Contrato emergencial: a imprevisibilidade não pode ser induzida

A mitologia grega nos ensina que a previsibilidade absoluta, assim como a onisciência, não faz parte da natureza humana, e que prever sempre o futuro pode ser mais sina do que virtude. A ninguém é dado o pleno domínio dos acontecimentos, razão pela qual o ordenamento jurídico confere tratamento especial às hipóteses de imprevisibilidade, disciplinando, inclusive no âmbito da administração pública, as situações emergenciais.

Diz a lenda que Sísifo, dotado de grande astúcia, vivia aplicando golpes e enganando os deuses, sempre planejando cada detalhe de seus empreendimentos ardilosos. Suas tramas eram bem-sucedidas sobretudo por sua extraordinária capacidade de prever com precisão o resultado de suas ações. Esse poder de previsão, no entanto, acabou selando seu destino, tornando-se sua punição eterna. Ele, rei de Corinto, enganou Tânatos e conseguiu neutralizar a morte, prendendo-a a uma coleira, o que ameaçou a segurança dos deuses, na medida em que os inimigos do Olimpo não mais morriam, tornando-se imunes à guerra.

Como punição, foi condenado a rolar uma grande pedra até o topo de uma montanha, a qual retornava ao sopé toda vez que atingia o cume, em um ciclo perpétuo de previsibilidade. Toda vez que iniciava a fatigante jornada de empurrar aquela rocha, já sabia de antemão que ela retornaria ao ponto de origem, tornando inútil seu desforço. A tristeza de saber exatamente o que iria acontecer pelo resto de sua vida foi sua pena.

Isso nos lembra que a imprevisibilidade faz parte da vida e é normal que sempre haja acontecimentos que fujam de nosso controle, sem que isso signifique falta de planejamento. Essa é a chamada situação emergencial, a qual é regulada no âmbito da administração pública. Evidentemente, essa não é a regra, ao contrário, a Lei de Improbidade (Lei nº 8.429/1992), em seu artigo 10, VIII, considera ato de improbidade toda ação dolosa de frustrar a licitude de processo licitatório, sancionando o administrador ímprobo com a perda de todos os bens e valores acrescidos ilicitamente ao seu patrimônio, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos por até 12 anos, pagamento de multa civil equivalente ao dobro do dano e proibição de contratar com o poder público por até 12 anos (artigo 12 da lei, II).

Nossa CF, em seu artigo 37, XXI, determina que os contratos públicos devem ser precedidos de licitação. Assim, a regra é o planejamento adequado da ação pública, com a observância do princípio da impessoalidade e a seleção objetiva da proposta mais vantajosa ao erário, mediante um procedimento que estabeleça a justa competição entre todos os interessados em contratar com o poder público. A exceção só se apresenta quando a situação de normalidade não estiver presente, em razão da extraordinária ocorrência do evento imprevisível. A situação excepcional está prevista no artigo 75, VIII, da Lei Federal nº 14.133/2021 (antigo artigo 24, IV, da revogada Lei de Licitações – Lei Federal nº 8.666/1993). Referido dispositivo dispensa a licitação nos casos de emergência e calamidade pública.

Ninguém está livre de situações imprevisíveis que demandem ações urgentes do administrador público, sob pena de prejuízo ao erário, interrupção na prestação de serviços públicos contínuos, risco à segurança de pessoas ou comprometimento de obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares.

A situação emergencial se caracteriza pela conjugação simultânea de diversos elementos e estão normatizados como pressupostos objetivos da emergência. São eles:

a.1) que a situação adversa, dada como de emergência ou de calamidade pública, não se tenha originado, total ou parcialmente, da falta de planejamento, da desídia administrativa ou da má gestão dos recursos disponíveis, ou seja, que ela não possa, em alguma medida, ser atribuída à culpa ou dolo do agente público que tinha o dever de agir para prevenir a ocorrência de tal situação; a.2) que exista urgência concreta e efetiva do atendimento a situação decorrente do estado emergencial ou calamitoso, visando afastar risco de danos a bens ou à saúde ou à vida de pessoas; a.3) que o risco, além de concreto e efetivamente provável, se mostre iminente e especialmente gravoso; a.4) que a imediata efetivação, por meio de contratação com terceiro, de determinadas obras, serviços ou compras, segundo as especificações e quantitativos tecnicamente apurados, seja o meio adequado, efetivo e eficiente de afastar o risco iminente detectado” (Decisão Plenária n° 347/1994 do TCU).

Com efeito, é imprescindível que a urgência não tenha sido causada pela desídia ou premeditação do administrador, o qual não pode beneficiar-se de sua própria torpeza para ver-se livre do dever de licitar. Emergência é situação não desejada, não prevista e inevitável.

Deste modo, o pressuposto legal da inevitabilidade é o fato gerador da imprevisibilidade amparada pelo ordenamento jurídico e autorizadora da contratação emergencial. É exatamente esse o fator decisivo que distingue a legítima dispensa do procedimento licitatório do ato doloso de improbidade. Trata-se, portanto, da pedra-de-toque do administrador público para viabilizar a contratação emergencial, amparado nas disposições do inciso IV, artigo 24, da revogada Lei Federal nº 8.666/1993, e no atual artigo 75, VIII, da Lei Federal nº 14.133/2021.  Tais julgados paradigmáticos, oriundos do Plenário do TCU, confirmam que contratação emergencial não pode ser decorrente de ausência de planejamento ou incúria do gestor público:

A contratação emergencial destina-se somente a contornar acontecimentos efetivamente imprevistos, que se situam fora da esfera de controle do administrador e, mesmo assim, tem sua duração limitada a 180 dias, não passíveis de prorrogação (art. 24, inciso IV, da Lei 8.666/1993). (Acórdão 4570/2014- Plenário | Relator: JOSÉ MUCIO MONTEIRO).”

É irregular a contratação tida como emergencial, por dispensa de licitação, sempre que não esteja presente o elemento da imprevisibilidade dos acontecimentos futuros, pois, nesses casos, restam demonstradas a falta de planejamento e a desídia administrativa por parte do gestor público. (Acórdão 1030/2008-Plenário | Relator: VALMIR CAMPELO).”

A dispensa de licitação por situação emergencial caracterizada não em fatos novos e imprevisíveis, mas em situação decorrente de ausência de planejamento do gestor conduz à irregularidade das contas e à imposição de multa. (Acórdão 798/2008- Primeira Câmara | Relator: MARCOS BEMQUERER)”.

A ausência intencional de planejamento para provocar artificialmente a situação emergencial ou a demora excessiva resultante de falha da administração, descaracteriza por completo a excludente da imprevisibilidade. São exemplos disso: desconhecimento intencional de situações historicamente de risco; execução de serviços além do estritamente necessário; fracionamento das obras causando recontratações; reduzido número de fiscais ou mão de obra; inadequadas qualificações operacional e econômica das contratadas; demora judicial decorrente de questionamentos jurídicos acerca do caráter restritivo do edital; alterações contratuais não formalizadas etc. Essas inferências normalmente são identificadas como pretexto para as contratações emergenciais. São fatores ilegítimos não autorizadores das situações emergenciais. Nesses casos, não houve imprevisibilidade, na forma preconizada pela nossa legislação e jurisprudência contemporânea dos Tribunais de Contas, mas dispensa ilegal do procedimento licitatório.

Importante pontuar que a contratação emergencial nasce de situação efetivamente imprevisível e, portanto, que não pode ser perene, sendo autorizada pelo prazo de um ano e proibida a recontratação de empresa (cf. artigo 75, VIII, da Lei Federal nº 14.133/2021). No regime anterior (artigo 24, inciso IV, da Lei Federal nº 8.666/1993), não havia impedimento à seguidas recontratações com base em situação emergencial, causando um efeito de potencial perenidade em contratações diretas com a mesma empresa e consequente burla ao princípio da isonomia entre os licitantes.

Sobre tal fator, o Supremo Tribunal Federal se pronunciou, ante a provocação da Ação Direta de Inconstitucionalidade 6890, de tal forma a esclarecer o escopo do dispositivo questionado (artigo 75, VIII, da Lei Federal nº 14.133/2021): coibir contratações emergenciais sucessivas, salvo antes do decurso do prazo de um ano, conjugado ao impedimento de recontratação fundada na mesma situação. Essa interpretação conforme à Constituição Federal de 1988, respeita o princípio da satisfação do interesse público, conforme acentuado na deliberação unânime do Plenário da Excelsa Corte, da mencionada Ação Direta de Inconstitucionalidade 6890. Tal, no entanto, “não impede que a empresa participe de eventual licitação substitutiva à dispensa de licitação ou seja contratada diretamente por fundamento diverso previsto em lei, inclusive outra emergência ou calamidade pública, sem prejuízo do controle por abusos ou ilegalidades verificados na aplicação da norma.”

Em uma aplicação prática dessa leitura do artigo 75, VIII, da Lei Federal nº 14.133/2021, se for introduzida a ocorrência do fracionamento das obras, o contexto se torna violador à regra do artigo 37, XXI, da Constituição de 1988, que estabelece a obrigatoriedade da licitação e a excepcionalidade da contratação direta, situações de matriz republicana. A possibilidade legal de contratação emergencial pressupõe o requisito da autêntica imprevisibilidade, limitada no tempo e circunscrita ao objeto estritamente necessário, ante o risco à segurança de pessoas, obras, prestação de serviços, equipamentos ou bens públicos ou privados, cumprindo, em si, um princípio de matriz republicana nas sociedades contemporâneas. Aos órgãos de controle cabe sempre avaliar caso a caso, com critério, seriedade e ponderação, a fim de garantir a prestação do serviço público mediante dispensa de licitação nas hipóteses verdadeiramente necessárias, pena de afronta ao princípio republicano.


Referências

Constituição Federal de 1988.  Em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm, acessado em 09/01/2025.

Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.  Em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm, acessado em 09/01/2025

Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14133.htm, acessado em 09/01/2025.

Supremo Tribunal Federal.  Ação Direta de Inconstitucionalidade 6890. Em https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15370249192&ext=.pdf, acessado em 09/01/2025.

Tribunal de Contas da União.  Decisão Plenária n° 347/1994.  Em  https://www.tcu.gov.br/acordaoslegados/1994/Plenario/DC-1994-000347-CA-PL.pdf, acesso em 09/01/2025.

Wikipédia, Sísifo. Em https://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%ADsifo, acessado em 09/01/2025.

World History Encyclopedia, Sísifo. Em https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-13620/sisifo/, acessado em 09/01/2025.

O post Contrato emergencial: a imprevisibilidade não pode ser induzida apareceu primeiro em Consultor Jurídico.

Projeto destina 30% de remuneração de preso para reparação a vítima

O Projeto de Lei 3271/24 determina a destinação de pelo menos 30% da remuneração pelo trabalho do preso para indenização dos danos causados pelo crime. Conforme a proposta, que está em análise na Câmara dos Deputados, o valor será destinado à vítima ou a seus dependentes, devendo ser repartido proporcionalmente caso haja mais de uma vítima.

Mário Agra/Câmara dos Deputados
Deputado General Pazuello (PL-RJ) fala em comissão da Câmara dos Deputados
Pazuello: medida compensa perdas e reafirma a importância da vítima no processo penal

Hoje, a Lei de Execução Penal já estabelece, entre as destinações da remuneração do preso, a indenização dos danos causados pelo crime, desde que determinados judicialmente e não reparados por outros meios. No entanto, não estabelece um percentual mínimo para essa destinação.

Autor do projeto, o deputado General Pazuello (PL-RJ) afirma que, na prática, são raros os casos em que parte da remuneração efetivamente se destina à indenização de danos, o que justifica trazer a reparação à vítima ou a sua família para o centro do debate.

“A reparação dos danos causados pelo crime atua como um instrumento que compensa as perdas enfrentadas e reafirma a importância da vítima no processo penal. Esse mecanismo pode ajudar a restaurar sua dignidade e apoiar a reconstrução de sua vida ou trazer o mínimo de alento e sentimento de justiça”, afirma o parlamentar. “Ademais, promove-se um sistema mais transparente e responsável, em que o impacto do crime é reconhecido de forma mais ampla”, conclui.

Tramitação
O projeto tramita em caráter conclusivo e será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Para virar lei, a medida precisa ser aprovada pelos deputados e pelos senadores.

Fonte: Câmara dos Deputados

A nova fase do patrimonialismo

Funcionários-influenciadores do presente não diferenciam público e privado

Certa vez, em uma conversa com um colega promotor de justiça, ele me contou como precisou explicar a um prefeito de uma cidade do interior que este não tinha liberdade para contratar quem bem entendesse, sendo necessário seguir um procedimento licitatório. Irresignado, o prefeito indagou: qual, então, é a vantagem de ser prefeito?

Essa anedota ilustra com clareza uma das grandes chagas do Estado brasileiro: o patrimonialismo. Essa confusão entre o que é público e o que é privado permite que agentes do Estado utilizem bens e funções públicas para avançar seus interesses pessoais. As manifestações desse fenômeno são diversas: o uso de carros oficiais para tarefas privadas; pressão de professores em universidades federais para favorecer ou barrar a admissão de certas pessoas; nepotismo – inclusive cruzado – em tribunais, prefeituras e assembleias. Os exemplos são intermináveis.

Em Os donos do poder,[1] Faoro explica como esse vírus que contamina o “estamento burocrático” brasileiro é uma herança da colonização portuguesa, servindo às elites político-administrativas em seus projetos de perpetuação no poder e manutenção de privilégios. Um reflexo disso está no sistema tributário e seus benefícios desiguais, assim como nos penduricalhos que formam os supersalários do alto escalão do Estado brasileiro.

Hoje, com o advento da tecnologia e das redes sociais, assistimos à emergência de uma nova face desse comportamento: os funcionários-influenciadores, que utilizam suas posições públicas para fins privados, agravando o histórico problema do patrimonialismo no país.

A monetização direta

Um exemplo disso ocorre na segurança pública. Não são poucos os canais no YouTube em que policiais gravavam vídeos de suas operações e os compartilhavam para milhares de seguidores. A prática nada tem de inofensiva, além de prejudicar a própria corporação, ao expor procedimentos de enfrentamento ao crime, os policiais aumentam sua renda com ganhos em dólar.

O problema vai muito além de uma questão ética. A notoriedade que conquistaram – de forma indevida – não só garantiu que esses agentes experimentassem um acúmulo patrimonial, mas também abriu caminho para que entrassem na política, um campo onde fama muitas vezes supera competência como critério de sucesso eleitoral.

A segurança pública, no entanto, não foi o único ambiente em que a nova face do patrimonialismo se manifestou. No Congresso Nacional, que abriga algumas das posições mais bem remuneradas do país, parlamentares têm utilizado as redes sociais como ferramentas lucrativas para incrementar seus rendimentos de maneira questionável. Nesse ambiente, onde o Poder Legislativo deveria se concentrar na formulação de políticas públicas, surge a figura do “parlamentar-influenciador”.

Como demonstrou reportagem do The Intercept, deputados federais vêm explorando plataformas como o Instagram para vender assinaturas que dão acesso aos bastidores de seus mandatos, respostas a perguntas e destaques em lives. A prática não só cria um canal paralelo de remuneração, mas também mina a já debilitada confiança da população no sistema político, uma vez que se torna possível pagar pelo acesso prioritário ao representante do povo.

Embora a Câmara tenha tentado conter esse abuso ao proibir monetizações relacionadas ao exercício do mandato no YouTube, a regra já nasceu ultrapassada. A brecha deixada pela ausência de regulamentação sobre o Instagram – porque o recurso de monetização não existia na época da norma – permitiu que os deputados continuassem a encher seus bolsos com uma atividade pela qual já são generosamente remunerados.

Monetização indireta

Aqui a situação fica mais nebulosa, porque a remuneração extra é uma consequência indireta do exercício da função pública.

Em um país com níveis pornográficos de desigualdade, concursos públicos são uma das melhores formas de transformação social. Essa transformação, porém, não é apenas financeira, mas também de status. Cargos como o de magistrado ou de membro do Ministério Público carregam uma aura de realeza, alçando os concursados ao patamar de seres superiores – pelo menos aos olhos de boa parte da população.

Esses cargos estão submetidos a vedações constitucionais que impedem seus ocupantes de acumular outras funções, exceto a de professor. Contudo, as redes sociais permitem que juízes e promotores atuem também como influenciadores digitais – o que, por si só, não é um problema.

Torna-se um problema, no entanto, quando o desempenho da atividade privada prejudica o desempenho da função pública. Não são raros os casos de pessoas que abandonaram a magistratura após utilizarem a estrutura do cargo para construir novas carreiras.

Afinal, por que começar do zero se é possível se beneficiar do Estado enquanto se monta algo mais lucrativo? Entre os concurseiros, essa prática já virou piada: ser juiz tornou-se um “cargo meio” para a vida de influenciador.

A questão se complica ainda mais quando analisamos o conteúdo produzido por alguns desses “jus-influenciadores”. Alguns agentes públicos utilizam gravações de audiências que conduzem para gerar engajamento em redes sociais.

Essa prática é profundamente problemática por pelo menos três razões: (1) o fato de a audiência ser pública não implica permissão aberta para o uso do material para fins privados, especialmente por parte daqueles responsáveis pela gravação; (2) houve consentimento das partes envolvidas para a divulgação de suas imagens?; e (3) até que ponto alguém, submetido à jurisdição, está realmente livre para negar um pedido do juiz?

Veja, não estou alegando que existe, nessa situação, uma ilegalidade. Não falo de um vício de consentimento no sentido civilista. Minhas observações são direcionadas a um comportamento anticonstitucional, por violar elementos fundantes do nosso documento fundador.

Esse tipo de expediente, praticado pelos “jus-influenciadores”, não só garante que eles consigam construir uma carreira paralela àquela que já desempenham, mas também abrem portas para novas possibilidades de ganhos. “Jus-influenciadores” conseguem projeção para lançar projetos pessoais, notoriedade para participar de congressos e, por vezes, até espaço no campo político – tudo isso construído sobre a estrutura do Estado.

Um compromisso republicano

Há tentativas – ainda que tímidas – para conter essa nova face do patrimonialismo. No Congresso, por exemplo, foi apresentado um projeto de lei que proíbe qualquer tipo de monetização “pela divulgação de conteúdos, como publicações em redes sociais, incluindo áudio e vídeo, relacionados ao exercício do mandato ou produzidos com recursos públicos”.[2]

Mas isso não é suficiente. É imprescindível que instituições como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e outros órgãos de controle assumam um papel mais ativo na supervisão e responsabilização dos agentes públicos.

Esses órgãos precisam agir com celeridade e rigor para impedir que o Estado continue sendo instrumentalizado como uma ferramenta de enriquecimento privado, agravando as desigualdades que já caracterizam nossa sociedade.

A República, enquanto princípio fundamental, exige um compromisso ético e prático com a separação entre o público e o privado. Não levar esse princípio a sério não pode ser a sina de nossa nação. Afinal, as consequências de ignorar essas práticas vão muito além do simbólico: afetam diretamente a coesão social e a legitimidade democrática.

Em uma sociedade profundamente desigual como a brasileira, o poder de influência dos menos favorecidos já é dramaticamente reduzido. Quando agentes públicos utilizam suas posições para maximizar ganhos pessoais, isso aprofunda a percepção de que o sistema está estruturalmente distorcido a favor de uma casta privilegiada. Esse sentimento não apenas mina a confiança nas instituições, mas também alimenta discursos populistas e anti-elite – tendências que, em tempos recentes, se tornaram perigosamente frequentes no mundo.

Enfrentar essa nova face do patrimonialismo não é apenas uma questão moral; é um passo para fortalecer nossa República e reforçar os pilares da democracia. Permitir que agentes públicos continuem dançando sobre a linha que separa o público do privado, utilizando o Estado como instrumento de enriquecimento pessoal, não apenas perpetua desigualdades, mas também corrói a confiança da sociedade nas instituições. Proteger a República significa reafirmar que os recursos públicos existem para o benefício coletivo, e não como trampolins para ambições pessoais.

Fonte: Jota

Medida protetiva posterior não afasta competência do juízo cível originário para julgar partilha de bens

​A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que, em uma ação que discute exclusivamente a partilha de bens, ajuizada antes do pedido de medida protetiva pela mulher, deve ser preservada a competência do juízo cível em que o processo teve início.

O caso chegou ao STJ após o juízo da vara de família declinar da competência em uma ação de partilha de bens, sob o fundamento de que o posterior pedido de medida protetiva contra o autor da demanda, acusado de violência doméstica, tornaria competente para o caso o juízo da vara de violência doméstica e familiar.

O tribunal de origem, ao solucionar o conflito de competência suscitado, fixou a vara de violência doméstica como responsável pelo processo, por entender que as ameaças supostamente feitas pelo ex-marido estariam relacionadas à divisão dos bens.

No recurso especial dirigido ao STJ, o Ministério Público alegou que o processo trata apenas da partilha do patrimônio do casal, razão pela qual deveria tramitar no juízo cível.

Divórcio ocorreu muito antes do ajuizamento da ação de partilha

A relatora, ministra Isabel Gallotti, afirmou que, no caso dos autos, não se trata de ação de divórcio ou de dissolução de união estável, mas apenas de partilha de bens, tema que foi expressamente excluído da competência dos juizados de violência contra a mulher, de acordo com o artigo 14-A, parágrafo 1º, da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006).

A relatora explicou que o divórcio ocorreu cerca de três anos antes da proposição da ação de partilha de bens, que chegou a tramitar durante dois anos na vara de família antes de ser enviada para o juízo de violência doméstica, devido ao superveniente ajuizamento do requerimento de medida protetiva pela mulher.

Ao fixar a competência da vara de família para processar e julgar a partilha do patrimônio, Isabel Gallotti salientou que, mesmo que fosse o caso de ação de divórcio ou dissolução de união estável e a situação de violência doméstica tivesse começado após o início do processo, este deveria continuar tramitando preferencialmente no juízo em que se encontrasse.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Fonte: STJ

Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional: uma contribuição para a transparência do mercado

O Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN) foi concebido, em 1985, para exercer a função de instância recursal das decisões de caráter punitivo proferidas pelo Banco Central do Brasil (BCB) e pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), decorrentes de processos administrativos instaurados no âmbito daquelas instituições, por força de seu poder de polícia.

Com o passar do tempo, o conselho acumulou novas atribuições, passando a ser competente também para os recursos de processos sancionadores oriundos do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), da Superintendência de Seguros Privados (Susep), da Polícia Federal e do Conselho Nacional de Justiça Federal (CNJ), no que diz respeito às regras concernentes às Políticas de Prevenção à Lavagem de Dinheiro.

Até sua criação, a função revisora era competência do Conselho Monetário Nacional (CMN), conforme a antiga versão do artigo 4º, inciso XXVI, da Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964.

Desse desdobramento é que surge o apelido de “Conselhinho”, pelo qual o CRSFN passou a ser conhecido na comunidade financeira e no meio dos advogados que militam na área. Essa denominação, longe de significar apequenamento da importância da instituição, traduz um colegiado respeitado no meio jurídico financeiro, pelo qual já passaram mais de 200 conselheiros que julgaram, nos 40 anos de sua existência, em torno de 8.000 processos, envolvendo matérias das mais variadas entre as competências que lhe foram atribuídas.

A composição do Conselho de Recursos, com participação paritária de integrantes do setor público e indicados pelas entidades representativas do mercado, dá ao CRSFN o porte de um verdadeiro tribunal administrativo. Com sessões abertas ao público em geral e a possibilidade de sustentação oral pelos representantes dos recorrentes, confere total transparência e legitimidade ao processo de julgamento.

O modelo de composição atual, vigente a partir da edição da Portaria MF n° 1.560, de 2023, abandonou o conceito de assento cativo por determinadas entidades, multiplicando o rol de entidades associativas que podem apresentar indicações para o processo seletivo de conselheiros, desde que se credenciem para tal fim. A composição atual do CRSFN se dá por segmentos do mercado, respeitando o equilíbrio na representatividade do SFN, fazendo parte dele o segmento de auditoria e governança corporativa, de grande relevância para a higidez das instituições.

Ao longo das últimas décadas, desde a implantação de um regime sancionador para os mercados regulados, o sistema financeiro deu passos largos. Cresceu em tamanho e complexidade. Surgiram diversas novas instituições oferecendo uma gama incontável de produtos e serviços, ampliando exponencialmente o número de clientes, consumidores e/ou investidores. Decorre disso, o aumento proporcional de assuntos incorporados ao rol de atribuições do Conselho de Recursos, à medida que se ampliam as atividades de supervisão dos órgãos reguladores desses mercados.

À medida que o tempo passa, aumenta a complexidade das operações praticadas, a sofisticação dos instrumentos e dos produtos financeiros, bem como a criatividade dos agentes que operam no sistema. São novas formas de estruturação das operações financeiras, que dificultam a compreensão e avaliação dos riscos envolvidos. São novas modalidades de instituições financeiras, a exemplo dos bancos digitais e das fintechs demandando nova regulação. Surgem, a cada dia, outros instrumentos financeiros, moedas digitais, criptomoedas, tokens etc. Tudo isso cria desafios intermináveis para os órgãos de supervisão, não só impondo a necessidade de editar novos normativos visando a proteção dos interesses dos usuários e investidores, como também de implementar práticas e sistemas eficazes para avaliar e preservar a solidez e solvência das instituições que atuam na intermediação financeira e, assim, evitar crises generalizadas de desconfiança no SFN.

As novas normas expedidas pelos reguladores vêm, nesse compasso, exigindo medidas que aumentem a capacidade de gestão dos riscos a que estão submetidas as instituições financeiras em suas operações, diante dos cenários adversos; mais efetividade  dos controles internos  das  instituições; a  qualidade  da  governança corporativa; a transparência e confiabilidade do sistema de divulgação de informações; a manutenção de capital próprio em níveis mínimos capazes de suportar eventuais perdas. Nesse cenário, é de se esperar que as novidades na regulação trazem consigo uma carga acentuada de disciplina para adaptação ao novo contexto, que nem sempre é alcançada pelas instituições e, com isso, operando à margem do sistema incide sobre elas as medidas de enforcement e, por consequência, o regime sancionador.

Por outro lado, a frequência, cada vez maior, no lançamento de produtos e serviços dos mercados financeiro, bancário, de valores mobiliários e de capitais, em especial com aplicação de novas tecnologias, faz inaugurar modelos de conduta sobre as quais o CRSFN tem o papel de dar interpretações e fazer julgamentos, com base em arcabouço normativo ainda jovem, muitas vezes sem qualquer referência bibliográfica ou de precedentes. Esse tem sido um desafio dos tempos atuais para o Colegiado, pois impõe a todos a busca constante para se manter atualizados, em velocidade compatível com a dinâmica dos mercados.

Nesse passo, cresce a importância do papel do Conselho de Recursos, na construção de entendimentos sobre a execução dos mecanismos de enforcement, para a qual o processo sancionador é a última morada. À medida que o Colegiado passa a dar publicidade da interpretação de qualquer norma ou procedimento, seja por meio de decisões monocráticas do seu presidente, dos acórdãos publicados, ou da aprovação de súmulas, abre-se um novo caminho a ser perseguido, seja pelos reguladores, com o fito de alinharem-se ao que foi decidido pelo órgão revisor; ou pelos regulados, no sentido de se adaptarem sobre o comando de tal decisão ou, por vezes, de construírem teses na tentativa de buscar revisão do estabelecido. O fato é que as conclusões extraídas das decisões do CRSFN não passam despercebidas pelos agentes do mercado.

As decisões do conselho têm um impacto significativo no mercado financeiro, inclusive nas questões de auditoria, pois criam precedentes que orientam as práticas de conformidade nas instituições financeiras. Isso ajuda a estabelecer padrões claros e consistentes para a auditoria interna e externa.

Ao revisar e julgar recursos contra sanções aplicadas pelos órgãos reguladores, o CRSFN promove a transparência e a confiabilidade das informações financeiras. Isso é crucial para a integridade das auditorias, pois garante que as instituições sigam as normas e regulamentos estabelecidos.

As decisões do CRSFN ajudam a identificar e mitigar riscos associados a práticas inadequadas ou ilegais. Isso é especialmente importante para as auditorias, que dependem de um ambiente regulatório estável e previsível para avaliar a conformidade e a saúde financeira das instituições.

Pode se dizer, ainda, que a atuação do CRSFN reforça a confiança dos investidores no sistema financeiro. Decisões justas e bem fundamentadas aumentam a percepção de que o mercado é bem regulado e que as instituições financeiras estão sujeitas a uma supervisão rigorosa.

Por fim, as decisões do CRSFN frequentemente resultam em recomendações para melhorias nas práticas de auditoria e governança. Os treinamentos direcionados para as equipes de auditoria incluem as decisões do CRSFN. Isso garante que os auditores estejam cientes da interpretação das mudanças regulatórias e possam aplicar corretamente as novas normas. Isso contribui para o aprimoramento contínuo dos processos e controles internos das instituições financeiras. Tanto é assim, que as auditorias ajustam seus relatórios para refletir as decisões do CRSFN, destacando áreas de risco e conformidade que foram objeto de decisões recentes.

O conselho também tem sido referência para os órgãos de primeira instância, no aprimoramento de suas técnicas de apuração e de instrução processual, bem como na busca da atuação com máxima eficiência e equilíbrio na aplicação das penalidades para o cumprimento da sua missão institucional.

Com toda a dinâmica dos mercados regulados, demandando novas regras de atuação, é de extrema importância haver um direcionamento sobre a interpretação dos atos sob a vigência das novidades. Ao que tudo indica, no âmbito do SFN, o CRSFN tem sido bússola e auxilia os agentes na navegação pelos revoltos mares da tênue diferenciação sobre o que é o possível e o que é o certo.


Referências

ALVES, Rui Fernando Ramos et al. (Coord). O NOVO REGIME SANCIONADOR NOS MERCADOS FINANCEIROS E DE CAPITAIS. Uma análise da Lei n° 13.506/17. São Paulo: Editora Iasp, 2019.

JUNIOR, Edilson Pereira Nobre. Paradigmas do Direito Administrativo Sancionador no Estado constitucional/organização Edilson Pereira Nobre Júnior- São Paulo: Editora Dialética, 2021.

MAIA FILHO, Napoleão Nunes. O Poder administrativo sancionador: origem e controle jurídico. Napoleão Nunes Maia Filho; Mário Henrique Goulart Maia. – Ribeirão Preto: Migalhas, 2012.

VIVEIROS, Ricardo et al. (Coord). Auditoria Independente, missão e responsabilidades: estudos e pareceres/Instituto de Auditoria Independente do Brasil – Ibracon, São Paulo: Ibracon, 2023.

O post Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional: uma contribuição para a transparência do mercado apareceu primeiro em Consultor Jurídico.

Pix acima de R$ 5.000: por que é ilegal exigência da Receita Federal?

Instituições de pagamento não se enquadram nem na previsão do CTN tampouco na LC 105/01

A Instrução Normativa 2219/2024 da Receita Federal entrou em vigor no início de 2025 e provocou um grande alvoroço nas redes sociais. “É um novo tributo?” “É aumento da arrecadação?”. Tudo isso passou pelo meu feed.

A histeria foi tamanha que o governo federal se apressou para soltar uma nota esclarecendo que “Novas regras para Pix não criam tributos”. A Receita Federal não ficou atrás e divulgou à população que seria uma mera evolução na e-Financeira.

E de fato é. Desde 2003 que as instituições financeiras e as operadoras de cartão de crédito são obrigadas a reportar semestralmente as transações de seus clientes quando a movimentação for superior a R$ 5.000, no caso de pessoas físicas ou R$ 15 mil, quando se tratar de pessoas jurídicas. Agora, a medida inclui as instituições de pagamento.

A IN 2219/2024 foi editada com fulcro na LC 105/2001 e no art. 16 da Lei 9.779/99, dispondo a primeira sobre o sigilo das operações de instituições financeiras e a segunda sobre a possibilidade de a Receita Federal dispor sobre as obrigações acessórias relativas aos impostos e contribuições por ela administrados, estabelecendo, inclusive, forma, prazo e condições para o seu cumprimento e o respectivo responsável.

A obrigação de fornecer informações é uma obrigação tributária acessória e o Código Tributário Nacional expressa que sua criação se dará nos termos da legislação tributária, a conferir:

Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.

  • 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.

Art. 96. A expressão “legislação tributária” compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes.

Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos:

I – os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas.

Portanto, as obrigações acessórias não estão sujeitas ao princípio da legalidade estrita, sendo possível a criação da e-financeira por meio de instrução normativa. Ocorre que, no caso da IN 2219 a Receita Federal foi além o que poderia e com isso maculou de Ilegalidade parte da citada instrução normativa. Explico.

É notório que a Receita Federal objetiva imputar uma obrigação acessória às instituições financeiras e às instituições de pagamento, mas que não se relaciona aos tributos devidos por suas próprias operações, e sim operações de terceiros.

Segundo o CTN, é possível que determinados sujeitos sejam obrigados a atender a fiscalização tributária prestando todas as informações de que disponham com relação aos bens, negócios ou atividades de terceiros. Os limites dessa possibilidade estão no CTN incisos I a VI do artigo 197:

Art. 197. Mediante intimação escrita, são obrigados a prestar à autoridade administrativa todas as informações de que disponham com relação aos bens, negócios ou atividades de terceiros:

I – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício;

II – os bancos, casas bancárias, Caixas Econômicas e demais instituições financeiras;

III – as empresas de administração de bens;

IV – os corretores, leiloeiros e despachantes oficiais;

V – os inventariantes;

VI – os síndicos, comissários e liquidatários;

VII – quaisquer outras entidades ou pessoas que a lei designe, em razão de seu cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão.

Parágrafo único. A obrigação prevista neste artigo não abrange a prestação de informações quanto a fatos sobre os quais o informante esteja legalmente obrigado a observar segredo em razão de cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão.

Nesse sentido, ainda que a obrigação acessória possa ser exigida de terceiro não contribuinte, como prevê o Código Tributário Nacional, deve ela ficar restrita às pessoas enumeradas no artigo 197 e não pode violar o sigilo profissional.

Importante frisar que as instituições de pagamento não se enquadram em nenhuma das hipóteses do artigo 197 do CTN acima reproduzido.

Uma análise apressada pode levar a equivocada conclusão de que seriam as Instituições de Pagamento passíveis de enquadramento no inciso II, que trata os bancos, casas bancárias, Caixas Econômicas e demais instituições financeiras. Mas as suas atividades não se confundem com àquelas desenvolvidas pelos agentes indicados no inciso II do art. 197 do CTN.

As instituições de pagamento possuem atividades previstas na Lei 12.865/13, art. 6º inciso III[1], qualificadas como pessoa jurídica não financeira que executa os serviços de pagamento no âmbito do arranjo e que é responsável pelo relacionamento com os usuários finais do serviço de pagamentoEssa informação é dada pelo Banco Central, que diferencia as instituições financeiras das instituições de pagamento, com base na Lei 12.865/13:

Instituições de pagamento são instituições financeiras?

Não. A Lei 12.865, de 9 de outubro de 2013, veda, explicitamente, que instituições de pagamento realizem atividades privativas de instituições financeiras, como a concessão de crédito e a gestão de uma conta corrente bancária.

Um dos objetivos da referida lei é justamente tornar claro que a prestação de serviços de pagamento não é exclusividade de instituições financeiras e permitir que instituições não financeiras prestem serviços de pagamento sem necessitar ser uma instituição financeira[2].

Nem mesmo a LC 105/01, que dispõe sobre o sigilo das operações das instituições financeiras e elenca, no artigo primeiro, as entidades que estariam abrangidas pela citada lei complementar, qualifica as instituições de pagamento como instituições financeiras[3].

Por tais fundamentos é que se pode concluir que as instituições de pagamento não se enquadram nem na previsão do CTN e tampouco na LC 105/01. Ante ausência de lei expressa com essa previsão, não poderia a IN 2219/2024 criar obrigação e pretender equiparar a instituição pagamento à instituição financeira, posto que encontra óbice no artigo 110 do CTN[4].


[1]Art. 6º  Para os efeitos das normas aplicáveis aos arranjos e às instituições de pagamento que passam a integrar o Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB), nos termos desta Lei, considera-se:

(…)

III – instituição de pagamento – pessoa jurídica que, aderindo a um ou mais arranjos de pagamento, tenha como atividade principal ou acessória, alternativa ou cumulativamente:

  1. a) disponibilizar serviço de aporte ou saque de recursos mantidos em conta de pagamento;
  2. b) executar ou facilitar a instrução de pagamento relacionada a determinado serviço de pagamento, inclusive transferência originada de ou destinada a conta de pagamento;
  3. c) gerir conta de pagamento;
  4. d) emitir instrumento de pagamento;
  5. e) credenciar a aceitação de instrumento de pagamento;
  6. f) executar remessa de fundos;
  7. g) converter moeda física ou escritural em moeda eletrônica, ou vice-versa, credenciar a aceitação ou gerir o uso de moeda eletrônica; e
  8. h) outras atividades relacionadas à prestação de serviço de pagamento, designadas pelo Banco Central do Brasil

[2]http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/arranjo.asp#l

[3]Art. 1º As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados.

  • 1o São consideradas instituições financeiras, para os efeitos desta Lei Complementar:

I – os bancos de qualquer espécie;

II – distribuidoras de valores mobiliários;

III – corretoras de câmbio e de valores mobiliários;

IV – sociedades de crédito, financiamento e investimentos;

V – sociedades de crédito imobiliário;

VI – administradoras de cartões de crédito;

VII – sociedades de arrendamento mercantil;

VIII – administradoras de mercado de balcão organizado;

IX – cooperativas de crédito;

X – associações de poupança e empréstimo;

XI – bolsas de valores e de mercadorias e futuros;

XII – entidades de liquidação e compensação;

XIII – outras sociedades que, em razão da natureza de suas operações, assim venham a ser consideradas pelo Conselho Monetário Nacional.

[4]Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.

Fonte: Jota

STF vai analisar recurso sobre metodologia de atualização de débitos da Fazenda

O Supremo Tribunal Federal vai decidir se, na atualização dos débitos da Fazenda Pública, a taxa Selic deve incidir apenas sobre o valor principal corrigido do débito ou sobre o valor consolidado da dívida, que consiste no valor principal corrigido acrescido de juros.

A matéria é objeto do Recurso Extraordinário 1.516.074, que teve a repercussão geral reconhecida no Plenário Virtual (Tema 1.349). Com isso, a tese a ser definida deverá ser seguida pelos tribunais do país.

Duplicidade

No STF, o estado do Tocantins questiona decisão do Tribunal de Justiça estadual que rejeitou recurso a respeito da incidência da Selic sobre o valor atualizado do débito. De acordo com o TJ-TO, a partir da Emenda Constitucional 113/2021, a atualização do crédito deve ser feita pela taxa Selic sobre o valor consolidado do débito, que equivale ao valor principal corrigido acrescido de juros.

O estado argumenta que a Selic deve incidir apenas sobre o valor corrigido da condenação. Sustenta que, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.867, o Supremo decidiu que a taxa Selic já engloba os juros de mora, e, por isso, sua incidência sobre o montante acrescido de juros configuraria uma aplicação de índices em duplicidade.

Interpretação

Ao se manifestar pela repercussão geral do tema, o presidente do tribunal, ministro Luís Roberto Barroso, frisou que o recurso trata exclusivamente da interpretação do artigo 3º da Emenda Constitucional 113/2021, de modo a determinar se o dispositivo fixou uma metodologia específica de cálculo de atualização dos débitos da Fazenda. Segundo ele, a questão ultrapassa os interesses das partes do processo, alcançando todos os entes federativos e os credores da Fazenda Pública.

Ainda não há data prevista para o julgamento de mérito do recurso. Com informações da assessoria de imprensa do STF.

RE 1.516.074

O post STF vai analisar recurso sobre metodologia de atualização de débitos da Fazenda apareceu primeiro em Consultor Jurídico.

Proposta muda legislação penal para permitir prisão de condenado em segunda instância

O Projeto de Lei 2110/24 permite a prisão imediata de pessoa com condenação criminal confirmada ou imposta por tribunal (segunda instância). O texto, em análise na Câmara dos Deputados, também muda as regras da prisão preventiva, previstas no Código de Processo Penal.

Mário Agra/Câmara dos Deputados
Discussão e votação de propostas legislativas. Dep. Delegado Ramagem (PL - RJ)
Delegado Ramagem: objetivo é acabar com a insegurança jurídica sobre o assunto

 

O deputado Delegado Ramagem (PL-RJ), autor do projeto, afirma que o texto visa acabar com a insegurança jurídica sobre o assunto.

Ele lembra que, em 2016, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu acatar a prisão de condenado em segunda instância. Três anos depois, em novo julgamento, a corte reverteu esse entendimento e determinou que o cumprimento da pena somente pode ter início após o fim de todos os recursos.

Para Ramagem, essa situação precisa ser regulamentada pelo Congresso Nacional. “O quadro descrito denota a carência de um urgente esclarecimento sobre o ponto, a ser feito autenticamente pelo legislador”, diz. Ele afirma ainda que não existe um impedimento constitucional contra a prisão após condenação em segunda instância.

Antecipação da pena
Em relação às regras sobre a prisão preventiva, o projeto de lei:

  • revoga a restrição vigente no Código de Processo Penal que impede a decretação da prisão preventiva com a finalidade de antecipação de cumprimento da pena;
  • permite a prisão preventiva quando houver indícios de perigo gerado pelo estado de liberdade do réu, que pode ser aferido pela existência de maus antecedentes, atos infracionais passados, inquéritos ou ações penais em curso;
  • admite a prisão preventiva de ‘faccionados’ que integram organizações criminosas ou exerçam atividades de comando, com violência ou grave ameaça a pessoa, por crimes como porte ilegal de armas, tráfico de drogas e associação criminosa.

Próximos passos
O projeto será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) e pelo Plenário.

Para virar lei, a proposta precisa ser aprovada pela Câmara e pelo Senado.

Fonte: Câmara dos Deputados

Comissão aprova nova regra sobre indenização por dano moral para vítima de violência doméstica

A Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher aprovou, em novembro do ano passado, proposta estabelecendo o direito de indenização por dano moral nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, e independente de instrução probatória. A reparação será fixada pelo juiz, inclusive criminal. 

 
Discussão e votação de propostas. Dep. Silvye Alves(UNIÃO - GO)
Silvye Alves relatou a proposta na CCJ – Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

O texto aprovado é o substitutivo da relatora, deputada Silvye Alves (União-GO), ao Projeto de Lei 1299/22, do deputado Cleber Verde (MDB-MA), e apensados. O texto inclui a medida na Lei Maria da Penha

A relatora destaca que hoje o Código Civil e a Lei Maria da Penha já preveem a possibilidade de o agressor, em caso de violência doméstica e familiar praticada contra a mulher, reparar os danos ocasionados à vítima, inclusive de natureza moral (resultantes, por exemplo, de violência praticada de caráter psicológico ou patrimonial). 

Silvye Alves também lembra que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou tese segundo a qual “nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo indenizatório a título de dano moral, desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que não especificada a quantia, e independentemente de instrução probatória.” 

Para ela, é importante inscrever na lei a tese emanada pelo STJ. 

Alteração
O Projeto de Lei 1299/22 original garante à mulher vítima de violência doméstica o direito a indenização por dano moral paga pelo Estado, desde que seja comprovado o nexo entre a ação ou omissão do Estado e o dano.

Mas, para a relatora, é importante assegurar o direito independentemente de demonstração de culpa ou dolo de agente do Estado.

Próximos passos
A proposta será analisada em caráter conclusivo pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Para virar lei, precisa ser aprovada por deputados e senadores.

Fonte: Câmara dos Deputados

Repetitivo decidirá sobre arbitramento de honorários em desistência de desapropriação

Repetitivo decidirá sobre arbitramento de honorários em desistência de desapropriação
 
 

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu afetar os Recursos Especiais 2.129.162 e 2.131.059, de relatoria do ministro Paulo Sérgio Domingues, para julgamento sob o rito dos repetitivos.

A questão submetida a julgamento, cadastrada como Tema 1.298 na base de dados do STJ, é “definir se os limites percentuais previstos no artigo 27, parágrafo 1º, do Decreto-Lei 3.365/1941 devem ser observados no arbitramento de honorários sucumbenciais em caso de desistência de ação de desapropriação por utilidade pública ou de constituição de servidão administrativa”.

O colegiado determinou a suspensão, em todo o território nacional, dos recursos especiais e agravos em recurso especial interpostos em processos que versem sobre a questão delimitada.

Em seu voto pela afetação dos recursos, o relator ressaltou que o caráter repetitivo da matéria foi verificado a partir de pesquisa na base de jurisprudência do STJ, tendo a Comissão Gestora de Precedentes e de Ações Coletivas (Cogepac) contabilizado 15 acórdãos e 282 decisões monocráticas sobre o tema.

O ministro salientou a importância de uniformizar, com força vinculante, o entendimento do STJ sobre a matéria, para consolidar definitivamente a jurisprudência. Paulo Sérgio Domingues comentou que algumas decisões recentes reconhecem a aplicação dos limites previstos no artigo 27, parágrafo 1º, do Decreto-Lei 3.365/1941 para a fixação dos honorários de sucumbência em casos de desistência de ações de desapropriação por utilidade pública. Contudo, segundo ele, coexistem julgados que não impõem essa limitação, o que evidencia a necessidade de se adotar uma jurisprudência estável e coerente.

Recursos repetitivos geram economia de tempo e segurança jurídica

O Código de Processo Civil de 2015 regula, nos artigos 1.036 e seguintes, o julgamento por amostragem, mediante a seleção de recursos especiais que tenham controvérsias idênticas. Ao afetar um processo, ou seja, encaminhá-lo para julgamento sob o rito dos repetitivos, os ministros facilitam a solução de demandas que se repetem nos tribunais brasileiros.

A possibilidade de aplicar o mesmo entendimento jurídico a diversos processos gera economia de tempo e segurança jurídica. No site do STJ, é possível acessar todos os temas afetados, bem como conhecer a abrangência das decisões de sobrestamento e as teses jurídicas firmadas nos julgamentos, entre outras informações.

Leia o acórdão de afetação do REsp 2.129.162.

Fonte: STJ