Por que reivindicar, reconhecer e assegurar um direito ao cuidado

Ele canta, ele dança, ele pula [1]. Se olharmos para o Luciano de hoje, com 41 anos, talvez não imaginemos as dificuldades que enfrentou primeiro para sobreviver e depois para florescer. Seus primeiros passos sozinhos tardaram a acontecer, e sua fala nunca completamente se desenvolveu, se bem que para todos aqueles que estejam dispostos é possível muito bem compreender seus desejos e estabelecer com ele uma comunicação.

Sua altura miúda, seu obstinado tamanho infantil de roupa, o rosto extraordinariamente moço, de um sorriso inocentemente largo a escancarar uns dentes caídos e outros ainda de leite, contrastam com a idade que aos poucos dá sinais em seu corpo. Uns fios brancos na barba, os cabelos rareando, algumas dores que assomam com mais frequência e uma indisposição para sair de casa, tudo isso nos leva a suspeitar de que Luciano, um rapaz com síndrome de down, esteja chegando à sua velhice.

A vida de Luciano é fecunda e humanamente abastada. Ele tem seus próprios temperamentos e predileções. Cultiva amizades. Gosta de ouvir o rádio, balançar na rede e rezar bem alto. Luciano se preocupa com as outras pessoas. Pergunta a elas se estão bem e diz que sente saudades. Luciano é muito querido. Não é que sua vida seja fácil, tampouco que não esbarre com dificuldades.

O intestino de Luciano contém uma má-formação que o levou diversas ocasiões a hospitalizações duradouras e a cirurgias delicadas. Seu banho tem de ser acompanhado e até mesmo o seu prato tem de ser supervisionado para que coma na quantidade certa os alimentos apropriados. Luciano nunca encontrou uma escola pública que atendesse às suas necessidades. Embora consiga segurar o lápis, ainda não consegue escrever o próprio nome.

Isso não é um problema para ele, que descobriu por si mesmo que há outras tantas formas de ser feliz. Se Luciano é feliz? Tenho certeza de que muito mais do que os que discutem o conceito de felicidade. Sua existência, fadada a não medrar dentro de certas estruturas sociais, prosperou e enriqueceu o mundo. Como isso foi possível?

Para o seu longo e árduo desenvolvimento, Luciano precisou de receber muitos cuidados. Imaginemo-lo bebê. Certamente, um bebê como os outros; ao mesmo tempo, porém, um bebê muito diferente dos outros, com precisões extremamente especiais. Como lidar, entre tantas outras coisas, com a língua saltando para fora, com a propensão para cardiopatias, com as anormalidades gastrointestinais, com os olhinhos enxergando pouco e com o intelecto para sempre comprometido? Como ele se relacionará com outras crianças? Os médicos estarão preparados para tratar da sua saúde? Ele será um dia “normal”? Como cuidar enfim de alguém como Luciano? Luciano teve a sorte de encontrar uma família que o amasse e que o acolhesse. Sua mãe era professora. Dividia o dia entre o trabalho fora de casa e o trabalho dentro de casa. Seu pai compartilhava com ela as obrigações domésticas, repartindo a responsabilidade da criação do filho. E se Luciano, no entanto, tivesse sido abandonado? Ele teria condições de subsistir e crescer? Mais ainda: ao contrário do que aconteceu, seria justo que a divisão do trabalho de cuidar de Luciano fosse reservada exclusivamente à mãe de Luciano? E quem cuida afinal daqueles que cuidam de Luciano?

O exemplo de Luciano é um dentre milhares. Elejo-o porque se trata do meu irmão e porque penso que sirva de mote para discussão a seguir. Em 23 de dezembro de 2024, foi editada no Brasil a Lei nº 15.069, que instituiu a Política Nacional dos Cuidados. Essa lei recebeu recentemente regulamentação por meio do Decreto nº 12.562, de 23 de julho de 2025. Os impactos profundos que tais normas geram no ordenamento jurídico brasileiro parecem depender ainda, no entanto, de uma compreensão dos fundamentos que a embasam. Por que, afinal, reivindicar, reconhecer e assegurar um direito ao cuidado? E o que se quer dizer realmente com ele?

Um direito revolucionário

Do caso exemplar narrado acima, extraímos a lição a respeito da essencialidade do cuidado para a vida humana. Com efeito, sem o cuidado prestado pelo seu entorno, nenhuma criança resiste, aperfeiçoa-se e chega a uma idade tal como a de Luciano. Causa espécie que tenhamos descobertos mais e mais direitos humanos, mas ainda tenhamos dificuldade em reconhecer o cuidado como um deles. Se cada nascimento traz consigo o possível milagre de algo novo, esta natalidade da condição humana de que fala Hannah Arendt não existe sem um cuidado que a geste. Noutras palavras, o novum há sempre que ser concebido, preparado e cultivado. O que existe de mais espontâneo em cada um não desabrocha espontaneamente, mas depende de um caudal de conjunções que a ideia de cuidado materializa.

Se analisados rigorosamente, todos os direitos humanos reconhecidos nos documentos internacionais e nas constituições nacionais não parecem fazer sentido sem pressupor algo de tão fundamental como o cuidado. No que concerne aos direitos liberais, o indivíduo que não recebeu cuidados não poderá circular livremente pelas ruas, expressar suas opiniões nos debates públicos, eleger seus representantes etc., se não tiver sido suficientemente cuidado. Por outro lado, relativamente aos direitos sociais, que noção expressam os direitos à saúde, à alimentação e à moradia, p. ex., senão a de que há um rol mínimo de cuidados materiais que asseguram a própria dignidade de uma vida?

Embora o “cuidado” ainda não conste expressamente do elenco de direitos fundamentais da Constituição de 1988, é fácil concluir que decorre dos princípios por ela adotados. O que a Lei nº 15.069/2024 e o Decreto nº 12.562/2025 fazem é apenas escancarar e minudenciar aquilo que era para ser óbvio: temos um direito fundamental (ou humano) ao cuidado, pois só assim conservamos a nossa existência, recuperamo-nos de danos, ofensas e doenças que sofremos e progredimos de algum modo em direção a um objetivo último que eventualmente escolhemos para nós próprios.

O direito ao cuidado é um direito revolucionário. Ele tem o condão de alterar a percepção de nós mesmos enquanto sujeitos de direitos. Com efeito, enquanto a subjetividade jurídica moderna foi forjada em torno de uma entidade artificial que ostenta atributos dificilmente alcançáveis na realidade (pois, afinal, pressupõe um sujeito hiperracional, desencarnado, fora do tempo e do espaço etc.), o direito ao cuidado só faz sentido se admitirmos que o sujeito que precisa de tal direito é um sujeito de carne e osso, situado e inserido na história, dependente e suscetível a feridas. Para dizer de modo simples, o direito ao cuidado quebra a ficção jurídica do sujeito autônomo e autossuficiente, desde sempre disposto a assumir direitos e contrair obrigações, substituindo-o pela figura mais realista de um sujeito vulnerável. O que está em causa, pois, é uma mudança antropológica radical em torno do homo juris.

Para um tal sujeito vulnerável, o cuidado não é qualquer coisa de prescindível na reprodução das vidas individuais ou dos corpos sociais. Conquanto essa devesse ser uma constatação banal, tem demandado muito trabalho teórico e empenho prático para ser admitido por aqueles que lucram com o seu desmentido ou com a sua ocultação. Joan Tronto foi uma das filósofas que sem dúvida melhor escancarou a centralidade do cuidado não só para pessoas como Luciano (i.e., para aqueles que são usualmente considerados mais frágeis ou menos independentes), mas para todas as pessoas. Mesmo um grande empresário, no auge dos seus 35 anos, gozando da mais excelente saúde, a ponto de se considerar atleta nos finais de semana, precisa de cuidados e os recebe diuturnamente, embora apenas não o perceba ou não o queira abertamente reconhecer.

Basta pensar na sua agenda diária sempre organizada, na sua casa imperceptivelmente limpa e ordenada para receber convidados, nas suas roupas até mesmo as íntimas impecavelmente lavadas e disponíveis para uso. Temos de nos perguntar, portanto: quem realiza todo esse trabalho invisível para que ele possa se sentir e ser glorificado como um self made man? O fato é que, enquanto a consciência social não desanuvia e o ordenamento jurídico por meio de suas normas e dos seus intérpretes-aplicadores não consagra a juridicidade do cuidado, este pode muito bem continuar a ser despejado nas costas de uma parcela desfavorecida da população, ao passo que uma minoria privilegiada continua a usufruir sem culpa sua desigual percepção.

Olhemos para os lares, para os hospitais, para os asilos, enfim: para todos os lugares onde cuidados são dispensados, e reflitamos – quem costuma estar ali não na condição de quem os recebe, mas de quem os presta? Pesquisas diversas confluem no sentido de que o trabalho de cuidado é majoritariamente realizado por mulheres, sobretudo mulheres subalternizadas: mulheres negras, mulheres indígenas, mulheres migrantes etc., fadadas a cuidar não só dos homens, mas também de si mesmas. Uma tal compreensão entreabre uma nova perspectiva para o direito ao cuidado. Este não se contenta com a extensão do sistema de cuidados, de tal modo que seu recebimento não mais seja o apanágio de uns poucos, mas uma prerrogativa universal, alcançável aos mais marginalizados e esquecidos da sociedade, sobre estes ainda com maior incidência.

Com efeito, para além do direito de ser cuidado, o direito ao cuidado conota o direito de cuidar sob condições justas. Concretamente, isso significa que quem já cuida tem o direito de cuidar menos e até mesmo o direito de não cuidar quando este cuidado, v.g., é excessivo, sufocante ou desproporcional, sobretudo em razão de processos históricos ou atuais de exploração e violência. Por outro lado, quem não cuida, porque foi “poupado”, porque “tem outras ocupações”, porque “acha que não é sua função” etc., tem o dever de cuidar, até mesmo de cuidar mais. Ora, não reconhecer essa dimensão do direito ao cuidado seria autorizar que a tarefa de cuidar continuasse a recair naqueles que já cuidam, sem que nenhuma modificação social de fato ocorresse. Noutras palavras, o direito ao cuidado tem uma faceta crítica e emancipatória fundamental, obrando para desfazer a distribuição desigual do trabalho do cuidado que continua a reinar dentro e fora do Brasil.

O labor de cuidar

Por óbvio, o cuidado dentro da expressão “direito ao cuidado” não é entendido de maneira romântica ou idealizada. O cuidado mantém e perpetua o nosso mundo ordinário. Enquanto tal, não se trata de uma atividade sem fadiga, que se faz apenas por amor. Por mais prazeroso que possa ser, o cuidado é um trabalho. É preciso então pensar naqueles que cuidam, i.e., naqueles que realizam o labor de cuidar. O cuidado tem sido associado nas nossas sociedades a uma tarefa eminentemente doméstica, realizada predominantemente pelas mulheres da casa, sobretudo as mães e as empregadas. Esse trabalho não costuma ser remunerado nem considerado uma atividade econômica, ao menos não prestigiada.

Se o cuidado é tão central para a existência humana e social, nada mais justo que cuidemos daqueles que cuidam. Uma tal ideia recebeu em Eva Kittay a denominação de “princípio de doulia”. Talqualmente a doula que cuida da mãe após o parto enquanto esta cuida do seu filho, todos que cuidam deveriam contar com alguém que lhes proporcione cuidados. Com isso, endossa-se um ideal de reciprocidade, de modo que aqueles que cuidam não se percebam desamparados em suas carestias. O “princípio de doulia”, se posto em execução, concorreria para desmontar o operante quadro iníquo dos cuidados: precisamente aquele em que os que mais precisam de cuidados são os que menos o recebem e mais o prestam.

Retomemos a Luciano. Proclamar o direito ao cuidado implica conceder que outras crianças com síndrome de down (e tantas outras crianças, independentemente dessa qualidade) possam ter o direito de sobreviver e florescer, e mesmo chegar aos seus 41 anos, como Luciano, sem contar com o acaso do destino de nascer numa família dotada de provisões para acolhê-lo. Dizer que se trata de um direito significa que o Estado deve garanti-lo e que qualquer um pode reivindicá-lo quando negado ou não ministrado a contento.

Proclamar o direito ao cuidado implica também que o cuidado que alguém como Luciano ou diferente do Luciano receberá não será prestado exclusiva ou prevalentemente por mulheres mães, avós, irmãs, entrecortadas por critérios de raça, classe e origem. Proclamar o direito ao cuidado implica que quem cuida de crianças, de idosos, de enfermos, de pessoas com deficiência, de todas e quaisquer pessoas (já que não há ninguém que não dependa dos cuidados de outrem) será reconhecido e bem remunerado, tendo ainda suas necessidades adequadamente atendidas. Proclamar o direito ao cuidado não é conferir tal direito apenas a pessoas como Luciano, embora pessoas como Luciano mereçam gozá-lo de modo acentuado, em razão de sua situação pessoal ou social.

Por certo, há um hiato entre a proclamação formal de um direito e o seu usufruto particular na realidade. Esse é um problema que nenhuma legislação resolve, embora ao menos o suscite. Nesse sentido, tanto a Lei nº 15.069/2024 quanto o Decreto nº 12.562/2025, ao apregoarem o direito ao cuidado, desencadeiam um processo amplo de transformação do estado de coisas, cuja efetividade está a depender, contudo, de um esforço político enérgico e duradouro. Se alterações profundas ainda estão por ser implementadas, o direito ao cuidado, em todo caso, pelo mero fato da sua sagração jurídica, provoca uma ruptura no modo como concebemos a nós próprios e os nossos direitos, permitindo-nos escapar ligeiramente dos simulacros que arquitetam nossas representações e impedem que seres humanos parecidos com Luciano ou distintos dele possam encontrar determinações propícias não só para existir com dignidade, mas também para ser feliz.

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Tributação das instituições de pagamento: impactos da MP 1.303/2025 e da reforma tributária

Desde a criação de seu regime jurídico com a Lei nº 12.865/2013, a figura das instituições de pagamento (IP) gerou relevante controvérsia a respeito de sua natureza, em especial por conta de discussões a respeito de seu potencial enquadramento como instituição financeira, com impactos diretos na tributação de suas operações.

Embora o rol de atividades permitidas às IP seja relativamente amplo, na prática essas entidades concentram-se na oferta de serviços de processamento de pagamentos — tais como transações via QR code, terminais de captura (maquininhas), emissão de boletos, códigos para Pix, entre outros, bem como no credenciamento de estabelecimentos para aceitação de instrumentos de pagamento.

Apesar da semelhança funcional com serviços tradicionalmente prestados por bancos (como transferências financeiras, emissão de boletos, código para Pix, etc.), as IPs não podem conceder empréstimos ou financiamentos a seus clientes, limitando-se a serviços de gestão e controle de pagamentos.

O que são as instituições de pagamento

De acordo com o Banco Central, instituição de pagamento é “a pessoa jurídica que viabiliza serviços de compra e venda e de movimentação de recursos, no âmbito de um arranjo de pagamento, sem a possibilidade de conceder empréstimos e financiamentos a seus clientes”.

Em complemento, atualmente, o BC expressamente exclui as instituições de pagamento do enquadramento como instituições financeiras, asseverando que estas “não podem realizar atividades privativas destas instituições, como empréstimos e financiamentos. Ainda assim, estão sujeitas à supervisão do Banco Central”. Ou seja, as IPs não compõem o Sistema Financeiro Nacional, mas são reguladas e fiscalizadas pelo BC, conforme diretrizes estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional.

No cenário fiscal vigente, as instituições de pagamento não sofrem a mesma carga tributária das instituições financeiras, que, historicamente, se depararam com intensos debates e controvérsias a respeito da composição de suas receitas. A despeito disso, as instituições de pagamento não estão dispensadas de apresentar determinadas obrigações acessórias específicas do setor, como “E-Financeira”.

Sem adentrar em outras controvérsias e os impactos arrecadatórios trazidos por outros pontos da medida provisória 1.303/2025, esta norma trouxe, de forma mais imediata, importante majoração na tributação voltada às instituições de pagamento.

Carga tributária mais alta em relação a outros setores

A tributação das instituições financeiras reflete uma carga mais elevada em comparação a outros setores, em virtude da majoração da alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro (CSL) implementada em 2008. A Medida Provisória nº 1.303/2025 introduz um importante desdobramento nesse cenário ao estender esse tratamento fiscal mais gravoso a outros entes, incluindo as instituições de pagamento e promovendo, assim, uma aproximação tributária que até então não existia.

Dentre as medidas de elevação da alíquota trazidas pela referida norma, há o considerável aumento da CSL de 9% para 15%, que deve passar a valer a partir de outubro deste ano.

Em um primeiro momento, o principal reflexo da MP 1.303/2025, portanto, parece residir na diminuição da assimetria tributária que historicamente beneficiava fintechs e IP em relação aos grandes bancos.

Ainda que o impacto imediato sobre os bancos seja limitado — uma vez que muitos detêm controladas que operam como IP, cujos resultados têm efeito moderado em seus balanços consolidados —, a medida tem o efeito de reduzir a vantagem tributária de que gozavam as fintechs e IP em relação aos bancos tradicionais.

Com isso, observa-se um possível redesenho do cenário concorrencial, com ganho de competitividade para as grandes instituições financeiras, sobretudo nos segmentos de crédito e de pagamentos.

Regime específico para tributar serviços financeiros

Além das medidas advindas da MP, a reforma tributária, consubstanciada na Emenda Constitucional 132/2023, e posteriormente regulamentada pela Lei Complementar 214/2025, reforça essa tendência ao instituir um regime específico para a tributação de serviços financeiros, aplicável tanto à Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) quanto ao Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

Ao contrário da situação atual, em que as instituições financeiras são tratadas de maneira diferenciada, sob o texto atual da Lei, a IP passará a ser tributada da mesma forma que as instituições financeiras.

A Emenda Constitucional 132/2023 estabeleceu que os serviços financeiros estarão sujeitos a regime específico de tributação e delegou competência ao legislador complementar para dispor sobre regras diferenciadas a respeito de alíquota, base de cálculo, não-cumulatividade, creditamento etc.

A Lei Complementar 214/2025, por sua vez, determinou, em rol taxativo, que diversas atividades estarão sujeitas ao regime específico, incluindo, entre elas, os arranjos de pagamento, incluídas as operações dos instituidores e das instituições de pagamentos e a liquidação antecipada de recebíveis.

Diferença entre bancos e IPs

Além da diferenciação de alíquota, o regime tributário atualmente aplicável a tais instituições apresenta uma segmentação relevante: enquanto bancos comerciais e seguradoras estão obrigatoriamente submetidas ao regime cumulativo de apuração das contribuições ao PIS e à Cofins, as IP e gestoras de recursos operam sob o regime não cumulativo. Essa distinção implica tratamentos fiscais diferenciados para atividades concorrentes, modelando a carga para cada contribuinte.

Partindo-se desta equiparação de tratamento entre instituições financeiras e instituições de pagamento trazida pela Reforma, além da mudança na carga tributária do setor, o modelo de tributação também será profundamente alterado.

O regime específico de tributação dos serviços financeiros previsto na reforma estabelece, por exemplo, que a incidência da CBS e do IBS no spread das instituições financeirasgere crédito para a empresa tomadora do serviço.

Como se vê, a reforma tributária visa a amplificar o rol de atividades econômicas e contribuintes sujeitos a regime diferenciado. A intenção do legislador fica evidente a partir dos artigos 182 e 183, que abarcam no rol de fornecedores sujeitos ao regime específico de incidência da IBS e da CBS, entidades que não estejam sob supervisão do Sistema Financeiro Nacional quando da prestação de qualquer atividade considerada “serviço financeiro”.

Assimetrias tributárias

Em uma análise conjunta das novas normas que foram publicadas, nota-se um movimento jurídico de reconfiguração do tratamento fiscal das IP, aproximando-as do regime aplicado às instituições financeiras tradicionais.

A reestruturação de assimetrias tributárias que favoreciam as IP pode ser vista, em um primeiro momento, como reflexo do objetivo do legislador de promover tratamento isonômico no setor, especialmente marcado pela disrupção tecnológica e pelo ingresso de novos investidores no mercado financeiro.

No entanto, essa aproximação tributária exige uma análise crítica do cenário econômico do setor de pagamentos, sob pena de comprometer sua dinâmica concorrencial. A extensão de encargos fiscais mais gravosos às IP não pode prescindir da consideração de que essas entidades — especialmente as fintechs e instituições de pagamento autônomas, que operam de forma independente de conglomerados financeiros — não compartilham da mesma estrutura ou acesso a fontes de financiamento que caracterizam os bancos.

Hoje, sua carga tributária mais amena se justifica como instrumento de estímulo à competitividade e à inovação, neste mercado já tão dominado pelas grandes instituições. O risco, portanto, é que a equiparação indiscriminada ao regime tributário dos grandes bancos acabe por sufocar justamente os agentes que promovem maior diversidade no sistema financeiro.

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Mulheres indígenas fazem apelo para veto ao projeto que altera licenciamento ambiental

 

Durante sessão solene em homenagem à 4ª Marcha das Mulheres Indígenas, nesta quinta-feira (7), na Câmara dos Deputados, lideranças indígenas fizeram apelo para que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vete o projeto que estabelece regras gerais de licenciamento ambiental. O chefe do Executivo tem até o dia 8 de agosto para sancionar a lei.

O Projeto de Lei 2159/21, que é chamado de “PL da Devastação” por ambientalistas, foi aprovado pelo Congresso em julho deste ano. O texto é criticado principalmente por prever um licenciamento ambiental simplificado por adesão e compromisso (LAC), que poderá ser pedido pelo interessado sem necessidade de estudos de impacto.

A presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, ressaltou que, ao tirar o poder do Estado de fazer avaliações sobre impacto ambiental, o projeto de licenciamento traz insegurança territorial. “O ‘projeto da devastação’ flexibiliza a proteção das terras indígenas, inviabiliza os nossos direitos, faz com que as invasões se concretizem, além de acabar com a obrigação do Estado em relação ao procedimento de licenciamentos ambientais”, frisou.

A presidente da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga), Jozileia Kaingang, também defendeu o veto às novas regras. “Queremos que esta Casa volte a respeitar os povos indígenas, como na Constituição Federal de 1988, quando nos foram garantidos nossos direitos que hoje estão sendo retirados, a cada movimento que se faz com essas bancadas extremistas de extrema direita”, afirmou.

Marcha das Mulheres Indígenas
Segundo Jozileia Kaingang, junto à marcha, que reuniu 5 mil mulheres representando mais de 130 povos, foi realizada a 1ª Conferência Nacional das Mulheres Indígenas, com o tema “Mulheres Guardiãs do Planeta pela Cura da Terra”.

Como resultado desse evento, foram encaminhadas ao governo federal 50 propostas com o objetivo de articular uma política nacional para mulheres indígenas abordando temas como desenvolvimento sustentável, conservação ambiental e protagonismo feminino.

Kayo Magalhães/Câmara dos Deputados
Homenagem da IV Marcha das Mulheres Indígenas. Diretora-Executiva da ANMIGA, Jozileia Kaingang
Jozileia Kaingang: “Queremos que esta Casa volte a respeitar os povos indígenas”

Nesse ponto, a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, afirmou o compromisso de fazer avançar as políticas públicas voltadas às lideranças femininas indígenas. Ela também ressaltou a importância de combater a violência contra os povos tradicionais, relatando que, nos últimos dois meses, cinco indígenas foram decapitados. “Nós não podemos aceitar tamanha violência, o Estado brasileiro não pode fechar os olhos a isso”, alertou.

Marco temporal
Sobre o marco temporal para a demarcação de terras indígenas, a deputada Célia Xakriabá (Psol-MG) defendeu a busca por acordo que privilegie o direito dos povos ancestrais e acabe com os conflitos em terras indígenas. Ela disse que vai levar o tema à COP 30. “Iremos levar como uma denúncia de que a aprovação do marco temporal nesta Casa precisa ser reconhecida como um crime climático”, disse.

O Supremo Tribunal Federal (STF) realizou junho a última reunião da comissão de conciliação sobre o tema, sem que houvesse consenso para alterar o marco temporal. Também não houve consenso entre os ministros sobre o procedimento de indenização dos proprietários de terras após o reconhecimento de que eles ocupam uma terra indígena.

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Fonte: Câmara dos Deputados

O necessário combate às organizações criminosas

As organizações criminosas têm se fortalecido no Brasil ao longo dos últimos 30 anos. O PCC paulista e o Comando Vermelho no Rio de Janeiro detêm uma capacidade financeira sem precedentes na América Latina.

Estes recursos lhes permitem interferir nas eleições e financiar campanhas políticas. O PCC se especializou no roubo a bancos desde o início dos anos 1990, enquanto o Comando Vermelho atuava fortemente no tráfico de armas e entorpecentes desde os anos 1980.

A Lei de Organizações Criminosas — Lei 12.850 de 2013 — estabeleceu o conceito de organização criminosa de forma muito ampla. Essa amplitude em matéria penal levou à banalização do conceito. Basta que se reúnam mais de quatro pessoas para o cometimento de crimes graves para que sejam considerados uma organização criminosa.

E a banalização acaba por tornar ineficaz um sistema jurídico criado para tratar de um gravíssimo problema. Não é segredo que PCC e CV dominam as principais penitenciárias estaduais no Brasil. Trabalhei diretamente com processos envolvendo líderes do PCC e recebi, como juiz federal, a segurança e carro blindado solicitados junto ao TRF-4.

Eficiência

Considero que as policias estaduais não estão preparadas para investigar essas facções criminosas. Apesar das boas intenções dos estados, todos sabemos que somente uma agência federal poderia atuar, com eficiência, na investigação das duas maiores organizações criminosas do país. Tais investigações demandam um contato frequente com o Coaf, Banco Central e a Receita Federal, além de juízes e procuradores treinados para estas funções e com as garantias de segurança indispensáveis à função.

A Polícia Federal precisa receber os recursos necessários para ampliar as investigações e eficiência dos serviços de inteligência, centralizando se em Brasília, junto ao Ministério da Justiça, o combate ao PCC e ao Comando Vermelho.

Ainda que a experiência com a criação de varas federais especializadas em lavagem de dinheiro tenha se mostrado mal sucedida — especialmente em Curitiba e no Rio de Janeiro, por conta de ilegal politização dos juízes —, a ideia de uma ou mais varas federais centralizadas em Brasília seria uma alternativa importante para os casos envolvendo as investigações dessas duas grandes organizações.

Não se pode confundir, todavia, organizações criminosas com organizações terroristas. Temos, hoje, problemas de terrorismo doméstico e político que podem ser investigados e prevenidos pela Abin (Agência Brasileira de Inteligência).

A Polícia Federal, por outro lado, atua na investigação e combate do PCC e Comando Vermelho, buscando sinergia com a administração das penitenciárias estaduais.

Somente através de um grande pacto nacional contra o crime organizado, o qual demanda cooperação entre os secretários estaduais de justiça e o Ministério da Justiça em Brasília, será possível resistir ou mesmo retardar o avanço do PCC e Comando Vermelho nas próximas eleições.

A política partidária deve ser deixada de lado em nome de uma política mais eficiente e centralizada em Brasília.

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Comissão aprova projeto que torna crime descumprir medida protetiva de pessoa idosa

A Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa da Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei que altera o Estatuto da Pessoa Idosa, para tipificar como crime o descumprimento de medidas de proteção concedidas em favor da pessoa idosa.

A proposta inclui um novo artigo na lei, prevendo ser crime, com detenção de seis meses a um ano e multa, descumprir ou prejudicar o cumprimento de qualquer uma das seguintes medidas de proteção:

  • encaminhamento à família ou curador;
  • orientação, apoio e acompanhamento temporários;
  • requisição para tratamento de saúde em clínica, hospital ou domicílio;
  • inclusão em programa de tratamento a dependentes químicos da própria pessoa idosa ou de pessoa de sua convivência;
  • abrigo em entidade; e
  • abrigo temporário.

A pena será aumentada da metade, em caso de lesão corporal de natureza grave, e triplicada em caso de morte.

Substitutivo
O texto aprovado foi a nova versão (substitutivo) elaborada pelo relator, deputado Ossesio Silva (Republicanos-PE), para o Projeto de Lei 2385/25, do deputado Capitão Alberto Neto (PL-AM). Entre outras medidas, a proposta original estabelecia pena de reclusão de dois a cinco anos e multa para o novo crime.

Silva optou ainda por incluir a alteração no capítulo da lei que trata dos crimes, e não no que trata de educação, como faz o projeto original. O substitutivo também torna mais clara a conexão entre a nova tipificação criminal e as medidas de proteção previstas.

Lacuna
Na avaliação de Ossesio Silva, o projeto preenche uma lacuna no sistema de proteção jurídica às pessoas idosas no Brasil. “Falta tipificação criminal específica para o descumprimento das medidas protetivas previstas no Estatuto da Pessoa Idosa. Tal descumprimento tipifica-se apenas como crime de desobediência, cuja sanção é branda, frente à gravidade das violações sofridas pela população idosa”, afirmou.

A pena para desobediência prevista no Código Penal é detenção, de 15 dias a 6 meses, e multa.

Fonte: Câmara dos Deputados

Recomendação da Corregedoria-Geral da Justiça Federal uniformizará procedimentos de atuação das Comissões Regionais de Soluções Fundiárias

A proposta foi apresentada pela Corregedoria-Geral da Justiça Federal e apreciada na sessão virtual do CJF de agosto

O Colegiado do Conselho da Justiça Federal (CJF) aprovou, na sessão virtual realizada de 4 a 6 de agosto, a recomendação da Corregedoria-Geral da Justiça Federal (CG) para uniformizar os procedimentos relacionados aos pedidos de atuação das Comissões Regionais de Soluções Fundiárias vinculadas aos Tribunais Regionais Federais (TRFS), com a criação de uma estrutura mínima para o funcionamento adequado das Comissões Regionais de Soluções Fundiárias.

A orientação aprovada estabelece que os pedidos de atuação da Comissão de Soluções Fundiárias devem ser classificados e analisados em dois contextos: pedidos de atuação formulados pelas partes e terceiras(os) interessadas(os) quando há processo judicial; e pedidos de atuação formulados por interessadas(os) quando não há processo judicial.

A recomendação considerou a Nota Técnica CNSF n. 2/2024, da Comissão Nacional de Soluções Fundiárias, que estabelece, entre outras medidas, que as presidências dos tribunais devem fornecer às Comissões Regionais, no mínimo, estrutura de secretaria administrativa e equipe de assessoria jurídica para elaboração de minutas, práticas de atos de interlocução, apoio em sessões de mediação e visitas técnicas.

A proposta também considera a Nota Técnica n. 1/2025, da Comissão de Soluções Fundiárias da Corregedoria-Geral da Justiça Federal, que propõe diretrizes para o processamento das etapas procedimentais previstas na Resolução do CNJ n. 510/2023, com vistas a uniformizar os procedimentos de requerimentos e petições para atuação da Comissão Regional.

Impacto social

Ao apresentar seu voto para o Colegiado do CJF, o vice-presidente do Conselho e corregedor-geral da Justiça Federal, ministro Luis Felipe Salomão, destacou a relevância da uniformização e estruturação das Comissões Regionais de Soluções Fundiárias, que desempenham papel fundamental de interlocução interdisciplinar e conhecimento da realidade local: “Demonstram-se essenciais não só para a célere e justa tramitação das ações judiciais ou para a solução consensual e ou extrajudicial do conflito, em proteção ao direito de propriedade, mas também para a garantia do direito social à moradia, para o cumprimento da função social da propriedade e para a dignidade da pessoa humana”.

A recomendação de adoção de procedimento uniformizado justifica-se não só pela necessidade de um fluxo processual que harmonize a atuação de cada Comissão Regional com a atuação do juiz natural da causa, respeitando-se a jurisdição, a autonomia e o poder decisório do julgador, mas também para dar efetividade ao papel das Comissões. “A proposta de recomendação apresentada pela Corregedoria-Geral é iniciativa não somente oportuna, mas igualmente essencial para o devido processo das funções e deveres da Justiça Federal”, pontuou o ministro Salomão.

Saiba mais

De acordo com a Resolução CNJ n. 510/2023, os tribunais devem constituir Comissão Regional de Soluções Fundiárias para funcionar como estrutura de apoio à solução pacífica das ações, objetivando, dentre outras medidas, estabelecer diretrizes para o cumprimento de mandados de reintegração de posse coletivos e executar outras ações que tenham por finalidade a busca consensual de soluções para os conflitos fundiários coletivos ou que auxiliem na garantia dos direitos fundamentais das partes em caso de reintegração de posse.

A Comissão de Soluções Fundiárias da Corregedoria-Geral da Justiça Federal, instituída pela Portaria CJF n. 171/2025 e alterada pela Portaria CJF n. 282/2025, foi criada para acompanhar, coordenar e supervisionar as atividades de regularização fundiária, desenvolvidas pelas Comissões Fundiárias Regionais dos TRFs, promovendo a efetiva solução de conflitos e a implementação das normas jurídicas pertinentes.

Fonte: CNJ

Projeto exclui responsabilidade penal de empresa que adota medidas de compliance

O Projeto de Lei 686/25 isenta as empresas de responsabilidade penal e administrativa por atos ilícitos de seus representantes ou terceiros quando comprovada a adoção de medidas de compliance (que visam garantir a ética, a transparência e o cumprimento das leis) e de prevenção e combate à corrupção. O texto está em análise na Câmara dos Deputados.

Entre as medidas que devem ser adotadas pelas empresas e entidades estão:

  • implementação contínua de um programa de integridade e compliance;
  • realização de auditorias periódicas para prevenção e detecção de ilícitos;
  • existência de canais de denúncia independentes e acessíveis, assegurada a proteção dos denunciantes;
  • ações de conscientização sobre integridade para seus colaboradores e terceiros.

O projeto foi apresentado pelo deputado Max Lemos (PDT-RJ). Segundo ele, o texto é inspirado na legislação britânica sobre práticas de suborno e combate à corrupção (UK Bribery Act, em vigor desde 2011), que se tornou referência mundial no assunto.

“No Brasil, a Lei Anticorrupção já prevê a responsabilização das pessoas jurídicas por atos lesivos contra a administração pública. No entanto, falta um critério legal que exclua a responsabilização quando há comprovação de um sistema efetivo de compliance”, diz Lemos.

Fonte: Câmara dos Deputados

Grupo de Trabalho de ações coletivas da Corregedoria-Geral da Justiça Federal reuniu-se no CJF

Encontro contou com a participação de representantes da OAB, AGU, DPU e Ajufe, e resultou na aprovação de três eixos de atuação

A Corregedoria-Geral da Justiça Federal (CG) promoveu, na terça-feira (5), a quinta reunião do Grupo de Trabalho (GT) de ações coletivas. A reunião conjunta, realizada em dois turnos, resultou na elaboração e aprovação de três eixos de atuação sobre a temática. À tarde, o encontro foi conduzido pelo vice-presidente do CJF e corregedor-geral da Justiça Federal, ministro Luis Felipe Salomão.

Os trabalhos começaram na manhã de terça-feira (5) com um encontro preparatório que objetivou alinhar os projetos da Corregedoria-Geral para o segundo semestre de 2025. As (Os) participantes debateram e aperfeiçoaram os eixos de atuação sobre: Ações em fase inicial, monitoramento para prevenção de litispendência e execução das ações coletivas.

Resultado

As propostas foram apresentadas, à tarde, ao vice-presidente do CJF e corregedor-geral da Justiça Federal, ministro Luis Felipe Salomão, que, na ocasião, destacou a importância do trabalho e a relevância dos eixos temáticos aprovados. “Essa mudança de paradigma transforma a ação coletiva ao garantir um tratamento coletivo com isonomia, celeridade e ganho de tempo e esforço para todos. O consenso alcançado demonstra que estamos diante de uma proposta inovadora, capaz de trazer soluções concretas para um tema historicamente desafiador”, afirmou.

Ao fim dos trabalhos, a juíza federal Vânila Cardoso André de Moraes avaliou positivamente a reunião e reforçou o compromisso das(os) envolvidas(os) com a continuidade dos estudos. “O próximo passo será o aprofundamento técnico desses eixos, para que possamos propor formas viáveis de implementação nacional. A meta é que o trabalho do GT resulte em mudanças efetivas e aplicáveis, que tragam benefícios concretos ao sistema de Justiça e à sociedade”, observou.

Eficiência dos trabalhos

Ao longo dos debates, a juíza federal Marina Rocha Cavalcanti Barros Mendes, representante da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), elogiou a metodologia de trabalho aplicada pela Corregedoria-Geral: “Tenho que parabenizá-los por essa metodologia de Grupo de Trabalho, que é muito interessante, porque pegamos exemplos bem-sucedidos e vamos além de uma análise apenas de tese. Então, é a partir de situações postas e soluções testadas, que trabalhamos e divulgamos para quem tem o mesmo problema”.

A juíza de direito do Tribunal de Justiça do Estado do Amapá (TJAP) Marina Lorena Nunes Lustosa destacou a pluralidade do grupo como um diferencial para alcançar a eficácia nos trabalhos. “É muito interessante essa diversidade, espelhada na Justiça estadual, na Federal, na AGU e em outros. Então, é um ambiente muito democrático, de onde saem soluções muito boas”, afirmou.

O conselheiro federal da OAB Luiz Cláudio Silva Allemand ressaltou que a dedicação conjunta é elemento essencial para o avanço de soluções que trarão impacto real para a magistratura e a (o) jurisdicionada(o). “Envolvi a Comissão de Direito Processual do Conselho Federal da OAB, que elogiou demais o trabalho desenvolvido aqui, mais uma vez, a quatro mãos. Na construção de um projeto, quando há uma imposição, sempre vai haver uma resistência. Então, quando temos a possibilidade de participar, colaborar e dialogar, o trabalho flui”, pontuou.

GT

O GT, regulamentado pela Portaria do Conselho da Justiça Federal (CJF) n. 213/2025, é composto por representantes da CG, do CJF, dos seis Tribunais Regionais Federais (TRFs), do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) e do Tribunal de Justiça do Estado do Amapá (TJAP), da Advocacia-Geral da União (AGU), da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), da Defensoria Pública da União (DPU) e da Procuradoria Regional da República (PRR). A coordenação do grupo é exercida pela juíza federal auxiliar da Corregedoria-Geral da Justiça Federal, Vânila Cardoso André de Moraes.

Fonte: CJF

Síndrome de burnout: obrigatoriedade de emissão da CAT e as repercussões no contrato de trabalho

A síndrome de burnout, também conhecida como síndrome do esgotamento profissional, consta na lista de doenças ocupacionais de acordo com a Classificação Internacional de Doenças (CID), da Organização Mundial da Saúde (OMS) [1], de sorte que os trabalhadores que forem diagnosticados com essa doença terão os mesmos direitos trabalhistas e previdenciários, em comparação com as demais doenças que possuam relação com o trabalho.

Dados estatísticos

De acordo com uma pesquisa realizada em 2024, o Brasil constatou mais de 470 mil afastamentos do trabalho por transtornos mentais, quantitativo esse que confirma que, atualmente, o país tem o maior número de afastamento por ansiedade e depressão dos últimos 10 anos [2].

Já outro estudo feito pela Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamy) indicou que cerca de 30% das pessoas ocupadas em território nacional sofrem com a doença, ocupando, portanto, a segunda posição no ranking mundial de casos [3]. Aliás, durante a pandemia do coronavírus houve um aumento de 136% dos afastamentos pela síndrome de burnout [4].

Em outra pesquisa da International Stress Management Association no Brasil revelou que este problema já afeta 32% dos trabalhadores brasileiros [5].

Nesse sentido, muitas são as dúvidas diárias que surgem com relação à emissão do comunicado de acidente de trabalho (CAT) para esses casos e, se realmente, trata-se de uma obrigação para os empregadores. Por isso, dada a importância e relevância do assunto, a temática foi indicada por você, leitor(a), para o artigo da semana, na coluna Prática Trabalhista da revista eletrônica Consultor Jurídico [6], razão pela qual agradecemos o contato.

Lição de especialista

A síndrome de burnout está relacionada com o trabalho e, por isso, passou a ser classificada como uma doença ocupacional.

Nesse sentido, oportunos são os ensinamentos de Maria José Gianella Cataldi[7] sobre doenças consideradas acidentes de trabalho:

“São consideradas como acidente de trabalho as seguintes entidades mórbidas: I- doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social; II-doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.(…).

A doença profissional ou do trabalho caracteriza-se quando, formal o diagnóstico de afecção, ou de intoxicação, se verificar que o empregado exercia a atividade que o expunha ao agente patogênico. O legislador suprimiu, em termos, a incidência dos benefícios acidentários nos casos de doenças profissionais atípicas, de sorte que, quando da equiparação ao acidente típico, deu sentido idêntico para doença profissional e doença do trabalho”.

Emissão da CAT

Sabe-se que a CAT é um documento onde são registrados as doenças e os acidentes que acontecem no ambiente de trabalho. A partir dele é que o trabalhador poderá receber pelo INSS benefícios previdenciários, bem como ter assegurado os seus direitos trabalhistas.

Do ponto de vista legislativo no Brasil, a Lei nº 8.213/91 dispõe em seu artigo 22 [8] que a empresa e/ou empregador doméstico tem o dever de comunicar junto a Previdência Social o acidente de trabalho, sob pena de multa. Vale dizer, a emissão da CAT é obrigatória por força legal, ainda que não haja a exigência de afastamento do empregado.

À vista disso, impende destaca que tal comunicação poderá ser feita: 1) pelo próprio trabalhador e seus dependentes; 2) pelo empregador; 3) pelo sindicato da categoria; 4) pelo médico que registrou o atendimento após o acidente/doença ocupacional; e 5) por uma autoridade pública.

Para tanto, deverão ser apresentados os seguintes documentos: 1) Informações do empregador (Razão social ou nome, tipo e número do documento, CNAE, Endereço, CEP e telefone); 2) Informações da pessoa empregada acidentada (dados pessoais, salário, número da carteira de trabalho, identidade, CPF, NIT/PIS/Pasep, endereço, CEP, telefone, CBO e área); 3) dados sobre o acidente; 4) dados sobre ocorrência policial, se houver; 5) dados sobre o atendimento emergencial e médico recebido; e 6) dados médicos referente ao acidente [9].

Portanto, com abertura da CAT, o trabalhador terá resguardado os seus direitos, facilitando, inclusive, a comprovação junto a perícia médica do INSS.

Jurisprudência trabalhista

Em se tratando de doença ocupacional e estabilidade provisória no emprego, segundo uma pesquisa feita pelo TST, no biênio entre 25/3/2023 até 25/3/2025, constatou-se a existência de 33 acórdãos e 2.084 decisões monocráticas envolvendo esta temática [10].

 

Por estas razões, recentemente, a Corte Superior Trabalhista reafirmou a sua jurisprudência fixando a seguinte tese ao julgar o RR-0020465-17.2022.5.04.0521: “Para fins de garantia provisória de emprego prevista no artigo 118 da Lei nº 8.213/1991, não é necessário o afastamento por período superior a 15 (quinze) dias ou a percepção de auxílio-doença acidentário, desde que reconhecido, após a cessação do contrato de trabalho, o nexo causal ou concausal entre a doença ocupacional e as atividades desempenhadas no curso da relação de emprego”.

Nesse sentido, considerando a nova tese vinculante (Tema 125) que passa a ser obrigatória para os demais órgãos da Justiça do Trabalho, uma vez constatada, em tese, a relação de concausalidade entre a enfermidade que acometeu o trabalhador e as atividades desenvolvidas na empresa, após a despedida, ainda que não tenha havido o afastamento do emprego por mais de 15 dias, nem o consequente recebimento do auxílio-doença acidentário, surgirá o direito à estabilidade legal de no mínimo 12 meses.

Ao definir a tese, o ministro relator ponderou:

“Neste ponto, faz-se necessário registrar que as doenças ocupacionais geralmente não se manifestam de forma imediata, possuindo características diferenciadas e graus de evolução distintos, razão pela qual, em muitos dos casos, não há o efetivo recebimento de auxílio-doença acidentário antes da extinção do contrato de trabalho ou o afastamento superior a quinze dias.

Desta feita, comprovado que o ambiente laboral ou o exercício das atividades contribuíram, ao menos, de forma concorrente e relevante para o desenvolvimento da doença ocupacional, atuando como causa ou concausa, tornam-se despiciendos o afastamento do empregado por mais de quinze dias e a percepção do auxílio-doença acidentário para auferir o direito à estabilidade provisória prevista no art. 118 da Lei nº 8.213/91”.

Conclusão

Portanto, para além do cumprimento dos deveres de manter um meio ambiente laboral saudável, em casos que o trabalhador seja acometido pela síndrome de burnout, a empresa deverá adotar as medidas cabíveis para assegurar os seus direitos, comunicando o fato junto ao INSS. Lembrando ainda que durante o período de afastamento o contrato de trabalho ficará suspenso e o trabalhador não poderá ser dispensado, sob pena de tal procedimento ser declarado nulo pelo Poder Judiciário Trabalhista.


[1] Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/politica/sindrome-do-burnout-ganha-nova-classificacao-na-oms/. Acesso em 05/08/2025.

[2] Disponível em https://g1.globo.com/trabalho-e-carreira/noticia/2025/03/10/crise-de-saude-mental-brasil-tem-maior-numero-de-afastamentos-por-ansiedade-e-depressao-em-10-anos.ghtml. Acesso em 05/08/2025.

[3] Disponível em https://www.ip.usp.br/site/noticia/brasil-e-o-segundo-pais-com-mais-casos-de-burnout-e-so-perde-para-o-japao/. Acesso em 05/08/2025.

[4] Disponível em https://www.bbc.com/portuguese/articles/cnk4p78q03vo. Acesso em 05/08/2025.

[5] Disponível em https://g1.globo.com/saude/bem-estar/noticia/2025/06/21/burnout-nao-e-frescura-entenda-a-exaustao-cronica-ligada-ao-trabalho-quais-os-sintomas-e-como-agir.ghtml. Acesso em 05/08/2025.

[6] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela coluna Prática Trabalhista da ConJur, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.

[7] O stress no meio ambiente do trabalho.  – Maria José Gianella Cataldi. 4. Ed. ver. Atual. e ampl. – São Paulo: Tompson Reuters Brasil. Página 104/105.

[8] Lei nº 8.213/91, Art. 22. A empresa ou o empregador doméstico deverão comunicar o acidente do trabalho à Previdência Social até o primeiro dia útil seguinte ao da ocorrência e, em caso de morte, de imediato, à autoridade competente, sob pena de multa variável entre o limite mínimo e o limite máximo do salário de contribuição, sucessivamente aumentada nas reincidências, aplicada e cobrada pela Previdência Social.

[9] Disponível em https://www.gov.br/pt-br/servicos/registrar-comunicacao-de-acidente-de-trabalho-cat . Acesso em 05/08/2025.

[10] Disponível em https://jurisprudencia-backend2.tst.jus.br/rest/documentos/17f7d15317ef2d2f434bb0f1b1b7e762. Acesso em 05/08/2025.

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Justiça Federal realizará congresso sobre inteligência artificial no Judiciário em setembro

Encontro reunirá, na sede do TRF6, em Belo Horizonte (MG), magistratura, servidoras(es) e advogadas(os)

O Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal (CEJ/CJF) promoverá, em parceria com o Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6) e a Escola de Magistratura da 6ª Região, com o apoio da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Centro Universitário Dom Helder, o Congresso Inteligência Artificial no Poder Judiciário, em 22 e 23 de setembro, na sede do TRF6, em Belo Horizonte (MG). O formulário eletrônico de pré-inscrição para o encontro está disponível na página do evento. As 170 vagas ofertadas são destinadas a integrantes da magistratura federal e da estadual, servidoras(es), membros da AGU, do MPU, da DPU, da PF, e da PGR.

O congresso objetiva promover o entendimento e a aplicação das diretrizes da Resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) n. 615/2025 no Poder Judiciário. Também visa fomentar a inovação tecnológica, com ênfase na colaboração entre os tribunais e o CNJ para o incremento da eficiência dos serviços prestados, e assegurar que o uso da IA no Judiciário seja balizado pelos fundamentos de respeito aos direitos fundamentais e aos valores democráticos, com foco na centralidade da pessoa humana.

Organização – A coordenação-geral do evento está a cargo do vice-presidente do CJF, corregedor-geral da Justiça Federal e diretor do CEJ, ministro Luis Felipe Salomão. A coordenação científica é do desembargador federal Pedro Felipe de Oliveira Santos (TRF6), e a coordenação executiva é exercida pela juíza federal Vânila Cardoso André de Moraes e pelo juiz federal Otávio Henrique Martins Port, ambos auxiliares da Corregedoria-Geral da Justiça Federal (CG).

Mais informações na página oficial do congresso.

Fonte: CJF