Oposição à sustentação oral virtual gera impasse entre advocacia e CNJ

A recente padronização de procedimentos para julgamentos virtuais no Brasil, feita pelo Conselho Nacional de Justiça, está causando um impasse entre advocacia e Poder Judiciário.

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Para os advogados, todo e qualquer pedido de destaque formulado em processos com matéria de mérito e possibilidade de sustentação oral deve obrigatoriamente levar o caso da pauta virtual para a presencial.

Para os magistrados brasileiros, essa hipótese é inviável: não há como os tribunais julgarem presencialmente tantos processos sem prejudicar a duração razoável do processo e a produtividade.

O impasse é amplificado por uma blitz legislativa sobre o tema. O Congresso Nacional tem três projetos de lei, uma proposta de emenda à Constituição e um projeto de decreto legislativo reagindo às determinações da Resolução 591/2024 do CNJ.

A norma padronizou os procedimentos para julgamentos virtuais no Brasil, que já aconteciam de acordo com os desígnios de cada tribunal e foram amplificados desde a crise sanitária da Covid-19, com diferentes níveis de transparência.

O CNJ decidiu que as sessões devem ser públicas e com acesso em tempo real a todos, com possibilidade de manifestação dos advogados, inclusive, para esclarecimento de fatos. O ponto que desagradou à advocacia está no artigo 8º, inciso II, que diz que partes e Ministério Público podem formular pedidos de destaque, para retirada do processo da pauta virtual, os quais precisam ser deferidos pelo relator.

Entidades da advocacia reagiram imediatamente por entender que a resolução viola a prerrogativa de sustentar oralmente de forma presencial. Para constitucionalistas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico, o CNJ extrapolou a própria competência.

Em petição ao CNJ, o Conselho Federal da OAB pediu a mudança da norma para que, nos processos com matéria de mérito e possibilidade de sustentação oral, os pedidos de destaque ao plenário presencial feitos pelos advogados sejam automaticamente acolhidos. Como não cabe recurso contra acórdão do CNJ, o pedido não foi conhecido. Ainda assim, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do conselho, esclareceu que os tribunais têm autonomia para criar mais hipóteses de destaque.

“A sustentação oral só deve ser feita por gravação onde a sustentação presencial crie uma tal disfuncionalidade para o tribunal que isso seja imperativo”, disse Barroso no plenário do CNJ, durante a 1ª Sessão Ordinária de 2025. “A resolução foi para melhorar a vida, e não para piorar a vida dos advogados”, defendeu o ministro. “A regra geral deve ser a sustentação síncrona com a presença do advogado.”

Eugenio Novaes
Beto Simonetti 2025

Para todo mundo não vai dar

A possibilidade de pedidos de sustentações orais presenciais criarem disfuncionalidades para os tribunais brasileiros é bastante plausível e já foi experimentada, depois que foi promulgada a Lei 14.365/2022. A norma alterou o Estatuto da Advocacia para aumentar as possibilidades do uso da sustentação oral para recursos contra decisões monocráticas que julguem o mérito ou não conheçam de recursos ou ações.

Houve, então, uma explosão do número de sustentações orais nas sessões de julgamento por todo o país. No Superior Tribunal de Justiça, as turmas criminais experimentaram sessões com 47 pedidos de manifestação dos advogados. Isso gerou reações. Decidiu-se, por exemplo, que a lei agora permite sustentação oral no agravo interno ou regimental contra a decisão em recurso especial (REsp), mas que isso não vale para o agravo regimental contra o agravo em recurso especial (AREsp).

Outros colegiados do STJ, como a 3ª Turma, passaram a enviar automaticamente para a pauta virtual todos os casos com pedido de sustentação oral em recursos contra decisões monocráticas. Nas turmas criminais, os ministros perceberam uma tendência curiosa: conforme os casos iam sendo enviados para a pauta virtual, o grande interesse da advocacia em fazer sustentação oral diminuía drasticamente.

No Supremo Tribunal Federal, onde o julgamento virtual representou uma revolução em meio à crise da Covid-19, a resistência da advocacia foi sendo vencida com algumas medidas de transparência: os ministros só conseguem votar depois de acessar os arquivos enviados, como a sustentação oral virtual, e os que não se manifestam não têm o voto considerado.

Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Beto Simonetti disse à ConJur que reconhece a importância da eficiência no Judiciário e que a OAB está comprometida em contribuir para a celeridade processual. “No entanto, a sustentação oral não pode ser tratada como um entrave, mas, sim, como um componente essencial para uma Justiça de qualidade.”

“Cabe também ao Judiciário fazer sua parte com maior respeito ao sistema de precedentes e alinhamento com as jurisprudências dos tribunais superiores. Estamos abertos ao diálogo com os tribunais para encontrar soluções que conciliem a agilidade processual com o pleno exercício do direito de defesa. É fundamental, contudo, que a busca por eficiência não ocorra às custas da qualidade e da legitimidade das decisões judiciais”, afirmou ele.

Rafael Luz/STJ
Paulo Sérgio Domingues 2024

Choque de realidade

Outros advogados ouvidos pela ConJur são céticos quanto à utilidade de uma sustentação oral gravada e enviada com antecedência. Eles dizem que não há como saber se o julgador realmente assistiu ou ouviu a fala. E ponderam que o impacto mais grave vai ocorrer nos tribunais de apelação, em que há análise de fatos e provas, e efetiva revisão dos casos concretos.

Já magistrados veem um benefício nas sustentações gravadas: a possibilidade de acompanhar a fala do advogado com calma e no momento oportuno para se debruçar sobre o processo. Em recente palestra na Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal (Anape), o ministro Paulo Sérgio Domingues, do STJ, disse que o tema vem gerando celeuma exagerada.

Primeiro porque os tribunais julgam muito, o suficiente para tornar impossível o julgamento presencial de todos os processos com sustentações orais de 15 minutos. Segundo porque a resolução do CNJ aumenta a transparência dos julgamentos virtuais, sem afetar em nada as sessões presenciais. “Sustentações são melhores presenciais? São. Mas, em todos os casos, é impossível (fazê-las). Precisamos lidar com dados da realidade”, disse o ministro.

Já na sessão da 3ª Turma do STJ do último dia 4, a ministra Nancy Andrighi tratou do tema ao comentar que a advocacia deveria se preocupar mais com as sessões virtuais em si. “Os advogados estão com o foco errado. A sustentação oral é importante, mas pode ser substituída por bom memorial com duas ou três páginas. Nada é mais importante do que imaginar que eu vou me deparar com cinco dias úteis e ter que debulhar uma pauta virtual de mil processos.”

Beto Simonetti reforçou a posição da OAB na sessão de abertura do ano judiciário no Supremo Tribunal Federal, em fevereiro. “A palavra dita é complementar à palavra escrita e, sem constrangimento, vídeo gravado não é sustentação oral.” À ConJur, ele reforçou ser essencial que o advogado tenha a oportunidade de se manifestar diretamente perante o colegiado julgador, garantindo a efetividade da defesa dos direitos dos cidadãos.

Blitz legislativa

No Tribunal Superior do Trabalho, a pressão da OAB deu algum resultado. O órgão determinou que os processos com pedido de sustentação oral sejam automaticamente transferidos para julgamento presencial para as pautas até 14 de março, prazo final já estendido pelo CNJ para implementação da Resolução 591/2024. A partir daí, será necessária a concordância do relator para o deferimento do destaque.

Há uma ofensiva também no Legislativo. Em agosto de 2024, senadores protocolaram uma proposta de emenda à Constituição (PEC 30/2024) para assegurar que advogados possam apresentar seus argumentos oralmente perante tribunais de todas as esferas, judicial e administrativa, sob pena de nulidade do julgamento. O texto é de iniciativa do senador Castellar Neto (PP-MG), com apoio de outros 26 senadores.

O senador Fabiano Contarato (PT-ES) protocolou o PL 345/2025 para mudar o Código de Processo Civil e o Código de Processo Penal, prevendo que destaques sejam decididos de maneira fundamentada pelo relator, de acordo com a relevância da matéria e a necessidade do julgamento síncrono com sustentação oral. Na fundamentação, ele classifica a resolução do CNJ como uma “limitação abusiva às prerrogativas da advocacia”.

Já na Câmara dos Deputados, a deputada federal Carmen Zanotto (Cidadania-SC) protocolou o PL 4.996/2024, para propor a inclusão no Estatuto da Advocacia da previsão de que todos os casos em julgamento virtual com pedido de sustentação oral sejam pautados para sessões presenciais ou telepresenciais.

Além disso, o deputado federal Tião Medeiros (PP-PR) propôs em outubro um Decreto Legislativo de Sustação de Atos Normativos do Poder Executivo (PDL 371/2024) para sustar os efeitos da resolução do CNJ, por restringir a atuação pleno dos advogados e usurpar a competência do Congresso Nacional.

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Instituição de arbitragem interrompe prescrição mesmo para fatos anteriores à previsão legal da regra

A Primeira Seção definiu que as medidas de indisponibilidade de bens já deferidas poderão ser reapreciadas para fins de adequação à atual redação da Lei de Improbidade Administrativa.
 

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a instauração do procedimento arbitral, entre outros efeitos, implica a interrupção do prazo prescricional, mesmo para fatos ocorridos antes da Lei 13.129/2015.

Para o colegiado, ao incluir o parágrafo 2º do artigo 19 na Lei 9.307/1996, a Lei 13.129/2015 apenas supriu uma lacuna e consolidou orientação que já era adotada pela doutrina majoritária.

Na origem do caso analisado, foi ajuizada ação declaratória de nulidade de sentença arbitral, na qual se discutia se a instauração de procedimento arbitral anterior poderia interromper o prazo de prescrição da pretensão de cobrar aluguéis e demais consectários da locação.

O juízo julgou procedente o pedido de declaração de nulidade da sentença arbitral, por considerar que se passaram mais de três anos entre o início da contagem do prazo prescricional e a propositura da segunda demanda arbitral, fundamentando sua decisão no artigo 206, parágrafo 3º, inciso I, do Código Civil (CC). No julgamento da apelação, o tribunal de origem afastou a prescrição da pretensão de cobrança de aluguéis.

No recurso especial dirigido ao STJ, a clínica sustentou que só depois da Lei 13.129/2015 a instituição do procedimento arbitral passou a ser prevista como causa de interrupção da prescrição.

Para o relator, não houve inércia da parte

O relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, disse que a busca de um direito, mesmo que não seja por meio da Justiça estatal, é suficiente para descaracterizar a inércia da parte. Segundo observou, nesses casos “não é possível falar na perda do direito de ação pelo seu não exercício em prazo razoável”.

De acordo com o ministro, as causas de interrupção da prescrição, assim como as regras gerais sobre prescrição extintiva, devem ser aplicadas nas demandas do juízo arbitral da mesma maneira que pelos órgãos do Poder Judiciário, de acordo com o artigo 31 da Lei 9.307/1996.

Prescrição voltou a contar após trânsito em julgado da arbitragem

O ministro observou que o primeiro procedimento arbitral foi instaurado dentro do prazo de três anos, momento em que houve a interrupção da prescrição da pretensão da cobrança de aluguéis, sendo irrelevante questionar o instante exato em que ela foi interrompida: se no momento do requerimento ou da efetiva instauração da arbitragem.

O relator ressaltou que, segundo o artigo 202 do CC, o prazo prescricional da arbitragem volta a contar a partir da data do ato que o interrompeu, ou do último ato do processo que o interrompeu.

“Não está prescrita a pretensão condenatória manifestada em um segundo procedimento arbitral instaurado no mesmo ano em que o primeiro transitou em julgado”, concluiu.

Fonte: STJ

Projeto permite punir membros de tribunal de contas por crime de responsabilidade

O Projeto de Lei 4046/24, do deputado Tarcísio Motta (Psol-RJ), estabelece a possibilidade de punir os membros do Tribunal de Contas da União (TCU) e dos tribunais de contas de estados e municípios por crimes de responsabilidade. A condenação poderá ser a prisão, além da inabilitação para qualquer função pública por cinco anos e da ação penal.

Atualmente, a lei tipifica apenas os crimes de responsabilidade dos presidentes e substitutos dos tribunais de contas, e exclusivamente no que diz respeito aos crimes contra a lei orçamentária. O projeto tramita na Câmara dos Deputados e modifica a lei que trata dos crimes de responsabilidade (Lei 1.079/50).

Entre os crimes de responsabilidade que poderiam ser cometidos por membros dos tribunais de conta, previstos na lei, estão usar de violência contra funcionário público para coagi-lo a agir ilegalmente ou tentar suborná-lo para isso e agir de modo incompatível com a dignidade e honra do cargo.

Motta afirma que não há um órgão nacional de controle ou fiscalização dos tribunais de contas, como ocorre com os conselhos nacionais de Justiça e do Ministério Público. “O objetivo do projeto é suprir a lacuna legislativa a respeito da denúncia, processo e julgamento dos membros dos tribunais de contas por crimes de responsabilidade”, diz o deputado.

Denunciantes
Pela proposta, qualquer partido com representação no Congresso Nacional poderá denunciar um membro do TCU por crime de responsabilidade. A mesma lógica se aplica a partido com representação nas assembleias legislativas e câmaras municipais para os tribunais de contas de estados e municípios.

O processo e o julgamento dos membros do TCU serão feitos pelo Supremo Tribunal Federal, enquanto a análise dos indiciados de estados e municípios será do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Os órgãos julgadores poderão suspender o denunciado de suas funções no curso do processo.

Próximos passos
A proposta será analisada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Depois, seguirá para o Plenário.

Fonte: Câmara dos Deputados

Legitimidade da Defensoria para execução individual de título coletivo em favor de vulneráveis etários

Passados quase dez anos da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (ADI 3.943), reconhecendo a constitucionalidade da legitimidade da Defensoria Pública para a tutela coletiva, constata-se que a instituição modificou sensivelmente seu perfil de atuação, não mais restrito à representação de interesses individuais, mas extraordinariamente legitimada para defesa dos interesses de vulneráveis.

Dentre os diversos eixos de vulnerabilidade tradicionalmente alvos da atuação institucional (crianças, adolescentes, vítimas de violência doméstica, pessoas com deficiência), a Defensoria Pública vem assumindo um protagonismo na defesa de interesses das pessoas idosas.

Com certa frequência, ações coletivas são ajuizadas contra os entes públicos de modo a assegurar a política de unidades de acolhimento, com pretensão de implantação de instituições de longa permanência, centros dia, centros de acolhida especial e outros equipamentos sociais para pessoas idosas.

Em muitos casos, após a formação do título executivo coletivo, torna-se dificultosa a inclusão das pessoas idosas nesses equipamentos, visto que, não raras as vezes, temos pessoas que possuem problemas de saúde e nem sempre reúnem forças e aptidão para gerir a própria vida sem o apoio de terceiros.

Nem sempre essas pessoas idosas contam com apoio do seio familiar, sendo a institucionalização o último recurso disponível. Isso exige um olhar diferenciado, levando-se em conta as normas de caráter protetivo estampadas na Constituição da República e no Estatuto da Pessoa Idosa (Lei nº 10.741/2003).

O Estatuto da Pessoa Idosa, que trouxe novos parâmetros para a interpretação e aplicação dos direitos dessa parcela de cidadãos, sempre com o objetivo de lhes garantir as mesmas oportunidades, desfrutadas por todos em igualdade de condições, reafirma uma série de princípios, tais como os da dignidade da pessoa humana, da solidariedade, da autonomia e da liberdade de fazer as próprias escolhas, da proteção à vida e à saúde, do acesso à educação, da não discriminação, da acessibilidade, da inclusão social etc.

Procuradora constitucional das pessoas vulneráveis

O reconhecimento desses direitos a essas pessoas idosas, face às desigualdades decorrentes da idade, repousa no princípio da isonomia constitucional, ou seja, assegurar-lhes as mesmas oportunidades.

A luta pela inclusão das pessoas idosas, buscando a efetividade desses direitos, requer, além do envolvimento da sociedade, a cobrança das autoridades para que assumam suas responsabilidades, tomando medidas concretas, objetivando dar sentido prático aos avanços conquistados, cumprindo, enfim, a legislação existente, muitas das vezes mediante provocação jurisdicional.

A previsão contida no artigo 43 da Lei nº 10.741/2003 impõe a necessária adoção de medidas de proteção em hipóteses em que os direitos das pessoas idosas forem ameaçados ou violados, seja pela própria família, pelo Estado ou pela sociedade.

Por essa razão, a Defensoria Pública tem exercido importante papel, buscando em nome próprio a tutela individual de direito de pessoa idosa, visando assegurar o acesso aos recursos necessários ao seu bom convívio social.

Embora não esteja expressamente consolidada no Estatuto da Pessoa Idosa, essa legitimidade está intrinsecamente ligada à missão constitucional de prestar assistência jurídica aos necessitados e de tutela dos direitos dos vulneráveis, na forma do artigo 4º, I, VII, X e XI da LC nº 80/1994.

Já há alguns anos, a Defensoria Pública tem exercido o papel de “procuradora constitucional das pessoas vulneráveis”, tanto do ponto de vista individual quanto do ponto de vista coletivo. Inclusive, reconhece-se a consolidação de um “microssistema processual de proteção dos vulneráveis” (MPPV), com importante contribuição do Superior Tribunal de Justiça, enquanto intérprete nacional da legislação federal. Essa ideia de microssistema processual protetivo é recente [1], mas já alcança o STJ desde 2023 – embora o CPC/2015 somente mencione a vulnerabilidade uma única vez (artigo 190, parágrafo único), ao contrário das numerosas referências na legislação da Argentina.

Para a compreensão desse microssistema, torna-se necessária a presença de, ao menos, três requisitos: (a) constitucionalização do processo, mirando-se o procedimento como desdobramento do direito de ação e à tutela efetiva de direitos, especialmente quanto aos sujeitos protegidos constitucionalmente; (b) circularidade dos planos (do direito material e processual), ampliando-se a proteção e os instrumentos processuais à sua disposição; (c) teoria das vulnerabilidades processuais, útil à compreensão do fenômeno, a qual foi inaugurada mais intensamente por Fernanda Tartuce.

Se já é trágico notar que, em alguns centros de decisão jurídica, o CPC/2015 ainda não “aportou”, mais grave é perceber o esquecimento de uma Lei de 1994 (a Lei Orgânica da Defensoria Pública – LC nº 80/1994). E tudo pode se agravar ainda mais quando a “conversa” entre tais instrumentos legislativos é necessária, como no caso da legitimação extraordinária da Defensoria Pública em hipóteses de proteção individual das pessoas vulneráveis.

Desse modo, a teoria do diálogo das fontes deve incidir nos debates sobre a legitimidade extraordinária do “Estado Defensor” em casos individuais – como também já incidiu, no STJ (AgInt 1.220.572), para confirmar a legitimidade coletiva da Defensoria Pública em prol de coletividade de pessoas idosas, apesar da ausência de menção expressa no Estatuto respectivo.

Assim sendo, o Estatuto da Pessoa Idosa (Lei nº 10.741/2006, artigo 81) e a Constituição da República (artigo 129, § 1º) remetem à convivência entre as legitimidades concorrentes para “ações civis”. Ademais, até mesmo a Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha, artigo 13) abre caminho ao diálogo das fontes “protetivas” – mormente com os Estatutos da Pessoa Idosa e da Criança e do Adolescente.

Portanto, o microssistema processual das pessoas vulneráveis encontra uma ferramenta protetiva útil e constitucional na legitimação extraordinária da Defensoria Pública. Negá-la, porém, remeterá a um quadro inconstitucional de criação de obstáculos artificiais ao acesso à justiça para os cenários extremos da vida humana.

Neste debate, não se pode permitir a invasão do “corporativismo” criando uma inconstitucional “exclusividade” na legitimidade extraordinária, a qual pode resultar em um maquiavélico “pingue-pongue” dos fragilizados entre instituições ou, por vezes, retardar o fim processual esperado, substituindo-o pelo óbito decorrente da espera enquanto perduram discussões sobre a “forma pela forma”. Portanto, deve-se garantir utilidade às ferramentas processuais existentes e, assim, facilitar o acesso à justiça dos mais fragilizados socialmente.

Obviamente, não se fala aqui por uma desnecessária generalização da legitimação extraordinária da Defensoria Pública para casos individuais. Até mesmo porque suas atuações devem ser emancipatórias, distintamente de uma indesejada substituição processual contraposta à vontade livre e declarada do substituído.

Assim sendo, a legitimação extraordinária defensorial deve ser pautada por método seletivodemocrático e racional, “salvando” direitos fundamentais, tais como a vida e a saúde. Um bom exemplo é o projeto da Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DP-RJ) denominado “A saúde não pode esperar” – sobre tal projeto, Andrea Carius de Sá, Marilia Gonçalves Pimenta e Cleber Francisco Alves expuseram a utilidade da legitimação extraordinária da Defensoria Pública para resguardar vidas de pessoas em UTIs, quando sem representantes e sem a possibilidade de declarar sua vontade.

Nadar, nadar e morrer na praia

O mesmo raciocínio deve ser aplicado em casos de equipamentos sociais para instalação de instituições de longa permanência para idosos e congêneres. Até porque, ainda valendo-se do exemplo do estado do Rio de Janeiro, a Fazenda Pública tem apresentado oposição a atuação institucional alegando que a instituição: “ao peticionar em nome próprio buscando a tutela de direito individual da idosa, extrapola suas atribuições institucionais e viola princípios basilares do ordenamento jurídico processual. É fundamental compreender que a legitimidade da Defensoria Pública para atuar em juízo está intrinsecamente ligada à sua missão constitucional de prestar assistência jurídica aos necessitados. No caso em tela, observa-se uma distorção desta prerrogativa. A Defensoria não está meramente representando os interesses de uma assistida, mas sim se colocando como parte autora em um procedimento que visa obter um benefício individual específico”.

Ou seja, para a Fazenda Pública talvez seja mais interessante contrariar o “princípio da primazia de mérito” promovendo extinção formal processos (cognitivos ou executivos) e, por via de consequência, expor pessoas vulneráveis (muitas vezes muito adoentadas) à tramitação processual – buscando, assim, manipular o Poder Judiciário à criação de obstáculos de acesso à justiça ou, quem sabe, apostar na “perda do objeto” decorrente da morosidade — pois pessoas idosas ou enfermas não podem esperar para sempre…

Por outro lado, mas ainda sobre a legitimação extraordinária da Defensoria Pública no caso analisado, ao admiti-la na fase de conhecimento coletiva e não estendê-la à fase de execução, gera-se, à pessoa enferma e idosa, a sensação um trágico “nadar, nadar e morrer na praia” — algo indesejado à Constituição fundada na dignidade humana (artigo 1º, III).

Como pressuposto à compreensão da legitimação extraordinária do “Estado Defensor” é necessário aceitar a concorrência de legitimidade com o Ministério Público (Constituição, artigo 129, § 1º), a qual decorre da missão de “custos iuris” diante da indisponibilidade dos direitos envolvidos.

Com efeito, o CPC/2015 (artigo 18) ampliou a denominada legitimação extraordinária para extraí-la de toda ordem jurídica — inclusive da própria Constituição. Nesse ponto, o conceito constitucional amplo de necessitado (artigo 134) — vide STF (ADI nº 3.943) e STJ (EREsp nº 1.192.577) —, e o vínculo expresso da Defensoria Pública com as crianças, os adolescentes, os idosos, as pessoas com deficiência, as mulheres em situação de violência doméstica e com outros grupos vulneráveis merecedores de proteção estatal (artigo 4º, XI da LC nº 80/1994) reforçam a legitimação extraordinária da Defensoria Pública.

Assim, no contexto do CPC/2015 é notória ampliação da legitimação extraordinária como decorrência não somente da “lei” como também do “ordenamento jurídico” e, obviamente, isso alcança a Defensoria Pública.

Há um consenso de que a Defensoria Pública deve exercer tal função muito seletivamente para não ser, logo ela, instrumento de autoritarismo e paternalismo desnecessário com os mais vulneráveis. Em outras palavras, a Defensoria Pública deve exercer tal legitimidade de forma responsável. Trata-se de uma legitimidade social exercida democraticamente à luz da ordem jurídica.

Com efeito, a legitimação extraordinária que salva (a vida e saúde de) pessoas vulnerabilizadas tem raízes históricas (vide a origem brasileira da Defensoria Pública como órgão da Procuradoria de Justiça do Rio de Janeiro nas décadas de 1940/1950) e sementes solidaristas, a partir de pesquisas institucionais com mais de duas décadas.

Portanto, a legitimação extraordinária e protetiva da Defensoria Pública é decorrência óbvia e lógica da Constituição (artigo 134), do CPC/2015 (artigo 18) e da LC nº 80/1994 (artigo 4º, XI). E, nesse cenário, os estatutos protetivos têm especial relevância, como é o caso do Estatuto da Pessoa Idosa, pois mandam o recado normativo: É preciso proteger e facilitar o acesso à justiça dos mais frágeis da sociedade brasileira e, para tanto, a legitimidade defensorial é mais uma ferramenta aberta, útil e possível na ordem jurídica.


[1] Para um pouco mais sobre o tema: ZANETI Jr., Hermes. CASAS MAIA, Maurilio. Microssistema Processual de Proteção Processual dos Vulneráveis: as lentes do Ministério Público e da Defensoria Pública. São Paulo: Tirant Lo Blanch, 2025.

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Armadilhas da eficiência: revisão do processo sancionador da Anvisa

Encontra-se em consulta pública a reformulação das normas que regem o processo administrativo sancionador da Anvisa, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Consulta Pública nº 1.297/24). Dada a natureza punitiva dos processos, a gravidade das sanções aplicáveis e a amplitude das competências da agência sanitária, o tema se apresenta da maior relevância. Afinal, na aplicação de sanções, o Estado exibe seu avesso, pois se organiza para infligir um mal aos particulares. Essa inversão de sua atividade-fim demanda salvaguardas e um processo administrativo que mereça este nome.

A revisão do processo foi provocada pelo onipresente Tribunal de Contas da União (TCU), que diagnosticou a atuação sancionatória da Anvisa — centrada ainda na Lei nº 6.437/77 — como ineficiente, dada a longa duração dos procedimentos e a baixa taxa de conversão e recolhimento de multas.

Em que pese a louvável busca da eficiência — e o interesse geral em processos efetivos e céleres —, o texto sob consulta está aquém do que se pode esperar de um sistema de justiça administrativa compatível com as exigências constitucionais em vigor. A proposta, como se encontra, repete vícios antigos do processo administrativo no país: descompromisso com o contraditório participativo, com a verdade material e com a independência de autoridades julgadoras [1].

De início, preocupa a ausência da identificação dos princípios que devem nortear a interpretação e aplicação da norma. A par disso, ainda nas definições (artigo 2º), deixa a proposta de indicar que a autoridade julgadora será diversa da autuante, estando livre de relação hierárquica com aquela, em atendimento ao contraditório e à imparcialidade. A omissão não é banal. Há décadas, a Corte Europeia de Direitos Humanos impõe a promoção da imparcialidade em julgamentos administrativos, ressaltando que ela deve ser aparente e efetiva [2].

Entendimento nos EUA

Nos EUA, a Suprema Corte entende que o processo contencioso perante as agências deve assegurar que a autoridade julgadora exerça seu juízo de valor de forma independente, livre de pressões e influências das partes ou de outras autoridades [3]. A cumulação de atribuições investigatórias ou acusatórias com competências decisórias acarreta a contaminação do agente, com o desejo, ainda que inconsciente, de ver suas teses confirmadas ao final da relação processual: i.e., a vontade de vencer o processo — “will to win” na expressão da jurisprudência [4].

Quando às provas, a proposta admite uma perigosa materialidade indiciária (artigo 2, XIII) e compreende a comprovação do ilícito como faculdade do agente estatal (artigo 15) — e não como dever inerente ao exercício do poder de polícia, ancorando a aplicação de graves punições em presunções ou ficções jurídicas. É fundamental, aqui, disciplinar de forma clara o dever de a agência fiscalizar seus regulados com respaldo probatório, sem prejuízo de se regular também os casos nos quais a formação de provas ou documentos seja inviável, ao menos no momento da autuação; e o eventual dever de o particular, diante determinadas circunstâncias, produzir as provas requeridas pela Anvisa.

A imposição de sanções fundadas em indícios ou simples declarações das autoridades autuantes — via presunção de veracidade — é, há muito, rejeitada nos demais sistemas da cultura jurídica ocidental [5], pois subverte o conceito de processo, inviabiliza a paridade de armas e impõe ônus da prova de fatos negativos, dentre outros problemas [6]. É dos fatos que decorrem as pretensões tuteladas pelo Estado. A reconstrução crível desses mesmos fatos e sua análise imparcial são requisitos essenciais de um sistema de justiça administrativa democraticamente estruturado.

Processo sancionador da Anvisa

Na prática, a proposta parece reservar ao particular um único direito: apresentar petições escritas, a serem inseridas digitalmente no sistema eletrônico da agência. O procedimento aparece como uma sucessão de atos formais, onde não são exigidas provas do ilícito; o espaço para a sua contraposição é extremamente estreito; não são garantidas oitivas presenciais ou a apresentação de testemunhas; a indicação de peritos ou prazos para a submissão de estudos técnicos; ou mesmo, a imparcialidade das autoridades julgadoras. No julgamento colegiado, quando existente, não se assegura o uso da palavra, idealmente após o voto do relator.

Com tantas deficiências — que passam também pelas regras previstas para a celebração de acordos —, fica difícil compreender o processo sancionador proposto pela Anvisa como uma ferramenta de persuasão, apta a articular um diálogo aberto entre Estado e cidadão, acerca dos direitos e fatos em causa. A participação do particular se limita ao preenchimento de lacunas em uma ciranda de formalidades digitais: um “falar para as paredes”.

É impossível deixar de relacionar as limitações da proposta com o simplismo de seus objetivos: celeridade e eficiência. Ora, o Estado democrático de direito não é, nem promete ser, a forma mais ágil de governo ou administração [7]. Sua lógica de custo-benefício é outra e seus processos não são linhas retas entre o auto de infração e o recolhimento de multas. Devido processo, ampla defesa e contraditório são estradas mais longas, porém, seguras.

Credibilidade do sistema

Garantias processuais impõem custos e demandam tempo. Pode-se argumentar que processos regidos pela supremacia do interesse público, ou por presunções de veracidade, facilitam a atuação estatal, com celeridade e economia. Essa tese, porém, é incompatível com o texto constitucional em vigor. A assimilação da ampla defesa e do contraditório no processo administrativo no rol do artigo 5º da Constituição demonstra a sua centralidade no ordenamento brasileiro, inviabilizando a barganha desses direitos por possíveis — e improváveis — benefícios estatísticos.

Difícil acreditar que uma atuação incontrolável do Estado gere bons frutos, mesmo considerando-se o aspecto quantitativo do problema. A reiterada violação a direitos extrapola a esfera de interesses dos lesados, pois compromete a própria credibilidade do sistema, corroendo sua legitimidade. Um processo administrativo insuficiente, na melhor das hipóteses, acarreta uma judicialização excessiva das pretensões em jogo. Na pior, constitui solo fértil para abusos e desvios, dentro e fora dos autos.

A eficiência tem lugar na lógica processual, mas ele é delimitado: serve à otimização de processos, com o emprego de novas tecnologias de comunicação, apreensão, transmissão e armazenamento de dados. Elas contribuem para uma distribuição mais eficiente dos recursos materiais e humanos da administração, facilitando a apreensão de provas digitais e incrementando a acessibilidade dos procedimentos. Mas, especialmente em processos sancionadores, a eficiência viabilizada pela inovação precisa operar a favor — e não contra — garantias fundamentais.


[1] Há outros problemas na Proposta, tais como a disciplina dos acordos consensuais. Para não cansarmos o leitor, serão deixados para uma oportunidade futura.

[2] Marie-Louise Loyen vs. France, Strasbourg, 5 de julho de 2005. Corte Europeia de Direitos Humanos. A mesma orientação foi adotada em Procola vs. Luxemburgo. Strasbourg, 28 de setembro de 1995; e Kleyn vs. The Netherlands, Strasbourg, 6 de maio de 2003. Neste último caso, a Corte reconheceu a impossibilidade de a autoridade julgadora atuar também como conselheira do Estado nas atribuições da agência ou órgão em questão.

[3] “(…) esse requisito de neutralidade em processos decisórios contenciosos (“adjudicative proceedings”) deixa a salvo as duas preocupações centrais do devido processo legal processual: a prevenção da privação de direitos dos particulares que se apresentem injustificadas ou equivocadas; e a promoção da participação e do diálogo” Marshall vs. Jerico Inc (446, U.S., 238; 1980). No mesmo sentido: Boutz vs. Economou (438, U.S. 478; 1978).

[4] AMAN JR., Alfred C.; MAYTON, William T. Administrative Law. St. Paul: West Group, 2001, p. 248.

[5] Na França, ver as decisões do Conselho de Estado narradas em PLANTEY, Alain. BERNARD, François-Charles. La Preuve Devant Le Juge Administratif. Paris: Economica, 2003, p. 92. Na Espanha, PÉREZ, Jesús Gonzáles. Justicia Administrativa. Madrid: Civitas, 1999, p. 158 e seguintes. Na Itália, Conselho de Estado: Cons. St., IV 24.2.1981 n. 191. Nos EUA, desde a reforma do Administrative Procedure Act. Quando a ação administrativa é intentada ex officio pela agência, por exemplo, em processos restritivos de direitos, a ela incumbe o ônus da prova, com base na regra geral do interesse (APA, 556-d).

[6] Já tratamos do tema em Processo Administrativo e Democracia: uma reavaliação da presunção de veracidade. Fórum: Belo Horizonte, 2007 e, juntamente com outros aspectos da justiça administrativa, Autoritarismo e Estado no Brasil: tradição, transição e processo. FGV: Rio de Janeiro, 2016.

[7] SCHMITTER, Philippe C. e KARL, Terry Lynn. What Democracy is… and is NotJournal of
Democracy, Volume 2, Number 3, Summer 1991, p. 75-88.

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Projeto equipara compra de voto por organização criminosa a terrorismo

O Projeto de Lei 4019/24, dos deputados Otto Alencar Filho (PSD-BA) e Ismael Alexandrino (PSD-GO), que equipara a compra de votos por organizações criminosas, como facções e milícias, a ato de terrorismo. O texto tramita na Câmara dos Deputados.

A pena prevista em lei para o crime de terrorismo é de 12 a 30 anos de prisão, além de sanções correspondentes a ameaça ou violência. A proposta inclui a equiparação na Lei Antiterrorismo.

Segundo os autores, a proposta busca fortalecer a integridade do processo eleitoral no Brasil. “É essencial fortalecer as instituições, promover a transparência nas campanhas, incentivar a participação cidadã, a aplicação rigorosa da lei e a proteção dos denunciantes”, afirmaram Alencar Filho e Alexandrino na justificativa do projeto.

De acordo com os deputados, os criminosos muitas vezes se aproveitam da vulnerabilidade de comunidades carentes para cooptar eleitores, criando um ambiente de medo e dependência. Isso pode incluir ameaças, intimidações ou promessas de benefícios em troca de votos.

Próximos passos
A proposta será analisada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Depois, seguirá para o Plenário.

Fonte: Câmara dos Deputados

Projeto prevê que condenado por crime de trânsito seja obrigado a participar de palestras

O Projeto de Lei 4037/24, em análise na Câmara dos Deputados, permite que os condenados por crimes de trânsito sejam obrigados a participar de cursos, palestras ou outras atividades de educação para o trânsito.

O autor do projeto, deputado Márcio Honaiser (PDT-MA), afirma que a medida é baseada em sugestão do Ministério Público e do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão.

“O projeto tem a finalidade de promover a educação para o trânsito aos autores de infrações penais desta natureza, propiciando uma mudança cultural no comportamento, visando à formação de cidadãos mais conscientes e preparados para o trânsito e a vida”, diz Honaiser.

A proposta altera duas leis: Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal.

Próximos passos
O texto será analisado em caráter conclusivo nas comissões de Viação e Transportes, e de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ). Para virar lei, a proposta precisa ser aprovada pela Câmara e pelo Senado.

Fonte: Câmara dos Deputados

Teoria axiomática-sistêmica: antídoto contra fragmentação e colapso do direito internacional

Em meu artigo recente publicado nesta Conjur, intitulado “A Estupidez como Método: Crônica do Direito Internacional Contemporâneo“, destaquei como o sistema jurídico internacional tem sido progressivamente erodido por interpretações seletivas, manipulações políticas e uma lógica de conveniência que coloca a normatividade em segundo plano. O que deveria ser um sistema jurídico funcional tem sido reduzido a um campo de disputa geopolítica, no qual tratados são seguidos ou ignorados conforme os interesses momentâneos dos estados mais poderosos.

O problema central identificado nesse cenário não é apenas a violação das normas internacionais, mas a normalização dessa violação. Quando a previsibilidade jurídica é substituída pela arbitrariedade, a ordem internacional deixa de ser um sistema normativo autônomo e passa a funcionar sob a lógica da força e da conveniência política. Essa estupidez institucionalizada compromete a própria existência do direito internacional enquanto campo jurídico.

Se essa tendência não for revertida, o direito internacional corre o risco de se tornar uma estrutura retórica sem efetividade, reduzida a um instrumento discursivo para legitimar decisões já tomadas nos bastidores da geopolítica. No entanto, se há um caminho para resgatar a racionalidade do sistema jurídico internacional, ele passa por uma abordagem metodológica que devolva coerência e previsibilidade à ordem global.

É aqui que a Teoria Axiomática-Sistêmica do Direito Internacional, desenvolvida por Wagner Menezes e apresentada em Berkeley em 2024, se apresenta como um antídoto à fragmentação normativa e à instrumentalização política do direito internacional. Em vez de aceitar a desintegração das normas como um fato consumado, essa teoria propõe um modelo normativo estruturado em axiomas fundamentais, que garantem a unidade e a racionalidade do sistema jurídico internacional.

A seguir, explorarei como essa teoria oferece uma resposta concreta aos desafios enfrentados pelo direito internacional contemporâneo, apresentando-se não apenas como uma alternativa teórica, mas como um imperativo metodológico para garantir a funcionalidade e a legitimidade da ordem jurídica global.

Sistema à beira do colapso: falência da normatividade internacional

O direito internacional encontra-se em um estado de entropia. O multilateralismo se desfaz, o uso da força é normalizado e as instituições jurídicas globais são esvaziadas por estratégias de poder cada vez mais sofisticadas. As normas internacionais, que deveriam estruturar um mínimo de previsibilidade nas relações entre os estados, são manipuladas ou simplesmente ignoradas por aqueles que têm o poder de ditar unilateralmente as regras do jogo.

A ONU? Refém do Conselho de Segurança. A Corte Internacional de Justiça? Um órgão consultivo cuja autoridade é tantas vezes suprimida pela geopolítica. A normatividade internacional ainda existe, mas seu caráter vinculante é relativizado sempre que se torna inconveniente para os atores estatais mais poderosos.

A deterioração da ordem jurídica internacional (tal qual a estudamos) não é um fenômeno recente. Ela resulta de um problema estrutural: o positivismo jurídico clássico, alicerçado na primazia da vontade estatal, já não dá conta da complexidade dos tempos modernos. O pluralismo jurídico, por sua vez, dissolveu-se em uma colcha de retalhos normativa, onde regimes jurídicos setoriais competem entre si, ao invés de comporem um sistema funcionalmente integrado. O resultado? A irracionalidade institucionalizada.

Se queremos recuperar a força normativa do direito internacional, é preciso resgatar sua coerência. É neste ponto que a Teoria Axiomática-Sistêmica do Direito Internacional, desenvolvida por Wagner Menezes, se apresenta como um antídoto à atual fragmentação normativa e à crescente instrumentalização do direito pela geopolítica do poder.

Teoria Axiomática-Sistêmica: um modelo estrutural para um direito em colapso

A Teoria Axiomática-Sistêmica parte de um pressuposto incontornável: o direito internacional não pode ser compreendido como um amontoado de normas fragmentadas, mas sim como um sistema estruturado a partir de axiomas fundamentais.

Os axiomas, na definição de Menezes, são princípios jurídicos primários, não derivados de vontades estatais, mas de um consenso normativo mínimo que sustenta toda a ordem internacional. São, em outras palavras, os elementos de racionalidade que garantem a previsibilidade e a continuidade do Direito Internacional como um campo jurídico autônomo.

Entre esses axiomas fundamentais, destacam-se:

Pacta sunt servanda: os tratados devem ser cumpridos. Se os compromissos assumidos pelos Estados não são obrigatórios, o próprio Direito Internacional torna-se uma ficção.

Soberania estatal e igualdade jurídica entre os Estados: sem esse princípio, a normatividade internacional se torna mero instrumento de dominação.

Proibição do uso da força: norma frequentemente violada, mas que, paradoxalmente, sustenta a própria legitimidade do sistema.

Respeito aos direitos humanos: um pilar normativo que, mesmo contestado, segue sendo a base da legitimidade moral do Direito Internacional.

Cooperação internacional como princípio estruturante: o reconhecimento de que, sem coordenação e solidariedade entre estados, a governança global se torna impossível.

Esses axiomas não apenas fundamentam a normatividade internacional, mas conferem coerência ao sistema jurídico global. No entanto, para que sejam efetivos, precisam ser aplicados dentro de uma lógica sistêmica.

Coerência sistêmica e a necessidade de um direito internacional racional

Se há algo que caracteriza o direito internacional contemporâneo, é a sua fragmentação. O fenômeno é bem descrito por Niklas Luhmann: sistemas normativos que perdem a capacidade de coerência interna tendem à imprevisibilidade.

Hoje, essa incerteza se manifesta de forma clara:

  • a) No direito ambiental, tratados climáticos entram em choque com normas da OMC, revelando a ausência de uma visão sistêmica sobre a relação entre meio ambiente e economia global;
  • b) Nos direitos humanos, tribunais internacionais tomam decisões conflitantes sobre garantias fundamentais, enfraquecendo a universalidade desses direitos;
  • c) No direito internacional humanitário, a proibição do uso da força é reiteradamente relativizada, sempre em nome de uma suposta “exceção necessária”.

A Teoria Axiomática-Sistêmica propõe um antídoto: a reinterpretação das normas internacionais a partir dos axiomas fundamentais e da coerência sistêmica. Isso significa que, diante de um conflito normativo, não se deve aplicar critérios meramente formais, mas sim buscar a solução que melhor preserve a integridade do sistema jurídico internacional.

Se os tribunais internacionais aplicassem esse critério, muitas das contradições normativas do direito internacional poderiam ser minimizadas. O sistema jurídico global deixaria de ser um conjunto de ilhas normativas desconectadas e passaria a funcionar como uma estrutura verdadeiramente integrada.

Aplicações concretas da Teoria Axiomática-Sistêmica

A teoria não é uma abstração acadêmica. Pelo contrário, ela fornece um marco metodológico concreto para a reconstrução do Direito Internacional. Entre suas aplicações práticas, destacam-se:

  1. Resolução de conflitos normativos: A aplicação do critério da coerência sistêmica poderia permitir a harmonização entre diferentes regimes jurídicos, reduzindo as contradições e ampliando a efetividade do direito internacional.
  2. Reafirmação de normas imperativas (jus cogens): O modelo axiomático confere solidez à hierarquia normativa, garantindo que direitos fundamentais não sejam relativizados por interesses políticos conjunturais.
  3. Integração da governança global: A teoria auxilia na articulação entre organizações internacionais, evitando a dispersão normativa e promovendo maior eficácia regulatória em temas como mudanças climáticas, comércio global e proteção dos direitos humanos.
  4. Recuperação da legitimidade do sistema: Em tempos de desinformação e manipulação jurídica, o retorno a princípios axiomáticos é essencial para garantir previsibilidade e segurança nas relações internacionais.

Um chamado à racionalidade antes que a estupidez se torne método

Hans Kelsen já advertia que um sistema jurídico sem coerência implode sobre si mesmo. No direito internacional, esse risco se torna mais evidente a cada nova violação impune, a cada nova decisão contraditória, a cada novo tratado que não encontra meios de efetivação.

A Teoria Axiomática-Sistêmica de Wagner Menezes nos recorda de que o direito internacional não pode ser uma estrutura amorfa, sujeita apenas ao jogo de forças momentâneo. Pelo contrário, deve ser resgatado como um sistema jurídico racional, baseado em princípios fundamentais e interpretado à luz de sua coerência interna.

Ignorar essa necessidade é aceitar que o direito internacional siga sendo instrumentalizado, reduzido a um mero argumento retórico para justificar a lógica brutal do mais forte.

Diante desse cenário, a Teoria Axiomática-Sistêmica surge não apenas como uma possibilidade teórica, mas como um imperativo normativo para a sobrevivência do direito internacional.

Persistir na fragmentação normativa e na relativização das regras jurídicas é insistir na estupidez como método. O desafio que se impõe é justamente o oposto: reconstruir um sistema jurídico internacional que não seja refém da irracionalidade, mas sim um espaço de previsibilidade, racionalidade e justiça global.

A história nos ensina que a irracionalidade já destruiu sistemas normativos antes. A questão que se impõe é: teremos a lucidez de aprender com o passado antes que o direito internacional se torne apenas um vestígio de civilidade em meio ao caos?

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O futuro político do imposto seletivo

Em julho de 2024, em texto publicado nesta Conjur, tratei brevemente sobre falhas congênitas ao imposto seletivo a partir da Emenda Constitucional nº 132 e do então Projeto de Lei Complementar nº 68, trazendo algumas ponderações sobre o seu duvidoso sucesso como mecanismo extrafiscal. [1]

Magistrada explicou que crime contra ordem tributária é caracterizado pela presença de dolo e no caso houve mera negligência dos gestores

Concluída a regulamentação, a timidez da sua extrafiscalidade permanece (ainda não há análises de impacto sobre o retorno esperado com a sua implementação e o design constitucional do imposto seletivo impede qualquer previsibilidade na aplicação dos recursos arrecadados), porém, os setores gravados com a sua incidência dispõem de mais clareza quanto a alíquotas, sujeição passiva, cobrança.

À época da sua proposição, o projeto de lei complementar nº 68 capitulava um imposto seletivo diferente da versão final trazida pela Lei Complementar nº 214. Conforme avançavam os trabalhos legislativos, a sua disciplina foi aperfeiçoada, mas alguns pontos seguem pendentes de definição pelo legislador ordinário, como as alíquotas específicas e critérios para gradação da alíquota aplicável a aeronaves e embarcações. Não obstante, as disposições referentes ao imposto seletivo na LC nº 214 ainda deverão ser regulamentadas pelo Poder Executivo da União, como determina o artigo 438.

Embora prematura qualquer avaliação sobre a eficácia da nova exação como política pública, a revisão do seu tratamento legal já se afigura entre as prioridades anunciadas pelos congressistas para 2025 e nos avizinha de um cenário esboçado durante a regulamentação: a peculiaridade de cada hipótese de incidência ensejará a multiplicação de impostos seletivos, de modo que a mineração terá um imposto seletivo, a indústria automotiva outro e assim por diante.

Corrida por imposto sob medida

A corrida setorial para a concepção de um imposto seletivo sob medida é esperada e não deve agravar a complexidade do sistema, como ocorre em outras espécies tributárias, em função da incidência monofásica imposta pela EC nº 132 (artigo 153, §6º, II) e a taxatividade dos bens ou serviços alcançados. Sem embargo, devem ser considerados nesse processo os movimentos pela expansão das hipóteses de incidência do imposto seletivo, vide a inclusão de armas e munições pelo senador Eduardo Braga em seu substitutivo ao PLP nº 68 e a mobilização no mesmo sentido para defensivos agrícolas, que haverão de ser renovados mais cedo ou mais tarde.

É esperado que o imposto seletivo seja, doravante, o foco mais controvertido da reforma tributária em função do seu impacto nos setores afetados e tanto melhor que assim seja para que o regime do IVA dual siga imperturbado pelo ânimo parlamentar.

Regulamentada a reforma tributária, a prioridade do legislador tributário deve ser a irradiação, para todos os tributos que incidirem sobre o consumo durante a transição até 2032, das virtudes introduzidas pela LC nº 214, mas que são restritas ao Imposto sobre Bens e Serviços e à Contribuição sobre Bens e Serviços. Isso, porém, é assunto para o próximo texto.

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Referências

CONGRESSO NACIONAL. Emenda à Constituição nº 132. Brasília, 2023.

BRASIL. Lei Complementar nº 215. Brasília, 2025.

MERHEB, Pedro. Imposto Seletivo: forma e substância de uma novidade ‘made in Brazil’. Conjur, 2024.


[1] MERHEB, Pedro. Imposto Seletivo: forma e substância de uma novidade ‘made in Brazil’. Conjur, 2024.

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Magistrados de todo o país se reúnem no Rio de Janeiro para discutir caminhos para desafogar a Justiça em litígios na área da Saúde

O encontro tem continuidade nesta sexta-feira (21), no CCJF

Cerca de quinhentas pessoas, entre ministros, magistrados, procuradores da República, defensores públicos, professores, advogados, servidores e convidados, assistiram, na manhã de quinta-feira (20), a abertura do “I Congresso Nova Arquitetura da Judicialização da Saúde: impactos do tema 1234”, que se estenderá até sexta-feira (21), no Centro Cultural Justiça Federal (CCJF), no Rio de Janeiro (RJ).

O evento, realizado pelo Conselho da Justiça Federal (CJF), pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal (CEJ/CJF) e pela Escola da Magistratura Regional da 2ª Região (Emarf), tem o apoio da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe). A coordenação geral está a cargo do ministro Luis Felipe Salomão, vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e diretor do CEJ/CJF. Já a coordenação científica é da desembargadora federal Carmen Silvia Lima de Arruda, do TRF2, e da juíza federal Vânila Cardoso André de Moraes, auxiliar da Corregedoria-Geral da Justiça Federal.

Além do ministro Salomão; do presidente do TRF2, desembargador federal Guilherme Calmon; e da desembargadora Carmen Silvia, coordenadora do Comitê Executivo de Saúde do Rio de Janeiro; compuseram a mesa os ministros do STJ, Benedito Gonçalves, diretor-geral da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam); Antonio Saldanha Palheiro e Messod Azulay Neto; a conselheira do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Daiane Nogueira de Lira, coordenadora do Comitê Organizador do Fórum Nacional do Poder Judiciário para monitoramento e resolução das demandas de assistência à saúde (Fonajus); a também conselheira do CNJ, Daniela Madeira; e a desembargadora federal do TRF2 Simone Schreiber, diretora-geral do CCJF. 

Também prestigiaram o evento, os desembargadores federais João Batista Moreira, presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1); Carlos Muta, presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3); Fernando Braga Damasceno, presidente do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5); Vallisney Oliveira, presidente do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6); Aluísio  Mendes, vice-presidente do TRF2, representando a Escola da Magistratura Regional Federal da 2ª Região (Emarf); a desembargadora federal Letícia De Santis Mello, corregedora regional da Justiça Federal da 2ª Região; os juízes federais Eduardo André Fernandes, diretor do Foro da Seção Judiciária do Rio de Janeiro (SJRJ) e Caio Castagine Marinho, presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe); as juízas federais Marceli Siqueira, presidente da Associação dos Juízes Federais do Rio de Janeiro e Espírito Santo (Ajuferjes) e Vânila Cardoso André de Moraes, coordenadora científica do congresso; Maurício Ribeiro, representando a Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro e o juiz de Direito Thiago Massao Cortizo Teraoka, representando o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Cristiano Zanin. Prestigiaram ainda a abertura do congresso, pelo TRF2, os desembargadores federais Marcus Abraham; Theophilo Miguel; Andréa Esmeraldo e Rogério Tobias.

Público

Antes de abrir o congresso, Guilherme Calmon não escondia a satisfação de receber o evento. “Tenho certeza que todos vocês sairão daqui com muito conhecimento. Sempre há muito a se discutir e  aprender. Quem ganha com isso é o jurisdicionado. E nós, atores do sistema de Justiça, continuaremos lutando por um país mais justo, igual e solidário”, frisou. O presidente do TRF2 ressaltou que “a proteção à saúde precisa de uma atenção especial. E isso depende de celeridade da Justiça. Porque a demora numa decisão ou num acordo pode significar a morte de alguém em casos mais extremos”. Depois de dar as boas-vindas aos participantes, o magistrado lembrou de uma visita da conselheira Daiane ao tribunal no ano passado, onde “discutimos esse tema tão importante que é a saúde. De lá para cá muitas outras questões surgiram. Temos uma grande oportunidade de interpretar e encaminhar sugestões em torno do tema”, destacou.

Guilherme Calmon

Coordenadora do Fonajus, Daiane Nogueira de Lira disse que o congresso “já é um marco histórica para a magistratura e para todos os que, no Poder Judiciário, lidam como esse tema tão sensível que é o acesso à saúde”.  Como conselheira do CNJ, Daiane participou, no ano passado, da I Jornada do Conselho sobre direito à saúde. “Lá foram aprovados enunciados que vão ajudar os juízes em suas decisões. Além disso, nosso fórum – com completa 15 anos em abril – é um espaço de diálogo e cooperação entre o sistema de Justiça e o sistema de Saúde, buscando sempre racionalizar e equalizar a judicialização”, ressaltou.

Daiane Nogueira de Lira

Em sua fala, a desembargadora federal Carmen Silvia Lima de Arruda explicou por que o tema do direito à saúde a mobiliza tanto. “Muitos falam que, nós, juízes, não devemos entrar nesse assunto. Nosso papel aqui é aprender a ter deferência pela medicina e pelos profissionais de saúde. Mas também temos que lembrar que a nossa ciência é outra. Estudamos aplicação do Direito e aqui cuidamos do direito à saúde. É nosso dever garantir a efetividade dos direitos fundamentais, entre eles, o direito à saúde. Essa é nossa função”, reforçou a magistrada.

Carmen Silvia

O ministro Benedito Gonçalves ressaltou que o congresso era uma grande oportunidade para se discutir a atuação dos magistrados na questão. “Garantir o direito à saúde, consagrado na nossa Constituição, envolve desafios e exige que poderes, instituições e sociedade civil compreendam a necessidade do diálogo”. Gonçalves destacou que a conclusão do julgamento de mérito no tema 1234, buscou equilibrar o direito individual à saúde com a sustentabilidade das políticas públicas. “O Judiciário busca soluções que atendam as necessidades da sociedade, razão última de nossas ações, sem comprometer a eficiência do sistema de saúde”, disse o diretor-geral da Enfam.

Benedito Gonçalves

Diretor do CEJ, o ministro Luis Felipe Salomão destacou o pioneirismo da iniciativa. “Tudo foi programado com bastante antecedência. Além dos painéis, vamos discutir aspectos jurídicos e elaborar, em oficinas, enunciados e políticas públicas a partir do Tema 1234 que o Supremo acabou de apreciar”, disse o ministro, anunciando a palestra do colega de toga Antonio Saldanha Palheiro, “um estudioso de tema que já cuidou da Mútua dos Magistrados do Rio de Janeiro, o nosso plano de saúde. Esteve do lado de lá e do lado de cá”.

Luis Felipe Salomão

Em uma hora de palestra, Saldanha Palheiro traçou um panorama sobre o tema. “Sem saúde não conseguimos fazer nada. Fala-se da segurança pública e da educação como temas prioritários, mas tudo isso só acontece se a população for saudável. É um grande desafio tentar equalizar todos os problemas”, enfatizou o magistrado. “A saúde pública é um grande sistema integrado. O Tema 1234 é mais do que uma arquitetura. É arquitetura e é engenharia. Durante mais de um ano pessoas se encontraram, discutiram o modelo de autocomposição. Ontem conversava com a desembargadora Simone e ela disse: ‘Fiquei feliz de o Judiciário sair daquele quadradinho, autor, réu, juiz e sentença. Conseguimos congregar os atores desse sistema de Saúde e negociar. Foi um sistema de mediação em que vários integrantes, vários atores ligados ao Supremo Tribunal Federal, se encontraram exaustivamente com governadores, prefeitos, secretários estaduais, secretários municipais, representantes das agências de organismos científicos que debateram até conseguir construir – por isso chamado de arquitetura – um sistema negociado, de alta complexidade e sofisticação”, destacou. “O magistrado que quiser conceder, vai conceder realmente aquilo que  entender que é de justiça. Só que, apesar da grandeza desse diletantismo de todos nós, juízes em geral, de conceder saúde a quem precisa, o sistema não suporta. O Tema 1234 visa exatamente estabelecer critérios muito bem sedimentados de utilização do Poder Judiciário para concessão desses medicamentos e de tratamento”, explicou.

Saldanha Palheiro

O juiz federal Diego Veras, do TRF4, falou sobre o fluxo do cumprimento de decisões. O magistrado, auxiliar do ministro Gilmar Mendes no STF, destacou a necessidade que os debates sejam amadurecidos. “Este evento é uma oportunidade para oxigenar as ideias. O tema tentou enfrentar as causas da judicialização da saúde, mas isso não está terminado. Os magistrados são peças fundamentais pra continuar o aperfeiçoamento, a aplicação e a melhoria desse sistema. É uma construção coletiva que demanda esforço, tempo de maturação, análise e revisão. Esse tema não está finalizado, está em constante adaptação. Os entes federativos pactuaram que, se houver necessidade de aprimoramento, eles estarão de volta pro STF. Pode ser necessário, ao longo do tempo, no curso do acompanhamento, uma correção de rumos dentro dos próprios autos, a chamada governança judicial colaborativa. O juiz federal falou sobre a importância da centralidade de dados através de uma plataforma nacional. “Haverá padronização dos pedidos com a ajuda do Conselho Federal de Medicina (CFM). A plataforma já está sendo construída. Foi uma construção coletiva envolvendo, por exemplo, o Centro Nacional de Inteligência, o CJF. Isso significa uma mudança do eixo decisório, tanto na esfera administrativa, com a padronização dos fluxos administrativos, e também dos fluxos judiciais. Em um pouco mais de um mês de conciliação, conseguiu-se chegar a um consenso em relação a padronização dos conceitos. O tema 1234 é para medicamento incorporado e para medicamento não incorporado”, informou o magistrado.

Diego Veras
Participantes da abertura do Congresso
Luis Felipe Salomão e Guilherme Calmon

Oficinas

O “I Congresso Nova Arquitetura da Judicialização da Saúde: impactos do tema 1234” continuou na parte da tarde com a realização de três oficinas temáticas, sendo:

Oficina I  – Tema:  Medicamento de Alto Custo TEMA 6

Coordenadoras: 
Desembargadora federal Kátia Balbino, Tribunal Regional da 1ª Região, Coordenadora do Comitê Executivo de Saúde do Distrito Federal 
Juíza federal Maria Cristina Kanto, Tribunal Regional Federal da 2ª Região

Oficina II – Tema:  Competência Justiça Federal X Justiça Estadual – Tema 1234 do STF

Coordenadores: 
Desembargador federal Leonardo Henrique Carvalho, Tribunal Regional Federal da 5ª Região
Juiz federal Clenio Jair Schulze, Tribunal Regional Federal da 4ª Região, membro do Comitê de Saúde do Fórum da Saúde do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)

Oficina III – Tema: Incorporação de Medicamentos pela CONITEC

Coordenadoras:  
Desembargadora federal Taís Schilling Ferraz, Tribunal Regional Federal da 4ª Região 
Juíza federal Ana Carolina Morozowski, Tribunal Regional Federal da 4ª Região 
 

Visita guiada

Ao final da tarde, representantes das escolas judiciais e corregedores percorreram as salas de exposições temporárias e biblioteca do CCJF.

Confira a galeria de fotos do primeiro dia do Congresso.

Reveja a abertura do “I Congresso Nova Arquitetura da Judicialização da Saúde: impactos do tema 1234” pelo canal do TRF2 na plataforma YouTube

Fonte: TRF2