que não seria possível o ANPP, pois a continuidade seria indício de dedicação à atividade criminosa. Com o reconhecimento da confissão espontânea, a pena foi reduzida para três anos e oito meses de reclusão e depois substituída por penas restritivas de direitos.

Crime continuado não é impedimento à celebração do ANPP

O relator do recurso no STJ, ministro Ribeiro Dantas, explicou que há uma diferença entre crime continuado e crime habitual. No primeiro, afirmou, existe uma “unidade de desígnios entre todas as infrações perpetradas”, sendo uma continuação da outra, bem como semelhança nas circunstâncias de tempo, lugar e modus operandi. Segundo o ministro, o instituto da continuidade tem o objetivo de evitar excesso punitivo nas situações em que há uma série de infrações semelhantes e conectadas.

Já a habitualidade, segundo ele, é a reincidência de crimes já consumados, e está entre as hipóteses excludentes do ANPP, previstas de forma taxativa no artigo 28-A, parágrafo 2º, II, do CPP.

“A inclusão da continuidade delitiva como óbice à celebração do acordo constitui uma interpretação que extrapola os limites impostos pela norma, inserindo um requisito que o legislador, de forma deliberada, optou por não contemplar. Não se pode olvidar que a norma processual penal tem seus parâmetros definidos de maneira a equilibrar o poder punitivo do Estado com as garantias constitucionais do acusado, sendo inadmissível a criação de obstáculos não previstos expressamente em lei, sob pena de violação ao princípio da estrita legalidade”, afirmou.

Na avaliação do ministro, a habitualidade é incompatível com a finalidade do acordo de não persecução, o qual busca alcançar “a resolução consensual de casos de menor gravidade, com vistas a reduzir o estigma da persecução penal e a onerosidade do sistema judicial, sem prejuízo do princípio da legalidade penal”.

ANPP pode ser celebrado de forma retroativa antes do trânsito em julgado

O relator destacou que o STJ possui julgados no sentido de que o ANPP deve ser fechado durante a fase do inquérito policial, ou seja, antes do recebimento da denúncia. Contudo, o ministro observou que o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do HC 185.913, permitiu que o acordo seja celebrado retroativamente nos casos em andamento, antes do trânsito em julgado, desde que presentes os requisitos legais.

No caso em análise, Ribeiro Dantas verificou que estão presentes os requisitos que autorizam a aplicação do ANPP: o delito não envolveu violência ou grave ameaça; a pena mínima cominada ao crime é inferior a quatro anos; o réu não é reincidente em crime doloso; e existe a possibilidade de confissão formal por parte do acusado.

Fonte: STJ

Mesmo com previsão no edital, arrematante não responde por dívida tributária anterior à alienação do imóvel

Devido à mudança na jurisprudência do STJ, a nova tese só valerá para os leilões com editais divulgados após a publicação da ata de julgamento, salvo os casos ainda pendentes de apreciação.
 

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, fixou a tese de que, “diante do disposto no artigo 130, parágrafo único, do Código Tributário Nacional (CTN), é inválida a previsão em edital de leilão atribuindo responsabilidade ao arrematante pelos débitos tributários que já incidiam sobre o imóvel na data de sua alienação”.

Devido à mudança na jurisprudência do tribunal, o colegiado acompanhou a proposta do relator do Tema 1.134, ministro Teodoro Silva Santos, para modular os efeitos da decisão, determinando que a tese fixada só valerá para os leilões cujos editais sejam divulgados após a publicação da ata de julgamento do repetitivo, ressalvados pedidos administrativos e ações judiciais pendentes de apreciação, para os quais a tese se aplica de imediato.

Segundo o ministro, ainda que o parágrafo único do artigo 130 do CTN diga que, na alienação em hasta pública, o crédito tributário se sub-roga no preço, tornou-se praxe nos leilões realizados pelo Poder Judiciário a previsão editalícia atribuindo ao arrematante o ônus pela quitação das dívidas fiscais pendentes.

CTN diz que o arrematante recebe o imóvel livre de ônus

O ministro lembrou que a disciplina das normas gerais em matéria tributária está condensada no CTN, que foi recepcionado pela Constituição de 1988 com status de lei complementar. O código, explicou, estabelece normas que estruturam todo o sistema tributário nacional.

De acordo com o relator, nos casos de alienação comum, o artigo 130 do CTN prevê que o terceiro que adquire imóvel passa a ter responsabilidade pelo pagamento dos impostos, taxas ou contribuições de melhorias cujos fatos geradores tenham ocorrido antes da transmissão da propriedade. Contudo, o parágrafo único desse dispositivo excepciona a arrematação em hasta pública, hipótese em que a sub-rogação ocorre sobre o respectivo preço.

“Significa dizer que, quando a aquisição do imóvel ocorrer mediante alienação judicial, a sub-rogação se operará sobre o preço ofertado, e não sobre o arrematante, que receberá o bem livre de quaisquer ônus. Nesse específico caso, a aquisição da propriedade dar-se-á na sua forma originária, visto que não há relação de causalidade entre o antigo proprietário do bem e o seu adquirente”, afirmou.

Teodoro Silva Santos destacou que essa circunstância não deixa a dívida fiscal sem proteção, pois o crédito poderá ser satisfeito com o valor depositado em juízo pelo arrematante (sub-rogação da dívida no preço). Nessa situação, ressaltou o relator, o ente público concorrerá com outros credores, inclusive com titulares de créditos trabalhistas, que terão preferência. Na impossibilidade de satisfação integral da dívida, a Fazenda Pública deverá acionar o antigo proprietário para a recuperação do valor remanescente.

Edital não pode trazer regra diferente da prevista no CTN

O relator observou que a partir da previsão do artigo 686, inciso V, do Código de Processo Civil de 1973 e do artigo 886, inciso VI, do CPC/2015, foi adotada a tese de que a menção, no edital do leilão, dos ônus tributários que recaem sobre o imóvel afastaria o comando do artigo 130, parágrafo único, do CTN para permitir a responsabilização pessoal do arrematante pelo pagamento, dada sua prévia e inequívoca ciência da dívida.

No entanto, segundo o ministro, não é possível admitir que uma norma geral sobre responsabilidade tributária constante do próprio CTN – cujo status normativo é de lei complementar – seja afastada por simples previsão em sentido diverso no edital. Para ele, os dispositivos processuais que ampararam a orientação adotada pelo STJ não possuem esse alcance.

Teodoro Silva Santos comentou que são irrelevantes a ciência e a eventual concordância do participante do leilão em assumir o ônus pelo pagamento dos tributos sobre o imóvel arrematado. Em conclusão, alertou que é vedado exigir do arrematante, com base em previsão editalícia, o recolhimento dos créditos tributários incidentes sobre o bem arrematado cujos fatos geradores sejam anteriores à arrematação.

Fonte: STJ

Ação rescisória sobre ICMS na base de cálculo de PIS e Cofins

A Secretaria de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) atualizou a base de dados de Repetitivos e IACs Anotados. Foram incluídas informações a respeito do julgamento dos Recursos Especiais 2.054.759 e 2.066.696, classificados no ramo do direito tributário, no assunto PIS – Pasep – Cofins.

Os acórdãos estabelecem a admissibilidade de ação rescisória para adequar julgado realizado antes de 13/5/2021 à modulação de efeitos estabelecida no tema 69 de repercussão geral do Supremo Tribunal Federal (STF), o qual firmou tese no sentido de que o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) não compõe a base de cálculo para a incidência da contribuição ao Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).

Plataforma

A página de Precedentes Qualificados do STJ traz informações atualizadas relacionadas à tramitação – como afetação, desafetação e suspensão de processos –, permitindo pesquisas sobre recursos repetitivoscontrovérsiasincidentes de assunção de competênciasuspensões em incidente de resolução de demandas repetitivas e pedidos de uniformização de interpretação de lei, por palavras-chaves e vários outros critérios.

A página Repetitivos e IACs Anotados disponibiliza os acórdãos já publicados (acórdãos dos recursos especiais julgados no tribunal sob o rito dos artigos 1.036 a 1.041 e do artigo 947 do Código de Processo Civil), organizando-os de acordo com o ramo do direito e por assuntos específicos.

Fonte: STJ

STJ complementa tese sobre devolução de benefício previdenciário pago em tutela antecipada

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) complementou a tese firmada no Tema 692 dos recursos repetitivos para incluir a possibilidade de devolução nos próprios autos de benefícios previdenciários recebidos por força de decisão precária revogada.

A tese passou a ter a seguinte redação: “A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago, restituindo-se as partes ao estado anterior e liquidando-se eventuais prejuízos nos mesmos autos, na forma do artigo 520, II, do Código de Processo Civil de 2015 (artigo 475-O, II, do CPC/1973)”.

O colegiado acolheu parcialmente os embargos de declaração nos quais o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), entre outros pontos, alegava ter havido omissão na tese jurídica fixada no repetitivo, pois o acórdão questionado em um dos recursos representativos da controvérsia reconheceu a possibilidade de execução do valor dos benefícios nos próprios autos, quando fosse reformada a decisão provisória.

Questão de ordem admitiu liquidação nos próprios autos

O relator dos embargos, ministro Afrânio Vilela, lembrou que, em junho de 2022, o relator do Tema 692, ministro Og Fernandes, acolheu questão de ordem para reafirmar a tese fixada, com acréscimo redacional para ajuste à nova legislação sobre a matéria (artigo 115, II, da Lei 8.213/1991).

Segundo o relator, na ocasião daquele julgamento, foi feita uma análise da evolução legislativa e jurisprudencial sobre o assunto, que levou à conclusão da possibilidade de liquidação nos próprios autos, quando reformada a decisão que lastreava a execução provisória. Contudo, o ministro observou que a tese fixada não fez referência a esse posicionamento.

Complementação da tese vai evitar controvérsias desnecessárias

Para Vilela, embora a vinculação dos juízes e tribunais esteja atrelada à tese jurídica e também aos fundamentos determinantes (ratio decidendi) do acórdão repetitivo, o texto da tese tende a ser o principal mecanismo de difusão da orientação a ser observada pelos órgãos aplicadores do precedente qualificado.

“Especificamente quanto ao Tema 692, tenho notado a distribuição, no STJ, de inúmeros processos que discutem a possibilidade de liquidação, nos próprios autos, dos valores indevidamente pagos pelo INSS em antecipação de tutela, muito embora a matéria já tenha sido pacificada pela Primeira Seção na sistemática dos recursos repetitivos“, comentou.

O relator disse ainda que, muitas vezes, no exame de admissibilidade do recurso especial, os tribunais de origem têm deixado de aplicar o Tema 692 devido à identificação de um suposto distinguish, o que os leva a determinar a subida do recurso para análise do STJ.

Na sua avaliação, a complementação da tese terá o efeito de evitar controvérsias secundárias desnecessárias ou derivadas do julgamento da questão de ordem.

Fonte: STJ

Terceirização, pejotização e fraudes trabalhista e tributária

O debate no Supremo Tribunal Federal sobre relação de emprego, terceirização e pejotização envolve posições divergentes quanto à regulação e à autonomia de contratos trabalhistas. Essa discussão inclui dois focos principais: a terceirização, cuja licitude para atividades-fim foi definida pelo STF no Recurso Extraordinária 958.252 (Tema 725), e a pejotização, em que o trabalhador se constitui como pessoa jurídica (PJ) para prestação de serviços, muitas vezes com características de vínculo empregatício.

Sobre a terceirização, o STF consolidou em 2018 que ela é permitida mesmo para atividades-fim, desde que a empresa contratante tenha responsabilidade subsidiária em caso de descumprimento de obrigações trabalhistas. Essa decisão marcou uma ruptura com a Justiça do Trabalho, que historicamente reconhecia a existência de vínculo empregatício quando elementos como subordinação e pessoalidade estavam presentes, mesmo com a contratação via PJ​

A pejotização, tratada em diversas reclamações (como as RCL 39.351 e 47.843), ganhou apoio de ministros como Luís Roberto Barroso, que argumenta que profissionais hipersuficientes (aqueles com diploma superior e renda elevada) podem optar por esse regime, buscando menor carga tributária e maior flexibilidade contratual. O STF tem frequentemente revertido decisões da Justiça do Trabalho que reconheciam o vínculo de emprego em casos de pejotização, argumentando que o art. 7º da Constituição não impõe a formalização de toda relação remunerada como empregatícia, apoiando-se nos princípios de livre iniciativa e autonomia das vontades​.

O ministro Flávio Dino,  expressou um voto favorável à repercussão geral em casos de motoristas de aplicativos, indicando sensibilidade ao impacto social das decisões do STF sobre novos formatos de trabalho. Esse voto, aliado à postura de outros ministros, aponta para um julgamento que pode consolidar as regras sobre vínculos e pejotização em plataformas digitais, com potencial para impactar milhares de ações na Justiça do Trabalho​.

Esse debate no STF não está encerrado e pode evoluir com a revisão da jurisprudência, especialmente à medida que aumentam os casos envolvendo trabalhadores em regimes que mesclam pejotização e informalidade.

Fraude trabalhista

No debate recente, em Plenário do STF, observa-se uma complexa divisão quanto ao reconhecimento de fraudes trabalhistas e tributárias associadas à pejotização — prática em que empresas contratam indivíduos como pessoas jurídicas para evitar encargos trabalhistas. O ministro Flávio Dino tem destacado que a pejotização é potencialmente fraudulenta em casos onde sua finalidade principal é disfarçar vínculos empregatícios reais, o que ele identifica como uma ameaça aos direitos dos trabalhadores e à arrecadação tributária devida. Dino e outros ministros preocupam-se com a possibilidade de violação do princípio da dignidade do trabalhador e dos direitos trabalhistas fundamentais que a pejotização incorretamente aplicada pode causar.

Flávio Dino argumenta que é necessário distinguir entre uma contratação legítima entre empresas e uma simulação de relação de trabalho subordinado, em que empresas buscam reduzir custos à custa da proteção ao trabalhador. Ele defende que a Justiça do Trabalho deve manter sua competência para averiguar fraudes e definir a existência de vínculo empregatício com base nas evidências de cada caso específico.

Outros ministros, como Edson Fachin, têm enfatizado que as decisões do STF sobre terceirização e a atividade-fim (por exemplo, na ADPF 324) não foram projetadas para cobrir casos de fraude por pejotização, um posicionamento que Dino também endossa. Essa posição destaca a importância de interpretar a terceirização e pejotização com base na “boa-fé objetiva” e na legitimidade dos contratos firmados, defendendo que, na presença de elementos de fraude, a Justiça do Trabalho deve requalificar tais contratos como de emprego formal.

Entretanto, a posição de Dino contrasta com a visão de ministros como Gilmar Mendes e Nunes Marques, que interpretam as decisões precedentes como suporte à terceirização e formas flexíveis de contratação, contanto que sigam os princípios da livre iniciativa e da liberdade contratual. Para estes ministros, as tentativas de estabelecer vínculos empregatícios em casos de pejotização tendem a interferir na autonomia das empresas e nos arranjos econômicos contemporâneos, desde que não haja abuso flagrante. Em suma, o ministro Flávio Dino alinha-se a uma posição mais rigorosa, apontando para a fraude como um risco real na pejotização quando esta é usada para evitar responsabilidades trabalhistas e tributárias, e acredita que deve haver uma maior fiscalização para proteger tanto os trabalhadores quanto o erário.

O STF tem discutido de maneira intensa a pejotização e a terceirização, abordando suas consequências para as relações de trabalho e as obrigações tributárias. No centro desse debate, está o reconhecimento do risco de fraude e desvio de direitos trabalhistas, uma preocupação enfaticamente levantada pelo ministro Flávio Dino. A pejotização, prática em que o trabalhador é formalmente constituído como pessoa jurídica (PJ) para prestar serviços, tem, para Dino, o potencial de desfigurar a proteção ao trabalhador e impactar gravemente a dignidade do trabalho.

A pejotização surge, muitas vezes, como uma estratégia empresarial para reduzir custos trabalhistas, especialmente ao substituir a contratação formal por um contrato de prestação de serviços entre empresas. No entanto, o que parece uma escolha contratual entre partes é, com frequência, uma manobra para camuflar uma relação de subordinação, pessoalidade e onerosidade, elementos essenciais que definem o vínculo empregatício conforme a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Para Flávio Dino, essa prática representa uma ameaça real aos direitos fundamentais do trabalhador. Na maioria das vezes, o trabalhador que atua como PJ não tem, na prática, os privilégios de escolha ou autonomia de um verdadeiro empresário. Como exemplo, um motorista de aplicativo ou um entregador de plataforma digital muitas vezes têm sua rotina controlada pela empresa, trabalham exclusivamente para ela e dependem diretamente da remuneração obtida nesse vínculo, um perfil que seria de um empregado formal. O ministro Dino vê nisso uma simulação, uma vez que tais PJs não gozam dos benefícios da formalidade, como férias, 13º salário, FGTS, descanso semanal remunerado, estabilidade, e a contribuição previdenciária.

Fraude tributária

No entendimento do ministro Dino, a pejotização não apenas viola direitos individuais do trabalhador, mas também configura fraude ao sistema tributário. Uma contratação formal implica contribuições significativas ao INSS, além de encargos que mantêm a Previdência Social e outros direitos garantidos pela Constituição. A pejotização, ao rebaixar esse vínculo, diminui esses aportes, prejudicando o financiamento das políticas públicas e sociais.

O ministro Dino, ao lado de outros ministros que compartilham preocupações semelhantes, acredita que, quando existe fraude, é dever do Judiciário requalificar o vínculo como empregatício, garantindo, assim, o recolhimento correto dos tributos e a proteção do trabalhador. Dino defende que as decisões que permitem a terceirização irrestrita (atividade-meio e fim) não devem ser confundidas com um aval para a pejotização fraudulenta.

Ele lembra que os princípios constitucionais de livre iniciativa e autonomia das partes não são absolutos e precisam ser lidos em conjunto com a função social da propriedade e da dignidade da pessoa humana, um ponto central da Constituição de 1988.

Os prejuízos à dignidade do trabalhador ficam claros ao observar setores onde a pejotização é mais comum, como o de comunicação, tecnologia e transporte de aplicativos. Em muitos desses casos, os profissionais enfrentam longas jornadas, trabalham de forma subordinada, mas são privados de benefícios que a CLT estabelece como essenciais. Um jornalista contratado como PJ, por exemplo, pode ter que se submeter às mesmas exigências de um empregado formal, mas sem a possibilidade de descanso remunerado, amparo em caso de demissão ou indenização por rescisão.

Esses casos geram um ciclo de instabilidade que afeta diretamente a qualidade de vida e o planejamento futuro dos trabalhadores. Sem os direitos trabalhistas, muitos se veem incapazes de construir uma carreira de longo prazo ou de usufruir de garantias mínimas. Isso prejudica não apenas os trabalhadores, mas também a economia como um todo, pois trabalhadores desprotegidos e com menor segurança de renda tendem a consumir menos, impactando o mercado.

O ministro Flávio Dino defende que, no contexto do STF, o debate sobre pejotização e terceirização deve evoluir para preservar a dignidade do trabalhador e evitar o uso de manobras contratuais fraudulentas. O ministro entende que é necessário um olhar atento às configurações de fraude, mantendo a Justiça do Trabalho competente para investigar e requalificar, sempre que necessário, as relações simuladas.

Flávio Dino defende que a Justiça do Trabalho deve intervir para requalificar relações que apresentam traços de fraude, reafirmando a função social do contrato e a proteção aos trabalhadores. Ele vê a pejotização como um desvio que vai contra o pacto social estabelecido pela Constituição, comprometendo a igualdade e os direitos fundamentais. E, para ele, a Justiça do Trabalho precisa ter sua competência mantida para desconsiderar tais práticas, assegurando a dignidade do trabalhador.

Conclusão

Diante desse contexto, a posição de Flávio Dino parece crucial para proteger a dignidade dos trabalhadores e garantir uma sociedade mais justa. Ao sustentar que a pejotização, em sua aplicação fraudulenta, é um risco aos direitos dos trabalhadores, Dino defende a essência dos direitos sociais e a importância da função social do trabalho. Sua visão reforça que o papel do STF deve ser o de garantir a efetivação dos princípios constitucionais de proteção ao trabalhador e de combate a fraudes, e não permitir que práticas disfarçadas de autonomia contratual erodam conquistas históricas de direitos laborais.

Assim,  o STF precisa atuar como guardião dos direitos fundamentais, limitando a pejotização fraudulenta e assegurando que as relações de trabalho, baseadas na dignidade e na justiça social, sejam efetivamente respeitadas.

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A recente mudança do entendimento do TJ-SP sobre a renúncia sucessória

O planejamento sucessório é tema de extrema relevância no Direito de Família e Sucessões. Entre os instrumentos que podem ser utilizados nesse contexto estão os pactos sucessórios, que, no Brasil, têm gerado intensa discussão doutrinária, especialmente no que tange à renúncia antecipada ao direito sucessório entre cônjuges em concorrência com herdeiros necessários. No recente acórdão proferido pelo Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), no julgamento da Apelação Cível nº 1000348-35.2024.8.26.0236, essa temática foi abordada de maneira inovadora.

O presente artigo visa comentar os principais pontos discutidos no acórdão, além de abordar a evolução doutrinária e jurisprudencial sobre a possibilidade de renúncia antecipada ao direito sucessório, bem como suas implicações práticas no planejamento sucessório.

O caso em análise: acórdão do TJ-SP

No acórdão em questão, os apelantes recorreram contra a decisão que, atendendo à suscitação de dúvida do tabelião, havia negado o registro de pacto antenupcial em casamento regido pela separação total de bens, sob a alegação de que esse continha cláusula de renúncia recíproca ao direito sucessório concorrencial. A negativa de registro se baseou na interpretação de que tal cláusula violaria o artigo 426 do Código Civil (CC), que veda o contrato cujo objeto seja a herança de pessoa viva.

Contudo, por maioria, o Conselho Superior da Magistratura do TJ-SP decidiu pelo provimento da apelação, determinando o registro do pacto antenupcial, apesar da controvérsia doutrinária sobre a validade da renúncia ao direito sucessório em concorrência com descendentes, prevista no artigo 1.829, inciso I, do CC.

Renúncia antecipada ao direito sucessório: aspectos jurídicos

A renúncia antecipada ao direito sucessório em pactos antenupciais é objeto de intensos debates, principalmente em razão da interpretação do artigo 426 do CC. Esse dispositivo legal estabelece que “não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva”, o que, à primeira vista, impediria qualquer tipo de negociação prévia sobre direitos sucessórios.

No entanto, a renúncia discutida no acórdão não configura, propriamente, um contrato sobre a herança de pessoa viva, mas sim um ato unilateral de renúncia ao direito de concorrer com herdeiros de primeira classe na sucessão. A distinção entre pacta corvina (pactos sucessórios vedados) e renúncia antecipada ao direito sucessório é fundamental, sendo que a renúncia não visa dispor de bens de pessoa viva, mas apenas excluir o direito de concorrer na sucessão, caso venha a ocorrer.

No caso específico, o TJ-SP considerou que a renúncia à herança no pacto antenupcial não se confunde com a vedação prevista no artigo 426, uma vez que não envolve a disposição sobre patrimônio de pessoa viva, mas apenas a abstenção do cônjuge de participar da sucessão em concorrência com herdeiros necessários.

Divergência doutrinária sobre pactos sucessórios

A validade da renúncia antecipada ao direito sucessório é tema de controvérsia doutrinária. Autores como Maria Berenice Dias e Rolf Madaleno defendem a possibilidade dessa renúncia, argumentando que o artigo 426 do CC deve ser interpretado de forma restritiva, alcançando apenas pactos que visem dispor de bens de pessoa viva, e não a renúncia de direitos sucessórios. Essa interpretação permite que os cônjuges, de forma livre e consciente, abram mão dos direitos concorrenciais que poderiam ter no futuro, em prol de uma maior segurança jurídica e planejamento patrimonial.

A doutrina moderna aponta que a renúncia antecipada é compatível com o princípio da autonomia privada, que rege o Direito de Família e Sucessões. Assim, desde que os cônjuges estejam devidamente esclarecidos quanto às implicações de sua escolha, não haveria impedimento legal para tal disposição.

Por outro lado, há quem sustente a nulidade dessa cláusula com base na atual jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que considera nula a cláusula por ferir norma de ordem pública. Tal posição fundamenta-se na premissa de que o direito sucessório não pode ser objeto de renúncia antecipada antes da abertura da sucessão, conforme estabelecido pelos artigos 1.784 e 1.804 do CC.

Direito comparado: renúncia antecipada no cenário internacional

A decisão em pauta representa importante vitória nesse âmbito, contudo, o Direito brasileiro ainda está em fase de evolução, enquanto que, em outros países, a renúncia antecipada ao direito sucessório é amplamente aceita. Ordenamentos jurídicos como os da Alemanha, Suíça, Itália, França e Portugal já consagram a validade da renúncia prévia à herança em determinados contextos.

O Código Civil Alemão (BGB, § 1941), por exemplo, permite que herdeiros renunciem à herança de forma antecipada. Da mesma forma, o Código Civil Suíço (artigo 468) e o Código Civil Italiano (artigo 768, bis) aceitam pactos sucessórios em determinadas circunstâncias. No caso do Direito Francês, o artigo 929 do Código Civil admite expressamente a possibilidade de pactos sucessórios renunciativos.

Essa tendência reflete uma evolução no entendimento jurídico sobre a importância de flexibilizar o planejamento patrimonial, permitindo maior liberdade às partes na disposição de seus bens, mesmo em casos de direitos futuros.

Análise de acórdão proferido em 2023

É importante ressaltar que o TJ-SP havia adotado, há apenas um ano, um entendimento completamente distinto. No julgamento da Apelação Cível nº 1022765-36.2023.8.26.0100, ocorrido em outubro de 2023, o Conselho Superior da Magistratura decidiu, de forma unânime, por negar provimento ao recurso de apelação de nubentes que buscavam registrar pacto antenupcial com cláusula de renúncia ao direito sucessório concorrencial.

Naquele caso, o tribunal manteve a negativa de registro com base na vedação contida no artigo 426 do CC. O acórdão destacou que, à luz da interpretação estrita do princípio da legalidade que rege os registros públicos, não seria possível admitir tal renúncia em um pacto antenupcial, uma vez que ela configuraria um pacto sucessório proibido pela legislação brasileira.

A decisão de 2023 seguia a linha tradicional, que considerava nulo qualquer acordo que envolvesse renúncia ao direito sucessório antes da abertura da sucessão, ainda que fosse feito no contexto de um planejamento patrimonial como o pacto antenupcial.

Evolução do entendimento e as perspectivas futuras

A mudança de entendimento do TJ-SP em 2024, ao admitir o registro do pacto antenupcial com renúncia ao direito sucessório concorrencial, representa uma evolução significativa em direção ao reconhecimento da autonomia privada no planejamento sucessório. Essa nova abordagem parece alinhar-se com as tendências mais modernas do direito sucessório, que buscam flexibilizar as restrições impostas pelo artigo 426 do Código Civil.

Essa abertura, entretanto, ainda enfrenta resistência em algumas instâncias, como demonstrado pela decisão de 2023. A tendência, no entanto, é que o Brasil avance para um cenário em que essa renúncia seja amplamente aceita e inclusive esteja prevista de forma expressa na Legislação Civil (vide artigo 426, parágrafo 2° do anteprojeto do Código Civil encaminhado ao Senado Federal – “§ 2º Os nubentes podem, por meio de pacto antenupcial ou por escritura pública pós-nupcial, e os conviventes, por meio de escritura pública de união estável, renunciar reciprocamente à condição de herdeiro do outro cônjuge ou convivente”), especialmente diante da crescente importância do planejamento sucessório nas relações patrimoniais contemporâneas.

Possibilidade de disposição testamentária

Um ponto que merece destaque no contexto dos pactos sucessórios e da renúncia ao direito sucessório concorrencial é a possibilidade de a parte renunciante ainda ser beneficiada por meio de um testamento. Embora a renúncia ao direito concorrencial em relação aos herdeiros de primeira classe seja válida e eficaz para excluir a concorrência do cônjuge com descendentes ou ascendentes, essa renúncia não impede que o cônjuge renunciante seja contemplado futuramente pela parte contrária, caso essa última decida dispor de seu patrimônio por meio de testamento.

No Brasil, a liberdade testamentária permite que uma pessoa disponha de até 50% de seu patrimônio em favor de quem desejar, incluindo o cônjuge, companheiro ou mesmo terceiros. Assim, mesmo após a renúncia ao direito concorrencial, o cônjuge sobrevivente ainda poderá ser beneficiado por meio da legítima disposição de última vontade. Esta possibilidade assegura que, mesmo em casos de renúncia à concorrência sucessória, os cônjuges mantenham a liberdade de definir, de maneira particular, o destino de seu patrimônio após o falecimento.

A disposição testamentária, portanto, não é afetada pela renúncia prévia estabelecida no pacto antenupcial, uma vez que tal renúncia incide apenas sobre os direitos sucessórios legais. A vontade expressa no testamento prevalece dentro dos limites da lei, garantindo que a autonomia do testador seja respeitada, desde que observada a reserva da legítima em favor dos herdeiros necessários.

Essa flexibilidade no planejamento sucessório oferece uma maior autonomia patrimonial para o casal, pois permite que, ao mesmo tempo em que abrem mão de participar da sucessão concorrencial, mantenham a possibilidade de assegurar proteção e benefício mútuos por meio de testamento. A coexistência dessas duas ferramentas – renúncia sucessória e testamento – proporciona uma forma de personalizar o planejamento patrimonial, respeitando tanto as decisões tomadas em vida quanto os desejos do autor da herança no momento de sua morte.

Conclusão

A decisão do TJ-SP sobre a possibilidade de registro de pacto antenupcial contendo cláusula de renúncia ao direito sucessório concorrencial representa um marco importante na evolução do entendimento jurídico sobre pactos sucessórios no Brasil. Embora ainda haja divergência doutrinária e jurisprudencial, a tendência é que o Direito Brasileiro siga o caminho de outros ordenamentos internacionais, admitindo a validade dessa renúncia como parte do exercício da autonomia privada.

Esse movimento reflete os anseios de uma sociedade que busca maior previsibilidade e liberdade no planejamento patrimonial, especialmente no âmbito das relações familiares e sucessórias. A expectativa é que, com a reforma do CC, o Brasil possa consolidar essa possibilidade, trazendo mais clareza e segurança jurídica para os pactos sucessórios.

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Os precedentes do STJ nos primeiros quatro anos de vigência da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais

A partir da publicação da Lei 13.709, em agosto de 2018, muita coisa mudou na maneira como os dados são coletados, armazenados, tratados e compartilhados nas instituições públicas e privadas.

Publicada em agosto de 2018, a Lei 13.709, conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), entrou em vigor dois anos depois, em agosto de 2020. Desde então, a legislação provocou uma pequena revolução na conduta de instituições públicas e privadas em relação aos procedimentos de coleta, armazenamento, tratamento e compartilhamento de dados, sobretudo ao reforçar o direito de o cidadão saber como, quando e por que os seus dados são captados e o de dar ou não seu consentimento para isso.

A amplitude das mudanças introduzidas pela LGPD não tem escapado ao Judiciário, o qual tem sido provocado a resolver questões como a responsabilidade por dados vazados e as hipóteses de indenização.

Esta matéria especial apresenta os precedentes já estabelecidos pelo STJ ao longo dos quatro anos de vigência da LGPD.

Decreto sobre bens de agentes públicos não extrapola poder regulamentar

Em 2022, a Primeira Turma, ao julgar o RMS 55.819, decidiu que não extrapola o poder regulamentar da administração pública, nem os princípios que a regem, o decreto estadual que dispõe sobre o dever de agentes públicos disponibilizarem informações sobre seus bens e sua evolução patrimonial.

Na origem, o Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Estadual, Fiscais e Agentes Fiscais de Tributos do Estado de Minas Gerais (Sindifisco-MG) impetrou mandado de segurança coletivo contra o Estado de Minas Gerais, questionando a legalidade do Decreto 46.933/2016, que exige dos servidores do Poder Executivo estadual a entrega anual da declaração de bens e valores que compõem seu patrimônio privado.

A entidade sindical argumentou que essa exigência resultava na quebra imediata do sigilo de dados e informações pessoais, violando, entre outros, o direito fundamental à privacidade e à intimidade garantido pelo artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, além de ferir o inciso LXXIX do mesmo artigo, recentemente incorporado. Após o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) denegar a segurança, os impetrantes recorreram ao STJ.

O relator do recurso, ministro Gurgel de Faria, destacou que a inclusão do inciso LXXIX no artigo 5º da Constituição, para assegurar “o direito à proteção dos dados pessoais, inclusive nos meios digitais”, não conflita com a decisão recorrida, uma vez que, mesmo sendo um direito fundamental, essa garantia não é absoluta e deve ser compatibilizada com os princípios previstos no artigo 37 da Constituição.

O ministro ressaltou que, conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na SS 3.902, os agentes públicos estão sujeitos a uma redução na sua esfera de privacidade e intimidade, não sendo legítima a pretensão de não revelar fatos relacionados à evolução patrimonial. Além disso, o relator comentou que, conforme o inciso LXXIX do artigo 5º da Constituição, a proteção aos dados pessoais é garantida “nos termos da lei”, e a legislação não impede, mas, ao contrário, impõe aos servidores o dever de disponibilizar informações sobre bens e evolução patrimonial, como previsto no artigo 13 da Lei de Improbidade Administrativa.

Imagem de capa do card  Imagem de capa do card

A entrega dos dados à administração não implica dizer que eles deverão ser expostos ao público em geral, cabendo àquela, já com as informações em mãos, adotar as cautelas necessárias para dar concretude ao artigo 5º, inciso LXXIX, da Constituição, e à LGPD, ou seja, tais normas não proíbem a coleta dos dados, mas asseguram que os entes político-administrativos deverão respeitar o tratamento nelas conferido.

RMS 55.819

Ministro Gurgel de Faria

Análise automática de perfis de prestadores de serviço está sujeita à LGPD

Em 2024, no julgamento do REsp 2.135.783, a Terceira Turma entendeu que as informações analisadas no processo de descredenciamento de prestadores de serviços, como os motoristas de aplicativos, constituem dados pessoais e, portanto, estão sujeitas à aplicação da LGPD.

No caso em questão, um motorista foi excluído da plataforma 99 por alegado descumprimento do código de conduta da empresa, ao encerrar corridas em locais diferentes dos solicitados, sem justificativa. Após ter seus pedidos negados em primeira e segunda instâncias, o motorista recorreu ao STJ, argumentando que a rescisão foi abrupta, sem notificação prévia, violando seu direito ao contraditório e à ampla defesa.

Ao analisar o recurso, a relatora, ministra Nancy Andrighi, apontou que era preciso considerar que as análises de perfil feitas pelas plataformas digitais “decorrem de decisões automatizadas, uma vez que a inteligência artificial vem ganhando espaço no processamento de dados em geral, inclusive os pessoais”.

Ela destacou que a LGPD, em seu artigo 5º, inciso I, define dado pessoal como qualquer informação vinculada a uma pessoa natural identificada. Além disso, a mesma lei, em seu artigo 12, parágrafo 2º, amplia esse conceito para incluir dados usados na formação de perfis comportamentais, o que pode envolver, por exemplo, reclamações de passageiros. Dessa forma, a ministra concluiu que os dados analisados no descredenciamento de motoristas de aplicativos são dados pessoais, atraindo a proteção da LGPD.

Nancy Andrighi ressaltou que, como titular dos dados, o motorista tem o direito de pedir a revisão de decisões automatizadas que afetam seu perfil profissional. Ela lembrou que o artigo 6º, VI, da LGPD estabelece a transparência como um princípio fundamental, garantindo que o titular dos dados tenha acesso a informações claras sobre o seu tratamento.

“Conjugando a determinação do artigo 20 da LGPD com a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas, entende-se que o titular de dados pessoais deve ser informado sobre a razão da suspensão de seu perfil, bem como pode requerer a revisão dessa decisão, garantido o seu direito de defesa”, declarou.

A relatora ponderou que, em certas situações, a plataforma de transporte individual pode ser responsabilizada por danos sofridos por seus usuários, e, portanto, cabe a ela avaliar os riscos de manter um motorista ativo. Para a ministra, se o comportamento do motorista for grave – como em casos de assédio, racismo, crimes contra o patrimônio ou agressões –, a suspensão imediata do perfil será justificável, com direito à defesa para possível recredenciamento; e, caso a violação dos termos de conduta seja confirmada, o descredenciamento não será abusivo, mas o motorista ainda poderá buscar a revisão judicial.

Titular de dados vazados precisa comprovar dano efetivo ao pedir indenização

Embora o vazamento de dados seja uma falha indesejável no tratamento de informações pessoais, ele não gera, por si só, o direito à indenização por danos morais. Para que haja compensação, o titular dos dados deve comprovar o efetivo prejuízo causado pela exposição dessas informações.

Esse entendimento foi estabelecido pela Segunda Turma ao julgar o AREsp 2.130.619, da Eletropaulo, e reformar decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). A corte estadual havia determinado que a concessionária pagasse R$ 5 mil em danos morais devido ao vazamento de dados pessoais de uma cliente, como nome, data de nascimento, endereço e número de documento de identificação. A consumidora alegou que suas informações foram acessadas por terceiros e posteriormente compartilhadas mediante pagamento, o que criava um risco potencial de fraude e incômodos.

O ministro Francisco Falcão, relator do recurso, destacou que o artigo 5º, inciso II, da LGPD apresenta uma lista específica de dados pessoais considerados sensíveis, que, conforme o artigo 11 da mesma lei, requerem um tratamento diferenciado. O ministro realçou que entre esses dados estão informações sobre origem racial ou étnica, convicções religiosas, opiniões políticas, associação a sindicatos ou organizações religiosas, além daquelas relacionadas à saúde sexual e outras de caráter íntimo.

Para o magistrado, os dados objeto do processo são aqueles fornecidos em qualquer cadastro, “inclusive nos sites consultados no dia a dia, não sendo, portanto, acobertados por sigilo, e o conhecimento por terceiro em nada violaria o direito de personalidade da recorrida”.

Provedores devem fornecer dados de quem postou vídeo ofensivo a pessoa falecida

No julgamento do REsp 1.914.596, a Quarta Turma fixou o entendimento de que os provedores de conexão à internet devem fornecer os dados cadastrais (nome, endereço, RG e CPF) dos usuários responsáveis por publicação de vídeos no YouTube com ofensas à memória de pessoa falecida.

No caso, usuários publicaram vídeos no YouTube com ofensas à memória da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), assassinada em 2018 juntamente com seu motorista, Anderson Gomes. Diante disso, a irmã e a companheira de Marielle entraram com uma ação contra o Google, administradora do YouTube, solicitando a remoção dos vídeos ofensivos. O pedido foi acolhido em primeira instância e confirmado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ).

Apesar disso, a corte estadual rejeitou o pedido das autoras para que, mediante a quebra do sigilo de dados, fossem enviados ofícios aos provedores de acesso com a determinação de que fornecessem a identificação dos responsáveis pelos vídeos. O TJRJ considerou que seria impossível impor essa obrigação aos provedores, os quais não eram parte do processo.

O ministro Luis Felipe Salomão, relator, observou que as autoras da ação buscavam a remoção de conteúdos ofensivos para preservar a honra da falecida e identificar os responsáveis, com base no artigo 22 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014). De acordo com Salomão, o STJ já tinha entendimento pacífico sobre a necessidade de intervenção judicial para obter dados protegidos, a fim de instruir processos cíveis e criminais. Ele afirmou que, no caso específico, a privacidade dos usuários que publicaram os vídeos não prevalecia diante dos indícios de conduta ilegal.

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A LGPD não exclui a possibilidade da quebra de sigilo. Ao contrário, apresenta regras sobre tal ocorrência, que, no caso, revela-se possível, considerando as espécies de dados, a finalidade da quebra e o contexto em que apresentados.

REsp 1.914.596

Ministro Luis Felipe Salomão

Bolsa deve excluir dados inseridos sem autorização no perfil de investidor

Em outro julgamento relevante (REsp 2.092.096), a Terceira Turma entendeu que a bolsa de valores B3, na condição de agente de tratamento de dados, tem a obrigação de excluir os dados cadastrais inseridos indevidamente por terceiros que obtiveram acesso não autorizado ao perfil do investidor em sua plataforma virtual. A decisão seguiu o entendimento da relatora, ministra Nancy Andrighi, que baseou sua análise na LGPD e no Marco Civil da Internet.

Conforme o processo, terceiros acessaram a plataforma de consulta de investimentos da B3 por meio de conta falsa aberta em uma corretora. Além de visualizar os investimentos do investidor, os fraudadores alteraram seus dados cadastrais, como telefone e email, no perfil da B3.

A pedido da vítima, a Justiça determinou que a bolsa excluísse as informações inseridas indevidamente. No entanto, a B3 recorreu ao STJ, argumentando que a fraude aconteceu em um ambiente externo, vinculado à corretora.

A relatora considerou que, ao manter um sistema que armazena e utiliza dados dos investidores, tais como nome, CPF, email e telefone, a B3 realiza operação de tratamento de dados pessoais, razão pela qual se submete às normas da LGPD. Assim, de acordo com a ministra, a B3 deve observar os princípios da lei, entre eles os da adequação e da segurança, e adotar medidas para proteger os dados pessoais de acessos não autorizados e de situações acidentais ou ilícitas de alteração, destruição, perda, comunicação ou outras formas de tratamento inadequado.

Nancy Andrighi também explicou que a LGPD confere ao titular dos dados o direito de solicitar a correção ou a exclusão de informações incorretas, inexatas ou desatualizadas, bem como o bloqueio e a eliminação de dados excessivos ou tratados em desconformidade com a lei.

“Havendo requisição por parte do titular, o agente de tratamento de dados tem a obrigação de excluir os dados cadastrais inseridos indevidamente por terceiros que obtiveram acesso não autorizado à conta do titular em sua plataforma”, concluiu.

Instituição financeira responde por tratamento indevido de dados usados em golpe

No REsp 2.077.278, de relatoria da ministra Nancy Andrighi, a Terceira Turma definiu que a instituição financeira responde pelo defeito na prestação do serviço consistente no tratamento indevido de dados pessoais bancários, quando tais informações são utilizadas por estelionatário para aplicar golpe contra o consumidor.

No caso, uma mulher entrou em contato com seu banco por email solicitando orientações sobre como quitar o financiamento de um veículo. Dias depois, recebeu por WhatsApp a mensagem de uma pessoa que se apresentou como funcionária do banco e propôs a liquidação, informando o número do contrato e outros dados. Acreditando se tratar de um procedimento legítimo, a cliente pagou um boleto de R$ 19 mil. Após o pagamento, sem obter resposta, ligou para o número oficial da instituição e descobriu que havia sido vítima de um golpe.

O juízo de primeiro grau declarou válido o pagamento e considerou o contrato de financiamento quitado. No entanto, o TJSP reformou essa decisão, por entender que o golpe foi facilitado pela comunicação informal e que as informações do boleto falso não correspondiam ao contrato original. O tribunal considerou que a cliente não tomou as precauções necessárias ao utilizar um canal não oficial para tratar da quitação, e afastou a responsabilidade do banco, atribuindo a culpa ao estelionatário e à própria vítima.

A relatora no STJ observou que os dados sobre operações bancárias são, em regra, de tratamento exclusivo pelas instituições financeiras, tendo a Lei Complementar 105/2001 estabelecido que tais instituições conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e nos serviços prestados (artigo 1º), constituindo dever jurídico dessas entidades não revelar informações que venham a obter em razão de sua atividade profissional, salvo em situações excepcionais.

Desse modo, segundo a ministra, o armazenamento de dados feito de maneira inadequada, possibilitando que terceiros tenham conhecimento de informações sigilosas e causem prejuízos ao consumidor, configura defeito na prestação do serviço (artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor e artigo 44 da LGPD).

“Não há como afastar a responsabilidade da instituição financeira pela reparação dos danos decorrentes do famigerado golpe do boleto, uma vez que os criminosos têm conhecimento de informações e dados sigilosos a respeito das atividades bancárias do consumidor. Isto é, os estelionatários sabem que o consumidor é cliente da instituição e que encaminhou email à entidade com a finalidade de quitar sua dívida, bem como possuem dados relativos ao próprio financiamento obtido (quantidade de parcelas em aberto e saldo devedor)”, disse.

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O tratamento indevido de dados pessoais bancários configura defeito na prestação de serviço, notadamente quando tais informações são utilizadas por estelionatário para facilitar a aplicação de golpe em desfavor do consumidor.

REsp 2.077.278

Ministra Nancy Andrighi

Fonte: STJ