Extinção do cargo de vogal: retrocesso social

A proposta de extinção do cargo de vogal nas Juntas Comerciais, conforme prevista no Projeto de Lei nº 3.956/2019, ameaça profundamente a pluralidade e a representatividade que são pilares fundamentais dessas instituições.

Desde a promulgação da Lei nº 8.934, de 18 de novembro de 1994, que regulamenta o Registro Público de Empresas Mercantis, os vogais desempenham um papel essencial ao garantir que as decisões colegiadas sejam embasadas por diferentes setores da sociedade. Eliminá-los seria comprometer a integridade, a imparcialidade e o caráter democrático das juntas.

A justificativa apresentada pelo relator do PL, Alessandro Vieira (MDB), que defende a substituição dos vogais por servidores com conhecimentos técnicos em Direito Comercial, parte de uma premissa perigosa. Ao centralizar o processo decisório nas mãos de poucos servidores, ignoram-se os diferentes olhares e interesses que sempre coexistiram nas Juntas Comerciais, para favorecer uma visão puramente tecnicista e, em última análise, excludente.

É ilusório acreditar que o conhecimento técnico, por si só, assegura decisões justas e equilibradas. A pluralidade proporcionada pelos vogais é o que enriquece o debate e assegura que cada decisão reflita não apenas um saber específico, mas os interesses coletivos da sociedade.

Além disso, vale lembrar que os vogais são indicados a partir de entidades de classe e categorias profissionais, o que garante que diferentes realidades econômicas estejam presentes nas discussões. Em um momento em que o País precisa de mais diálogo e colaboração entre os setores produtivos e o Estado, eliminar esse canal de participação é um verdadeiro retrocesso.

Confiança

A extinção desse cargo não apenas fragiliza a estrutura das Juntas Comerciais, mas também coloca em risco a confiança que o empresariado deposita nesse sistema. Ao reduzir a representatividade, as decisões dessas instituições podem perder legitimidade, afastando-as da realidade e das necessidades do setor produtivo.

Nos últimos anos, a CNC tem se posicionado contra essa tentativa de reforma, seja no âmbito do Projeto de Lei nº 3.956/2019, seja em outras iniciativas legislativas semelhantes, como nas Emendas 20 e 127, ambas de autoria do deputado Alexis Fonteyne (Novo/SP). O mesmo posicionamento foi mantido durante a tramitação da MP nº 876/2019 e da MP nº 1040/2021.

O motivo é claro: as Juntas Comerciais desempenham um papel fundamental na regulamentação e formalização das atividades empresariais no Brasil, e sua estrutura deve ser preservada para garantir o equilíbrio entre as diferentes partes interessadas.

É preciso também destacar o risco de centralização excessiva de poder, caso a proposta avance. A ausência dos vogais, que hoje atuam como contrapeso às decisões dos presidentes e relatores das Juntas, poderia abrir espaço para decisões menos transparentes e menos representativas dos interesses da sociedade. Em vez disso, o aprimoramento do sistema deveria focar em modernizar e fortalecer a atuação dos vogais, preservando o caráter colegiado e a pluralidade que sempre nortearam as Juntas Comerciais.

A CNC defende que qualquer reforma nas Juntas Comerciais deve considerar o equilíbrio entre eficiência técnica e representatividade democrática. A extinção dos vogais é uma medida extrema e desnecessária que, em vez de melhorar, enfraquece a estrutura administrativa dessas instituições.

O próprio governo federal emitiu Nota Técnica SEI nº 303/2024/MEMP defendendo que os vogais desempenham papel essencial na diversidade de opiniões e na legitimidade das decisões e devem ser mantidos. Da mesma forma, somos favoráveis a ajustes pontuais que otimizem o funcionamento das Juntas, mas sem comprometer sua pluralidade.

Por isso, conclamamos o Senado a rejeitar essa proposta e garantir que as Juntas Comerciais continuem sendo um espaço de pluralidade, transparência e equilíbrio, respeitando a importância de cada setor da economia no processo decisório.

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LiveBC: saiba o que é Open Finance e como se beneficiar com ele

A premissa do Open Finance é que o cliente é dono dos seus próprios dados. Mas, na prática, o que isso significa? Significa que as suas informações são uma ferramenta capaz de fornecer produtos e serviços financeiros de melhor qualidade e a preços mais vantajosos. Saiba como utilizá-lo na LiveBC, que será transmitida nesta segunda-feira (14), às 14h, no canal do BC no YouTube.

Lançado em 2021 pelo Banco Central (BC), o Open Finance pode trazer muitos benefícios para os usuários do Sistema Financeiro Nacional (SFN). O Diretor de Regulação do BC, Otávio Damaso, explica como utilizá-lo na LiveBC desta segunda-feira (14), que começará às 14h, no Canal do BC do YouTube.

Fonte: BC

 
 
 
 

 

Comissão de Constituição e Justiça aprova proposta que limita decisão monocrática no STF

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou, nesta quarta-feira (9), a admissibilidade da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 8/21, que limita as decisões monocráticas no Supremo Tribunal Federal (STF) e em outros tribunais superiores. 

 
Deputado Marcel van Hattem fala ao microfone
O relator da PEC, deputado Marcel van Hattem – Vinicius Loures/Câmara dos Deputados

Decisão monocrática é aquela proferida por apenas um magistrado — em contraposição à decisão colegiada, que é tomada por um conjunto de ministros (tribunais superiores) ou desembargadores (tribunais de segunda instância).

Oriunda do Senado, a PEC 8/21:

  • proíbe decisões individuais que suspendam a eficácia de leis ou atos dos presidentes dos poderes Executivo e Legislativo (Câmara e Senado);
  • permite decisões individuais apenas para a suspensão de eficácia de lei durante o recesso do Judiciário, em casos de grave urgência ou risco de dano irreparável, com prazo de 30 dias para o julgamento colegiado após o fim do recesso;
  • determina o prazo de seis meses para o julgamento de ação que peça declaração de inconstitucionalidade de lei, após o deferimento de medida cautelar – depois desse prazo, ela passará a ter prioridade na pauta do STF.

A discussão da proposta já havia sido encerrada e nesta quarta foi feita apenas a votação. O texto recebeu 39 votos a favor e 18 contra. 

Críticas de retaliações
Segundo o deputado Rubens Pereira Júnior (PT-MA), a proposta faz parte de um pacote de retaliação ao Supremo. “Primeiro, porque o Supremo foi indispensável
na defesa da democracia e na lisura das eleições que transcorreram em 2022”, afirmou o parlamentar.

“Esse projeto tem um segundo objetivo: tentar fazer uma pressão na Suprema Corte do País para, de alguma forma, aliviar o julgamento dos criminosos que estão sendo acertadamente condenados pelo Poder Judiciário”, criticou o deputado.

Defesa da democracia
O relator da proposta, deputado Marcel van Hattem (Novo-RS), por outro lado, disse que o objetivo do projeto é defender a democracia. “É uma revalorização deste Poder Legislativo e do mandato parlamentar. Não é razoável numa democracia que uma única pessoa utilize-se do poder de uma caneta para desfazer a decisão de todo um Congresso Nacional”, criticou Van Hattem.

A proposta ainda precisa ser analisada por uma comissão especial e pelo Plenário da Câmara, em dois turnos de votação.

Fonte: Câmara dos Deputados

Ministra do STJ propõe que atrasados do INSS sejam pagos a partir da citação

Para a ministra Maria Thereza de Assis Moura, do Superior Tribunal de Justiça, os benefícios previdenciários reconhecidos ou revisados por decisão judicial devem ter como termo inicial de pagamento a data da citação do INSS.

Maria Thereza de Assis Moura 2024
Relatora, ministra Maria Thereza de Assis Moura propôs tese mais benéfica ao INSS – Gustavo Lima/STJ

 

 

 

Essa foi a tese proposta por ela à 1ª Seção do STJ em um julgamento sob o rito dos recursos repetitivos. A definição de uma posição vinculante foi adiada por pedido de vista do ministro Paulo Sérgio Domingues.

O tema é de imenso impacto para o segurado do INSS e para advogados previdenciários, e vai decidir a situação de milhares de ações que tramitam principalmente nos Juizados Especiais Federais.

A controvérsia diz respeito aos casos em que o segurado pede um benefício previdenciário ao INSS, mas a solicitação é negada por não ter sido apresentada documentação mínima.

A negativa administrativa dá ao segurado o interesse de agir para pedir na Justiça o benefício, desta vez com os documentos necessários. É o que vai gerar, também, honorários de sucumbência em favor dos advogados, em caso de deferimento.

Uma das alternativas seria concluir que o termo inicial dos efeitos financeiros dos benefícios previdenciários concedidos ou revisados judicialmente é a data do requerimento administrativo feito ao INSS.

A argumentação em favor dessa posição, mais benéfica aos segurados, é de que a única possibilidade de subtração de valores devidos seja a da prescrição das parcelas vencidas há mais de cinco anos.

Além disso, segurados têm encontrado dificuldades para lidar com pedidos de benefícios, que passam por indeferimento automático a partir de análises feitas por sistemas automatizados.

O voto da ministra Maria Thereza, por outro lado, adota uma posição mais favorável ao INSS ao indicar que, superada a questão do interesse de agir, o termo inicial do pagamento será a data da citação da autarquia, caso o direito tenha sido comprovado de determinadas maneiras ali listadas.

Interesse de agir

Um dos objetivos do recurso é discutir se há interesse de agir nos casos em que o documento novo — apresentado apenas em juízo — já estava disponível no momento do requerimento ao INSS, mas não foi juntado pelo segurado.

Por causa do pedido de vista, a ministra Maria Thereza de Assis Moura não leu o voto. E a tese proposta não fez qualquer referência a essa discussão.

Ela é relevante porque pode obrigar o segurado a fazer novo pedido administrativo, desta vez com a documentação correta, antes de se habilitar a ajuizar ação. Isso afeta, portanto, a judicialização do tema, que é amplíssima no Brasil.

Há ainda os casos em que o interessado não tinha acesso ao documento ao fazer o pedido administrativo. Nessas situações, abre-se a hipótese de avaliar a natureza do documento e o grau de controle que o requerente tinha de sua disponibilidade.

A tese proposta pela ministra foi a seguinte:

Superada a ausência do interesse de agir, o termo inicial dos efeitos financeiros dos benefícios previdenciários concedidos ou revisados judicialmente será a data da citação, caso o direito tenha sido comprovado por:

a) Documento não juntado ao processo administrativo;

b) Testemunha não apresentada em justificação administrativa designada para tanto;

c) Prova pericial após ausência de apresentação da pessoa ou coisa a ser periciada ou qualquer forma de falta de colaboração com a perícia administrativa; ou

d) Outra prova qualquer, quando incumbir à pessoa interessada a fazê-lo, sem ônus excessivo, e for conferida a devida oportunidade no processo administrativo.

REsp 1.905.830
REsp 1.913.152
REsp 1.912.784

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Taxa Legal é divulgada mensalmente no Banco Central

Todo primeiro dia útil de cada mês, o Banco Central (BC) divulga a Taxa Legal que passou a ser usada para uniformizar a correção monetária e os juros para quitar débitos de contratos sem taxa combinada entre as partes, de indenizações por perdas e danos, de indenizações devidas a segurados e até de condomínios.

O novo indexador foi instituído pela Lei 14.905/2024 e entrou em vigor em setembro para uniformizar a aplicação de juros e correção sem previsão contratual. Além de divulgar a Taxa Legal, o BC também disponibiliza, a qualquer pessoa, acesso à Calculadora do Cidadão para simular correções de pagamentos atrasados com base nessa taxa para as situações previstas em lei.

A Calculadora do Cidadão está disponível para ser baixada gratuitamente no portal do BC e nas lojas de aplicativos para celulares e tablets. A aplicação, que é interativa a partir de informações inseridas pelo usuário, já é usada amplamente pela sociedade para simular outras operações do cotidiano financeiro. Para auxiliar na simulação de cálculos da Taxa Legal, foi criado um módulo específico na seção Correção de Valores do aplicativo.

Ressalta-se que o cálculo deve ser considerado apenas como referência para as situações reais e não como valores oficiais cobrados pelas instituições credoras. 

Taxa Legal 

A Lei 14.905/2024 definiu que a Taxa Legal corresponderá à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), deduzida do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

A lei corrigiu a lacuna do Código Civil quanto à falta de clareza sobre índice de correção de débitos na ausência de convenção contratual ou de previsão legal específica ao definir as seguintes aplicações:

Metodologia de Cálculo

Coube ao Conselho Monetário Nacional (CMN) especificar a metodologia de cálculo e a forma de aplicação desse novo referencial de juros, atribuição cumprida com a edição da Resolução CMN 5.171, em 29 de agosto de 2024. 

O CMN decidiu pela divulgação de uma taxa mensal que será calculada, para cada mês de referência, pela razão entre a acumulação das Taxas Selic diárias e a taxa de variação do IPCA-15 relativas ao mês anterior ao de referência. Se esse cálculo da Taxa Legal apresentar resultado negativo, a taxa será igual a zero no mês de referência.

Forma de Aplicação 

O CMN determinou ainda que seja empregado o regime de juros simples como forma de aplicação da Taxa Legal, inclusive para a acumulação de taxas mensais e para a apuração de juros proporcionais (fração pro rata). 

Tal opção respeita o regime de incidência de juros que vem sendo empregado nas condenações judiciais em face da Fazenda Pública, bem como em outros casos judiciais envolvendo verbas pagas a servidores e empregados públicos, benefícios previdenciários e assistenciais e em casos diversos de liquidação de sentença. 

A escolha pelo regime de juros simples, portanto, não traz inovação na forma de aplicação de juros nas situações nas quais incidiria a Taxa Legal, não tendo qualquer efeito para além do âmbito de aplicação dessa taxa.

Fonte: BC

 
 
 

 

Comissão de Constituição e Justiça aprova novas hipóteses para impeachment de ministros do Supremo

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou, nesta quarta-feira (9), proposta que estabelece novas hipóteses para o impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal. 

Discussão e votação de propostas legislativas. Dep. Gilson Marques (NOVO - SC)
Gilson Marques, relator – Vinicius Loures/Câmara dos Deputados

O texto, aprovado por 36 votos a 14, é substitutivo do deputado Gilson Marques (Novo-SC) ao Projeto de Lei 658/22, do ex-deputado Paulo Eduardo Martins. A proposta ainda depende de análise pelo Plenário e para se tornar lei ainda deve ser aprovada pelo Senado.

O projeto modifica a lei que trata dos crimes de responsabilidade (Lei 1.079/50). O texto original inclui, como crime de responsabilidade dos ministros do STF, “manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais ou sobre as atividades dos outros poderes da República”.

O texto apresentado por Gilson Marques amplia os crimes para, além deste:

  • valer-se de suas prerrogativas para beneficiar, indevidamente, a si ou a terceiros;
  • exigir, solicitar, receber ou aceitar promessa de vantagem indevida em razão da função;
  • violar, mediante decisão, sentença, voto, acórdão ou interpretação analógica, a imunidade material parlamentar; e
  • usurpar, mediante decisão, sentença, voto, acórdão ou interpretação analógica, as competências do Poder Legislativo, criando norma geral e abstrata de competência do Congresso Nacional. 

Ainda de acordo com o texto aprovado, se a denúncia de crime de responsabilidade for rejeitada, caberá recurso ao Plenário do Senado Federal, oferecido por, no mínimo, um terço dos membros da Casa. Se o recurso não for apreciado em 30 dias, as demais deliberações legislativas ficarão sobrestadas, com exceção das que tenham prazo constitucional determinado.

Gilson Marques ressaltou que os crimes de responsabilidade dos ministros do Supremo não receberam atualizações há mais de 20 anos. “Juristas e acadêmicos do Brasil e do mundo têm analisado o crescente ativismo judicial, especialmente das Cortes Superiores, e a invasão de competências e prerrogativas constitucionais dos Poderes Legislativo e Executivo”, comentou Marques. 

“A usurpação de competências dos demais poderes e a judicialização da política tornaram-se práticas cotidianas. Soma-se a isso o fato de que os membros das cortes nacionais se tornaram figuras públicas frequentes na mídia, manifestando-se sobre todos os temas, inclusive sobre o mérito de processos em tramitação”, justificou o parlamentar.

Fonte: Câmara dos Deputados

Tutela específica de obrigação de fazer nos contratos de seguro

O Direito Processual Civil brasileiro disciplina o julgamento dos conflitos relacionados com o descumprimento de obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa. Quando julga procedente o pedido, o juiz deve conceder a tutela específica ou determinar providências que assegurem a obtenção do resultado prático equivalente ao adimplemento (CPC, artigo 497).

O regime da tutela específica foi introduzido em 1990 pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (artigo 213) e pelo Código de Defesa do Consumidor (artigo 84), seguidos pela Lei nº 8.952 de 1994, uma das micro reformas por que passou o CPC/73 naquela época (artigo 461). Foi uma reação do sistema. A tutela ressarcitória (sancionatória) tradicional se mostrou insuficiente para atender às pretensões insatisfeitas quando o bem da vida perseguido não era pagamento em dinheiro, mas sim uma atividade pessoal do devedor [1]. Em muitos casos, sobretudo nas obrigações infungíveis, o ressarcimento do dano já consumado não passa de um melancólico “prêmio de consolação”, na expressão de Barbosa Moreira, para quem “nem todos os tecidos deixam costurar-se de tal arte que a cicatriz desapareça por inteiro” [2].

Era preciso imprimir mais efetividade à prestação jurisdicional para torná-la capaz de inibir a ameaça do ilícito, evitar sua repetição ou cessar sua continuidade, campo de trabalho das tutelas inibitórias e reintegratórias (de remoção) [3], movimento iniciado na doutrina italiana apontando um catálogo de “novos direitos” que reclamavam proteção especial. A falta de procedimento para regular a execução de obrigação de fazer e não fazer constituía uma obscura terra de ninguém (“un’ambigua terra di nessuno”), queixava-se Sergio Chiarloni nos anos 80 [4].

As preocupações se voltaram para os direitos não patrimoniais da personalidade (vida, integridade física e psíquica, liberdade, honra, imagem), da concorrência, da propriedade intelectual, práticas abusivas no mercado de consumo, degradações ao meio ambiente, conflitos de família [5] etc. Com ênfase no direito fundamental do credor [6], a preferência do sistema pela tutela específica convoca o devedor a produzir resultado igual, ou o mais próximo possível, ao que produziria se tivesse a prestação sido cumprida, sob pena de medidas de pressão psicológica para curvá-lo ao adimplemento [7].

Conversão

Entretanto, existem limites à busca do cumprimento “in natura”. A lei dispõe que a obrigação pode ser convertida em perdas e danos em duas hipóteses: (a) se o autor requerer essa conversão ou (b) se for impossível a tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente (CPC, artigo 499). Vale dizer, se a tutela específica não puder ser realizada, porque se tornou inviável, o interessado pode requerer um resultado prático equivalente. Mas se não quiser nem uma coisa nem outra, ou seja, nem o objeto específico nem algo que lhe faças as vezes, o credor pode requerer uma indenização que compense o prejuízo gerado pela inadimplência.

Na técnica processual, ele pode ajuizar diretamente sua pretensão ressarcitória ou formular seus pedidos em cumulação eventual (se não me der o bem A, quero a indenização B[8]. Nada impede também que solicite a conversão no curso do processo quando a tutela específica não tiver mais aderência à realidade material [9], seja na fase de conhecimento [10], seja no cumprimento de sentença [11].

Aqui, a grande discussão era a seguinte: o órgão judicial pode converter a pretensão específica para o procedimento de perdas e danos sem requerimento do credor? A resposta é sim. As hipóteses são alternativas: requerimento do autor ou impossibilidade de cumprimento da prestação. A conversão pode ser voluntária, se o autor preferir, mas pode também ser aplicada de ofício diante das circunstâncias pessoais ou materiais que impossibilitam o cumprimento da obrigação original (conversão compulsória) [12], gatilho que vem do Código de 1973 [13], seguido pelo atual [14].

Nada impede também o devedor de requerer a conversão em perdas e danos, desde que prove a impossibilidade de cumprir a obrigação. É o caso do provedor de internet que, condenado a reativar o perfil do usuário indevidamente excluído da plataforma, consegue demonstrar que é tecnicamente inviável a recuperação do conteúdo apagado do sistema [15].

Agora façamos o caminho inverso. Uma vez pleiteada a conversão pelo autor, pode o órgão discordar para manter o pleito de recebimento do objeto específico? A resposta é negativa. Não se pode impor prestação original a quem já desistiu dela pelos desgastes da inadimplência. A conversão constitui um direito do credor de preferir o ressarcimento e seguir nele até o fim (CC, artigo 247 e 249). Se ficar evidenciado algum abuso de sua parte, isso não lhe retira a pretensão ressarcitória, podendo render algum reflexo negativo na liquidação do dano por falta de mitigação do próprio prejuízo [16].

Portanto, o fato de a lei autorizar a conversão da demanda em perdas e danos, quando houver requerimento do autor ou quando impossível a tutela específica, não significa que, na situação contrária, a demanda de ressarcimento pode ser “convertida” de ofício em tutela específica. Uma vez realizada a conversão, ou preenchidas as condições para tanto, nem o juiz pode impor e nem o réu pode “insistir” no cumprimento de uma obrigação a contragosto do autor. Seria muita invasão em sua esfera de disponibilidade [17].

Como lembrado de início, tudo foi pensado para resolver a crise dos direitos não patrimoniais, o que justifica o esforço pela tutela específica dentro de certos limites. Fora do seu raio, o sistema abre a porta da pretensão ressarcitória.

O § único do artigo 499 do CPC

No entanto, as coisas mudaram com a Lei nº 14.833, de 27/3/2024. O Congresso introduziu um § único no artigo 499 do CPC, que ganhou a seguinte redação:

“Art. 499. A obrigação somente será convertida em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.

Parágrafo único. Nas hipóteses de responsabilidade contratual previstas nos arts. 441618 757 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e de responsabilidade subsidiária e solidária, se requerida a conversão da obrigação em perdas e danos, o juiz concederá, primeiramente, a faculdade para o cumprimento da tutela específica.”

O novo dispositivo está dizendo agora que, mesmo após formulado o pleito de conversão em perdas e danos, o juiz concederá, primeiramente, a faculdade para o cumprimento da tutela específica nos casos de vícios redibitórios (CC, artigo 441), nos contratos de empreitada (CC, artigo 618), de seguros (CC, artigo 757) e na responsabilidade subsidiária e solidária.

A redação não ficou clara. O verbo “conceder” é transitivo indireto. Quem concede, concede algo a alguém. Faculdade conferida a quem? Ao sujeito passivo? Parece que sim. Ora, se o juízo deve consultar o devedor sobre o interesse dele em cumprir a obrigação, então significa, no fundo, que o credor deixou de ser o titular do direito de preferir o caminho das perdas e danos. A lei transferiu àquele a prerrogativa de avaliar a conveniência da medida.

Aparentemente sutil, a modificação mexe bastante no sistema processual. O que antes foi estruturado para oferecer tutela específica vocacionada ao cumprimento de prestações de cunho não patrimonial a critério do credor, agora está sendo esgarçado para impor obrigações tipicamente patrimoniais a serviço do devedor. Uma supervalorização da tutela específica com mudança no centro de controle.

Múltiplas interrogações estão brotando do novo parágrafo. Qual foi a razão dessa reforma? O Projeto de Lei nº 2.812/2013 nasceu na Câmara dos Deputados por iniciativa dos parlamentares Luciano Bivar (União-PE) e Fernando Marangoni (União-SP). A justificativa era a necessidade de conceder oportunidade para o devedor honrar sua obrigação como forma de preservar a intenção original das partes, especialmente quando o inadimplemento não foi intencional ou foi causado por circunstâncias alheias à vontade do devedor. Registrou-se também que era preciso prestigiar a conservação dos negócios jurídicos e garantir a execução menos gravosa.

Evidente que a motivação política carrega uma crítica às pretensões ressarcitórias. Porém, o projeto parece preocupado com situações muito laterais que não justificam tamanha mudança no regime processual, com reflexo no campo das obrigações. Muitas vezes, o conflito decorrente da inadimplência gerou um estado de coisas tão desgastante que, mesmo sendo possível sua continuidade, o credor não confia e nem aceita mais a presença do prestador de serviço em sua residência ou empresa para continuação de uma obra que não deu certo por uma série de motivos. Não é justo que essa decisão se transforme em direito potestativo na mão do devedor.

Seguros

Avançando um pouco mais, o que têm os contratos de seguro a ver com isso? Os segurados, beneficiários e terceiros prejudicados têm pretensões tipicamente indenizatórias, fundadas no descumprimento de obrigação de pagar quantia certa, sujeitas às condições contratuais e limites de cobertura. Contam-se nos dedos as obrigações de fazer da companhia de seguros: prestar o serviço de regulação do sinistro, proceder à contratação, à prorrogação ou à renovação do contrato em determinadas situações particulares, constituir reserva técnica etc.

Talvez alguma proximidade com o seguro-garantia de obrigações contratuais. Excepcionalmente, em obras e serviços de engenharia, havendo inadimplência no contrato de prestação de serviço, a seguradora pode assumir o compromisso de dar prosseguimento ao projeto para concluí-lo sob sua responsabilidade. É a chamada cláusula de retomada [18], uma experiência da nova Lei de Licitações [19], buscando resolver a crise das obras públicas inacabadas no Brasil [20].

Entretanto, antes de assumir a direção dos trabalhos, a seguradora precisa instaurar o processo de regulação do sinistro à luz do contrato de seguro. Imaginemos então que ela investigue a crise contratual, apure suas causas, mas conclua pela ausência de cobertura, o que significa que não deve assumir a obra e nem pagar indenização ao segurado. Diante desse fato, o segurado ingressa em juízo com ação cominatória para obrigá-la a tocar o serviço mal-acabado, mas depois pede sua conversão em perdas e danos. De acordo com o § único do artigo 499 do CPC, o juiz deve perguntar à companhia de seguros o que ela prefere fazer: executar a obra por meio de terceiros ou pagar a indenização ao segurado?

A essa altura dos acontecimentos, já recusada a cobertura, é muito provável que ela não queira e nem possa assumir a execução do projeto no lugar do agente inadimplente. Aceitará a conversão em perdas e danos. Até pelo princípio da menor onerosidade (CPC, artigo 805), depositar a indenização em juízo, se for o caso, será muito mais palatável à seguradora do que providenciar a execução do contrato por intermédio de empreiteira às suas custas.

Difícil enxergar alguma utilidade prática nessa prerrogativa para os contratos de seguro. Mais estranho ainda ficará essa “consulta” quando o segurado já optou por ajuizar originalmente sua pretensão de cobrança da indenização securitária.

A benesse cria distinções. Parece aplicável a todos os seguros, incluindo contratos de consumo e empresariais, massificados e grandes riscos, mas privilegia corresponsáveis solidários em detrimento dos não solidários. Como fica o princípio da igualdade? É uma boa pergunta formulada por José Miguel Garcia Medina [21]. Aliás, curioso observar que, surgindo a necessidade de conversão na fase de conhecimento, o juiz terá que dizer antecipadamente se existe ou não solidariedade, quando essa seria uma questão a ser dirimida pela sentença ou decisão parcial de mérito.

Na verdade, não havia necessidade de mencionar o artigo 757 do Código Civil numa regra processual com tamanha generalidade. Tampouco se teve preocupação de ouvir especialistas para entender qual seria o impacto da proposta na relação securitária. Esse mesmo dispositivo pode sofrer alterações no futuro próximo, seja pelo processo de atualização do Código Civil no Congresso Nacional, seja por força do Projeto de Lei nº 2.597/2024, que propõe a revogação do seu Capítulo XV para estabelecer uma lei específica em matéria de seguros.

É preciso ter cautela. O acesso à Justiça que prestigiou o sistema de tutelas específicas, com balanceamentos graduais à disposição do credor, é o mesmo acesso à Justiça que pode sair machucado agora com as extravagâncias que essa inversão de papeis pode causar na dinâmica dos litígios. Para dar um tempero ao § único do artigo 499 do CPC, sua leitura poderia ser a seguinte: o juiz deve consultar as partes sobre a possibilidade de cumprimento da tutela específica. Apenas um convite ao diálogo e não uma imposição a contragosto do credor.

Esta coluna é produzida pelos professores Ilan Goldberg e Thiago Junqueira, bem como por convidados.


[1] DIDIER JR, Fredie et alCurso de Direito Processual Civil – Execução. 9ª ed., Salvador: Juspodium, 2019, v. 5, p. 593.

[2] Essa crítica vinha em construção: BARBOSA MOREIRA, J. C. Tutela sancionatória e tutela preventiva. Temas de direito processual (2ª série). São Paulo: Saraiva, 1980, p. 21-30.

[3] ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela e obrigações de fazer e de não fazer. Gênesis – Revista de Direito Processual Civil, v. 2, 1997, p. 111.

[4] CHIARLONI, Sergio. Misure coercitive e tutela dei diritti. Milano: Giuffrè, 1980, p. 102; RAPISARDA, Cristina. Profili della Tutela Civile Inibitoria. Pádova: Cedam, 1987, p. 77.

[5] MARINONI, Luiz GuilhermeTutela inibitória (individual e coletiva). 4ª ed., São Paulo: RT, 2006, p. 272.

[6] GUERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil. São Paulo: RT, 2003, p. 116.

[7] BARBOSA MOREIRA, J. C. A tutela específica do credor nas obrigações negativas. Temas de direito processual (2ª série). São Paulo: Saraiva, 1980, p. 33; MONNERAT, Fábio Victor da Fonte. Execução específica das obrigações de fazer e não fazer. In: ARRUDA ALVIM et al (Coord.). Execução civil e temas afins do CPC/1973 ao novo CPC – Estudos em homenagem ao Professor Araken de Assis. São Paulo: RT, 2014, p. 338.

[8] SCARPINELLA BUENO, Cassio. Manual de Direito Processual Civil. 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 2022, p. 527.

[9] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Comentário ao artigo 499. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil: artigo por artigo. 2ª ed., São Paulo: RT, 2016, p. 898.

[10] Enunciado 525 do FPPC: “A produção do resultado prático equivalente pode ser determinada por decisão proferida na fase de conhecimento”.

[11] STJ, 3ª T., REsp 1.760.195-DF.

[12] CUNHA, Leonardo Carneiro da. CPC comentado. Rio de Janeiro: Forense, 2023, p. 778.

[13] STJ, 4ª T., AgInt no Agravo em RESP 2.081.278-SP.

[14] STJ, 4ª T., AgInt nos EDcl no RESP 1.821.265-SP.

[15] Precedentes envolvendo o Facebook: TJSP, 31ª Câmara de Direito Privado, Agravo nº 2184697-88.2024.8.26.0000, Des. Antonio Rigolin, j. 12.07.2024; 19ª Câmara de Direito Privado, Agravo nº 2144045-29.2024.8.26.0000, Des. Cláudia Tabosa Pessoa, j. 13.08.2024.

[16] TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer e sua extensão aos deveres de entrega de coisa. 2ª ed., São Paulo: RT, 2003, p. 331.

[17] Interessante reflexão à luz do CPC anterior: NEVES, Daniel Amorim Assumpção. A Tutela Específica e o Princípio Dispositivo – Ampla Possibilidade de Conversão em Perdas e Danos por vontade do Autor – https://blog.grupogen.com.br/juridico/.

[18] Circular SUSEP nº 662/2022, art. 21, inc. II.

[19] Lei nº 14.133/2021, art. 102.

[20] MELO, Roque de Holanda. A busca pela efetividade do seguro garantia nas contratações públicas. In: GOLDBERG, Ilan & JUNQUEIRA, Thiago (Coord.). Direito dos Seguros em Movimento. São Paulo: Foco, 2024, p. 306.

[21] MEDINA, José Miguel Garcia. Tutela específica mitigada: alteração do CPC pela Lei 14.833, de 27/3/2024 – https://www.conjur.com.br/2024-mar-28/a-tutela-especifica-mitigada-a-alteracao-do-cpc-pela-lei-14-833-de-27-3-2024/.

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Terceira Turma afasta usucapião de imóvel de sociedade de economia mista com destinação pública

Os ministros consideraram que a área sob litígio se destina à prestação do serviço público de abastecimento de água potável para a população do Distrito Federal, o que impede a usucapião.
 

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, rejeitou o pedido de reconhecimento de usucapião de um imóvel de propriedade da Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb). Para o colegiado, como o imóvel pertence à sociedade de economia mista e tem destinação pública, não seria possível a usucapião.

No julgamento, o colegiado considerou viável, em ação de usucapião, proteger a posse da empresa estatal sobre o bem público ocupado irregularmente. Assim, manteve a decisão judicial que, no mesmo processo, acolheu o pedido da Caesb para a reintegração de posse.

Os autores da ação de usucapião extraordinária ajuizada contra a Caesb argumentaram que ocupam uma área de mais de sete mil metros quadrados há mais de 15 anos, o que seria suficiente para o reconhecimento da aquisição da propriedade pelo decurso do tempo.

Instâncias ordinárias rejeitaram o pedido de usucapião

Em primeiro e segundo graus, a ação foi julgada improcedente. Segundo o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), não seria possível reconhecer o exercício de posse pelos autores, mas a mera detenção. O TJDFT também entendeu que, constatado o domínio público sobre o imóvel indevidamente ocupado, deveria ser determinada a sua desocupação, conforme pedido apresentado pela Caesb na contestação.

Por meio de recurso especial, os ocupantes do imóvel alegaram que, sendo a Caesb uma sociedade de economia mista submetida ao regime de direito privado, nada impediria o reconhecimento da usucapião. Eles também questionaram a possibilidade do pedido de reintegração de posse no mesmo processo.

Usucapião é inviável quando demonstrada efetiva ou potencial destinação pública

A ministra Nancy Andrighi, relatora, explicou que o artigo 1.238 do Código Civil disciplina a usucapião extraordinária, cujo reconhecimento exige a posse do imóvel pelo prazo mínimo de 15 anos, sem interrupção nem oposição, independentemente de título e boa-fé. Nos termos do parágrafo único do mesmo dispositivo, o prazo pode ser reduzido para dez anos caso o possuidor more habitualmente no local ou tenha feito obras ou serviços de caráter produtivo no imóvel.

Por outro lado, a relatora destacou que, conforme previsto no artigo 102 do Código Civil, os bens públicos não estão sujeitos à usucapião.

Nesse contexto, Nancy Andrighi citou jurisprudência do STJ (REsp 1.719.589) no sentido de que os bens de sociedade de economia mista sujeitos a destinação pública podem ser considerados bens públicos e, portanto, insuscetíveis de usucapião. O fato de o imóvel estar momentaneamente vazio ou desocupado não afasta a caracterização da destinação pública. Essa característica tem recebido uma interpretação abrangente pela corte, de modo a significar a utilização efetiva ou potencial do bem para serviços e políticas públicas (REsp 1.874.632).

Área é destinada ao abastecimento de água para a população do DF

No caso dos autos, a ministra lembrou que, além de pertencer à Caesb e estar localizado em área de proteção ambiental, o imóvel se destina à prestação do serviço público de abastecimento de água potável para a população do DF, havendo, inclusive, um reservatório de água na área discutida na ação.

“Tais premissas, portanto, acarretam a impossibilidade de reconhecimento da usucapião, bem como a necessidade de se conferir proteção possessória à Caesb, que, atualmente, encontra-se impossibilitada de utilizar integralmente o imóvel em favor do interesse público, diante da ocupação ilícita por parte dos recorrentes”, completou a ministra.

Sobre a reintegração de posse no âmbito da ação de usucapião, Nancy Andrighi lembrou que a parte autora formulou pedido expresso de manutenção da posse do imóvel. Para se contrapor a esse pedido, apontou, a Caesb, em contestação, pugnou expressamente pela desocupação da área, com a reintegração de posse do imóvel.

“Portanto, ao invocar debate sobre a posse do bem na petição inicial, a própria parte autora atraiu a possibilidade de que a parte ré formulasse pedido de proteção de sua posse em sede de contestação, em conformidade com os artigos 556 e 561 do Código de Processo Civil”, concluiu a ministra.

Fonte: STJ

Segunda Turma confirma incidência de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins sobre descontos do Pert

O colegiado aplicou o entendimento da corte segundo o qual qualquer benefício fiscal que tenha reflexo positivo no lucro da empresa deve afetar também a base de cálculo dos tributos.

A Segunda Tuma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, confirmou a incidência do Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ), da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), da contribuição ao Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) sobre os valores dos descontos obtidos a título de multa, juros e encargos legais em razão da adesão do contribuinte ao Programa Especial de Regularização Tributária (Pert).

Criado pelo governo federal em 2017, o Pert é um programa de parcelamento especial destinado a pessoas físicas e jurídicas com dívidas tributárias. O programa abrangeu débitos de parcelamentos anteriores, em discussão administrativa ou judicial, além daqueles decorrentes de lançamentos de ofício.

Para empresas, valor de descontos não representa acréscimo patrimonial ou faturamento

Algumas empresas impetraram mandado de segurança contra o titular da Delegacia Especial de Administração Tributária da Receita Federal em São Paulo, sustentando que os montantes anistiados no âmbito do Pert não estariam sujeitos à incidência de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins, uma vez que não configuram fato gerador desses tributos.

O juízo de primeira instância extinguiu o processo, sem julgamento de mérito, em relação a duas das empresas, pois a sua adesão ao Pert envolveu débitos já inscritos em dívida ativa e, nesse caso, o delegado não seria a autoridade com legitimidade para figurar no polo passivo. Quanto às demais empresas, a ordem foi denegada. O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) confirmou a sentença.

No recurso ao STJ, as empresas argumentaram que os descontos de juros e multas obtidos com a adesão ao Pert não deveriam sofrer incidência de IRPJ, CSLL, Cofins e PIS, pois não representam acréscimo patrimonial ou faturamento, que são as bases dessas exações. Também defenderam a legitimidade do delegado apontado como autoridade coatora.

Benefício fiscal que aumenta lucro da empresa deve refletir na base de cálculo

O relator, ministro Afrânio Vilela, observou que a Lei 13.496/2017 criou o Pert para beneficiar pessoas físicas e jurídicas com débitos perante a Secretaria da Receita Federal do Brasil e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Segundo o magistrado, para algumas formas de pagamento, a norma previu redução de juros, multas e encargos legais.

Ao negar o pedido das recorrentes, o ministro destacou que é pacífico no STJ o entendimento de que “qualquer benefício fiscal que tenha por consequência o impacto positivo no lucro da empresa deve surtir efeito na base de cálculo do IRPJ, da CSLL, do PIS e da Cofins”.

Em relação à autoridade coatora, Afrânio Vilela ressaltou que a parte correta para figurar no polo passivo de mandado de segurança envolvendo débitos federais inscritos em dívida ativa é o procurador-chefe da Fazenda Nacional. Portanto, segundo ele, foi correta a decisão do TRF3 sobre a questão.

Leia o acórdão no REsp 2.115.529.

Fonte: STJ

Primeira Seção define que stock option plan tem caráter mercantil e deve ser tributado na revenda de ações

No julgamento do Tema 1.226, sob o rito dos recursos repetitivos, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria de votos, reconheceu a natureza mercantil do stock option plan (SOP) – opção de compra de ações oferecida por empresas a seus executivos, empregados e prestadores de serviços – e decidiu que a tributação do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) desses ativos ocorre no momento da revenda.

Ao fixar as teses sobre o tema, o colegiado entendeu que, “no regime do stock option plan (artigo 168, parágrafo 3º, da Lei 6.404/1976), porque revestido de natureza mercantil, não incide o IRPF quando da efetiva aquisição de ações junto à companhia outorgante da opção de compra, dada a inexistência de acréscimo patrimonial em prol do optante adquirente”. Estabeleceu ainda que “incidirá o IRPF, porém, quando o adquirente de ações no stock option plan vier a revendê-las com apurado ganho de capital”.

No Recurso Especial 2.069.644, representativo da controvérsia, a Fazenda Nacional defendia que os planos de opção de ações estão vinculados ao contrato de trabalho, configurando forma de remuneração. Com isso, o IRPF deveria ser retido na fonte. Além disso, apontou que o fato gerador do imposto estaria presente no momento da opção de compra de ações e no ato da venda dos papéis a terceiros no mercado financeiro.

Renda só pode ser tributada quando, de fato, integra o patrimônio

Relator do repetitivo, o ministro Sérgio Kukina explicou que a opção pela aquisição das ações, ainda que oferecidas em valor inferior ao do mercado financeiro, não configura a existência de renda ou acréscimo patrimonial nos termos definidos pelo direito tributário para a ocorrência do fato gerador do IRPF.

Segundo o ministro, nesse momento, o optante simplesmente exerce o direito ofertado de comprar as ações no formato definido no SOP, tendo ainda o gasto de um valor preestabelecido para adquirir a ação.

No entanto, Kukina destacou que a renda só deve ser tributada quando realizada, isto é, quando o acréscimo de valor entra efetivamente para o patrimônio do titular, situação inexistente no momento da simples opção de compra de ações no SOP.

“Logo, considerando que se está diante de ‘compra e venda de ações’ propriamente dita, cuja natureza é estritamente mercantil, a incidência do Imposto de Renda dar-se-á sob a forma de ganho de capital, no momento em que ocorrer a alienação com lucro do bem, ponto esse que parece ser incontroverso entre as partes litigantes”, afirmou.

Opção tem natureza mercantil, ainda que feita durante o contrato de trabalho

Ao avaliar se o SOP representaria uma espécie de remuneração do trabalhador, o relator citou posicionamentos doutrinários e do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) no sentido de afastar a natureza salarial. De acordo com Kukina, o empregado paga para exercer o direito de opções, ou seja, não recebe nada de graça do empregador. Dessa forma, continuou, a opção de compra de ação tem natureza mercantil, embora seja feita durante o contrato de trabalho.

“O SOP constitui, simplesmente, a oferta de ações a determinadas pessoas (executivos, empregados, prestadores de serviços) sob certas condições e, uma vez exercida, por elas, a opção de compra, tem-se a concretização de nítido negócio de compra e venda de ações, de natureza estritamente mercantil, o qual perfará suporte fático de incidência de IRPF quando da posterior venda dessas, se ocorrido ganho de capital”, finalizou o ministro ao negar provimento ao recurso da Fazenda Nacional.

Fonte: STJ