O que faz uma boa cláusula de renegociação?

Como escrever uma cláusula de renegociação adequada em contratos empresariais? Em texto anterior nesta coluna (aqui), vimos que cláusulas vagas ou abertas podem ser estratégicas: elas facilitam que os contratantes aloquem riscos desconhecidos entre si. No texto de hoje, dividido em duas partes, daremos alguns passos atrás.

Na prática negocial, é comum observar dois arquétipos de cláusulas de renegociação: alguns contratos usam termos vagos para definir os pressupostos revisionais; outros apostam em textos fechados, delimitando os riscos que a cláusula abrange ou excluindo tantos outros.

Esse jogo entre linguagem precisa e vaga não é fortuito: ele espelha uma lógica na redação de contratos duradouros. Vamos entender as vantagens e as desvantagens comparativas desses estilos, segundo dois enfoques.

Primeiro enfoque: equilibrar certeza e flexibilidade nos contratos

Quando surgiram nos anos 1970, cláusulas de renegociação eram bem simples. No comércio internacional, isso se traduzia nas fórmulas abertas que as cláusulas de hardship empregavam para descrever seus riscos, e que persistem até hoje: as partes se obrigam a renegociar diante de “variações muito importantes na conjuntura econômica”; “circunstâncias fora das previsões normais das partes”; “um evento econômico ou financeiro grave”. Alguns contratos são mais vagos ainda: tratam de “eventos imprevisíveis”, “fatos imprevistos” ou “causas fora do controle das partes” [1].

Com o tempo, certas cláusulas passaram a usar linguagem mais precisa, fixando desde logo no instrumento os riscos que autorizam renegociações. Exemplos: “se a produção de aço proveniente de fontes de hematita atingir 20% da produção total da siderúrgica”, “no caso da aplicação de novos direitos de importação ou exportação”, ou se surgir “uma nova fonte economicamente disponível de produtos.” [2]

Cláusulas específicas servem para dar certeza às relações negociais. Ao definir seu suporte fático de maneira precisa, elas têm a vantagem de serem mais claras. As partes acreditam que, na média, um julgador hipotético irá aplicar o texto do contrato tal como ele está escrito. Essa clareza estabiliza as expectativas dos contratantes: eles conseguem se planejar e adequar seu comportamento ao que o negócio estipula. Se um risco se materializa, a margem para dúvidas interpretativas é menor – reforçando a confiança de que o que está escrito, vale. No exemplo anterior da siderúrgica, ela sabe que a renegociação só é contratualmente exigível se a produção da fonte de hematita chegar a 20% de entrega total (não 19%, nem 21%), o que é guia mais certo para organizar o empreendimento do que discutir se a produção se tornou “muito onerosa” ou “economicamente inviável”.

O problema está nas situações limítrofes. Haverá cenários em que o objetivo subjacente à cláusula faz sentido, mas ela não incide — ao menos não textualmente. Ou, do contrário, casos em que a cláusula deve ser aplicada porque seu suporte fático se verifica, por mais que o resultado dessa aplicação divirja da justificativa por trás dela. Na teoria do Direito isso se chama de superinclusão e subinclusão das regras jurídicas [3]. Uma cláusula de hardship específica — às vezes muito específica — dirá mais e dirá menos do que as partes gostariam se tivessem antevisto algum cenário diferente.

Imagine uma cláusula definindo que o contrato de fornecimento será renegociado se, por força de qualquer causa imprevisível, os custos anuais para produzir o bem excederem em 50% a receita anual com a venda. E se custo e receita ficarem iguais? E se excederem em 45%? O prejudicado argumentaria que esse cenário não é “comercialmente razoável” — afinal, a empresa por definição visa ao lucro. Se a cláusula fosse vaga, a chance de a tese vingar seria melhor. Não é o que decorre da cláusula cujo suporte fático é uma porcentagem objetiva, ao menos não sem boa dose de esforço interpretativo para modular seu texto claro. Ela é subinclusiva nesse exemplo. É o risco que os contratantes assumem nesse tipo de suporte fático: eles se vinculam a renegociar só em hipóteses muito delimitadas — que podem nem sempre ser as melhores —, presumindo-se que para todas as outras vale a intangibilidade do contrato. A certeza do contrato vem ao preço de maior rigidez.

É aí que entram em cena os termos abertos: “desequilíbrio grave”; “razoabilidade comercial” e similares. Por um lado, essas diretrizes são pouco claras ex ante, pois em tese admitem várias leituras plausíveis — o que as torna menos úteis para orientar o comportamento das partes prospectivamente. Sua contraface positiva é que permanecem flexíveis ao longo do tempo: o instrumento será interpretado e reinterpretado para se amoldar às novas circunstâncias, muitas delas imprevisíveis no momento da assinatura.

Cláusulas vagas convidam as partes e o julgador a esse tipo de raciocínio casuístico, em que diferentes fatores devem ser sopesados para decidir cada caso concreto. Mas claro: se as partes desejam se socorrer de um intérprete neutro caso a renegociação direta fracasse — juiz, árbitro, mediador —, é necessário fixar um conteúdo mínimo para a revisão. Do contrário, corre-se o risco de a cláusula, de tão vaga, ser considerada inexequível numa disputa jurídica, como já concluiu o Tribunal de Justiça de São Paulo [4].

Segundo enfoque: alocar poder decisório sobre o conteúdo da cláusula

Avancemos ao segundo enfoque. Optar entre linguagem precisa e vaga serve também para alocar poder decisório sobre o conteúdo contratual. Vista sob esse ângulo, a questão é quem dá conteúdo concreto à cláusula de renegociação e quando essa decisão é tomada. Cláusulas precisas traduzem o esforço das partes em fixar, elas próprias, o conteúdo de suas obrigações no presente, isto é, ao celebrarem o acordo (ex ante).

Termos abertos relegam parcela menor ou maior dessa escolha ao futuro, confiando na discricionariedade do intérprete — que a exercerá só se e quando o risco se materializar. O texto da cláusula amplia ou restringe essa liberdade interpretativa dependendo daquilo que ele fixa no presente e daquilo que deixa vago para ser complementado depois.

A chance de uma decisão contrária ao que as partes gostariam existe, mas a técnica é útil quando é impossível traçar solução exata para vários estados de mundo com chances desconhecidas de ocorrer. Ao invés de antecipar e decidir um sem-número de estados de coisas futuros, pode fazer mais sentido deixar o contrato vago ou lacunoso para debater só sobre os riscos que de fato se concretizem.

A vantagem aí é que a incerteza se dissipou: as partes então se concentram em solucionar o problema com o benefício da visão retrospectiva (ex post). Por outro lado, a confiança exigida nesse contexto é alta. Uma coisa é traçar soluções para o desequilíbrio eventual no momento da assinatura, quando as partes acreditam na parceria que virá. Outra, mais difícil, é debater termos vagos depois que o conflito se instalou e os interesses de cada um são opostos. Cada parte defenderá que a interpretação que a beneficia no caso concreto é “a melhor”, “a correta” — sem que o contrato ampare explicitamente nenhuma. No limite, o julgador será provocado para solucionar impasses.

Um julgado do TJ-SP ilustra como isso funciona [5]. As partes discutiam o índice inflacionário para corrigir o valor das parcelas do preço em contrato de promessa de compra e venda de imóvel. A regra do contrato era o reajuste anual pelo IGP-M. O instrumento ressalvava que “atos governamentais”, “mudanças de padrão monetário”, “extinção ou congelamento de índice de correção monetária” ou “outro artifício não condizente com a real inflação” poderiam descolar o índice da inflação real em certo período. Nessas situações, a mesma cláusula estipulava — de modo abrangente — que “o saldo devedor do preço deste negócio jurídico será revisto de forma que se restabeleça o […] equilíbrio econômico-financeiro do contrato”.

Com a pandemia em 2020, o IGP-M aumentou mais do que a inflação real no Brasil medida por outros índices setoriais, em boa parte porque ele considera oscilações do dólar. Em princípio, o contrato não previu essa situação — ao menos não de maneira expressa. O TJ-SP, porém, se valeu do texto aberto do final da cláusula — “restabelecer o equilíbrio” — e entendeu ser “razoável, […] que se aplique também a cláusula para fins da situação inversa, qual seja, a de o indexador eleito pelas partes superar em muito a inflação do período […]”. O tribunal substituiu o IGP-M pelo INPC.

Esse caso ilustra o uso do contrato para que o julgador crie soluções que as partes não previram ao assiná-lo. O contraponto é que, no geral, sempre haverá mais de uma resposta correta dentro da moldura da cláusula. Veja-se: alguém poderia questionar por que o Tribunal aplicou o INPC em vez do IPCA ou de outra fórmula qualquer. Contratantes que optam por termos vagos devem estar cientes de que algum grau de subjetividade decisória é inafastável. Mas devem também confiar nela: frente a imprevistos, é melhor ter alguma resposta do que ficar sem nenhuma.

Conclusão

Neste breve texto, vimos que o primeiro caminho para construir uma boa cláusula de renegociação é entender a dinâmica entre usar linguagem precisa e termos vagos no instrumento. Além de ajudar redatores de contratos empresariais, o ponto tem relevância hermenêutica: em sentido amplo, essas estratégias formam o que se pode chamar de “racionalidade econômica” de contratantes empresários (artigo 113, §1º, V, Código Civil).

Na próxima etapa dessa análise, discutiremos como uma cláusula de renegociação mais sofisticada pode mesclar criativamente linguagem específica e aberta em um só texto — usando como base da reflexão duas cláusulas-modelo da Câmara de Comércio Internacional (CCI).

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[1] FONTAINE, Marcel; DE LY, Filip. Drafting International Contracts: An Analysis of Contract Clauses. Nova Iorque: Transnational Publishers, 2006. p. 463

[2] FONTAINE, Marcel; DE LY, Filip. Drafting… cit., p. 466-467.

[3] SCHAUER, Frederick F. Thinking like a lawyer: a new introduction to legal reasoning. Cambridge, Mass: Harvard University Press, 2009. p. 188-202.

[4] “Se a ideia era erigir algo semelhante a uma cláusula de hardship, que estabelecesse valores menores de multa, ou mesmo sua inexigibilidade, na hipótese de queda de arrecadação, era fundamental que as partes tivessem fixado parâmetros objetivos no próprio acordo para que isso pudesse ser efetivado. Todavia, na forma como foi redigida a cláusula, em termos absolutamente genéricos, sem a fixação de qualquer critério objetivo para a redução da multa, inviável extrair qualquer consequência jurídica de seu conteúdo, a não ser a necessidade de as partes entabularem novas negociações, o que foi cumprido” (TJ-SP, Agravo Regimental Cível n.º 2010463-11.2016.8.26.0000/50001, Órgão Especial, Rel. Des. Pereira Calças, j. 27.02.2019).

[5] TJ-SP, Agravo de Instrumento n.º 2175864-86.2021.8.26.0000, Rel. Des. Francisco Loureiro, 1ª Câmara de Direito Privado, j. 30.08.2021, DJe 09.09.2021.

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Disponibilização indevida de informações pessoais em banco de dados gera dano moral presumido

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por maioria, que a disponibilização para terceiros de informações pessoais armazenadas em banco de dados, sem a comunicação prévia ao titular e sem o seu consentimento, caracteriza violação dos direitos de personalidade e justifica indenização por danos morais.

O caso teve origem em ação proposta por um consumidor contra uma agência de informações de crédito, sob a alegação de que seus dados pessoais foram divulgados sem autorização. Em primeiro grau, a ação foi julgada improcedente. Ao manter a decisão, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) considerou que os dados compartilhados não eram sensíveis e que a atuação da empresa, na condição de birô de crédito, estaria respaldada pela legislação específica.

No recurso ao STJ, o consumidor sustentou que a disponibilização de informações cadastrais a terceiros exige o consentimento do titular. Argumentou que tais informações, como o número de telefone, têm caráter sigiloso, e que a divulgação de dados da vida privada em bancos de fácil acesso por terceiros, sem a anuência do titular, gera direito à indenização por danos morais.

Danos são presumidos diante da sensação de insegurança

A ministra Nancy Andrighi, cujo voto prevaleceu no julgamento, ressaltou que, de acordo com a jurisprudência consolidada do STJ, o gestor de banco de dados regido pela Lei 12.414/2011 pode fornecer a terceiros apenas o score de crédito, sem necessidade de consentimento prévio do consumidor, e o histórico de crédito, desde que haja autorização específica do cadastrado, conforme prevê o artigo 4º, inciso IV, da mesma lei.

A ministra enfatizou que as informações cadastrais e de adimplemento registradas nesses bancos de dados não podem ser repassadas diretamente a terceiros, sendo permitido o compartilhamento apenas entre instituições de cadastro, nos termos do artigo 4º, inciso III, da Lei 12.414/2011.

Nancy Andrighi concluiu que o gestor de banco de dados que, em desacordo com a legislação, disponibiliza a terceiros informações cadastrais ou de adimplemento do consumidor deve responder objetivamente pelos danos morais causados. Segundo a ministra, esses danos “são presumidos, diante da forte sensação de insegurança” experimentada pela vítima.

Leia o acórdão no REsp 2.201.694.

Fonte: STJ

Parlamentares e especialistas divergem sobre a revogação da Lei da Alienação Parental

Parlamentares e especialistas em direito de família se dividiram, nesta quarta-feira (3), sobre a defesa da revogação da Lei da Alienação Parental, que completa 15 anos neste ano. O assunto foi tema de debate organizado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados. A revogação está prevista no Projeto de Lei 2812/22, em análise no colegiado.

Para os que defendem a revogação, a lei vem sendo usada por pais e mães abusivos ou violentos para acusar de alienação parental o genitor que denuncia o abuso, o que muitas vezes é difícil de ser comprovado. Há ainda o argumento de que a maioria das denúncias recai contra a mãe, em um claro viés de gênero reproduzido pela lei.

Já para os que são contrários à revogação, a lei atua como proteção complementar ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e revogá-la seria um grande retrocesso na proteção de crianças e adolescentes. Eles também argumentam que a lei prevê uma abordagem multidisciplinar sobre os processos de abuso psicológico, o que permitiria uma apuração mais técnica da realidade emocional da criança e de seu contexto familiar.

Segundo a procuradora federal especializada em direitos do cidadão Acácia Soares Peixoto Suassuna, 70% dos casos de alienação parental são de pais que foram denunciados por mulheres por violência doméstica, por abuso sexual contra elas ou contra as crianças, e 70% das acusações de alienação recaem contra a mãe.

“Se a maioria das medidas é contra a mãe e a maioria delas é iniciada por quem foi denunciado pela mãe, esse dado convergente já indica que eu estou polarizando essa lei”, disse, com base em dados da Secretaria Nacional de Direitos da Criança.

A defensora pública Liana Lidiane Pacheco Dani, também favorável à revogação da lei, disse que a norma atual expõe crianças e adolescentes e suas mães à violência e perpetua o estereótipo da “mulher louca”. “Embora a alienação parental se apresente como uma norma de aplicação geral, seus efeitos recaem de forma desproporcional sobre um grupo específico da população: mulheres e mães, que são responsáveis pelo cuidado”, defendeu.

Ela citou o boletim epidemiológico de 2018 do Ministério da Saúde pelo qual, entre 2011 e 2017, observa-se aumento de 83% das notificações de violência sexual em geral, com crescimento de 64% em relação às crianças e 83% em relação a adolescentes. No caso de crianças, 69% dos casos de violência ocorrem em ambiente doméstico.

A deputada Fernanda Melchionna (Psol-RS), uma das autoras do projeto que propõe a revogação, argumentou com base em estudo da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre as consequências da lei de alienação parental no Judiciário brasileiro. Essa pesquisa, relatou a deputada, mostra que mulheres são acusadas de alienação parental em 66% dos casos e têm o dobro de chance de perder a guarda dos filhos.

Melchionna acredita que a lei não é neutra e prejudica mulheres vítimas de violência doméstica. “Até comprovar a violência, seja sexual ou familiar, essa mulher está sendo revitimizada pelo Judiciário com a violência mais bárbara, que é ficar longe de seus filhos”, disse.

Contrários à revogação
Defensor da lei, o representante da Associação de Direito de Família e das Sucessões, Caio Morau, acredita que a revogação criaria uma lacuna jurídica na proteção de direitos de crianças e adolescentes. Em vez de revogar, ele propõe o aprimoramento da norma com algumas alterações, como a distinção entre denúncias “sabidamente falsas” e denúncias que não foram comprovadas pela dificuldade de reunir provas, para a efeitos de aplicação de penalidades.

Morau disse que é um equívoco pensar que as denúncias de alienação parental recaem apenas sobre as mulheres, não raras vezes os denunciados por esse tipo de abuso psicológico, reforçou, são os pais.

“Não é só a mulher que está podendo ser sancionada por uma eventual denúncia falsa, mas também os homens que lançam mão desse instrumento sem efetiva ocorrência dessa alienação”, reforçou.

A favor da lei
O professor especialista em direito de família Antônio Jorge Pereira disse que o objetivo da lei de alienação parental não é suprimir o uso do ECA nem da Lei de Guarda Compartilhada, e sim complementar as leis de proteção ds crianças e dos adolescentes. “A lei foi criada para ser mecanismo adicional de proteção, não para minar outras formas de salvaguarda”, disse.

Pereira observou que a lei sobre alienação parental, modificada em 2022 pela Lei 14.340, trouxe como inovação a participação de profissionais multidisciplinares para avaliar os casos de suspeita de abuso psicológico infantil, o que reforçou a proteção contra falsas denúncias.

Já o deputado Carlos Jordy (PL-RJ) refutou o argumento de que a lei se baseia na “síndrome de alienação parental”, tese segundo a qual um dos genitores manipula o filho com o objetivo de prejudicar o relacionamento da criança com o outro genitor.

“A lei não tem esse caráter psiquiátrico de diagnóstico, mas sim um caráter preventivo, defendendo a alienação parental como uma interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente”, afirmou.

Viés ideológico
Para o deputado Marcos Pollon (PL-MS), o debate assumiu contornos ideológicos, uma vez que os defensores da revogação se eximem de apontar trechos da lei atual que são incompatíveis com a Constituição. Conforme ele, uma possível revogação só poderia acontecer após aprofundado debate técnico sobre os pontos negativos e os benefícios da atual legislação.

“Do mesmo jeito que tem depoimento de pessoas reclamando da aplicação da lei, tem um exército de pessoas aclamando a lei por salvar crianças de abusos”, disse.

Relatora da matéria, a deputada Laura Carneiro (PSD-RJ) não antecipou o teor do parecer, mas refutou as críticas de que o debate sobre o tema vem assumindo viés ideológico. Ela reforçou que o colegiado tem o objetivo de priorizar o fortalecimento do sistema de proteção de menores contra abuso psicológico. “Não há nada que seja pior que a utilização dos filhos para o seu próprio benefício, seja homem ou mulher”, disse.

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Fonte: Câmara dos Deputados

PEC aprovada privilegia estados e municípios em detrimento dos credores de precatórios

Aprovada em segundo turno pelo Senado nesta terça-feira (2/9), a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 66/2023 vem sendo amplamente criticada pela advocacia por promover um calote nos precatórios dos municípios e estados. A norma, que limita esses pagamentos e acaba com o prazo para sua quitação, tem previsão de promulgação na próxima terça (9/9).

A principal crítica está relacionada aos prejuízos para os credores de precatórios estaduais e municipais, que já sofriam com os atrasos constantes nos pagamentos e agora ficarão sem qualquer previsão de receber os valores aos quais têm direito por decisões judiciais. Especialistas no assunto avaliam que a PEC busca apenas beneficiar o Estado no curto prazo.

O texto restringe os pagamentos dos precatórios dos estados e municípios a diferentes percentuais da receita corrente líquida (RCL), que variam conforme a razão entre o estoque de precatórios atrasados e a RCL. A proposta também retira qualquer limite de tempo para a quitação desse estoque.

A PEC reduz os valores que hoje são pagos pelos estados e municípios. O percentual da RCL que, conforme a proposta, deve ser depositado para o pagamento de precatórios varia de 1% a 5%. Esta última porcentagem ficaria apenas para situações em que o estoque de dívidas judiciais ultrapassa 80% da RCL.

Críticas de advogados

O Conselho Federal da OAB já informou que contestará a medida no STF logo após a promulgação. De acordo com o presidente da entidade, Beto Simonetti, “essa PEC viola frontalmente a Constituição, compromete a autoridade do Poder Judiciário e institucionaliza o inadimplemento do Estado com seus próprios cidadãos”.

Segundo Marcus Vinícius Furtado Coêlho, ex-presidente nacional da OAB e hoje membro honorário vitalício, “o calote dos precatórios desrespeita o direito de propriedade e torna inócuas as decisões do Judiciário”.

Em nota técnica enviada ao Congresso em julho, o CFOAB apontou que a PEC tem inconstitucionalidades já reconhecidas pelo STF na análise de outras emendas constitucionais sobre precatórios.

Além da nota, a entidade também apresentou um parecer técnico elaborado pelos advogados Egon Bockmann Moreira e Rodrigo Kanayama, especialistas em Direito Administrativo. Para eles, a PEC “viola direitos fundamentais dos credores atuais e das futuras gerações, que herdarão um passivo crescente e sem horizonte de quitação”.

A OAB-SP faz coro com o Conselho Federal. O presidente da Comissão de Assuntos Relacionados aos Precatórios Judiciais da seccional paulista, Vitor Boari, diz que a proposta “é uma agressão à responsabilidade fiscal e transfere para o cidadão o ônus das ações perdidas por prefeituras e estados”.

Ele prevê “muitos efeitos danosos para a saúde fiscal do país e para a credibilidade dos entes públicos”.

“O que vemos, novamente, é o Congresso Nacional com soluções midiáticas de curto prazo, legislando com olhos sempre na próxima eleição para atender à União, aos governadores e aos prefeitos e deixando ao léu todos aqueles que os elegeram”, critica Boari.

Para o administrativista Wilson Accioli Filho, não há duvida de que a PEC é um “desastre” jurídico e financeiro, tanto para a economia quanto para a confiança da sociedade no Estado.

Na sua visão, “é evidente” que o objetivo principal da proposta é postergar ainda mais o pagamento dos precatórios e barrar a quitação do estoque, de forma a “garantir ainda mais sobrevida financeira para o Estado”.

O advogado Fernando Facury Scaff, professor de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP) e colunista da revista eletrônica Consultor Jurídico, também constata que a PEC representa um calote nos credores dos poderes públicos estaduais e municipais.

Em sua coluna, Scaff já havia classificado a norma como um “vergonhoso desrespeito” às decisões do Judiciário e aos jurisdicionados, “que litigaram anos em busca de uma decisão a seu favor, e agora veem seu direito judicialmente reconhecido ser postergado por muitos outros anos, sem qualquer previsibilidade para quitação de seus créditos”.

Regras para a União

A proposta não inclui os precatórios da União no calote, mas os retira do limite de despesas primárias do governo federal a partir de 2026.

Um trecho prevê que as despesas anuais da União com precatórios serão incorporadas de forma gradual na apuração da meta de resultado primário a partir de 2027. A ideia é que, a cada ano, 10% do pagamento previsto passe a contar para a meta.

Na visão de Scaff, esse gradualismo “adia o problema, mas não o resolve”.

Por outro lado, ele comemora um ponto da PEC relativo à União: o trecho que classifica o montante principal de precatórios como despesa e os juros e a atualização monetária como dívida.

Segundo o professor, isso é importante porque a “burocracia econômica” tem classificado os precatórios como despesa e não como dívida, o que impacta nas metas fiscais.

Ele explica que precatórios são dívidas públicas cuja quitação corresponde a uma despesa. Mas, na visão dos economistas, depois do resultado primário devem ser consideradas apenas as dívidas financeiras, ou seja, aquelas cujos credores são bancos.

Assim, para Scaff, a PEC reduz o problema, mas sem resolvê-lo. Isso porque o montante original identificado como despesa primária será reduzido ao longo do tempo, e aumentará o montante de juros e atualização monetária.

Outros pontos positivos

Embora entenda que a finalidade principal da proposta é negativa, Accioli Filho destaca alguns pontos positivos. A PEC permite, por exemplo, a apreensão judicial de recursos das contas públicas caso o estado ou município não libere os recursos destinados aos pagamentos de precatórios.

Atualmente, há uma “blindagem patrimonial” do Estado, nas palavras do advogado. Os bens da administração pública são considerados impenhoráveis, devido ao risco de que essa medida paralise a “economia do ente devedor” e cause prejuízos maiores à sociedade. “A PEC trouxe uma evolução nesse sentido”, aponta.

Pelo texto, em caso de inadimplência, o estado ou município também pode ficar impedido de receber transferências voluntárias. Accioli Filho considera isso positivo: “Antes, a administração não sofria efeitos negativos externos. O efeito negativo era só diretamente para o credor do precatório.”

Por fim, ele indica uma terceira vantagem: a proposta prevê que o governador ou prefeito inadimplente “responderá na forma da legislação de responsabilidade fiscal e de improbidade administrativa”. Isso obriga os chefes do Executivo a gerirem bem os precatórios, pois, do contrário, podem ser responsabilizados pessoalmente.

Hoje, se um prefeito, por exemplo, gere mal os precatórios e deixa o cargo, seu sucessor tem a incumbência de corrigir os erros. Assim, a PEC traz uma inovação importante — “um passo no sentido de quebrar essa armadura jurídica que havia para o gestor que geria mal as contas públicas”, segundo Accioli Filho.

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Conflito de competência

No mais recente episódio de Entender Direito, a jornalista Fátima Uchôa ouviu os juízes trabalhistas e professores universitários Rodolfo Pamplona Filho e Danilo Gonçalves Gaspar sobre os principais aspectos legais e jurisprudenciais do conflito de competência.

Entre outros pontos, os dois magistrados abordam os motivos que podem levar a um conflito entre juízes ou órgãos judiciais quanto ao julgamento de um caso, bem como explicam quem pode suscitar o incidente processual e qual o papel do Superior Tribunal de Justiça (STJ) na solução de tais controvérsias.

Clique na imagem para assistir:  

Fonte: STJ

Terceira Turma não vê abuso em artigo científico que reproduziu acusação criminal não comprovada

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a reprodução, em artigos científicos, de acusação criminal feita por terceiro em rede social, ainda que não comprovada posteriormente, não configura abuso de direito nem gera direito a indenização, desde que configuradas a boa-fé e a finalidade acadêmica.

O caso analisado teve início quando um professor universitário ingressou com ação judicial contra duas pesquisadoras acadêmicas. Além de indenização, ele requereu que fosse excluída, de dois artigos de autoria da dupla, qualquer referência direta ou indireta ao episódio em que uma ex-aluna e estagiária sua cometeu suicídio após acusá-lo de violência de gênero em rede social. O professor alegou que as acusações não foram comprovadas e que a reprodução do conteúdo configuraria abuso de direito e teria causado danos à sua honra.

A Terceira Turma considerou proporcional a medida adotada pelo tribunal de segunda instância, que apenas determinou a supressão do nome do professor do trecho que reproduzia literalmente a postagem original.

Liberdade de informação encontra limites nos direitos de personalidade

A relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi, observou que a jurisprudência do STJ considera que a liberdade de informação, de expressão e de imprensa, embora seja uma garantia essencial ao regime democrático, não autoriza o abuso.

“A proteção ao direito de informação não é absoluta, pois encontra limites no ordenamento civil, especialmente quando seu exercício ultrapassa a função social que lhe é inerente e resulta em violação aos direitos da personalidade de terceiro”, afirmou. No entanto, ela entendeu que, nos artigos científicos em questão, não houve qualquer tipo de externalização de ideias, opiniões, juízos de valor, comentários ou acusações a respeito da conduta ou da pessoa do recorrente.

Interesse público se intensifica quando a divulgação tem fins educativos

Outra questão abordada pela ministra foi a distinção entre atividade jornalística e produção científica. Segundo ela, enquanto a imprensa está submetida a dinâmicas comerciais e equipes profissionais, a produção acadêmica é voltada ao desenvolvimento intelectual e à livre circulação de ideias.

“Nesse sentido, a liberdade acadêmica protege não apenas a livre manifestação de pensamento, mas também o exercício do direito à informação, da crítica teórica e da investigação científica, mesmo quando isso implique questionamentos a instituições, doutrinas ou pessoas”, ponderou a relatora. Ela ressaltou que o interesse público é ainda mais presente quando a divulgação ocorre com fins intelectuais, didáticos e não lucrativos.

Além disso, Nancy Andrighi afirmou que os artigos publicados se limitaram a divulgar um acontecimento real e tiveram o intuito acadêmico de discorrer sobre a violência de gênero. “Mais que presumido, o interesse público é manifesto, porquanto a menção ao suicídio da estudante é realizada em um contexto de obra científica que visa a debater as mais diversas formas de violência contra a mulher”, finalizou.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Fonte: STJ

Relatório de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticos retrata iniciativas do BC na promoção de sistema financeiro mais inclusivo e sustentável

O Banco Central (BC) lança hoje a quinta edição do Relatório de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticos (RIS), publicação anual da Autarquia. Em capítulos temáticos, o RIS sintetiza o empenho do BC em promover um sistema financeiro mais inclusivo e sustentável, por meio de ações e políticas que buscam estimular as finanças sustentáveis e gerenciar responsabilidades e riscos sociais, ambientais e climáticos. É um esforço de consolidação e de transparência do compromisso do BC com a sustentabilidade, sendo também uma ferramenta de prestação de contas à sociedade.

Nesta quinta edição, o relatório preservou seu formato, estruturado em quatro pilares, acrescidos do capítulo de Perspectivas. O conteúdo, entretanto, foi atualizado para incluir iniciativas recentes, como o engajamento do BC na COP30 e o avanço dos estudos e das medidas relativas ao inventário das emissões de gases de efeito estufa pela Autarquia, diante do reconhecimento da importância de contribuir para o esforço global e de minimizar o impacto de suas atividades sobre o meio ambiente.

De forma ampla, o relatório elenca parcerias, ações e estudos adotados pelo BC relacionados à sustentabilidade, ocorridos entre julho de 2024 e junho de 2025, bem como perspectivas de avanço no curto prazo. Além disso, relata o envolvimento da Instituição em iniciativas lideradas pelo governo federal, como a Taxonomia Sustentável Brasileira.

São diversas as iniciativas que merecem destaque: estudos publicados, como a estimação de impactos na economia e eventuais perdas para as instituições financeiras em um cenário de risco climático de transição; análises de exposições de crédito em risco decorrentes de riscos climáticos físicos; e pesquisa de estabilidade financeira sobre riscos climáticos realizada em 2025. 

Entre os avanços regulatórios estão a obrigatoriedade de as instituições financeiras elaborarem e divulgarem relatório de informações sobre sustentabilidade; a consulta pública sobre ativos e passivos de ações de sustentabilidade; e a ampliação da divulgação de informações por instituições financeiras. No crédito rural, foram aprovadas diversas mudanças no Manual de Crédito Rural, e há em perspectiva o projeto de aprimoramento do Bureau. 

Na supervisão, há destaque para a realização de análises horizontais para aplicação dos requisitos de gerenciamento dos riscos sociais, ambientais e climáticos e para a iniciativa Axis, aplicação que utiliza inteligência artificial para analisar os relatórios das auditorias independentes sobre as demonstrações financeiras das entidades supervisionadas pelo BC.

Na gestão de reservas internacionais, o BC tem aumentado o percentual de títulos com rótulo sustentável – lembrando que, desde 2021, definiu-se pela alocação estratégica em green bonds na carteira de referência.

No âmbito social, destacamos os esforços em promover a cidadania financeira, entre eles a gestão de vulnerabilidades, prioridade na agenda da Supervisão de Conduta do BC. A ampliação do Programa Aprender Valor para escolas particulares e para os cidadãos em geral e a participação do BC no fórum brasileiro de educação financeira são outros exemplos.  

No engajamento internacional, na presidência brasileira do G20, foram propostas duas forças-tarefa: uma para a criação de uma “Aliança Global contra a Fome e a Pobreza” e outra voltada à “Mobilização Global contra as Mudanças Climáticas”, além da realização do G20 TechSprint 2024. Durante a presidência brasileira do Brics, foi realizada uma pesquisa com bancos centrais e autoridades supervisoras dos países-membros, com o objetivo de mapear práticas e abordagens de monitoramento e regulação de riscos climáticos, com foco na integração desses riscos aos arcabouços prudenciais e de supervisão. A Autarquia também sediou o workshop temático sobre Finanças Sustentáveis, no âmbito da Data Gaps Initiative (DGI).

Finalmente, ressaltamos que se trata de um documento abrangente, elaborado com o envolvimento de todas as áreas do BC.  Sua publicação reforça a posição da Instituição na vanguarda da agenda sustentável, contribuindo para um sistema financeiro mais seguro e preparado para os desafios climáticos.

Acesse aqui​ a íntegra do RIS.

Fonte: BC

Senado aprimorará contas públicas se limitar dívida federal via PRS 8/25

Às vésperas do 37º aniversário da Constituição de 1988, o Senado tem diante de si, mais uma vez, a oportunidade e o dever histórico de aprimorar a governança fiscal do país. O Projeto de Resolução do Senado (PRS) nº 8, de 2025, de autoria do senador Renan Calheiros, resgata a Mensagem Presidencial nº 154, de 2000, pautando a necessidade incontornável de fixar limite global para o montante da dívida consolidada da União, conforme preceitua o artigo 52, inciso VI, da Carta Magna, desde sua redação originária.

Quase quatro décadas se passaram sem que o Senado tenha se desincumbido da sua competência privativa, por mais que a matéria só demandasse apreciação unicameral da Casa da Federação. Há um quarto de século, a Lei de Responsabilidade Fiscal reiterou o comando constitucional, estabelecendo, em seu artigo 30, o dever de o Executivo remeter proposta de limites para as dívidas de todos os entes da Federação. Todavia, apenas houve balizamento da dívida dos estados, Distrito Federal e municípios no âmbito da Resolução nº 40, de 2001 (disponível aqui).

A ausência de limitação apenas para a dívida pública da União configura uma lacuna normativa que, concomitantemente, enseja assimetria federativa e compromete a transparência, o equilíbrio fiscal e o controle social das finanças públicas do país.

Tamanho vazio regulamentar de dispositivo constitucional tão sensível decorre de interdição promovida por interesses, ora coordenados, ora conflitantes do mercado financeiro e do Executivo federal em torno do limite da dívida pública da União. José Roberto Afonso, em entrevista concedida por ocasião do aniversário de 25 anos da LRF, lucidamente desvendou o impasse em comento:

Embora passados 25 anos [da edição da Lei de Responsabilidade Fiscal], você tem algumas regras muito importantes da lei que nunca foram regulamentadas. É curioso que nem mesmo aproveitando essa comemoração dos 25 anos não vimos as pessoas se mobilizando, salvo a CAE [Comissão de Assuntos Econômicos] do Senado, que disse que votaria o limite da dívida da União. Mas o governo federal parece não ter maior interesse nisso, nem o atual governo nem o anterior, e muito menos o mercado financeiro, que reclama muito e quer resultado fiscal, mas não fala em limite da dívida. Essa é uma regra que existe no mundo inteiro. No fundo, as pessoas querem restrições de gasto e de renúncia fiscal para os outros, mas não para si. No caso da dívida pública, a preocupação que existe é a de que, em momentos de crise financeira aguda, o governo precisa socorrer o sistema bancário, como já aconteceu em 2008 e na pandemia de Covid, por exemplo. Embora a legislação tenha flexibilidade nesses casos, o que eu sinto é que os credores não querem correr risco. É algo paradoxal: eles reclamam que se deve muito, mas não querem limite da dívida, que é o ponto mais relevante da LRF que falta regulamentar.

[…] O arcabouço é uma lei complementar. O problema é que, no âmbito desta lei complementar, anteciparam metas específicas de sustentabilidade da dívida da União que, na minha opinião, deveriam estar em uma lei ordinária, que muda todo ano. A LRF resolveu isso remetendo à LDO, que é uma lei ordinária. As coisas mudam, você muda. Ora se faz superávit, ora se faz menos superávit ou até déficit. Acho que acabaram deixando o arcabouço muito rígido.”

Idas e vindas no percurso da matéria fizeram com que a precedente tentativa de regulamentar a dívida pública consolidada federal (PRS nº 84, de 2007) fosse arquivada em 21/12/2018. Desde então, a omissão inconstitucional [1] e suas consequências para o agravamento [2] das contas públicas brasileiras têm sido denunciadas, sem que a longa mora legislativa tenha sido, de fato, enfrentada.

Eis o contexto em que o PRS nº 8/2025 (disponível aqui) se apresenta como uma agenda inadiavelmente necessária. Afinal, não é porque um problema é antigo que ele deixa de ser um impasse que reclama solução.

Ao longo dos últimos 37 anos, as contas públicas brasileiras têm se ressentido da falta de balizas sistêmicas, capazes de equalizar a inibição da receita e a escalada das despesas financeiras, ampliando o foco usualmente incidente sobre as despesas primárias, como se sucedeu com a Emenda nº 95, de 2016.

Mesmo após transcorridos exatamente dois anos da edição da Lei Complementar nº 200, de 2023, não foi satisfatoriamente atendida a demanda da Emenda Constitucional nº 109, de 2021, que inseriu inciso VIII no artigo 163 da CF/1988 [3], para que lei complementar explicitasse o que seria a noção de sustentabilidade da dívida pública. Isso ocorre porque o artigo 2º, §§1º e 2º da LC 200/2023 [4] reduziu o foco do que seja dívida pública sustentável apenas ao alcance de metas de resultado primário.

É sintomático que o Teto de Despesas Primárias, sucedido pelo vulgarmente conhecido Novo Arcabouço Fiscal (NAF), respectivamente EC nº 95/2016 e LC nº 200/2023, sejam ambos regimes fiscais aplicáveis exclusivamente à União, enquanto a LRF (LC nº 101/2000) é a única norma, de fato, nacional, aplicável a todos os entes da federados. Apenas essa última reiterou a necessidade constitucional de fixação de limites de endividamento indistintamente para União, estados, DF e municípios.

Sendo o Senado a Casa da Federação, soa contraditório que a câmara alta do Congresso tenha cumprido seu papel ao fixar limites para a dívida consolidada os governos locais e regionais, por meio da Resolução nº 40/2001, sem que equivalente parâmetro tenha sido estabelecido para o governo central. Essa disparidade federativa amplifica a judicialização entre os entes políticos, em meio a uma guerra fiscal cada vez mais danosa para a sociedade.

O Tribunal de Contas da União já havia manifestado preocupação clara sobre essa omissão legislativa no âmbito do seu Acórdão nº 1.084/2018-Plenário. O TCU destacou que a ausência de limites formais para a dívida pública da União compromete a responsabilidade fiscal e torna inviável a transparência e o controle social esperados em um regime democrático.

No julgamento, o Tribunal salientou que a falta dos limites demandados pelo artigo 48, XIV e pelo artigo 52, VI da Constituição, respectivamente, limites de dívida mobiliária e consolidada, dificulta o exercício do controle externo sobre a dívida pública federal. Sem tal baliza normativa, o acompanhamento da sustentabilidade fiscal da União fica comprometido, abrindo espaço para riscos macroeconômicos significativos.

Em um dos seus trechos mais destacados, o Acórdão TCU 1084/2018 buscou informar ao Senado que a omissão em regulamentar os limites de dívida federal (artigos 48, XIV e 52, VI da CF/1988, bem como artigo 30 da LRF), bem como a falta de instituição do Conselho de Gestão Fiscal (artigo 67 da LRF) constituem-se como “fator[es] crítico[s] para a limitação do endividamento público e para a harmonização e a coordenação entre os entes da Federação”. Ambas são lacunas tão significativas que impedem o ordenamento jurídico brasileiro de consolidar um marco regulatório coerente e eficaz sobre o conjunto das finanças públicas do país

Sob todos os prismas temporais, o cenário que se apresenta é historicamente grave e não se revolverá com o mero decurso negligente dos anos, como se não fosse um problema. Trinta e sete anos desde a previsão originária da Constituição de que deveria haver limites de dívida pública para todos os entes da federação, 25 anos desde que a LRF demandou a imediata edição das normas reclamadas constitucionalmente, quatro anos da Emenda Emergencial que previu a necessidade de fixação do regime de sustentabilidade da dívida pública e dois anos da LC nº 200/2023, sem que haja, de fato e de direito, um arranjo jurídico sistêmico que permita monitorar mais de perto o peso das despesas financeiras e das opções de inibição da receita sobre a dívida pública federal.

Não basta monitorar os fluxos orçamentários, sem que se avalie o estoque acumulado da dívida pública, de modo a correlacionar a sua trajetória com os impactos trazidos pelo conjunto das políticas macroeconômicas ao longo do tempo. Afinal, como bem alertado por José Roberto Afonso, na mesma entrevista anteriormente citada, não cabe apenas pautar o debate pelo prisma da política fiscal a cargo do Tesouro Nacional, sem que sejam explicitadas as suas correlações com as políticas cambial, monetária e creditícia, sob responsabilidade do Banco Central:

“Outro vício antigo difícil de se resolver no Brasil é tratar a política fiscal isolada da política monetária, e a política monetária isolada da política cambial, isolada da política comercial, isolada da política social e assim por diante. Está valendo a regra de que cada um é dono do seu quadradinho e pronto. Nós não temos política macroeconômica no Brasil. Não temos equipe econômica. O Brasil deve ser o país que mais fala em política fiscal, mas trata a política fiscal como se fosse algo independente do resto. Ela é causa e consequência: afeta as demais políticas e também é afetada por elas. Temos de voltar a ter mais debates macroeconômicos, formulação de política macroeconômica, ter um plano estratégico. E, aí sim, a política fiscal se inserir nesse contexto. Isso, inclusive, não se resolve com lei. Muito disso tem a ver com prática, com cultura.”

A ausência de um parâmetro normativo claro para a dívida pública federal permite que ela cresça de forma opaca e potencialmente ilimitada por força da atuação do Banco Central, mesmo que as metas primárias venham a ser rigorosamente cumpridas, comprometendo a sustentabilidade financeira do país. Vale lembrar que, no período de agosto de 2024 a junho de 2025, a expansão da taxa básica de juros, a taxa Selic, em 4,5% equivaleu a praticamente o montante de um piso federal anual em saúde.

Dessa forma, o Novo Arcabouço Fiscal, embora tenha tentado avançar em aspectos relevantes, não supriu integralmente a lacuna normativa que o Senado Federal tem o dever constitucional de preencher, tornando urgente a aprovação do PRS nº 8/2025 para fortalecer o regime de responsabilidade fiscal brasileiro.

Para além de proporções específicas e tempo de recondução a limites que o debate político deve avaliar no curso da tramitação da proposta normativa, o que se busca aqui é defender a oportunidade, a relevância e a viabilidade do PRS nº 8/2025. Ali está previsto o dever de o Executivo federal prestar contas regularmente sobre a dívida pública, apresentando justificativas para eventuais desvios e ações corretivas para o cumprimento dos limites. Assim, o projeto fortalece o papel fiscalizador do Senado e amplia a transparência na gestão da dívida pública.

A fixação de limites para a dívida da União não é mero detalhe ou adereço residual em face do conjunto das finanças públicas brasileiras, mas uma questão central para a responsabilidade fiscal, o pacto federativo e a segurança jurídica das contas públicas.

O PRS nº 8/2025 representa, portanto, uma oportunidade singular para o Senado Federal reafirmar sua relevância institucional, regulando o endividamento da União e fechando uma lacuna normativa que compromete a sustentabilidade das finanças públicas e o federalismo brasileiro.

Ao garantir limites claros, transparência e mecanismos de controle, o projeto favorece a estabilidade econômica e social do Brasil. Assim, na iminência de celebrar 37 anos da Constituição Cidadã, o Senado pode e deve se posicionar com visão de futuro, fortalecendo o pacto federativo, a governança pública e a confiança da sociedade nas instituições, por meio da aprovação do PRS nº 8/2025.


[1] Como esta colunista, José Roberto Afonso e Lais Khaled Porto debatemos aqui

[2] No item 9.2 da parte dispositiva do Acórdão 1084/2018-Plenário (cujo inteiro teor está disponível aqui), o Tribunal de Contas da União informou “ao Presidente do Senado Federal que a não edição da Lei prevista no art. 48, inciso XIV, e da Resolução de que trata o art. 52, inciso VI, ambos da Constituição da República, para o estabelecimento de limites para os montantes das dívidas mobiliária federal e consolidada da União, assim como da lei que prevê a instituição do conselho de gestão fiscal, constitui fator crítico para a limitação do endividamento público e para a harmonização e a coordenação entre os entes da Federação, comprometendo, notadamente, a efetividade do controle realizado pelo Tribunal de Contas da União com base no art. 59, § 1º, inciso IV, da Lei Complementar 101/2000, e o exercício do controle social sobre o endividamento público e demais limites fiscais”.

[3] Que assim dispõe: “Art. 163.  Lei complementar disporá sobre:

[…] VIII – sustentabilidade da dívida, especificando:

a) indicadores de sua apuração;

b) níveis de compatibilidade dos resultados fiscais com a trajetória da dívida;

c) trajetória de convergência do montante da dívida com os limites definidos em legislação;

d) medidas de ajuste, suspensões e vedações;

e) planejamento de alienação de ativos com vistas à redução do montante da dívida.

Parágrafo único. A lei complementar de que trata o inciso VIII do caput deste artigo pode autorizar a aplicação das vedações previstas no art. 167-A desta Constituição.”

[4] Cujo inteiro teor é o seguinte: “Art. 2º […]

§1º. Considera-se compatível com a sustentabilidade da dívida pública o estabelecimento de metas de resultados primários, nos termos das leis de diretrizes orçamentárias, até a estabilização da relação entre a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) e o Produto Interno Bruto (PIB), conforme o Anexo de Metas Fiscais de que trata o § 5º do art. 4º da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000(Lei de Responsabilidade Fiscal).

§2º. A trajetória de convergência do montante da dívida, os indicadores de sua apuração e os níveis de compatibilidade dos resultados fiscais com a sustentabilidade da dívida constarão do Anexo de Metas Fiscais da lei de diretrizes orçamentárias.”

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OEA e o Trust and Check Trader na União Europeia

O comércio internacional está vivenciando um período de muitas mudanças, incertezas e grandes desafios. O período pós-Segunda Guerra Mundial, dos acordos de Bretton Woods e da assinatura do Gatt, em 1947, pelos 23 países signatários, foi marcado pela busca dos países por promoverem regras para o comércio internacional, estimulando-o. A ideia predominante era de liberalismo, neutralidade e livre concorrência, que se fizeram presentes nos princípios regentes do Gatt, como o da não discriminação, por sua vez estabelecido nas cláusulas da nação mais favorecida e do tratamento nacional [1]. Esse compromisso inicial foi reforçado ao longo das décadas que se seguiram, com maior ou menor intensidade, culminando com a criação da Organização Mundial do Comércio (OMC), em 1995.

Nesse período e nos anos que se seguiram, o mundo assistiu ao crescimento do fluxo global de comércio, do liberalismo, do multilateralismo e do deslocamento das unidades de produção para locais onde os custos fossem menores, com alocação de unidades de grandes corporações internacionais em países asiáticos e do leste europeu, permitindo o desmembramento da fabricação dos produtos e a formação das cadeias globais de valor. Cada etapa de um produto final passou a ser produzida em uma jurisdição distinta, sendo reunidas para montagem e exportação. Esse fenômeno ficou conhecido como offshoring, seguindo a lógica de produção e distribuição do just in time. Os anos que se seguiram à criação da OMC foram marcados pela globalização e o crescimento vertiginoso do comércio global, promovendo, entre outros efeitos, a retirada de milhares de pessoas da linha da pobreza [2].

Não obstante, uma série de acontecimentos tem impactado esse modelo e o cenário global de comércio, promovendo significativas alterações. A Covid-19 e a suspensão do fluxo global de pessoas e mercadorias  foram exemplos disso. Esse evento provocou a reflexão das empresas multinacionais e dos governos quanto à necessidade de terem suas fontes de produção mais próximas. Destacou também que, em situações de ameaça e necessidade, cada país defende o seu interesse, e que a dependência de produção de um só país eleva o nível de risco e subordinação, o que ameaça a soberania e autonomia das nações. Surgem os conceitos do nearshoringreshoring e do just in case, como reação à realidade vivenciada na pandemia. A guerra da Rússia com a Ucrânia e os conflitos no Oriente Médio são outros eventos que provocam grandes inseguranças e incertezas, instabilidade e divisão, pressionando a redefinição do comércio internacional.

Nos EUA, desde o período do primeiro governo de Trump, o discurso protecionista defendido sob o slogan “American First” levou à adoção de medidas contrárias aos princípios da OMC, outrora defendidos por esse mesmo país. Nessa linha, os EUA, desde 2017, vêm bloqueando a nomeação de juízes para o Órgão de Apelação da OMC, o que culminou com a paralisação do órgão em dezembro de 2019. A situação retirou da OMC a capacidade de analisar e julgar, em grau de recurso, conflitos comerciais entre os países membros, consequentemente, de aplicar sanções, reduzindo seu poder e representatividade no comércio global. O retorno de Trump à Casa Branca culminou em medidas contrárias e de ruptura com as regras da OMC, deflagrando verdadeira guerra tarifária em todo o mundo. As medidas de 2 de abril e de 1º de agosto marcaram flagrante desrespeito dos EUA com o sistema multilateral de comércio e o confronto com os princípios e regras de comércio estabelecidas no âmbito da OMC. Por mais que se tente, de certa forma, envernizar tais medidas de alguma sustentação de legitimidade, na exceção ao princípio de não discriminação por segurança nacional, elas carecem de base legal para se sustentarem.

Tudo isso impacta os custos de produção pelo mundo, especialmente em países como o Brasil, que tiveram definidas contra si pelos EUA, tarifas de 50% para 35,9% dos produtos de suas exportações para importadores americanos [3]. O Brasil adotou medidas para mitigar os enormes impactos [4]. O Plano Brasil Soberano [5] prevê, entre outras medidas:

  • prorrogação de prazos do drawback suspensão, inclusive do drawback intermediário (por mais um ano), medida essa aplicada também ao Recof, através da IN RFB n2276/2025;
  • diferimento do vencimento dos tributos federais (por dois meses);
  • prioridade na restituição e ressarcimento de tributos (PER/DCOMP);
  • novo Reintegra: 3,1% (grandes e médias empresas); 6% (micro e pequenas empresas).

Em meio a tudo isso, as empresas e os países que se veem prejudicados pelos efeitos da guerra tarifária foram compelidos a buscar soluções e alternativas, como identificar novos mercados, avaliar a possibilidade de mudarem a sede de sua planta produtiva para países não atingidos pelo tarifaço, utilizarem regimes aduaneiros especiais, como o depósito alfandegado certificado (DAC), que lhes dê prazo para a remessa física das mercadorias para os EUA, permitindo negociações e redirecionamentos para outros mercados.

Aduana e seus desafios

Nesse cenário, e a Aduana, como fica? Cada vez com mais funções e responsabilidades, e maior pressão para cumprir as normas internas nas fronteiras, como tem acontecido ao longo das décadas que se seguiram à criação da Conselho de Cooperação Aduaneira (CCA), em 1953. De um órgão responsável por cuidar principalmente da arrecadação de tributos, passou à função de grande guardião e protetor da sociedade, com um leque de temas expressivamente ampliado.

Nesse sentido, a Organização Mundial das Aduanas (OMA) e de resto as aduanas globais têm dois objetivos principais: (1) assegurar um ambiente favorável ao comércio legítimo, facilitando o fluxo de mercadorias, e (2) exercer o controle das operações, com foco no cumprimento das normas aduaneiras e na segurança da sociedade. À arrecadação dos tributos, somaram-se diversos outros temas para a fiscalização aduaneira se ocupar. Para citar alguns: a segurança contra o terrorismo, em face do tráfico, de drogas, de armas, de pessoas, as ameaças químicas, à saúde, ao meio ambiente, as novas demandas de controle de operações de empresas que poluem mais, ou menos, o controle de entradas de mercadorias cuja origem seja fruto de trabalho em condições escravas, controle de mercadorias que descumprem regras sanitárias e ameaçam a saúde da sociedade, que não seguem os padrões de qualidade, produtos falsificados, grandes ameaças no e-commerce cross-border, dado seu volume e riscos de fraude nas declarações de valores e pagamento de tributos. Diante de tudo isso, continuamente, as aduanas se veem desafiadas, a ampliar sua capacidade, reinventar-se e desenvolver mecanismos que lhe permitam cumprir sua missão.

Reforma aduaneira europeia

Para enfrentar esses desafios e se preparar para o futuro, a União Europeia publicou, em maio de 2023, normas para realizar uma reforma aduaneira, com visão de futuro, promovendo a sua preparação para atuar em 2040. Nesse pacote, os pilares são o estabelecimento de uma Autoridade Aduaneira da União Europeia para centralizar informações e dar suporte às autoridades aduaneiras de cada país membro; a criação de uma plataforma de dados aduaneiros da UE – Customs Data Hub – que permitirá, de um lado, a melhoria nos controles e, de outro, a simplificação dos procedimentos; um novo regime normativo para o e-commerce indicando as plataformas como importadores e devedores – deemed importers (importadores considerados), ampliando a capacidade de análise e gestão de risco dessas transações; criação da figura do Trust and Check Trader (TCT)que deverá conceder a aduana um amplo acesso aos seus sistemas e dados, em tempo real, tendo em contrapartida benefícios, como liberar suas importações no seu próprio estabelecimento, apurando si mesmo, os valores a recolher [6].

Em relação ao TCT, o reconhecimento será possível somente para importadores e exportadores, diversamente do que hoje permite o Operador Econômico Autorizado (OEA) vigente na União Europeia [7], na medida que são elegíveis também agentes de carga, despachantes aduaneiros, transportadores, depositários, terminais portuários e aeroportuários. Para ser reconhecido TCT, não basta ser AEO, há requisitos adicionais que deverão ser atendidos. Lado outro, os benefícios serão mais atrativos e palpáveis do que aqueles atualmente assegurados aos OEA, permitindo entrever um modelo mais avançado e atrativo. O OEA se manterá, para novos pedidos até 1/3/2032, valendo a certificação até 31/12/2037, quando passa a valer o TCT.

Nesse quadro de conformidades e segurança, de facilitação e controle, a figura de um operador que se aproxima da aduana e se posiciona como seu parceiro, que declara e promove ações para comprovar seu desejo de conformidade, de cumprimento espontâneo das normas e adoção de critérios de procedimentos que contribuem com a segurança nas cadeias globais de valor, tem se comprovado, desde a sua idealização, como essencial e indispensável. É preciso ter elementos objetivos para separar “o joio do trigo”. Nesse sentido, os programas operadores confiáveis têm que ser difundidos e propagados visando amplo reconhecimento de sua importância. Outrossim, é imprescindível que as administrações aduaneiras concedam os benefícios mais amplos e tangíveis possíveis a fim de se manter o estímulo e o resultado positivo na equação de investimentos/custos versus benefícios.

OEA, Brasil

No Brasil, segundo dados atualizados até 30/5/2025, publicados em 1/9/2025 [8], 683 CNPJs são certificados, sendo que cerca de 30% dos valores importados, seja em número de declarações registradas, ou valor CIF, estão sendo realizados por empresas OEA. Certamente o estoque de pedidos de certificação, sendo analisado, permitirá que esses volumes se ampliem. No entanto, para que se atinja o objetivo original do programa, de se ter 50% das declarações registradas por OEA, algumas medidas precisam avançar:

a) diferimento dos tributos na importação: está prevista no artigo 76, 3º, da LC 214/2025, a possibilidade de ocorrer, nos termos de regulamento, em relação ao IBS e à CBS. Também está previsto nos artigos 19 e 20 do PL 15/2024, para todos os tributos federais, podendo ser estendido ao AFRMM, à Taxa da Marinha Mercante e aos direitos antidumping. Essa medida deve ser implementada o quanto antes para todas as empresas OEA em relação a todos os tributos incidentes na importação, sejam federais ou estaduais;

b) ampliação do programa às tradings: notadamente com a migração das operações para o Portal Único e para a DUIMP, a ampliação da capacidade de gerenciar os riscos é notória e permitirá que essas empresas que desejem ser parceiras da RFB também estejam no rol daquelas elegíveis;

c) imediata inclusão do despachante aduaneiro: como elo presente em quase todas as declarações registradas no país, o despachante aduaneiro precisa ser inserido e poder demonstrar seu compromisso com a conformidade e a segurança, auxiliando a aduana no seu dever de gerenciar riscos de maneira inteligente e eficaz;

d) desembaraço no domicílio do importador: permitir que os operadores OEA nas modalidades segurança e conformidade possam receber suas cargas e transportá-las de imediato para seus estabelecimentos, e lá promoverem a sua liberação;

e) dispensa de garantia para entrega de mercadorias em caso de exigências no curso de um despacho de importação, separando o fluxo físico da carga, das questões discutidas em termos de aplicação de normas, exceto se o caso for de proibição daquela importação. Nesse sentido, destacam-se a norma 5.4 da CQR/OMA e o artigo 3.1 do AFC/OMC;

f) Priorização na compensação de créditos decorrentes de retificação e cancelamento de declarações, quando aplicável: priorização ou a definição de um prazo para a compensação de créditos decorrentes da retificação ou cancelamento de declarações;

g) autorregularização: possibilidade prevista no artigo 21 do PL 15/2024, de forma que o interveniente OEA seja comunicado quanto à identificação de alguma infração, permitindo-lhe realizar sua autodenúncia. Essa realidade afastaria a aplicação das penalidades de ofício impróprias a um interveniente que preza por boas práticas já avaliadas e convalidadas pela administração aduaneira. Se incorre em eventuais erros, são escusáveis. Seria o caso de lhe assegurar a regularização sem aplicação de nenhuma penalidade, ou multa de mora, tão somente exigindo-lhe a atualização do crédito, se devido.

Tais medidas, inclusive, ampliariam a capacidade competitiva das empresas brasileiras, notadamente daquelas OEA e exportadoras para os EUA, que precisam de todos os reforços possíveis nesse momento de grandes desafios. Essas alterações poderiam ser incluídas, ainda que de modo excepcional, para auxiliá-las nesse momento, em conjunto com as demais medidas já adotadas pelo Governo Federal.

Congresso

Sobre o tema Trust and Check Trader, na sexta-feira, dia 05/09,  participaremos da XVII Reunião Mundial de Direito Aduaneiro, promovido pela ICLA – International Customs Law Academy [9], na cidade do Porto, em Portugal, em painel sob o título Padrões para cadeias logísticas seguras e a redefinição do OEA para o T&C Trader”. Antecedendo esse painel, Rosaldo Trevisan, colega dessa coluna, moderará o painel em que o Subsecretário de Administração Aduaneira, dr. Fabiano Coelho, fará conferência sobre “Riscos para segurança, proteção do cidadão e comércio internacional legítimo. O Congresso iniciará amanhã com a participação de congressistas de mais de 30 países, prosseguindo com dois dias de intensas atividades.

Em um cenário tão incerto e desafiador no comércio internacional, a reunião de tantos estudiosos e especialistas, certamente, propiciará, pela permuta de experiências, novas ideias, reflexões, e oxalá, alternativas e soluções para uma atividade aduaneira eficiente que possa auxiliar na promoção do comércio global legítimo e seguro.


[1] TREVISAN, Rosaldo. O imposto de importação e o direito aduaneiro internacional. São Paulo: Aduaneiras, 2017, p. 86-89.

[2] Há estudos do Banco Mundial e da OMC sobre os efeitos positivos da globalização para redução da pobreza. Disponível em linklink . Acesso: 29/8/2025.

[3] Disponível em: link . Acesso em 29/08/2025.

[4] Segundo estudos realizados pela CNI, a queda no PIB brasileiro será de R$ 19,2 bilhões (0,16%), a redução nas exportações de R$ 52 bilhões e a deve ocorrer a perda de 110 mil postos de trabalho. Disponível em: link . Acesso em 29/08/2025.

[5] Disponível em: link . Acesso em 29/08/2025.

[6] PICKETT, Eric and WOLFFANG, Hans-Michael. The European Commission’s Proposal for a Modernised Union Customs Code: A Brief IntroductionWorld Customs Journal, vol. 17, Issue 02, 2023, September 30, 2023. Disponível em: link. Acesso em 29/8/2025.

[7] LEONARDO, Fernando Pieri. O AEO no direito aduaneiro europeu. In: PEREIRA, Tania Carvalhais (ed.). Direito Aduaneiro: coletânea de textos. Lisboa: Universidade Católica, 2022.

[8] Disponível em: link. Acesso em 29/8/2025.

[9] https://www.iclaweb.org/porto-portugal2025

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‘Gentileza e compaixão’: Frank Caprio viralizou com julgamentos humanos e bem-humorados

“Onde pessoas e casos são atendidos com gentileza e compaixão”. A sinopse do reality show norte-americano Caught in Providence descreve dessa forma a sala do Tribunal Municipal de Providence (Rhode Island) devido aos quase 40 anos de atuação de Francesco Caprio (1936 – 2025) no juízo.

Filho de imigrantes italianos, o juiz Frank Caprio, como ficou conhecido, conquistou o público com sua forma humanizada e bem-humorada de conduzir julgamentos e apreciar infrações de trânsito na capital do estado de Rhode Island, nos EUA.

As sessões eram gravadas e exibidas no programa que, segundo informação da ABC News, foi ao ar por mais de duas décadas na televisão local, até ser transmitido nacionalmente a partir de 2018. Por ocasião da aposentadoria do magistrado em 2023, a última temporada do show foi lançada no ano seguinte.

canal oficial do Caught in Providence no YouTube conta com 2,9 milhões de inscritos e reúne mais de 1.900 vídeos. E foi a publicação de trechos do programa na internet que contribuiu para a disseminação global da fama de Frank Caprio como “o juiz mais gentil dos Estados Unidos” e, depois, do mundo.

Justiça de verdade

É difícil considerar a alcunha indevida após assistir ao julgamento de Victor Coella, cuja gravação viralizou em 2019. O vídeo mostra a ida do homem, à época com 96 anos, ao tribunal. Ele havia sido multado por ultrapassar o limite de velocidade em uma área escolar.

Caprio permite ao réu apresentar sua versão do fato. Então o réu conta que estava levando seu filho ao hospital. Explica que o filho era pessoa com deficiência, tinha 63 anos e lutava contra um câncer.

“Você é um bom homem, representa tudo aquilo que são os Estados Unidos: aqui está, aos noventa, e continuar tomando conta da sua família… É algo maravilhoso. Senhor, eu te desejo tudo de bom, desejo o melhor para o seu filho. O seu caso está encerrado. Boa sorte, que Deus te abençoe”, diz o julgador depois de ouvir a história.

Frank Caprio morreu na quarta-feira (20/8), aos 88 anos, ao tratar um câncer no pâncreas. Deixou a esposa, Joyce E. Caprio, com quem foi casado por mais de 50 anos e teve cinco filhos, sete netos e dois bisnetos.

Assista ao julgamento de Victor Coella:

O post ‘Gentileza e compaixão’: Frank Caprio viralizou com julgamentos humanos e bem-humorados apareceu primeiro em Consultor Jurídico.