Uso do princípio da anterioridade tributária no planejamento patrimonial

Em matéria de Direito Tributário, o ano de 2023 foi marcado pela aprovação da reforma tributária (PEC 45/2019) em 15 de dezembro, tendo sua promulgação sido feita em 20 de dezembro de 2023 como Emenda Constitucional nº 132, após aprovação em dois turnos pela Câmara dos Deputados.

Após entrar em vigor, a reforma contará com um período de adaptação gradativo, estimado para os próximos anos e se estendendo até 2033, quando estará apta a exercer todos os seus efeitos de maneira plena e estável.

Contudo, os efeitos da reforma tributária são sabidamente interdisciplinares e afetam outras áreas do direito, como o Direito Civil, Empresarial e Sucessório, aumentando, portanto, a complexidade do processo de adaptação das novas regras.

Quando falamos em reforma tributária, há uma gama de assuntos os quais se relacionam entre si e ligam-se à reforma, sendo diretamente afetados por ela, como por exemplo o planejamento patrimonial e o planejamento sucessório, dois tópicos do direito amplamente debatidos na atualidade e que se fazem cada vez mais presentes na organização de vida das pessoas.

Apesar de serem institutos diferentes, na grande maioria das vezes o planejamento patrimonial e o planejamento sucessório andam juntos, uma vez que ao planejar a sucessão, automaticamente planeja-se seu patrimônio, o que não ocorre necessariamente no caso contrário, já que o planejamento patrimonial é mais amplo e abrange outras áreas da vida do indivíduo.

A seguir, estudaremos o porquê 2024 é um ano estratégico para as pessoas que têm interesse em planejar seu patrimônio da melhor forma possível agirem em prol da organização, evitando a onerosidade e a complexidade que a reforma tributária vem trazendo através do sistema tributário nos próximos anos.

Algumas mudanças trazidas pela Emenda Constitucional 132

Primeiramente, se faz necessário relembrar algumas mudanças relevantes trazidas pela Emenda Constitucional nº 132 de 2023. Em termos de planejamento, seja sucessório ou patrimonial, a reforma tributária trouxe algumas modificações importantes em relação ao Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), modificando o artigo 155 da Constituição e instituindo:

1. Progressividade de alíquota:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

I – transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;

§1º O imposto previsto no inciso I:

VI – será progressivo em razão do valor do quinhão, do legado ou da doação;​

O novo texto trazido pela Emenda Constitucional 132/2023 obriga os estados que utilizam a alíquota fixa a modificar seu sistema para cobrar o imposto de forma progressiva, observando o teto e o piso que serão definidos por legislação complementar em momento oportuno pelos estados e pela federação, conforme definido pela EC.

2. Competência tributária:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

I – transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos; (…)

§1º O imposto previsto no inciso I:

I – relativamente a bens imóveis e respectivos direitos, compete ao Estado da situação do bem, ou ao Distrito Federal;

II – relativamente a bens móveis, títulos e créditos, compete ao Estado onde era domiciliado o de cujus, ou tiver domicílio o doador, ou ao Distrito Federal;

Ainda em relação ao artigo 155 da Constituição, a Emenda Constitucional n. 132 limitou a competência para cobrança de impostos sobre as Transmissões Causa Mortis e Doações, sendo agora de competência do estado de situação do bem quando se tratar de bens imóveis e do estado de domicílio do de cujus ou doador em caso de bens móveis, títulos e créditos.

Princípio da anterioridade tributária

Após relembrarmos as duas principais mudanças trazidas pela reforma que mais geram impacto em questões de planejamento patrimonial, é importante falarmos um pouco sobre um princípio muito importante no direito tributário: o Princípio da Anterioridade Tributária, previsto no artiogo 150 da Constituição.

De acordo com os ensinamentos de Luis Eduardo Schoueri (2023), “princípio da Anterioridade impõe a existência de um prazo entre a lei que institui ou aumenta um tributo e o início de sua vigência”.

O princípio da anterioridade é dividido em duas categorias: o genérico, ou anual, que institui que o fisco não poderá cobrar tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; e o nonagesimal, que dá um prazo de noventa dias da publicação da lei que instituiu ou aumentou os impostos para que estes sejam cobrados. Schoueri (2023), explica que:

(…) em regra, para que um tributo seja exigido em 1º de janeiro de um ano, deverá a lei que o instituiu ter sido publicada até o dia 3 de outubro do ano anterior, i.e., 90 dias antes do dia 1º de janeiro. Nada impede que seja a lei editada em 31 de dezembro. Afastar-se-á, entretanto, a data de 1º de janeiro, cobrando-se o tributo no ano seguinte, apenas com 90 dias contados da publicação.

No caso da reforma tributária, mais especificamente se tratando do ITCMD, ambos os princípios podem — e devem — ser aplicados, visando evitar uma possível surpresa ao contribuinte diante de uma cobrança de imposto inesperada.

Falta de legislação complementar

Unindo-se ao princípio da anterioridade, ainda destaca-se a ausência de legislação complementar por parte dos estados. A reforma tributária foi aprovada e promulgada de tal forma que gerou receio na maioria dos brasileiros.

A verdade é que, para aqueles que visam estratégias de planejamento patrimonial, a melhor delas é agir em 2024. Isso porque ainda não existem legislações complementares para que a instituição dos novos impostos seja feita e, por se tratar de um processo um pouco mais complexo, o prazo para que as leis sejam encaminhadas para análise é mais longo, permitindo que o ano de 2024 seja  decisivo em termos de planejamento, já que as leis provavelmente somente serão aprovadas no final do ano.

De acordo com o artigo 18, inciso II da Emenda Constitucional n. 132/2023, o Poder Executivo tem um prazo de 180 dias para enviar os projetos de Lei Complementar referidos na EC nº 132 para que sejam devidamente analisados.

Diante disso, podemos concluir que 2024 é um ano seguro mas extremamente decisivo para aqueles que querem se planejar visando evitar a onerosidade e complexidade que surgirão nos próximos anos a partir da reforma tributária.

Os impactos da reforma, principalmente no que tange ao ITCMD, matéria de maior foco na reforma pelo viés patrimonial, podem ser estrategicamente driblados em 2024, principalmente contando com o auxílio de profissionais qualificados e que dominam o Planejamento Patrimonial e Sucessório.


Referências

SCHOUERI, Luís E. Direito tributário. [Digite o Local da Editora]: Editora Saraiva, 2023. E-book. ISBN 9786553626041. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786553626041/. Acesso em: 25 mar. 2024.

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc132.htm

https://www.aurum.com.br/blog/principio-da-anterioridade-tributaria/

O ITCMD progressivo e a anterioridade na reforma tributária

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Comissão aprova proposta que amplia lista de vítimas que agravam pena para estelionato

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei que amplia o rol de vítimas que podem agravar a pena para estelionato, crime que envolve práticas como golpe financeiro ou o golpe do bilhete premiado.

Flávio Nogueira apresentou substitutivo
Flávio Nogueira apresentou substitutivo – Vinicius Loures / Câmara dos Deputados

Pelo texto, a pena para estelionato (reclusão de um a cinco anos) será aumentada de 1/3 ao dobro quando a vítima for criança, adolescente, idoso ou pessoa com deficiência ou baixo nível de escolaridade. Hoje, o Código Penal prevê a agravante apenas quando o crime é cometido contra idoso ou vulnerável.

O Projeto de Lei 2663/23 ainda será analisado no Plenário da Câmara dos Deputados.

Mudança
A proposta é do deputado Pastor Gil (MA), que atualmente está licenciado. O relator, deputado Flávio Nogueira (PT-PI), apresentou parecer favorável, na forma de um substitutivo. O texto original triplicava a pena de estelionato praticado contra pessoa vulnerável.

Por acordo com outros integrantes da CCJ, Nogueira manteve a pena atual, ampliando o rol de vítimas. Ele acredita que a medida evita a criação de “uma anomalia jurídica no tipo penal do estelionato”.

“Não há nenhuma previsão similar no Código Penal de triplicação direta da pena, só em alguns crimes contra a vida com resultado em morte”, disse.

Fonte: Câmara dos Deputados

Transformação do Banco Central em empresa pública deve corroer sua autonomia

A transformação do Banco Central em empresa pública, como pretende a Proposta de Emenda à Constituição 65, defendida pelo presidente da instituição, Roberto Campos Neto, vai ampliar a ingerência do Congresso no banco e, consequentemente, corroer sua independência.

 

 

 

 

 

 

 

 

Essa percepção é dos especialistas entrevistados pela revista eletrônica Consultor Jurídico, que também apontam para outro problema: o poder de polícia do Banco Central. A autarquia é encarregada de fiscalizar o sistema financeiro, incluindo, por exemplo, o auxílio às autoridades na prevenção à lavagem de dinheiro. E, para os estudiosos, essa atuação é incompatível com o status de empresa pública, como está na proposta.

O texto da PEC altera o artigo 164 da Constituição para modificar a natureza jurídica do Banco Central. Essa alteração, caso aprovada, será sucedida de lei complementar para regulamentar essa nova organização, chamada pelos entrevistados de “carta em branco” para o Congresso decidir, ao seu sabor, sobre cargos de confiança e a fiscalização da política monetária, por exemplo.

O artigo citado passaria a afirmar, em seu parágrafo 7º, que a fiscalização “contábil, orçamentária, financeira, operacional e patrimonial do Banco Central, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas será exercida pelo Congresso, mediante controle externo, com o auxílio do Tribunal de Contas da União, e pelo sistema de controle interno do Banco Central”.

Mudar a natureza do BC de autarquia especial — pessoa jurídica de Direito Público — para empresa pública — que figura no âmbito do Direito Privado — faria o banco ter menos ferramentas para exercer seu trabalho de forma independente, diz o professor do Insper e advogado André Castro Carvalho. “A empresa não vai ter garantias como precatórios, por exemplo. Ela terá menos prerrogativas e, no fim, perderá autonomia.”

“É uma redação truncada em relação à supervisão do Banco Central. É como se entregasse a fiscalização de vez ao Congresso. E isso é sensível porque a gestão do BC requer duplo distanciamento, tanto das pressões políticas quanto das pressões de mercado”, afirma o professor da UFPI e procurador do Ministério Público de Contas do Piauí Leandro Maciel do Nascimento.

“Quando se tem uma maior ingerência do Legislativo, há esse grande risco de captura. Se o BC, por exemplo, se transformasse em empresa pública com cargos e salários muito elevados, aumentaria esse risco. É possível que a independência do banco seja comprometida, porque ele vai ficar mais atrativo (para a classe política). É como se o BC entrasse no jogo das estatais”, completa Nascimento.

 

Transparência minada

A professora da Fundação Getulio Vargas e procuradora do Ministério Público de Contas de São Paulo Élida Graziane Pinto publicou artigo na ConJur defendendo a regulamentação da Lei Complementar 179/2021, que definiu a autonomia do Banco Central, e a revisão do Decreto 3088/1999, que determinou o sistema de metas de inflação. Segundo ela, a PEC, além de comprometer a fiscalização do BC, ainda mina sua transparência.

“O Executivo perderia a competência privativa para regular a organização da administração pública federal e a sociedade perderia o controle republicano dos entes que exercem competências regulatórias mais poderosas e suscetíveis à captura pelo mercado.”

O poder de polícia atribuído ao Banco Central é outro ponto delicado. O Supremo Tribunal Federal decidiu, em sede de repercussão geral (RE 633.782), que estatais “de capital social majoritariamente público que prestem exclusivamente serviço público de atuação própria do Estado e em regime não concorrencial” podem exercer esse poder.

A discussão no STF, no entanto, abarcou questões de multas de trânsito, que têm natureza distinta da atuação do BC — o banco age na prevenção de crimes financeiros, como evasão de divisas e lavagem de dinheiro, e fiscaliza operações no mercado de capitais.

“Existe uma incompatibilidade de fiscalização, regulação e poder de polícia com a nova natureza jurídica do BC que seria instituída a partir da aprovação dessa PEC. Via de regra, não se aceita esse tipo de atribuição para entidades privadas e estatais, por isso salta aos olhos essa proposta”, diz Gustavo Justino de Oliveira, professor de Direito Administrativo da Universidade de São Paulo e do IDP em Brasília.

Justino também endossa a posição de que há riscos à autonomia do BC em caso de transformação da autarquia em estatal.

“Enquanto autarquia, a maior parte dos cargos é preenchida por servidores de carreira. Isso blinda a própria entidade de influências políticas. É delicado você pensar que, a partir da transformação em empresa pública, outros cargos podem ser preenchidos por indicação política. E a blindagem de hoje é justamente para que ele possa exercer de forma independente suas atividades.”

 

Problemas intactos

Um dos argumentos citados por Campos Neto para defender a proposta é o da suposta fuga de cérebros do BC, tendo em vista as diferenças de salários da autarquia em relação à iniciativa privada e às estatais. Segundo ele, a transformação em empresa pública poderia fazer com que os vencimentos fossem maiores, sem precisar respeitar o teto do serviço público (hoje equivalente ao salário de ministro do STF).

Os especialistas contestam essa perspectiva e temem a equiparação do BC a estatais como o Banco do Brasil e o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), que têm executivos com salários altíssimos, mas são contaminadas pela política partidária. Mesmo assim, dizem eles, não haveria como comparar os salários de uma empresa pública com os oferecidos pelas corporações privadas.

“Se compararmos com a gestão anterior da Caixa Econômica Federal, por exemplo, vemos que o então presidente (Pedro Guimarães) complementava seu salário com posição em conselhos. Ou seja, mesmo em uma empresa pública, não há como pagar salários de mercado, e provavelmente aconteceria a mesma coisa”, diz André Castro Carvalho.

Jefferson Alvares, ex-advogado do Fundo Monetário Internacional e estudioso do funcionamento de bancos centrais em outros países, afirma que um dos principais questionamentos dos funcionários da autarquia brasileira é o sucateamento da carreira. A PEC, que transforma os funcionários em celetistas e retira sua estabilidade, não tem resposta para essa reivindicação, segundo ele, e ainda abre espaço para mais pressões políticas.

“Vamos tirar a estabilidade de uma entidade que é supercontroversa e muito relevante para o bem-estar econômico? Isso exporia muito a entidade a pressões políticas. Ainda que a gente conseguisse formatar na lei uma estrutura institucional muito adequada, a pressão poderia se fazer via política salarial, perseguição política ou demissões.”

Alvares, que é entusiasta de mais autonomia ao BC, diz que a PEC pode até ter boas intenções ao tentar suprimir determinados gargalos da autarquia, mas ele acredita que o texto apenas abre um flanco para que os legisladores decidam sobre a organização do banco.

“O BC consegue um naco de autonomia e, ao invés de seus dirigentes fazerem uma autocontenção do jogo político, eles se lançam de cabeça nesse confronto. É um grande desserviço à própria construção da cultura de autonomia do banco “, diz o procurador.

Élida Graziane Pinto, por sua vez, teme um movimento de outras autarquias buscando o mesmo caminho do BC.

“Se o BC conseguir essa autonomia via PEC para se tornar empresa estatal não dependente, para contornar as restrições do teto remuneratório do serviço público e os limites orçamentário-financeiros, pode abrir o risco de um estouro de manada para todos os demais entes da administração indireta, que potencialmente o mercado e o Congresso queiram ‘excetuar’ das amarras do regime publicístico.”

 

PEC por quê?

Os estudiosos do tema entrevistados pela ConJur não têm resposta para essa pergunta. A cruzada de Campos Neto contra a deterioração da carreira e para aprofundar a independência do BC, dizem eles, não requer nenhuma alteração na Constituição.

Pontos como os concursos públicos, que o banco não faz desde 2013 (a autarquia abriu neste ano um certame após 11 anos), e a dependência do Executivo para tomar determinadas decisões orçamentárias poderiam ser tratados sem necessidade de PEC.

“Houve uma falha de análise de cenário. Eles abriram a estrada, mas não pavimentaram. Bastaria vincular as receitas do BC aos próprios gastos”, diz  Jefferson Alvares.

“O BC tem à sua disposição uma carteira volumosa de títulos para execução, e por previsão legal o Tesouro é obrigado a manter esse nível. Ou seja, para a sua atividade finalística, seu custeio não precisa de orçamento prévio”, diz o procurador Leandro Maciel. Segundo ele, a ideia de mudar o teto remuneratório a partir da transformação da natureza jurídica do banco “não é compatível com a finalidade do BC”. “É um risco que não interessa ao país.”

“Se o objetivo é melhorar, poderia se aplicar determinados padrões de governança das estatais, no sentido de ter controle técnico de quem ocupa as funções. Outro ponto é a gestão de risco, que o BC já tem, mas poderia ser mais estimulada internamente. Decisões com mais governança tendem a ser mais legítimas. Isso nem precisaria de PEC, bastaria um decreto”, diz o professor Andre Castro Carvalho.

 

Clique aqui para ler a proposta
PEC 65/2024

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Projeto garante direito de gravar audiência judicial

O Projeto de Lei 685/24 garante a gravação de audiência de atos processuais e administrativos, independentemente de autorização judicial. O texto também torna crime impedir esse tipo de registro.

Cabo Gilberto Silva discursa na tribuna do Plenário
Gilberto Silva: “As partes e seus advogados têm o direito de produzir provas em seu favor” – Mario Agra / Câmara dos Deputados

Pela proposta, a gravação poderá ser feita pelo autor do processo, pelo réu e seus representantes, e não precisam ser repassadas para a outra parte ou mesmo para o juiz, salvo requisição nesse sentido.

Segundo o deputado Cabo Gilberto Silva (PL-PB), autor da proposta que tramita na Câmara dos Deputados, recentes situações vivenciadas no País evidenciaram a necessidade de regulamentar o direito à gravação de audiências. “Magistrados têm impedido a realização da gravação sem apresentar motivação plausível, o que gera insegurança jurídica e impede o pleno exercício do direito de defesa”, argumenta o parlamentar.

Silva considera que a gravação das audiências permite maior transparência dos atos processuais, pois permite o acompanhamento pela sociedade civil e fortalece o controle social sobre o Judiciário. “As partes e seus advogados têm o direito de produzir provas em seu favor, e a gravação da audiência constitui importante instrumento para a preservação de seus depoimentos e declarações”, disse.

A proposta insere a mudança nos códigos de processo civil, penal  e penal militar .

 

Crime
Impedir a gravação gera pena de 1 a 3 anos de reclusão, de acordo com a proposta. O texto insere o novo crime na Lei de Abuso da Autoridade.

A mudança legal, para Silva, reforça a importância do direito à gravação de audiências e serve como um mecanismo para evitar que autoridades tentem obstruir o acesso à justiça. “A punição criminal para tal conduta demonstra o compromisso do Estado com a transparência e o controle social do Poder Judiciário”, disse.

Próximos passos
A proposta tramita em caráter conclusivo e será analisada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Fonte: Câmara dos Deputados

Projeto prevê licença-maternidade e paternidade para estudantes

O Projeto de Lei 869/24 garante a estudantes de instituições públicas e privadas, em todos os níveis de ensino, o direito à licença-maternidade de 120 dias e à licença-paternidade de cinco dias. O texto altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e está sendo analisado pela Câmara dos Deputados.

 
Vermelho discursa na tribuna do Plenário
Vermelho acredita que medida vai reduzir evasão escolar – Zeca Ribeiro / Câmara dos Deputados

Segundo a proposta, as instituições de ensino públicas e privadas deverão assegurar ao estudante o retorno às aulas sem prejuízo do seu desenvolvimento acadêmico.

“Estender aos estudantes o direito à licença-maternidade e à licença-paternidade permitirá aos pais dedicar-se aos cuidados do filho nos primeiros meses de vida. E ainda, no âmbito da educação, serão essenciais para evitar a evasão escolar e o baixo desempenho acadêmico dos estudantes”, argumenta o autor, deputado Vermelho (PL-PR).

As licenças-maternidade e paternidade são direitos constitucionais previstos para empregados na forma estabelecida pela Consolidação das Leis do trabalho (CLT), sem prejuízo do emprego e do salário.

Próximos Passos
O projeto será analisado, em caráter conclusivo, pelas comissões de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família; de Educação; de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Fonte: Câmara dos Deputados

Caso 123 Milhas: Lei 5.768/71 disciplina captação de poupança popular e garantiria consumidor

A compra de passagens aéreas baratas é um sonho do consumidor brasileiro. O exercício da liberdade de ir e vir em um país continental carente de meios de transportes eficientes ajuda a explicar esta imensa necessidade.

Parte deste sonho se tornou um pesadelo para mais de meio milhão de consumidores que contrataram com a 123 Milhas e suas empresas agregadas. Após o pagamento do preço, os consumidores foram surpreendidos com a notícia que não seria possível emitir o bilhete aéreo. [1]

A solução dada pela empresa seria a emissão de um voucher que poderia ser parcialmente utilizado para compra de um novo direito de emissão do bilhete aéreo. Em outras palavras, o que foi pago não seria restituído. Para viajar, os consumidores poderiam utilizar parcialmente o voucher e teriam que complementar com um novo pagamento.

Há muitos aspectos que merecem uma análise mais detida, como vem sendo realizado pelo Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. Senacon, Procons, Ministério Público, Defensoria Pública e Associações de Consumidores tem trabalhado intensamente para atender e endereçar as inúmeras reclamações dos consumidores.

Da mesma forma, a Câmara dos Deputados, representada por seus parlamentares, trouxe o tema para debate e emprestaram a visibilidade necessária para o drama de meio milhão de consumidores.

Venda de bilhetes

Entre os debates, um nos pareceu fundamental. A venda de direitos de emissão de bilhetes aéreos é diferente da venda de bilhetes aéreos. A emissão do bilhete é a materialização do contrato de transporte aéreo. É ele que assegura ao consumidor o direito de embarcar na aeronave no dia, horário e assento indicado e assim realizar a viagem pretendida.

Reprodução

A venda de direitos de emissão do bilhete é uma promessa de venda de direitos que foi ofertada aos consumidores. A publicidade era muito clara e quase onipresente nos diversos canais da mídia, inclusive nos aeroportos, um espaço público regulado, o que contribuía para sua credibilidade.

O pagamento do preço da oferta promocional prometia o direito de indicar datas e horários, em um momento futuro para emissão do bilhete aéreo. Não havia a emissão dos bilhetes, mas apenas a expectativa de um direito.

O Código de Defesa do Consumidor estabeleceu há 33 anos o princípio da vinculação (artigo 30). O que foi prometido, desde que suficientemente preciso, deve ser cumprido pelo fornecedor. Para que o direito fosse efetivo, foi instituído no artigo 35 a execução específica da oferta, isto é, aquilo que foi ofertado poderia ser exigido pelos consumidores, inclusive judicialmente.

Da mesma forma e tão importante quanto tais direitos, temos o artigo 7º, da norma de proteção do consumidor. Nele está previsto, nas lições de Claudia Lima Marques, o diálogo das fontes, o que assegura aos consumidores a aplicação da norma mais protetiva aos seus direitos.

Lei de 1971

Neste sentido, nos parece fundamental resgatar a Lei nº 5.768, de 20 de dezembro de 1971, que estabelece, entre outras, a disciplina de captação de poupança popular.

Receber dos consumidores pagamentos com a promessa de realizar direitos no futuro, mediante oferta pública, depende de prévia autorização do Ministério da Fazenda ou de outras autoridades e órgãos oficiais, conforme prevê de forma expressa seu artigo 7º e inciso III.

Trata-se de uma medida protetiva da sociedade e sobretudo de sua boa-fé. Captar dinheiro no momento presente para entrega de direitos futuros, com oferta pública, representa um imenso risco para sociedade. Por isso, a necessidade de prévia autorização que examina as garantias e a forma de gestão dos recursos captados dos consumidores.

A autorização governamental é uma medida preventiva. Ela tenta preservar a poupança, isto é, a reserva de dinheiro que o consumidor aplicou na empresa com a expectativa de ver realizado o seu direito.

Caso a medida de prevenção não funcione, a lei vai além e estabelece o principal mecanismo para proteção do dinheiro dos consumidores. No artigo 11, a lei declara que os sócios, diretores, gerentes e prepostos com função de gestão são depositários do dinheiro do consumidor até o cumprimento da obrigação contratada.

A proteção da poupança dos consumidores implica na impossibilidade de utilização dos recursos até que ocorra o cumprimento da obrigação. Por esta razão, a lei estabelece a solidariedade dos sócios, diretores, gerentes e prepostos com função de gestão com a empresa. São as pessoas físicas, que não se confundem com a empresa, que também passam a responder pelos valores que foram entregues pelos consumidores.

De forma acertada, a lei estabelece uma blindagem do dinheiro do consumidor. Impede que a empresa utilize estes recursos e estabelece de forma expressa a solidariedade com as pessoas que participam da gestão da empresa e destes recursos, implicando de forma expressa, os sócios, diretores, gerentes e prepostos.

Poupança popular

A captação de recursos dos consumidores é protegida pelo Código de Defesa do Consumidor e pela Lei de Captação de Poupança Popular. A engenharia jurídica é precisa e simples. Ela blinda o dinheiro do consumidor e atribui responsabilidade para a pessoa jurídica e física que captam e fazem a gestão destes recursos.

Seria fundamental, diante de nossa história, que o caso 123 Milhas representasse um exemplo em que os direitos dos consumidores fossem assegurados. Que aqueles que acreditaram nas ofertas realizadas sejam protegidos e tenham sua boa-fé prestigiada.

Toda crise é fonte genuína de oportunidades. Se há o risco de retrocesso, há possibilidades imensas de avanços. Após 33 anos, o Código de Defesa do Consumidor nos deixou uma sociedade e um Sistema Nacional de Defesa do Consumidor mais maduro.

Instituições de Estado como Senacon, Procons, Ministério Público, Defensoria Pública e as associações de consumidores, que representam a sociedade, possuem imensa experiência e expertise para tratar casos complexos e graves para os direitos dos consumidores.

O Poder Judiciário, tão fundamental para o avanço do direito do consumidor, assegura a concretização, diária, de incontáveis direitos dos consumidores.

O mercado também amadureceu e desenvolveu seus compromissos e responsabilidades. Não é o mesmo de 33 anos atrás. Já não discutem a aplicação e o respeito dos direitos dos consumidores.

Há uma oportunidade genuína para que o Caso 123 milhas seja um exemplo positivo de respeito aos direitos e normas de proteção ao consumidor. Espera-se uma saída que considere todo o patrimônio de valores que foram construídos ao longo dos 33 anos de defesa do consumidor.

E, que a conta não seja paga ou suportada pelas pessoas que acreditaram e confiaram seus recursos para empresa. Pessoas que não se confundem com sócios, parceiros ou investidores, mas consumidores.

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[1] Ver o nosso Sentença Recuperação Judicial 123 Milhas, RDC. v. 150. P. 423

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Fraude à dívida ativa tributária e princípio da segurança jurídica

Segundo o caput do artigo 185 do CTN (Código Tributário Nacional), com a redação conferida pela Lei Complementar 118/2005, “presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa”.

O parágrafo único do mesmo artigo determina que tal regra “não se aplica na hipótese de terem sido reservados, pelo devedor, bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida inscrita”.

Interpretando tal regra legal, prevalece no Superior Tribunal de Justiça (STJ) o entendimento segundo o qual “a natureza jurídica tributária do crédito conduz a que a simples alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, pelo sujeito passivo por quantia inscrita em dívida ativa, sem a reserva de meios para a quitação do débito, gera presunção absoluta (jure et de jure) de fraude à execução (lei especial que se sobrepõe ao regime de direito processual civil)”; “assim, verificada situação caracterizadora da fraude à execução, torna-se irrelevante eventual boa-fé da parte compradora do imóvel para fins de impedir a penhora, pois conforme definição jurisprudencial, a presunção de fraude é absoluta.” [1]

Vale dizer, para o STJ, a regra do artigo 185 do CTN contempla uma presunção absoluta de fraude em favor da Fazenda Pública, sem qualquer outro requisito adicional. Este entendimento jurisprudencial, construído a partir de uma leitura isolada deste dispositivo legal, promove insegurança jurídica nas relações jurídicas negociais e desconhece todo o sistema de garantias dos direitos reais presente no direito brasileiro.

Primeiramente, registre-se que a natureza da citada regra jurídica é de norma de garantia do crédito tributário cujo objetivo é assegurar a realização do direito creditório da Fazenda Pública na medida em que “a dívida regularmente inscrita goza de presunção de certeza e liquidez e tem o efeito de prova pré-constituída” (artigo 204, CTN). A certidão de dívida ativa representa o título executivo extrajudicial que materializa o direito de crédito da Fazenda Pública.

A regra do artigo 185 do CTN criou a chamada fraude à dívida ativa ou fraude contra a Fazenda Pública, que veio se somar às regras da fraude contra credores (CC, artigos 158 a 165) e à fraude à execução (CPC, artigo 593). Este conjunto de regras tem em comum o objetivo de dar garantias jurídicas ao direito de crédito do credor contra condutas abusivas e fraudulentas que possam ser tomadas pelo devedor no intuito de fugir à sua responsabilidade patrimonial.

No entanto, paralelamente ao objetivo de conferir garantias ao crédito tributário, o direito brasileiro também se preocupa em assegurar a segurança jurídica ao tráfego negocial, protegendo a boa-fé nas relações jurídicas e permitindo o efetivo exercício do direito de usar, gozar, dispor e reivindicar a propriedade (artigos 5º, caput, CF e 1.228, caput, CC).

Registro de imóveis

Para o direito brasileiro (artigos 1.226 e 1.227, CC), salvo as exceções legais (exemplo, casamento no regime da comunhão universal de bens), os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis do título negocial (regime jurídico de título e modo), enquanto os direitos reais sobre coisas móveis, quando constituídos ou transmitidos por ato entre vivos, só se adquirirem com a tradição (artigo 1.226, CC).

Para a garantia de segurança jurídica dos negócios jurídicos, especialmente os imobiliários, a Lei de Registros Públicos — LRP (Lei 6.015/73) contempla uma rigorosa e detalhada disciplina dos atos que tocam aos direitos reais com o objetivo de promover segurança jurídica e proteção da boa-fé através da publicidade dos atos registrais, de modo que “qualquer pessoa pode requerer certidão do registro sem informar ao oficial ou ao funcionário o motivo ou interesse do pedido” (artigo 17).

Por expressa disposição legal (artigo 172, LRP), “no Registro de Imóveis serão feitos, nos termos desta Lei, o registro e a averbação dos títulos ou atos constitutivos, declaratórios, translativos e extintos de direitos reais sobre imóveis reconhecidos em lei, inter vivos ou mortis causa, quer para sua constituição, transferência e extinção, quer para sua validade em relação a terceiros, quer para a sua disponibilidade”.

Todo imóvel objeto de título a ser registrado deve estar matriculado (artigo 227, LRP), consagrando a regra da unitariedade matricial segundo a qual não há imóvel em mais de uma matrícula, nem matrícula com mais de um imóvel.

Em complemento à disciplina da Lei de Registros Públicos, a Lei 13.097/15 (artigo 54) reforçou a proteção jurídica à boa-fé nas relações negociais ao consagrar o chamado princípio da concentração da matrícula segundo o qual “os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, nas hipóteses em que não tenham sido registradas ou averbadas na matrícula do imóvel as seguintes informações:

  • I – registro de citação de ações reais ou pessoais reipersecutórias;
  • II – averbação, por solicitação do interessado, de constrição judicial, de que a execução foi admitida pelo juiz ou de fase de cumprimento de sentença, procedendo-se nos termos previstos no artigo 828, do CPC;
  • III – averbação de restrição administrativa ou convencional ao gozo de direitos registrados, de indisponibilidade ou de outros ônus quando previstos em lei; e
  • IV – averbação, mediante decisão judicial, da existência de outro tipo de ação cujos resultados ou responsabilidade patrimonial possam reduzir seu proprietário à insolvência, nos termos do inciso IV do CPC;
  • V – averbação, mediante decisão judicial, de qualquer tipo de constrição judicial incidente sobre o imóvel ou sobre o patrimônio do titular do imóvel, inclusive a proveniente de ação de improbidade administrativa ou a oriunda de hipoteca judiciária (regra recentemente incluída pela Lei 14.825/24).

Estabelece ainda a Lei 13.097/15 que “não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes da matrícula no registro de imóveis, inclusive para fins de evicção, ao terceiro de boa-fé que adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel, ressalvados o disposto nos artigos 129 e 130 da Lei 11.101/05, e as hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independam de registro de título de imóvel.

Para a validade ou eficácia dos negócios jurídicos imobiliários ou para a caracterização da boa-fé do terceiro adquirente de imóvel ou beneficiário de direito real, não serão exigidas:

Ao consagrar o princípio da concentração da matrícula, a Lei 13.097/15 objetiva claramente conferir segurança jurídica ao tráfego negocial e proteger a boa-fé, assegurando, através da publicidade do sistema de registros públicos, a garantia jurídica de validade e eficácia dos direitos reais que necessariamente devem estar registrados ou averbados na matrícula imobiliária como pressuposto para a sua proteção jurídica.

Destarte, como afirma Luiz Guilherme Loureiro, “o artigo 54 da Lei 13.097, de 2015, apenas reafirma e reforça o princípio da publicidade e seus efeitos materiais e formais. Apenas existem, para fins de oponibilidade a terceiros, aqueles fatos, títulos ou direitos efetivamente inscritos no Registro de Imóveis ou, segundo um antigo bordão, ‘o que não existe no registro, não existe no mundo’. Esta consequência decorre do fato de o terceiro não ter tido a oportunidade de conhecer a existência de ônus ou gravame que, se fosse de seu conhecimento, o faria desistir do negócio ou contratá-lo em termos e condições diversas”. [2]

Em outras palavras, a possibilidade de conhecimento pelas partes (especialmente pelo adquirente) de fatos jurídicos relativos ao direito real objeto de negócio jurídico, viabilizada pelo princípio da publicidade registral iluminado pela concentração da matrícula, é o pano de fundo para a garantia e segurança jurídica do pacto negocial e instrumento de proteção da boa-fé. Ausentes da matrícula os atos de registro e averbação descritos pela Lei 13.097/15, o ato negocial é plenamente válido e eficaz entre as partes e perante terceiros.

Presunção de fraude

Assim, como interpretar a regra de presunção de fraude prevista no artigo 185 do CTN diante do sistema de proteção dos direitos reais e das demais regras registrais que promovem a segurança jurídica e protegem a boa-fé?

É preciso afastar a interpretação isolada da regra do artigo 185 do CTN, como vem fazendo o STJ. Esta regra, cujo objetivo é garantir a satisfação do crédito tributário, deve ser lida em consonância com o sistema de garantias de eficácia dos direitos reais, no qual despontam a Lei de Registros Públicos e a Lei 13.097/15.

Entendo que a regra da Lei 13.095/15 não é incompatível com a presunção estabelecida pelo artigo 185 do CTN, mas lhe é complementar e instrumental. Por esta última regra, a mera inscrição na dívida ativa permite presumir a fraude contra a Fazenda Pública decorrente de alienação de bens ou rendas. Ocorre que a inscrição na dívida ativa é ato de controle administrativo da legalidade da exigência fiscal feito pelo órgão competente para apurar a certeza e liquidez do crédito fazendário, isto é, medida interna à administração pública, sem a publicidade para terceiros.

Se a inscrição na dívida ativa não é dotada de publicidade para terceiros (que não o próprio contribuinte-devedor), por óbvio que este ato jurídico não pode ser oposto a estes terceiros que realizam negócios jurídicos com o contribuinte-devedor. Como imputar a ineficácia negocial a terceiros que nem sequer tinham em tese a possibilidade de conhecer o fato que gera tal sanção jurídica?

A presunção veiculada pela regra do artigo 185 do CTN deve ser interpretada em conjunto com o comando do artigo 54, inciso III da Lei 13.097/15 que autoriza a averbação de restrição administrativa ou convencional ao gozo de direitos registrados. A presunção de fraude estabelecida pelo artigo 185 do CTN nada mais é do que uma restrição patrimonial administrativamente imposta pela Fazenda Pública ao inscrever um crédito seu na dívida ativa.

Com efeito, para que a inscrição na dívida ativa tenha o efeito jurídico previsto no artigo 185 do CTN, deve o credor (Fazenda Pública) promover a averbação no Registro Público da restrição administrativa ao gozo dos direitos registrados do credor, tal como exigido pelo artigo 54, inciso III da Lei 13.097/15.

Com a averbação da restrição administrativa imposta através da inscrição na dívida ativa, de um lado, promove-se segurança jurídica e proteção da boa-fé negocial, já que os terceiros que negociarem com o devedor tributário poderão, através de uma simples consulta ao sistema registral imobiliário, conhecer o estado da sua situação patrimonial; e, de outro lado, atende-se ao objetivo do legislador tributário de conferir maior garantia patrimonial ao crédito tributário, já que a existência deste, sua natureza e valor, estarão averbadas e publicizadas na serventia registral imobiliária.

Outrossim, registre-se que somente com a averbação da dívida ativa nas respectivas matrículas é que poderá ganhar aplicabilidade a trava prevista no parágrafo único do mesmo artigo 185 do CTN, segundo a qual a presunção de fraude não se aplica na hipótese de terem sido reservados, pelo devedor, bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida inscrita. Vale dizer, é necessário e indispensável o cotejo entre o valor da dívida fiscal e o valor dos bens alcançados pela presunção de fraude, o que somente é possível com a averbação da dívida no registro público.

A presunção de fraude prevista no artigo 185 do CTN não pode destruir todo o sistema de garantias das relações negociais construído pelas demais regras do direito brasileiro. Pelo contrário, tal regra pode conviver claramente com o princípio da segurança jurídica e com a proteção da boa-fé, desde que interpretada em diálogo com as regras de caráter registral.

Portanto, por exigência do princípio da segurança jurídica e da proteção da boa-fé nas relações negociais, somente com a averbação autorizada pelo artigo 54, inciso III da Lei 13.097/15, o crédito tributário inscrito na dívida ativa poderá gerar a presunção de fraude prevista no artigo 185 do CTN.


[1] AgInt no REsp 1.982.766.

[2][2] Registros Públicos – Teoria e Prática. 11ª. ed. Juspodium, 2021, p. 675.

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Proposta proíbe provedor de internet de tarifar plataformas de conteúdo por uso intensivo da rede

O Projeto de Lei 469/24 impede que provedores de conexão de internet (operadoras de telecomunicações) instituam a cobrança de tarifa para os provedores de conteúdo, como plataformas de streaming e redes sociais, para custear a infraestrutura das redes.

 
David Soares discursa na tribuna do Plenário
David Soares: cobrança contraria princípios do Marco Civil da Internet – Bruno Spada/Câmara dos Deputados

A proposta está em análise na Câmara dos Deputados. O texto busca evitar o chamado “fair share” (compartilhamento justo), que permite aos provedores cobrar um adicional das empresas que demandam grande tráfego de dados na rede mundial.

O assunto vem sendo debatido na Europa, onde tem apoio das empresas de telecomunicações, principais responsáveis pela infraestrutura digital, e recentemente chegou ao Brasil.

Conflito com a legislação
O deputado David Soares (União-SP), autor da proposta, é contrário ao fair share, que segundo ele entra em conflito com princípios do Marco Civil da Internet, como o da neutralidade da rede. Esse princípio determina que todos os dados que trafegam na internet devem ser tratados igualmente pelos provedores.

Na avaliação do deputado, a igualdade de tratamento implica a não discriminação ou cobrança diferenciada com base no conteúdo, destino, origem ou volume de tráfego. “A aplicação do conceito de ‘fair share’ poderia, então, violar o princípio, além de possivelmente restringir a livre concorrência e a inovação na internet”, disse Soares.

Próximos passos
O PL 469/24 será analisado em caráter conclusivo nas comissões de Comunicação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ).

 

Fonte: Câmara dos Deputados

STJ veda compra de domínio de concorrente para aparecer em destaque em busca

Não é possível vedar a publicidade por meio de links patrocinados em sites de busca, mas tão somente a prática de comprar o domínio de marca concorrente para aparecer em destaque na busca paga.

Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça limitou a proibição judicial imposta ao Google em um caso de venda de links patrocinados em que ocorreu a prática de concorrência desleal.

O caso envolve duas empresas farmacêuticas. Uma delas usou o nome Promen, marca pertencente à outra, como palavra-chave para buscas patrocinadas no Google.

Conforme diz a jurisprudência do STJ, essa conduta representa concorrência desleal. O Google foi condenado a pagar R$ 30 mil por danos morais, indenização por danos materiais a ser apurada e ainda foi proibido de usar a marca Promen na ferramenta Google Ads.

Ao STJ, a empresa interpôs recurso especial apontando, entre outros pontos, que a proibição contraria o princípio da especialidade e configura manifesto abuso de direito. A 3ª Turma deu razão ao Google.

Limite do limite

Relatora da matéria, a ministra Nancy Andrighi observou que a determinação judicial não deve ser para que o agente publicitário se abstenha de fazer qualquer tipo de anúncio relacionado à marca que teve seu direito violado.

“Isso porque a própria empresa detentora da marca ou outras com o mesmo nome, mas que atuem em nichos distintos, podem utilizar da plataforma de comércio digital para anunciar seus serviços, sem fazer uso de meios desleais”, explicou a magistrada.

Assim, não há vedação à publicidade por meio de links patrocinados, mas apenas à compra do domínio de marca concorrente para aparecer em destaque na busca paga.

Simplesmente proibir o Google de vender links patrocinados tendo Promen como palavra-chave pode prejudicar a empresa farmacêutica detentora da marca e outras companhias de mesmo nome que atuem em outros ramos comerciais, segundo a relatora.

“Por essa razão, merece reforma a ordem judicial para proibir apenas que a recorrente venda o domínio da palavra-chave ‘Promen’, na plataforma Google Ads, para empresa que seja sua concorrente”, concluiu a ministra Nancy. A votação foi unânime.

Clique aqui para ler o acórdão
REsp 2.096.417

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Tribunal não terá expediente de 27 a 31 de março

Conforme consta da Portaria STJ/GP 2, de 4 de janeiro de 2024, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) não terá expediente entre os dias 27 e 31 de março, em razão de feriado na Justiça Federal e nos tribunais superiores, estabelecido pelo artigo 62, inciso II, da Lei 5.010/1966.

Nesse período, os prazos processuais estão suspensos por força do plano de contingência previsto na Resolução 6/2024.

Plantão judicial

Devido à segunda etapa da migração do banco de dados do STJ, os sistemas informatizados integrados ao Sistema Justiça estão fora do ar e permanecerão assim até 31 de março, com possibilidade de prorrogação do prazo, se necessário.

Durante os dias de indisponibilidade, nos termos da Portaria STJ/GP 154/2024, o tribunal está funcionando em regime de plantão, das 9h às 13h, conforme disposto na Instrução Normativa STJ 6/2012, e foi acionado o plano de contingência previsto na Resolução 6/2024. O plano traz detalhes sobre a forma de peticionamento durante o plantão judicial e os procedimentos do tribunal para análise de medidas urgentes.

Durante o período de aplicação do plano de contingência, não serão analisadas petições cujo tema não se enquadre nos casos previstos no artigo 4º da Instrução Normativa 6/2012. Os temas previstos para atuação do STJ no plantão são os seguintes:

I – habeas corpus contra prisão, busca e apreensão e medida cautelar decretadas por autoridade sujeita à competência originária do STJ;

II – mandado de segurança contra ato de autoridade coatora sujeita à competência originária do STJ cujos efeitos ocorram durante o plantão ou no primeiro dia útil subsequente;

III – suspensão de segurança, suspensão de execução de liminar e de sentença e reclamações a propósito das decisões do presidente cujos efeitos se operem durante o plantão ou no primeiro dia útil subsequente;

IV – comunicação de prisão em flagrante e pedidos de concessão de liberdade provisória em inquérito ou ação penal da competência originária do STJ; e

V – representação da autoridade policial ou requerimento do Ministério Público que visem à decretação de prisão preventiva ou temporária, de busca e apreensão ou de medida cautelar, justificada a urgência e observada a competência originária do tribunal.

De igual modo, também não serão analisadas petições cujo objeto seja prisão, busca e apreensão ou medida cautelar decretadas ou mantidas em grau de recurso por tribunais locais.

Os pedidos que não se enquadrem nos casos que serão analisados no plantão devem aguardar o restabelecimento dos sistemas do STJ e ser encaminhados por meio da Central do Processo Eletrônico (CPE).

Fonte: STJ