O imposto mínimo global, seus desafios e suas complexidades

Os mecanismos societários e planejamentos tributários utilizados por multinacionais para remeter lucros ou reter ativos em jurisdições com tributação favorecida geraram o paradigma internacional conhecido como race to the bottom (corrida para o fundo), em que países reduzem impostos e obrigações fiscais para atrair investimento estrangeiro [1].

Nesse contexto é que surgiu o Pilar 2 do projeto BEPS da OCDE. Esse pilar, denominado Global Anti-Base Erosion Rules (GloBE), foi delineado no documento Tax Challenges Arising from Digitalisation of the Economy – Global Anti-Base Erosion Model Rules (Pillar Two), em dezembro de 2021, e consiste na aplicação de uma alíquota mínima de 15% do imposto de renda sobre os lucros de multinacionais (top-up tax), independentemente da localização das operações [2].

Partiu-se da percepção das principais economias de que tanto as medidas unilaterais de algumas nações quanto aquelas já realizadas via OCDE (como as CFC-Rules) não surtiram efeito suficiente para afastar as estruturas societárias que carregam lucros para jurisdições com baixa ou nenhuma tributação.

Evidentemente, a intenção de implementar uma medida dessa natureza o mais rápido possível pelos países do G20 não surgiu do nada e nem deriva de um “espírito fraterno” de justiça tributária que contaminou todas as “boas nações” do mundo. Há catalisadores óbvios desse processo.

Origem nos EUA

Dois deles, (o Global Intangible Low-Taxed Income (GILTI) e o Corporate Alternative Miminum Tax (CAMT), vieram dos Estados Unidos.

Em 2017, numa tentativa de trazer para os Estados Unidos parte do capital das multinacionais domésticas alocado em países de baixa tributação, o Congresso estadunidense aprovou um pacote de medidas por meio do 2017 Tax Cuts and Jobs Act (TCJA). Uma delas foi o Gilti, um imposto mínimo de 21% sobre ganhos provenientes de ativos intangíveis (como patentes, direitos autorais etc.) detidos no estrangeiro, se a alíquota efetiva de tributação for inferior a 13,12% naquele país, garantidas algumas deduções da base de cálculo.

Seguindo essa mesma linha, em agosto de 2022 o Congresso dos EUA aprovou o Inflation Reduction Act of 2022 (IRA), que, dentre outras mudanças, incluiu na legislação do país o CAMT, que impõe uma alíquota mínima de 15% sobre a renda que constar nas demonstrações financeiras consolidadas de empresas multinacionais, caso aufiram renda anual superior a U$1 bilhão (um bilhão de dólares)

O terceiro catalisador foi a pandemia provocada pelo covid-19. Em outubro de 2021, no documento Tax and fiscal policies after the Covid-19 crisis, a OCDE já expressava sua concepção de que as estruturas fiscais dos países precisariam ser “adaptadas”, dadas as maiores necessidades de financiamento e aumento da dívida pública, em decorrência da pandemia. Além disso, o mesmo documento ressalta que, com a implementação dos Pilares 1 e 2, os países teriam suas bases tributárias protegidas, realocando para seus territórios os direitos de arrecadação de tributos de empresas multinacionais, independentemente da presença física [3].

Esses foram os sinais positivos que os países do G20 aguardavam para discutir a implementação de um imposto global de forma mais prática.

Regras do imposto mínimo global

Em suma, a implementação do imposto mínimo global possui duas regras principais. Pela Income Inclusion Rule (IIR), inclui-se a renda não tributada ou subtributada da empresa-filha na base de cálculo do imposto do país de residência da empresa controladora (empresa-mãe), até que se atinja a tributação mínima de 15%, salvo se houver um imposto complementar mínimo doméstico (qualified domestic minimum top-up tax —QDMTT).

Por sua vez, a Undertaxed Payments Rule (UTPR), que é uma regra subsidiária, busca impedir a dedutibilidade de despesas e ajuste de certos valores da base tributária de empresas-filhas inseridas em jurisdições de baixa tributação, até que seja atingido o imposto mínimo de 15% em relação a alguma entidade do mesmo grupo.

Vamos a um exemplo prático. Suponhamos que uma multinacional brasileira X, com receita global superior a € 750 milhões, possua duas subsidiárias, uma nas Bahamas (Empresa-filha A) e outra na Itália (Empresa-filha B).

Nas Bahamas, em geral, não há tributação sobre a renda das empresas e nem sobre ganhos de capital  [4]. Logo, a menos que o país possua um QDMTT [5], o imposto complementar mínimo de 15% da filial bahamense deve ser recolhido pela matriz brasileira. Mas isso só acontecerá se o Brasil possuir uma regra de IIR. A pergunta lógica que decorre desse cenário é: “Ok, mas e na eventualidade de o Brasil não implementar nenhuma regra?”.

A resposta agora depende da Itália. Se a Azzurra, diferentemente do Brasil, possuir uma IIR, o imposto mínimo complementar da filial bahamense será de responsabilidade da unidade italiana.

Em um exemplo de três parágrafos e duas subsidiárias, o minimum global tax parece bastante simples, mas a realidade de implementação prática desse mecanismo é muito mais complexa e problemática do que pretende a OCDE.

Desafios para implementação do sistema

O primeiro desafio (e o mais fundamental) é a harmonização entre os padrões contábeis internacionais e o cálculo da alíquota efetiva de imposto  effective tax rate (ETR)  proposta para o GloBE, pois o Pilar 2 baseia-se em demonstrações financeiras elaboradas com base em padrões contábeis internacionais do IFRS (International Financial Reporting Standards). Embora isso possa ser relativamente gerenciável, uma vez que a maior parte dos países do mundo segue esse padrão contábil, sua utilização e extensão não ocorrem na mesma medida em todos os países.

Nos Estados UnidosAustráliaJapão e Malásia, a listagem de empresas estrangeiras não requer a utilização das normas IFRS, embora as companhias possam fazê-lo, diferentemente de BrasilUruguai e Panamá, onde esse padrão é obrigatório.

Em países como Índia e Vietnã (destinos de muitas empresas-filhas de multinacionais), a utilização do IFRS não é obrigatória e sequer é permitida.

Como conciliar, portanto, as ETR’s globais para os países das subsidiárias, se nem mesmo a forma de apuração e consolidação do resultado é a mesma? A resposta para essa pergunta complexa nos leva ao segundo desafio.

Para que se tenha uma ideia de como os cálculos do resultado tributável são intrincados, no Capítulo 5 do Inclusive Framework do Pilar 2 a OCDE traz a forma de determinação do imposto complementar de cada uma das empresas-filhas situadas em países de baixa tributação, com uma série de ajustes de base. Algumas dessas variáveis são o lucro excedente, os impostos ajustados (diferidos) e as exclusões e deduções relativas à renda líquida da companhia.

Além disso, para a determinação da ETR, do pop-up tax e do excesso de lucros, deve-se utilizar fórmulas sobre fórmulas, todas elas decorrentes de (adivinhem) ajustes próprios do padrão IFRS:

 

 

 

Compatibilidade com incentivos fiscais internos

Por fim, a implementação do top-up tax traz um terceiro desafio complexo (e, talvez, o mais problemático), que é sua compatibilidade com as disposições constitucionais e os incentivos fiscais internos de vários países.

Como exemplo, basta ver que a administração tributária da Suíça provocou o Parlamento para analisar a possível adoção integral do Pilar 2 na legislação do país. Por sua vez, o Parlamento convocou um referendo público para 18 de junho de 2023, no qual a sociedade civil foi favorável à alteração da Constituição para implementação do Pilar 2 do Plano Beps, com vigência já a partir de 01 de janeiro de 2024.

Porém, o Conselho Federal do país optou por implementar, inicialmente, apenas o QDMTT, de sorte que a IIR e a UTPR só serão implementadas em estágio posterior, a ser discutido pelo próprio conselho [6].

Países como Brasil e Portugal possuem uma longa tradição de utilização de incentivos fiscais regionais para atração de investimentos e fortalecimento do comércio exterior, resultando em alguns regimes fiscais com ETR’s efetivas inferiores a 15% (no Brasil, o lucro da exploração para empresas instaladas nas áreas da Sudam/Sudene, e em Portugal, a Zona Franca da Madeira).

Como convencer esses países a abrir mão de sua soberania, desconsiderando benefícios fiscais protegidos, inclusive, constitucionalmente? A adoção do GloBE por essas nações ocorrerá de forma mitigada? Se sim, a mera implementação de um QDMTT resolverá o problema? Caso não, os tratados bi ou multilaterais resolverão?

Todas essas perguntas evidenciam que a implementação de um imposto mínimo global é uma tarefa de altíssima complexidade prática e operacional para empresas e administrações fiscais e que, como todas as medidas adotadas em âmbito global, pode não ser interessante para vários países (embora eles insistam em dizer que sim). Mas essa é uma outra discussão.

 


[1] Os exemplos mais conhecidos mundialmente são os chamados “paraísos fiscais”, como San Marino, Bahamas, Ilhas Cayman e Luxemburgo.

[2] Essa regra se aplica apenas às corporações que auferirem receita anual global superior a €750.000.000 (setecentos e cinquenta milhões de euros), mesmo critério do Country-by-country Reporting (Ação 13 do Beps).

[3] “Under the two-pillar package, Pillar One seeks to ensure a fairer distribution of taxing rights among countries with respect to the largest and most profitable multinational enterprises (MNEs), including digital companies. It would re-allocate some taxing rights over MNEs from their home countries to the markets where they have business activities and earn profits, regardless of whether firms have a physical presence there. Pillar Two seeks to put a floor on competition over corporate income tax, through the introduction of a global minimum corporate tax rate that countries can use to protect their tax bases”.

OCDE. Tax and fiscal policies after the COVID-19 crisis. OECD Policy Responses to Coronavirus (COVID-19), OECD Publishing, Paris, October 2021. Disponível em: <https://doi.org/10.1787/5a8f24c3-en>. Acesso em 21 out. 2024.

[4] EY Global. Worlwide Corporate Tax Guide 2024. 2024 EYGM Limited, August 2024. Disponível em:

<https://www.ey.com/content/dam/ey-unified-site/ey-com/en-gl/technical/tax-guides/documents/en-gl-wctg-10-2024.pdf>. Acesso em: 23 out. 2024.

[5] O Primeiro-Ministro das Bahamas anunciou, em fevereiro de 2024, que o país implementaria um QDMTT, após consultas públicas. O país, porém, não implementará, por ora, regras de IIR e UTPR. Disponível em:  <https://opm.gov.bs/wp-content/uploads/2024/08/Introduction-of-a-Domestic-Minimum-Top-Up-Tax-in-the-Bahamas.pdf>. Acesso em: 23 out. 2024.

[6] Schweizerischen Bundesrates. Verordnung über die Mindestbesteuerung grosser Unternehmensgruppen. Disponível em: <https://www.newsd.admin.ch/newsd/message/attachments/85581.pdf>. Acesso em: 15 de out. 2024.

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PEC que garante direito à vida para fetos volta à pauta da Comissão de Constituição e Justiça

A proposta de emenda à Constituição que garante a inviolabilidade do direito à vida desde a concepção (PEC 164/12) continuará na pauta da reunião da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados desta quarta-feira (13). 

 
Discussão e votação de propostas legislativas. Dep. Caroline de Toni (PL-SC).
Reunião da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania – Bruno Spada/Câmara dos Deputados

Nesta terça-feira (12), foi aprovada a inversão da pauta da comissão, com 29 votos favoráveis contra 12 contrários e duas abstenções, para que a PEC começasse a ser analisada, mas não houve tempo hábil para a análise, devido ao início das votações no Plenário.

A Constituição já garante a todos os brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, mas não há definição do momento em que esse direito começa a vigorar. 

Apresentada pelos ex-deputados Eduardo Cunha (RJ) e João Campos (GO) em 2012, a PEC visa determinar que esse direito valerá a partir da concepção do feto, e não do nascimento do bebê. A matéria estava parada na Comissão de Constituição e Justiça desde que foi apresentada.

Na prática, a proposta proíbe o aborto no Brasil nas situações hoje autorizadas em lei. Atualmente, o aborto é permitido em três casos no País: risco de morte para a gestante, gravidez resultante de estupro e anencefalia fetal (má-formação do cérebro).

Bruno Spada/Câmara dos Deputados
Discussão e votação de propostas legislativas. Dep. Delegado Paulo Bilynskyj (PL-SP)
Paulo Bilynskyj: “Proposta não trata só de direitos das mulheres”

Discussão
O parecer da relatora, deputada Chris Tonietto (PL-RJ), foi pela admissibilidade da proposta. “Não se vislumbram quaisquer incompatibilidades entre a alteração que se pretende realizar e os demais princípios e regras fundamentais que alicerçam a Constituição vigente e nosso ordenamento jurídico”, disse. “Portanto, entendemos não haver quaisquer óbices constitucionais para a regular tramitação da referida proposição pelas Casas Legislativas”, acrescentou.

O deputado Bacelar (PV-BA), vice-líder do governo, orientou a base à obstrução da proposta. A deputada Erika Kokay (PT-DF) afirmou que se trata de uma “PEC em defesa do estuprador”, após a tentativa de votação, no Plenário da Câmara, do que chamou de “PL do estupro”.

Em junho, o Plenário aprovou a urgência para o Projeto de Lei 1904/24, que equipara a pena para a interrupção da gestação acima de 22 semanas à de homicídio – 20 anos de prisão –, mesmo para mulheres vítimas de estupro. Mas a votação do projeto não avançou devido à forte reação de setores da sociedade. O presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL) anunciou a criação de uma comissão com representantes de todos os partidos para debater o texto, o que ainda não ocorreu.

Bruno Spada/Câmara dos Deputados
Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania
Érika Kokay: “PEC em defesa do estuprador”

A deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP) avalia que, caso a PEC 164/12 seja aprovada, outros direitos sexuais e reprodutivos serão atingidos. “A proposta interrompe pesquisas com células troncos, impede a fertilização in vitro, o congelamento de óvulos, o acesso e uso da pílula do dia seguinte, crianças vítimas de estupro serão mães, mulheres também, gestações anencéfalas precisarão ser levadas adiante, gestações com risco de morte para gestante também”, afirmou. “Isso é uma atrocidade daqueles que dizem defender a vida, mas detestam a vida das mulheres”, acrescentou.

O deputado Delegado Paulo Bilynskyj (PL-SP), por sua vez, alegou que não se trata só dos direitos das mulheres. “Um bebê tem 50% do material genético da mãe, os outros 50% se trata de outro ser humano, outro material genético. Logo, o bebê não é parte do corpo da mãe. Se o deputado não tem capacidade de reconhecer dois seres humanos diferentes, ele não pode nem estar aqui representando nada, porque ele não tem formação suficiente”, disse. 

Outra polêmica
Também foi incluída na pauta da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania desta quarta-feira a proposta que autoriza os estados e o Distrito Federal a legislarem sobre questões específicas de Direito Penal, incluindo o aumento de penas dos crimes previstos no Código Penal. A medida está contida no Projeto de Lei Complementar (215/19), do deputado Lucas Redecker (PSDB-RS)

Nesta terça-feira, o projeto, que também provoca muita polêmica, começou a ser discutido, mas o debate foi interrompido pelas votações em Plenário.

Fonte: Câmara dos Deputados

OAB aprova recomendações para o uso de inteligência artificial na advocacia

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil aprovou nesta segunda-feira (11/11) uma série de recomendações sobre o uso da inteligência artificial generativa na prática jurídica. 

OAB Nacional aprovou recomendações para uso de inteligência artificial regenerativa na prática da advocacia

O material foi elaborado pelo Observatório Nacional de Cibersegurança, Inteligência Artificial e Proteção de Dados da OAB Nacional. O documento destaca quatro diretrizes principais: Legislação Aplicável; Confidencialidade e Privacidade; Prática Jurídica Ética; e Comunicação sobre o Uso de IA Generativa. Essas diretrizes visam resguardar a confidencialidade das informações dos clientes e promover o uso ético e responsável da IA, além de sugerir a atualização periódica das práticas recomendadas pelo Observatório.

O presidente da OAB Nacional, Beto Simonetti, elogiou a iniciativa e reconheceu a importância do tema. “Estamos sendo desafiados pelo avanço da IA na advocacia brasileira, e a OAB está atenta e preparada para lidar com essas transformações.”

O relator da proposta, conselheiro federal Francisco Queiroz Caputo Neto, ressaltou que a adoção da recomendação traz segurança para os escritórios e para os advogados. “A recomendação já alerta para o nosso código de ética e disciplina, óbvio que sanção a gente não pode estabelecer porque isso é matéria de reserva legal, mas, com relação aos alertas para os ditames éticos da nossa profissão, essa é a base central da nossa recomendação.”

Clique aqui para ler as diretrizes aprovadas pela OAB Nacional

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Importância da priorização das práticas restaurativas promovida pelo CNJ

Ainda no Réveillon de 1988, sob intermitente chuva fina e mar agitado, a proa do Bateau Mouche IV foi avistada adernando nas proximidades da Ilha de Cotunduba, próxima ao morro do Leme. Cinquenta e cinco vidas perdidas e o sofrimento de sobreviventes e familiares na tragédia da Baía de Guanabara povoam nosso imaginário até hoje. Se foi a irregularidade por excesso de passageiros, ou se uma reforma no convés superior (instalação de piso de cimento e a colocação de duas caixas-d’água, que pode haver comprometido a estabilidade do barco) [1], o que importa mesmo é o trauma que perpassa gerações e a sensação perene de “justiça não distribuída” [2].

Movidos pela comoção popular, vários atores e instituições se mobilizaram para defesa das famílias das vítimas e intensivo acompanhamento dos processos no Judiciário. O tempo “lento” dos meios convencionais de justiça acaba se convertendo, ele próprio, em mais um fator indireto de vitimização (“vitimização secundária”). Foragidos para a Europa desde 1994, nunca mais se teve notícia dos sócios do Bateau Mouche. As carências que a perda sem reparação traz na vida dos sobreviventes e familiares se prolonga os efeitos traumáticos no tempo, causando múltiplos níveis de vitimização (PTSD — post traumatic stress disorders).

Lamentavelmente, acumulam-se ao longo dos anos casos sem solução. Porém, as evidências científicas apontam que, na maioria das vezes, vítimas ou familiares (vitimização terciária) não querem vingança ou punição. O que lhes move é apenas o reconhecimento de que houve um crime, de que seus direitos foram violados, de que merecem atenção e cuidado.

A ausência de reconhecimento da vítima tem provocado questionamentos de fundo ao conhecimento convencional sobre sentidos e finalidades da pena. Não apenas porque as teorias preventivas não resistem à verificação empírica sobre o real efeito dissuasório, mas porque elas têm sentido prático quase nenhum.

Bastaria com o exemplo primeiranista da Lei de Talião: “olho por olho, dente por dente” seria a retribuição na sua expressão mais básica, ao mesmo em que simplesmente se preenche todo o sentido da prevenção ao reafirmar que vigora uma lei taliônica universalmente válida. Pior ainda é que se fia pela dimensão alienante da juridificação (Verrechtlichung) ou do procedimento voltado à “difusão da insatisfação gerada pelo conflito” [3], reduzida à mera descrição da “verdade” dos fatos  com todas as limitações dos meios de prova , sendo incapaz de capturar a dimensão narrativa dos conflitos que introjeta os dramas das vítimas na solução do conflito. Na fina leitura de Lawrence Sherman, as narrativas preenchem a composição do conflito com a dimensão emocional das vítimas, promovendo o “giro emocional” (emotional turn[4] no endereçamento da justiça.

Práticas restaurativas na solução de conflitos

É em função deste contexto que o Ato Normativo do CNJ recomendou a priorização das práticas restaurativas na solução de conflitos [5], buscando reposicionar as alternativas de solução do conflito por meio de medidas de composição juntos às vítimas. Com este ato, o CNJ renova as expectativas em torno da autocomposição dialogada e, em grande medida, atualiza a normativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)  as Resoluções nº 125/2010 e 225/2016 [6].

Além de reparação condizente com a natureza dos fatos e alinhada à orientação jurisprudencial, a solução por meio da autocomposição é menos aflitiva e mais ágil do que o tempo lento do processo tradicional, permitindo oferecer acolhimento multiprofissional (desde a possibilidade de melhor tratamento clínico possível até o indispensável cuidado psicológico) e uma combinação inteligente com a postura colaborativa por parte dos ofensores [7].

É bem verdade que as evidências científicas sobre a efetividade das práticas restaurativas na redução da criminalidade são adstritas a comportamentos não-violentos. No entanto, é igualmente verdadeiro que viabiliza soluções mais dinâmicas  e em tempo hábil  diante de processos de múltipla vitimização, especialmente diante da escassez de recursos públicos para levar adiante as investigações mais complexas, exigindo meios de prova pouco usuais, perícias sofisticadas ou mesmo teste de novas tecnologias.

Segundo a Coordenadora do Grupo USP Restaura, Cristina Rego de Oliveira, vale mesmo é como poderoso instrumento de desformalização, reconhecimento, inclusão e participação mais efetiva dos “esquecidos” do Sistema de Justiça Criminal [8].

O desafio para as práticas restaurativas é ainda maior quando se pensa na responsabilidade empresarial. Apesar da profusão de teses sobre os modelos de imputação às empresas, não há quase nenhuma construção positiva em torno dos modelos de sanção [9]. No campo empresarial, a prática restaurativa deveria atender a alguns passos essenciais:

1) reconhecimento da responsabilidade. É a principal manifestação de humildade por parte do ofensor de que a colaboração tem o real propósito[10] de restauração. Consequência disso, como mecanismo de imediata gestão de crise, os envolvidos devem ser afastados da posição que os levou à prática do ato e providenciadas todas as mudanças necessárias para que não mais se repita o comportamento indesejável, em quaisquer hipóteses ou circunstâncias.

2) delimitação do dano e mapeamento do conflito [11]: apreendida a responsabilidade, adquire-se melhor compreensão sobre processos de produção de dano e vitimização. Deve-se delimitar o dano em todas as suas dimensões (vitimização tangível e também intangível, de mais difícil mensuração). Com base nesta medida objetiva do dano, aos stakeholders afetados garante-se a oportunidade de discutir o impacto do dano em suas vidas e o que deve ser realizado para superá-lo [12].

3) arrependimento sincero e pedido de desculpas: apoiada nesta medida objetiva do dano, discutem-se as medidas de reparação e inicia-se o processo restaurativo com as desculpas do ofensor, a partir da oportunidade que é franqueada às vítimas para que possam exercer o seu direito a perdoar, reforçando a centralidade da vítima em toda a prática restaurativa.

Com a promoção das práticas restaurativas pelo CNJ, conferindo-lhes às vítimas voz e lugar na solução dos conflitos,  mesmo com toda a cautela para não reduzir o sistema de autocomposição a uma mera negociação de acordos e escusa de responsabilidade aos ofensores [13], é bem possível avançar muito na experimentação de soluções menos traumáticas às vítimas e a seus familiares.

Estamos diante de estratégia promissora para a evolução dos modelos de sanção, permitindo que o sistema de justiça possa de fato priorizar seus recursos em relação a comportamentos efetivamente mais danosos e para os quais a solução dialogada é inviável.

 


[1] SANT´ANNA, Ivan. “Bateau Mouche, uma tragédia brasileira”.

[2] TYLER, Tom. Procedural Justice, Legitimacy, and the Effective Rule of Law. Crime and Justice, 30/2003.

[3] FERRAZ JR., Tercio. Revisão e apresentação do livro Legitimação do Procedimento. In: LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo Procedimento. Editora UnB, 1980.

[4] SHERMAN, Lawrence. Reasons for emotions: reinventing justice with theories, innovation and research. Criminology, 41/2006.

[5] O Ato Normativo 0006689-50.2024.2.00.0000, aprovado pelo Plenário do CNJ durante a 13.ª Sessão Ordinária (22.10.2024).

[6] O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) – Resoluções n. 118/2014, 40/2016 e 243/2021 – atua em sentido semelhante: as quais orientam a autocomposição das partes, a reparação dos danos e a reconciliação com as vítimas.

[7] SAAD-DINIZ, Eduardo. Ética negocial e compliance. RT: 2019; SAAD-DINIZ, Eduardo. Vitimologia corporativa. Tirant: 2019.

[8] OLIVEIRA, Cristina Rego. Justiça Restaurativa Aplicada. Blimunda, 2021. Mais detalhes, OLIVEIRA, Cristina Rego; SAAD-DINIZ, Eduardo (org) Justiça Restaurativa em ação: diálogos do Projeto USP-Restaura. LiberArs, 2022.

[9] LAUFER, William. “The missing account of progressive corporate criminal law”. New York University Journal of Law & Business, 2017.

[10] BRAITHWAITE, John. “Restorative Justice: theories and worries”. In: Visiting Experts’ Papers, 123rd International Senior Seminar, Resource Material Series No. 63. Tokyo: 2005.

[11] NIETO MARTIN, Adán; CALVO, Raul (org) Justicia restaurativa empresarial: un modelo para armar. Madrid: Reus, 2023.

[12] STRANG, Heather, “Is restorative justice imposing its agenda on victims?”. In: ZEHR, Howard et al., (org.), Critical issues in Restorative Justice. New York: Monsey, 2004, ps. 95-106.

[13] LAUFER, William. “Corporate crime and making amends”. American Criminal Law Review, 2007.

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Da proteção ao abuso: como a JT reabriu as portas para ações oportunistas

A recente decisão do Tribunal Superior do Trabalho, que considera suficiente a mera declaração de hipossuficiência para a concessão da justiça gratuita, é um convite ao uso desenfreado do sistema judicial. Ignorando a crise de recursos públicos e o volume de litígios acumulados, a corte aceitou como válido um mecanismo que incentiva o abuso. A concessão da justiça gratuita, sem exigência de comprovação de insuficiência financeira, não só desrespeita o espírito constitucional como também afronta os princípios da reforma trabalhista, cujo intuito foi justamente tornar o sistema trabalhista mais eficiente e menos vulnerável a práticas predatórias.

Prédio do TST, sede do Tribunal Superior do Trabalho

A Constituição, em seu artigo 5º, inciso LXXIV, é clara: o Estado deve prestar assistência jurídica gratuita a quem comprovar insuficiência de recursos. Esse princípio não é uma mera formalidade, mas uma garantia para que o benefício alcance apenas os verdadeiramente necessitados. Como bem expõe José Afonso da Silva, o direito de acesso à Justiça não se confunde com o direito de litigar indiscriminadamente; é essencial que o uso dos recursos do Estado seja condicionado à comprovação da necessidade, preservando-se a igualdade de oportunidades para os mais vulneráveis.

O Código de Processo Civil, em seus artigos 98 a 102, e o artigo 790 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) complementam a exigência de comprovação, estabelecendo que o benefício deve ser limitado e concedido apenas mediante evidência cabal da impossibilidade de arcar com os custos. Ao ignorar essas disposições, o TST flexibiliza um direito essencial e abre uma brecha perigosa para uma litigiosidade irresponsável.

É fundamental observar que essa questão já está em análise pelo Supremo Tribunal Federal no contexto da ADC 80, que examina precisamente a constitucionalidade dos critérios para concessão da justiça gratuita previstos na reforma trabalhista. O STF ainda não concluiu o julgamento, mas a expectativa é que a decisão traga uma resposta definitiva sobre a necessidade de comprovação de insuficiência econômica, alinhando-se à proteção dos recursos públicos e à racionalidade no uso do sistema judicial. Ao adiantar-se em um entendimento que dispensa comprovações, o TST assume uma postura controversa, que pode ser revertida pelo Supremo, mas que já coloca em risco a segurança jurídica e aumenta a instabilidade no sistema trabalhista.

TST reabre ‘porteira’ para a advocacia predatória

A visão do ministro Barroso, em sua atuação no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), reforça o que Celso Antônio Bandeira de Mello defende sobre a importância de uma administração pública guiada pela racionalidade e pela proteção ao interesse coletivo. Barroso tem buscado conter a onda de ações oportunistas e promover a eficiência do Judiciário Trabalhista, alinhando-se ao entendimento de que o sistema processual deve ser racionalizado para coibir abusos e garantir que as benesses do Estado sejam usadas de forma criteriosa.

Contudo, o recente posicionamento do TST vai contra esses esforços, favorecendo um cenário de litigiosidade sem controle. A decisão tem efeitos preocupantes, especialmente em um país onde o sistema judicial já enfrenta um volume massivo de processos trabalhistas. E agora, ao aceitar uma mera declaração de pobreza como suficiente, sem qualquer análise mais aprofundada, o TST parece disposto a transformar a Justiça do Trabalho em um campo aberto para todos, sejam necessitados ou não.

A decisão também representa um estímulo direto à advocacia predatória, uma prática que se alastra no Brasil e ameaça a integridade do Judiciário. Milton Friedman, ao defender a contenção dos gastos públicos, já alertava que o uso indiscriminado dos recursos estatais em programas sem critério de controle gera um efeito contraproducente: o aumento das despesas sem qualquer retorno concreto para o desenvolvimento social. Escritórios que veem nas ações trabalhistas uma oportunidade de lucro fácil podem agora se valer dessa brecha legal para inundar o sistema com processos infundados.

A concessão indiscriminada da justiça gratuita, ao dispensar qualquer comprovação de insuficiência, pavimenta o caminho para que essas práticas prosperem. O impacto dessa decisão não é apenas financeiro: desvia recursos e esforços de casos que realmente necessitam de intervenção, colocando o Judiciário em um beco sem saída onde prevalece a litigância pela litigância, e não pela busca de Justiça.

A reforma trabalhista, inicialmente, trouxe efeitos significativos para a Justiça do Trabalho, reduzindo o número de novas ações, os custos operacionais e o volume de processos julgados por magistrado, o que resultou em um aumento da eficiência do sistema. Essa reforma condicionou a concessão de justiça gratuita à comprovação de insuficiência econômica, o que limitou litígios infundados e reservou o benefício a quem realmente necessita. Agora, ao reabrir essa “porteira” com uma simples declaração de pobreza, o TST ameaça desfazer esses avanços e retornar ao cenário de litigância excessiva que a reforma trabalhista tentou corrigir.

A facilidade de acesso à justiça gratuita, sem critérios sólidos, incentiva o uso do Judiciário para fins oportunistas e abre espaço para a advocacia predatória, sobrecarregando o sistema e desviando recursos que deveriam estar disponíveis para os mais necessitados.

TST encampa ideia de justiça como mero ‘ato de fé’

Em julgamentos anteriores, como na ADI 5.766, o Supremo Tribunal Federal já havia se pronunciado sobre a necessidade de se evitar a concessão indiscriminada da justiça gratuita. O STF reafirmou a visão de José Afonso da Silva, que defende a importância de critérios rigorosos para evitar o abuso de benefícios judiciais e preservar o bom uso dos recursos públicos.

Os ministros enfatizaram que o objetivo das limitações trazidas pela reforma trabalhista é desestimular o abuso e proteger os recursos públicos para aqueles que realmente precisam. Essa decisão do STF deixa claro que a simples declaração de pobreza pode abrir brechas para um uso indevido do sistema judicial, comprometendo a prestação jurisdicional de maneira séria. Contudo, a decisão do TST desconsidera essa advertência, ao adotar um entendimento que desobriga o requerente de comprovar a real necessidade do benefício.

Ao final, a ironia não poderia ser mais amarga. Após a reforma trabalhista, que trouxe razoabilidade e critérios mais rigorosos para a concessão da justiça gratuita, vemos agora essa tentativa de retorno ao passado, em que a “porteira aberta” era regra. Em uma decisão que transforma a concessão da justiça gratuita em um ato quase automático, dispensando qualquer comprovação real de insuficiência financeira, o TST ressuscita um sistema vulnerável ao abuso. Com uma mera declaração, o benefício torna-se acessível a todos que sabem “invocar” a hipossuficiência econômica sem qualquer prova concreta, fragilizando a proteção oferecida aos verdadeiramente necessitados.

O Judiciário Trabalhista, que recentemente havia dado sinais de maior rigor e racionalidade, agora abraça um conceito de justiça como um simples “ato de fé”, em que não se exigem mais fatos, provas ou um mínimo de diligência. O sistema, que deveria ser um bastião de proteção social para aqueles que realmente precisam, flerta com a ingenuidade, e o direito fundamental à justiça gratuita é relegado a uma mera formalidade. Em vez de proteger e democratizar o acesso à Justiça de forma equilibrada, a decisão pavimenta o caminho para um mar de abusos, conferindo à litigância predatória um passaporte direto para o tribunal.

Assim, a justiça gratuita, em sua nobre intenção original, parece agora mais disposta a estender suas benesses a todos que declarem sua “pobreza”, sem distinção. A mensagem, afinal, parece clara: para que cumprir requisitos, se basta a palavra para invocar o “milagre” da gratuidade?

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BC fala sobre Pix Automático e sobre o futuro do Pix

​O Pix está fazendo quatro anos e evoluiu bastante desde a sua criação. Renato Dias de Brito Gomes, Diretor de Organização do Sistema Financeiro e Resolução do BC, vai falar sobre o desenvolvimento do Pix até aqui e detalhar as novidades que estão chegando. A LiveBC acontece hoje às 14h, no Canal do BC do YouTube.

FOnte: BC

Segunda Turma considera legal limite de 1% para que rótulos informem sobre presença de transgênicos

​A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, pela legalidade do Decreto 4.680/2003, que estabelece o limite de 1% para que os fabricantes de produtos alimentícios comercializados no Brasil sejam obrigados a informar, nos rótulos, a presença de organismos geneticamente modificados (OGMs).

O Ministério Público Federal e o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) ajuizaram ação civil pública contra a União para questionar a legalidade do Decreto 3.871/2001, que disciplinava a rotulagem dos alimentos que continham produtos transgênicos em até 4% da sua composição. No curso do processo, o decreto original foi substituído pelo Decreto 4.680/2003, o qual reduziu de 4% para 1% o limite que torna obrigatória a informação ao consumidor sobre a presença de OGMs.

A ação foi julgada procedente em primeira instância, decisão mantida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1). O tribunal entendeu que o consumidor tem direito à informação, que deve ser incluída nos rótulos em todos os casos, independentemente de quantidades.

A União e a Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia) interpuseram recursos especiais no STJ, sustentando que o decreto obedece às disposições legais sobre os limites de tolerância e que quantidades abaixo de 1% de OGM dispensam a informação.

Limite de 1% concilia desenvolvimento e segurança do consumidor

O relator dos recursos, ministro Francisco Falcão, comentou que as preocupações com o uso dos transgênicos na indústria alimentícia eram compreensíveis há mais de 20 anos, mas “hoje já se sabe que os alimentos 100% transgênicos não representam risco à saúde, muito menos em proporções ínfimas, como abaixo de 1%”.

O ministro considerou que a decisão do tribunal de origem ultrapassou os limites da razoabilidade e da proporcionalidade, contrariando o ordenamento jurídico vigente. Ele argumentou que o limite de 1% para rotulagem é suficiente para conciliar os interesses de desenvolvimento econômico e tecnológico com a segurança do consumidor, sem comprometer a saúde pública.

“Exigir de toda a indústria que submeta todos os produtos a rigorosos testes, de alto custo, para garantir a informação específica de qualquer resquício de OGMs, em toda a cadeia produtiva, é providência exagerada, assaz desproporcional”, afirmou.

Para Falcão, a medida afrontaria a razoabilidade e a proporcionalidade, e impediria a convivência harmoniosa dos interesses dos participantes do mercado.

Leia o acórdão no REsp 1.788.075.

Fonte: STJ

Reforma Tributária: prefeitos eleitos começam 2025 com os desafios da transição

Novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) passará a substituir o ISS e o ICMS, principais fontes de receita dos municípios brasileiros

Os mais de 5,5 mil prefeitos eleitos em outubro começam 2025 com um desafio dos grandes: conduzir seus municípios na transição tributária prevista pela EC 132/23 para ocorrer entre 2025 e 2028. Nesse período de adaptação, o novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) passará a substituir o ISS e o ICMS, impactando diretamente a principal fonte de receita dos municípios brasileiros.

O IBS, que promete unificar a tributação sobre bens e serviços, surge como uma tentativa do governo federal de simplificar o sistema tributário brasileiro. No entanto, especialistas alertam que essa mudança poderá trazer sérias consequências, especialmente para os municípios menores — que somam cerca de 4,8 mil cidades no país — que frequentemente dependem de receitas do ISS para financiar serviços essenciais.

O mestre em Direito Tributário pela USP, Carlos Crosara, elenca alguns desses desafios.

“O primeiro deles será a convivência com dois regimes jurídicos tributários — o que já aumenta ainda mais a complexidade do sistema. No período de transição, o ISS ainda vai estar valendo com toda sua legislação e regulamentação e vai começar a entrar em vigor, paulatinamente, o IBS. E vai gerar também uma necessidade de investimento em tecnologia e infraestrutura, para rodar esses dois sistemas.”

Não cumulatividade do IBS

Outro ponto levantado por Crosara, que pode trazer desafios para os gestores municipais, é a questão da não-cumulatividade do IBS.

“A não-cumulatividade consiste em, se você tiver uma tributação numa transação anterior, você pode aproveitar esse imposto que você arcou na operação anterior, para abater do imposto devido na transação posterior.”

Neste ponto, para Crosara, será necessário uma grande modificação na escrituração dos contribuintes para poder usar essa nova sistemática não-cumulativa, já que nem eles, nem os fiscais tributários, estão acostumados a esse novo modelo. “Vai ser um longo período de adaptação até que eles se habituem a esse novo modelo.”

Impacto para as cidades

A expectativa é que o novo imposto traga maior equidade na tributação, mas até que isso aconteça, os prefeitos — principalmente das cidades menores — terão, além de se adaptar às mudanças, garantir que a qualidade dos serviços públicos seja mantida, mesmo em um cenário de incertezas fiscais.

Ranieri Genari, advogado especialista em Direito Tributário pelo IBET, acredita que o impacto para esses gestores será grande, ainda mais no período de transição.

“Do ponto de vista de planejamento — tanto financeiro quanto orçamentário — esse prefeito vai ter um pouco mais de dificuldade para fazer essa composição orçamentária e para entender o quanto esse município pequeno vai deixar de arrecadar ou ter uma elevação dessa arrecadação. Então ele precisa entender que o estudo preliminar para que ele possa tomar essas decisões vai ser muito importante.”

O tamanho da máquina pública também pode ser um fator importante no período de transição, mas o dinamismo econômico maior das cidades de grande porte também será afetado pela reforma, como acredita o assessor de orçamento Cesar Lima.

“Geralmente, as prefeituras menores dependem mais de transferências intergovernamentais do que de sua própria arrecadação. Já para as maiores, que têm uma movimentação econômica maior, esse impacto será mais sentido, mesmo com os “amortecedores” criados para a transição — e certamente haverá perdas num primeiro momento.”

Lima ainda explica que para essas perdas foi criado o fundo de compensação — Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR) — que deve atuar para zerar eventuais perdas de arrecadação advindas da reforma tributária.

O período de transição previsto pela EC 132 será de 7 anos, tempo em que IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS — impostos que os brasileiros pagam na hora de comprar um produto ou serviço — serão substituídos por CBS, IBS e IS.

Disponível em: brasil61.com

STF divulga lista de participantes de audiência sobre mercado de bets

O Supremo Tribunal Federal (STF) divulgou a lista de participantes da audiência pública que vai debater mercado de apostas online (bets) no Brasil. As audiências estão agendadas para segunda-feira (11) e terça-feira (12).

Os debates contarão com a presença de ministros do governo federal, representantes de instituições financeiras e especialistas na área.

Entre os participantes divulgada pela Corte estão o secretário de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda, Régis Dudena, a ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo, o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, além de representantes dos ministérios da Saúde, Desenvolvimento Social e da Igualdade Racial.

Também devem estar presentes associações ligadas ao setor de apostas virtuais, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).  A lista completa está no site do Supremo.

A audiência pública foi convocada pelo ministro Luiz Fux, relator do processo que trata da questão.

Regulamentação

A regulamentação do mercado de bets no Brasil é discutida no Supremo por meio de uma ação direta de inconstitucionalidade protocolada no dia 24 de setembro pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).

A entidade questiona a Lei 14.790/2023, norma que regulamentou as apostas online de quota fixa. Na ação, a CNC diz que a legislação, ao promover a prática de jogos de azar, causa impactos negativos nas classes sociais menos favorecidas. Além disso, a entidade cita o aumento do endividamento das famílias.

De acordo com levantamento divulgado em agosto deste ano pelo Banco Central, os beneficiários do Bolsa Família gastaram R$ 3 bilhões em bets no mês.

Fonte: EBC

Reconhecimento da decadência não prejudica julgamento da impugnação ao valor da causa

Para a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o reconhecimento da decadência do direito reclamado na ação não impede que o juízo, de ofício ou mediante provocação, faça a adequação do valor da causa apontado pela parte autora na petição inicial.

O entendimento foi estabelecido pelo colegiado ao reformar acórdão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) que julgou prejudicada a análise da impugnação ao valor da causa em razão do reconhecimento da decadência.

No caso dos autos, os réus apresentaram contestação e, em preliminar, impugnaram o valor de R$ 100 mil atribuído à causa, pedindo a fixação do montante de quase R$ 4 milhões. Em primeiro grau, o juízo acolheu a impugnação e, reconhecendo a decadência do direito dos autores, julgou extinto o processo com resolução de mérito, condenando a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios de R$ 30 mil.

sentença foi reformada pelo TJMT, que manteve o valor da causa em R$ 100 mil e readequou os honorários para 20% sobre a causa, nos termos do artigo 85, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil (CPC). No entendimento da corte estadual, com o acolhimento da prejudicial de mérito, não seria possível falar em alteração do valor da causa.

Valor da causa tem reflexos em questões como honorários e competência do juízo

O ministro Antonio Carlos Ferreira, relator no STJ, explicou que a impugnação ao valor da causa é questão processual que envolve a adequação do montante financeiro atribuído à demanda, com reflexos na fixação dos honorários, nas custas judiciais e na determinação da competência do juízo.

Por outro lado – apontou –, a decadência diz respeito à perda do direito potestativo pela falta de seu exercício no prazo previsto pela legislação. “É matéria de mérito, que demanda análise mais aprofundada dos fatos e do direito aplicável ao caso, devendo ser apreciada em momento subsequente ao das questões processuais preliminares”, completou.

Segundo o ministro, mesmo que a parte ré seja vitoriosa na ação, com o reconhecimento da decadência do direito pleiteado pelo autor, ainda persiste o seu interesse na adequação do valor da causa, tendo em vista que essa modificação pode influenciar diretamente na quantia a ser recebida pelo seu advogado.

“Logo, o TJMT, ao reformar a sentença e julgar prejudicada a análise da impugnação ao valor da causa, em razão do reconhecimento da decadência, negou vigência ao disposto nos artigos 292, parágrafo 3º, 293 e 337, III e parágrafo 5º, do CPC”, concluiu.

Com o provimento do recurso, o relator determinou o retorno dos autos ao tribunal de origem para exame do valor atribuído à causa.

Leia o acórdão no REsp 1.857.194.

Fonte: STJ