Informações sobre produção de cédulas e moedas, dados da carteira de crédito de instituições individuais, dados relacionados a riscos ambiental, social e climático e informações sobre crédito estão entre as bases de dados que serão disponibilizadas, conforme previsto no Plano de Dados Abertos do Banco Central (PDA/BC) 2026-2027.
Clique para acessar o Portal de Dados Abertos do Banco Central.
“Pesquisadores, estudantes, analistas de mercado, entre outros, têm grande interesse nessas bases de dados. As estatísticas de acesso ao Portal de Dados Abertos registraram quase 1,4 milhão de visitas ao site em 2024”, disse Aloísio Tupinambá, Ouvidor Adjunto do BC.
O PDA/BC tem o objetivo de disponibilizar dados na internet, em formato aberto e processável por máquina, como forma de facilitar a sua utilização por parte da sociedade, possibilitando o compartilhamento e o desenvolvimento tecnológico.
O Plano contém o cronograma das ações para a publicação dos dados, as iniciativas de comunicação para divulgação dos conjuntos de dados, os padrões de catalogação e os critérios utilizados para a definição dos conjuntos de dados a serem disponibilizados.
A divulgação de bases de dados é regulamentada pelo Decreto 8.777/2016, que instituiu a Política de Dados Abertos do Poder Executivo Federal.
Política monetária não é feita apenas de números, gráficos e decisões técnicas. Ela também é feita de palavras — e da forma como elas chegam ao público. Essa foi a mensagem central da palestra magna de Michael McMahon, professor de Economia de Oxford, em 15/05, durante o segundo dia da Conferência Anual do Banco Central.
Com base em sua experiência acadêmica e atuação junto a bancos centrais europeus, McMahon compartilhou 15 lições essenciais sobre comunicação de política monetária, analisando erros passados, avanços recentes e caminhos para o futuro. Segundo ele, a transparência e a clareza no discurso influenciam diretamente as expectativas dos agentes econômicos — e, por consequência, a eficácia das políticas.
“Política monetária é 98% conversa e 2% ação”, citou o economista, mencionando uma fala de Ben Bernanke, ex-presidente do Federal Reserve (Fed) dos EUA e ganhador do Prêmio Nobel de Economia. Para ele, as palavras dos Bancos Centrais moldam tanto os mercados quanto a confiança pública.
Segundo ele, ao simplificar a linguagem, temos políticas mais efetivas.
“Num banco central, nós usamos palavras que muitas pessoas não compreendem nas ruas. Essa linguagem é importante, e ela tem um significado preciso. Mas, uma vez que falamos com uma audiência mais ampla, precisamos ter atenção em como vamos ser entendidos”, disse Michael McMahon, professor de Economia de Oxford.
O professor alerta ainda que a política monetária precisa funcionar para ambos os públicos, mas a comunicação raramente é pensada para isso.
Em uma hora e meia de apresentação, o palestrante mostrou como é fluente nas duas línguas: a voltada ao mercado e a destinada ao cidadão comum. Sua fala destaca a importância de ter clareza, honestidade sobre as incertezas e investimento em educação econômica.
Teoria versus realidade
McMahon cita o exemplo do modelo novo-keynesiano — arcabouço teórico que orienta a atividade de grande parte dos bancos centrais ao redor do mundo. O professor salienta como esse modelo assume “expectativas racionais” e “informação completa”, pressupondo que famílias, empresas e o próprio Banco Central compreendem todos os dados da economia de forma idêntica e formam previsões ótimas. Segundo ele, na prática, ninguém tem toda a informação e mesmo com os mesmos dados, analistas podem chegar a conclusões diferentes. Ou seja, há um hiato entre teoria e prática, o que reforça a importância da comunicação para a credibilidade das políticas monetárias.
Incerteza e credibilidade
O acadêmico citou trabalhos com o Banco Central da Irlanda, destacando como a percepção de erros na política econômica, mesmo que apenas do ponto de vista do mercado, altera prêmios de risco e encarece o crédito de longo prazo. O BC irlandês passou, em vários momentos, uma imagem de saúde financeira, que foi seguida por uma grande crise.
Neste caso, a inflação não é um problema tão grande quanto a imprecisão na comunicação. “As palavras podem mudar a avaliação do mercado da probabilidade desses erros e, ao fazerem isso, elas mudam o prêmio de risco”, disse ele, demonstrando como um erro percebido pelo — mercado, ainda que injusto — já afeta as expectativas.
McMahon contou ainda que, após a Covid-19, quando o Fed norte-americano manteve a orientação de juros baixos, a inflação começou a subir. O mercado passou a duvidar do compromisso do Banco Central, e o prêmio de risco aumentou significativamente.
“Se você for um criador de políticas, é impossível eliminar todas as incertezas, mas você não quer ser a fonte delas”, concluiu. Para ele, a comunicação do Banco Central precisa refletir a incerteza real. É preciso admitir que os banqueiros centrais não sabem tudo.
O desafio da comunicação com o público
McMahon mergulhou em um de seus principais temas de pesquisa: como comunicar política monetária ao público geral. Uma grande lição de sua carreira é que não se deve subestimar a capacidade do cidadão comum de compreender a economia.
“Eu achava que não havia esperança de explicar as coisas de forma que as pessoas pudessem se engajar, mas eu estava errado. As evidências da pesquisa mostraram que podemos nos fazer entender”, refletiu, reforçando que basta falar numa linguagem acessível e oferecer educação financeira.
Em um experimento controlado, o pesquisador constatou que apenas 47% das pessoas inicialmente acreditavam que um aumento na taxa de juros reduziria a inflação, enquanto quase 40% achavam o contrário: que a inflação aumentaria com juros mais altos. Após uma simples intervenção educativa — com um vídeo de quatro a cinco minutos —, a compreensão correta sobre a relação entre aumento de juros versus inflação subiu para 67%.
A pesquisa demonstra como, com um pouco de informação, os cidadãos são capazes de entender conceitos econômicos. O ensino de princípios da economia para a população em geral assume, portanto, um papel fundamental. McMahon também aconselha evitar jargões, para tornar a mensagem mais humana.
Controle da narrativa
Saber falar com o grande público é, portanto, ter controle sobre a história que está sendo contada. Nesse sentido, o economista defendeu que os bancos centrais ocupem o espaço narrativo antes que o façam por eles. “Se você não assumir a narrativa, outra pessoa vai fazer isso. E essa outra narrativa pode ser mais viral, incorreta e até perigosa”.
Ele ressaltou a importância do relacionamento com a mídia como canal essencial de engajamento com o público e de tradução das mensagens técnicas. Como exemplo, afirmou que, quando a opinião pública sobre os bancos centrais decai, isso gera desconfiança em geral, afetando a independência das instituições. Conquistar o apoio popular com uma comunicação eficaz tem, portanto, impacto direto nas políticas macroeconômicas.
E finaliza com uma analogia: “É como ser um cirurgião cardíaco”. “Sabemos que há riscos, que às vezes as coisas dão errado, mas ainda fazemos a cirurgia porque confiamos no médico”. Ou seja, para ele, as pessoas não precisam entender cada detalhe da política monetária, mas precisam confiar na atuação do Banco Central.
15 lições da política monetária
O professor estruturou sua fala em torno de 15 lições. “Fiz uma palestra similar há um ano e, naquela época eu tinha 13 lições. Mas estamos aprendendo coisas novas. Há novas lições, novas ideias e quando eu tenho mais respostas, mais lições. Então, se vocês voltarem a falar comigo daqui 10 anos, talvez tenhamos 30 lições para comunicação dos bancos centrais”.
McMahon encerrou sua apresentação com um tom otimista, elogiando o Pix. “Ele (o pagamento instantâneo) é útil, melhora as coisas, ajuda. Então, recebam o reconhecimento por isso, mas também por estarem lutando contra a inflação, estabilizando recessões, tornando-as menos severas”, orientou.
Considerada um marco no combate à corrupção no Brasil, a Lei da Ficha Limpa completa 15 anos em junho. A nova legislação nasceu de um projeto de lei popular, que chegou ao Congresso com mais de 1,5 milhão de assinaturas, e estabelece 14 hipóteses que tornam um político inelegível. Dentre elas estão condenação à perda dos direitos políticos por lesão ao patrimônio público ou enriquecimento ilícito.
O deputado Luiz Couto (PT-PB) lembra que o projeto foi entregue ao então presidente da Câmara no Dia Mundial de Combate à Corrupção (9 de dezembro) e que “representou a força da cidadania ativa do povo brasileiro”. Na opinião do parlamentar, a norma estabeleceu um novo padrão ético para a política.
“Foi o movimento em quem ficou claro que a sociedade unida pode influenciar e transformar as estruturas do poder. A Lei da Ficha Limpa contribuiu para elevar padrões éticos da política brasileira”, afirma Couto. “Pesquisas dizem que a lei foi eficaz em barrar candidaturas de políticos com condenações na Justiça e que ajudou a filtrar parte dos quadros com histórico de corrupção.”
Números Um levantamento realizado pela rede CNN Brasil com dados do Tribunal Superior Eleitoral mostrou que, entre 2014 e 2024, a Lei da Ficha Limpa barrou quase 5 mil candidaturas. O número corresponde a mais de 8% dos quase 60 mil políticos que pretendiam concorrer a cargos eletivos no período. Em vigor desde 2010, a lei foi aplicada pela primeira vez nas eleições municipais de 2012.
Antes da Lei da Ficha Limpa, uma outra norma de 1990 já trazia hipóteses para a perda de mandato e para tornar políticos inelegíveis. Mas o período para o condenado ficar fora da vida pública, até então, era de no máximo 3 anos. Com a Lei da Ficha Limpa, esse prazo pode chegar a 16 anos, no caso de senador, que tem mandato de oito anos.
A lei diz que políticos condenados não podem concorrer novamente durante todo o período restante do mandato e nos oito anos seguintes.
Kayo Magalhães/Câmara dos Deputados
Bibo Nunes critica: “A lei só afeta políticos de direita”
Mudanças Nesses 15 anos de vigência também surgiram propostas para alterar a Lei da Ficha Limpa. Uma delas, que já foi aprovada na Câmara e está em análise no Senado, reduz o prazo de inelegibilidade. Estabelece que nenhum político poderá ficar inelegível por tempo superior a oito anos, a partir da condenação.
Outro projeto que reduz o tempo de afastamento do político da vida pública foi apresentado pelo deputado Bibo Nunes (PL-RS) e espera análise na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ). Nesse caso, o parlamentar propõe um prazo máximo de dois anos para o político ficar inelegível.
Bibo Nunes argumenta que o Código Penal já prevê penas “muito maiores” para políticos condenados. Ainda segundo o deputado, é preciso mudar as regras da inelegibilidade porque ela só afeta políticos de direita. “Tem a Justiça comum para punir com muito mais anos. Oito anos de inelegibilidade é absurdo, conforme o caso, e essa inelegibilidade atualmente só atinge parlamentar de direita, ou então me diga um parlamentar de esquerda que esteja inelegível por oito anos”, afirma.
A Lei da Ficha Limpa também acabou com a exigência de condenação transitada em julgado para que um candidato fique inelegível. Uma condenação transitada em julgado é aquela que já passou por todas as instâncias do Judiciário, inclusive o Supremo Tribunal Federal. Pela lei de 2010, basta que o político tenha sofrido condenação por um tribunal colegiado, por mais de um juiz.
Iniciativas visam fortalecer a participação social e tornar a gestão judiciária mais inclusiva e transparente
Com foco em uma Justiça mais próxima da sociedade, o Conselho da Justiça Federal (CJF), em parceria com os seis Tribunais Regionais Federais (TRFs), realiza ações voltadas à escuta da sociedade para a definição das Metas Nacionais da Justiça Federal para 2026.
As iniciativas têm o objetivo de fortalecer o diálogo com a população e com diversos segmentos sociais, proporcionando a oportunidade de sugerir e contribuir para uma gestão mais transparente, transversal, participativa e alinhada às reais necessidades da sociedade brasileira.
Consulta pública
A primeira ação é a Consulta Pública para a Formulação das Metas da Justiça Federal para 2026, por meio de um breve questionário eletrônico, no qual a(o) participante poderá avaliar as metas propostas e apresentar sugestões aos serviços prestados à população.
Todos os anos são estabelecidas metas no âmbito da Justiça Federal, e a opinião da sociedade é valiosa para que seja construída uma Justiça mais eficiente, acessível e alinhada às necessidades da população.
O questionário ficará disponível para respostas até 30 de junho de 2025.
Audiência pública
A segunda etapa da escuta será a audiência pública marcada para o dia 17 de junho, onde serão discutidas as contribuições para qualificar e aperfeiçoar as metas de 2026. A iniciativa é uma etapa essencial para a construção das metas, que devem refletir os desafios reais da Justiça Federal. As propostas para 2026 serão baseadas nas Metas Nacionais de 2025 e seguem as diretrizes da Resolução CNJ n. 221/2016 e da Portaria CNJ n. 114/2016, que garantem o diálogo com a sociedade nesse processo.
O evento acontecerá em formato virtual, com transmissão ao vivo pelo canal do Conselho no YouTube. Com esse modelo, espera-se ampliar a participação ativa, incentivando a colaboração de diferentes segmentos sociais. O público-alvo inclui a sociedade em geral, integrantes do sistema de Justiça, autoridades, acadêmicas(os), especialistas e representantes de instituições públicas e privadas.
Como participar
As pessoas interessadas em apresentar contribuições orais devem inscrever-se previamente até as 23h do dia 6 de junho. Também será possível encaminhar contribuições por escrito até as 23h do dia 17 de junho. Todas as inscrições e o envio de contribuições devem ser feitos por meio de formulário eletrônico: https://www2.cjf.jus.br/questionario/index.php/354484?lang=pt-BR.
A lista de participantes habilitadas(os) para manifestação oral será divulgada no Portal do CJF e dos TRFs a partir de 11 de junho, junto com as orientações completas para participação. Cada pessoa habilitada terá até cinco minutos para apresentar as propostas durante a audiência pública.
Metas
As Metas Nacionais do Poder Judiciário representam compromissos firmados pelos Tribunais para melhorar a qualidade, a agilidade, a transparência e a eficiência da prestação jurisdicional. Sua formulação integra o planejamento estratégico do Judiciário e busca incluir diversos atores sociais no processo decisório.
A escuta pública busca qualificar e aperfeiçoar a definição dessas metas, promovendo uma gestão mais inclusiva e eficaz. Entre os principais temas em destaque na audiência estão: a Meta 3 (Conciliação), a Meta de improbidade (n. 4), a Meta 6 (Ações ambientais), a Meta 7 (Processos relacionados a comunidades indígenas e quilombolas) e a Meta 9 (Inovação).
Depois de três dias de debates e palestras com especialistas em economia do Brasil e de diversas partes do mundo, a Conferência Anual do Banco Central do Brasil chegou ao fim na sexta-feira (16/5).
A abertura do último dia do evento contou com palestra magna do professor Frank Smets, chefe adjunto do Departamento Monetário e Econômico e chefe de Análise Econômica e Estatística do Banco de Compensações Internacionais (BIS).
Doutor em economia, Smets também foi diretor-geral de Economia e de Pesquisa do Banco Central Europeu, entre vários outros cargos importantes.
Reconhecido por suas contribuições a questões como política monetária, ciclo de negócios e de inflação, modelos macroeconômicos, choques energéticos, política fiscal e CBDC (central bank digital currency), o economista falou sobre a interação entre política fiscal, inflação e ciclos econômicos nos Estados Unidos, oferecendo uma nova perspectiva sobre os mecanismos de sustentação fiscal e seus efeitos sobre a dinâmica macroeconômica.
Pós-pandemia
Smets usou dados observados em um de seus estudos acadêmicos, que tinha como objetivo buscar entender o papel da combinação de políticas fiscais e monetárias expansionistas no recente aumento da inflação pós-pandemia nos Estados Unidos. “O aumento inflacionário que nós vimos no pós-pandemia nos EUA tem a ver com a expansão fiscal que aconteceu no país”, explicou.
A moderação da palestra foi feita pelo Diretor de Assuntos Internacionais e de Gestão de Riscos Corporativos do BC, Paulo Picchetti.
A Conferência Anual movimentou o Edifício-Sede do BC entre quarta (14) e sexta-feira (16). As três palestras magnas – Professor Frank Smets; Jean Tirole, Prêmio Nobel de Economia e professor e pesquisador da Toulouse School of Economic; e Michael McMahon, Professor de economia na Universidade de Oxford – podem ser vistas no Canal do BC no YouTube: https://www.youtube.com/@BancoCentralBR.
Mais informações sobre a Conferência Anual do BC estão no site do BC.
O corregedor Nacional de Justiça, ministro Mauro Campbell Marques, aprovou uma mudança no Provimento 149/2023 do Conselho Nacional de Justiça para permitir a consulta pública a dados básicos da Central de Escrituras e Procurações (CEP).
Agora, qualquer interessado poderá acessar as informações por meio de certificado digital (e-Notariado ou ICP-Brasil) e apresentação de nome completo e número de CPF ou de CNPJ. Antes, a consulta era restrita a tabeliães de notas e oficiais de registro, que poderiam ou não disponibilizá-las mediante solicitação.
Dessa forma, o serviço disponibilizará:
— O nome do cartório em que o ato notarial foi lavrado;
— Os números do livro e das folhas;
— Se é escritura ou procuração pública.
O preço de cada consulta será de R$ 19. O valor foi sugerido pelo Colégio Notarial do Brasil e equivale a 25% da média aritmética dos valores cobrados por certidão notarial nas unidades federativas.
Dados públicos
Campbell Marques aprovou a alteração no âmbito de um pedido de providências formulado pelo advogado Vitor Gomes Rodrigues de Mello. Ele relatou que atua na área de localização de ativos e recuperação de crédito e que teve pedidos de acesso a informação recusados por notários.
O advogado argumentou que a restrição violava o princípio da igualdade, estabelecido pelo artigo 5º, caput, da Constituição. Primeiro, ao permitir que apenas alguns agentes tivessem acesso aos dados. Segundo, porque testamentos, divórcios extrajudiciais, inventários extrajudiciais e diretivas antecipadas de vontade já eram informações de acesso livre.
Em sua decisão, o magistrado observou que a restrição questionada era obsoleta e estava na contramão de normas como a LAI, que garante a proteção de dados pessoais sensíveis. Também observou que as dificuldades encontradas por credores colaboram para os altos índices de congestionamento processual em execuções.
“Facilitar o acesso às bases da CEP, nessa linha, é providência que irá contribuir para facilitação da busca de atos negociais que tenham sido realizados e que possam envolver algum bem, permitindo, com isso, uma maior eficiência na busca patrimonial no bojo dos processos de execução no Brasil”, escreveu.
Clique aqui para ler a decisão Processo 0003263-30.2024.2.00.0000
Nos dias 4 e 5 de junho, o Conselho da Justiça Federal (CJF), por meio do Centro de Estudos Judiciários (CEJ), promoverá, em Brasília, a I Jornada de Direito Desportivo. A iniciativa inédita é voltada à consolidação de enunciados jurídicos que orientarão decisões judiciais e práticas institucionais, com o objetivo de fortalecer e modernizar o ordenamento jurídico aplicado ao esporte brasileiro.
A solenidade de abertura, marcada para a manhã do dia 4 de junho, reunirá autoridades e grandes nomes do esporte olímpico e paralímpico. O painel “Bate-Bola” trará a senadora Leila Barros, o medalhista olímpico Robson Caetano e o presidente do Comitê Paralímpico Brasileiro, Mizael Conrado.
O coordenador-geral da jornada, vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do CJF, ministro Luis Felipe Salomão, destaca a relevância do encontro. “Trata-se de uma construção inédita, que poderá resultar em diretrizes fundamentais para o futuro do direito desportivo brasileiro”, apontou.
Impacto
O esporte é uma ferramenta de transformação social, e seu fortalecimento jurídico é fundamental para ampliar a credibilidade, a segurança e o impacto econômico. Nesse contexto, a I Jornada de Direito Desportivo se apresenta como uma resposta institucional aos desafios contemporâneos do esporte, alinhando Justiça e inclusão social.
Para o ministro Salomão, o direito desportivo no Brasil sofre com lacunas legais, conflitos normativos e ausência de legislação unificada. Segundo o magistrado, embora o país disponha de leis como a Lei Pelé, a Lei de Incentivo ao Esporte e o Estatuto do Torcedor, ainda surgem impasses na aplicação dessas normas quando se trata de resolver conflitos relacionados ao tema.
Diante desse cenário, a Jornada se propõe a enfrentar, de forma técnica e participativa, os impasses que atravessam o desenvolvimento do esporte nacional por meio das 112 propostas de enunciados admitidas e organizadas em três comissões temáticas, todas presididas por ministros do STJ.
De acordo com o coordenador científico do evento, ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Guilherme Augusto Caputo Bastos, o direito desportivo é dinâmico, multidisciplinar e exige constante atualização para garantir segurança jurídica e proteção aos profissionais do esporte.
Entre os assuntos que serão debatidos na Jornada, estão os contratos e direitos trabalhistas de atletas, a estrutura e a competência da Justiça Desportiva, o doping e a responsabilidade disciplinar, além da inclusão, da diversidade e da equidade de gênero no esporte.
A programação completa da Jornada e outras informações podem ser conferidas no Portal do CJF.
Na última semana, circulou nos meios jurídicos a manifestação do ministro Flávio Dino no julgamento de recurso do Ministério Público do Trabalho (AO 2.417) contra decisão que negou ao parquet trabalhista o direito de atuar em um caso envolvendo a cobrança de honorários advocatícios em ações coletivas:
“Creio que ninguém no mundo pode dizer que isto constitui uma lesão ao patrimônio dos advogados: R$ 1 bilhão e 500 milhões de reais provavelmente de honorários sucumbenciais. Nós estamos aqui controvertendo sobre um plus. Como diz o povo da minha terra, um fora parte”.
Bom, esse valor foi arbitrariamente estipulado pelo ministro. É difícil dizer o valor exato ou até aproximado. Mas uma coisa é certa, segundo os advogados do processo: nem de longe é esse o valor; além disso, os honorários são divididos por mais de uma dezena de advogados que, frise-se, trabalha(ra)m no caso há dezenas de anos. Tem advogado que começou na causa e seus filhos a estão finalizando. Parece bizarra essa demora e, mais ainda, se o desfecho culminar com o descumprimento do dispositivo do Estatuto da OAB que garante esse direito aos causídicos. Demonstrarei na sequência.
A manifestação do ministro deu-se no contexto de divergência com o voto do relator, ministro Nunes Marques, no âmbito de embargos de declaração, quanto à possibilidade de intervenção do MPT em autos de execução trabalhista, com o propósito de obstaculizar a cobrança de honorários advocatícios contratuais acordados entre os patronos da reclamatória, a entidade sindical e os trabalhadores beneficiados.
Explicando: no caso em exame, (1) houve a contratação de advogado para atuar em defesa dos interesses da entidade sindical e seus sindicalizados; (2) ato contínuo, a execução dos honorários contratuais pelos causídicos, nos autos da reclamatória originária; (3) e, em decorrência disso, a intervenção pelo MPT, alegando — manifestamente contra o que aduz lei federal — a impossibilidade de cumulação dos honorários contratuais aos assistenciais e/ou sucumbenciais. Como ocorre seguidamente, é o fiscal da lei a insurgir-se contra a lei porque com ela não concorda.
Pois bem. Ao julgar o mérito da ação, o Plenário do STF decidiu que
“o Ministério Público do Trabalho não possui legitimidade ativa para recorrer de decisão referente a honorários advocatícios que não surjam diretamente da relação de trabalho, por se tratar de direito individual disponível.”
Em face desse acórdão, o MPT opôs embargos de declaração buscando efeitos infringentes. Embargos é aquele recurso que, quando usado pelo advogado no processo criminal, por exemplo, recebe seguidamente a ironia do membro do MP dizendo “o réu quer revolver a prova e mudar o resultado”…
É nessa estreita via que o ministro Flávio Dino reabre a controvérsia: “não se trata apenas de direitos individuais disponíveis”. A questão seria a forma como esse contrato de honorários se desenhou: com anuência da categoria em assembleia geral, e não mediante contratos individuais. Problema: nem a Constituição nem a lei exigem contratos individuais.
Ao contrário: substituição processual existe exatamente para evitar a individualização. Todavia, o entendimento do ministro é de que são indevidos os honorários contratuais firmados pelo sindicato a serem arcados pelo associado, exceto nos casos de contratos individuais regularmente firmados. De novo: tratou-se de substituição processual. O que o ministro Flávio Dino reivindica na sua manifestação em sede de EDs é o contrário do que estabelece a lei. Ele ainda invoca Kelsen, para dizer que, provavelmente, um dos maiores juristas do século 20 não ganhou “tudo isso” ao longo de sua vida.
O caso à luz da teoria da decisão
Se Kelsen ganhou ou não ganhou “tudo isso” em sua vida, difícil dizer. Ou Dworkin. Importa dizer que Kelsen nunca se preocupou com o modo de como os juízes devem decidir. Para ele a decisão jurídica é uma questão de “política jurídica” (TPD, p. 470).
Permito-me dizer que esse problema da adoção de critérios — objetivos — para a decisão jurídica é uma verdadeira batalha epistemológica que se trava no âmbito da busca de decisões adequadas à Constituição — não só no Brasil. Nesse exato sentido, uma lei só pode deixar de ser aplicada em seis hipóteses:
1) quando for inconstitucional, ocasião em que deve ser aplicada a jurisdição constitucional difusa ou concentrada – não é o caso em discussão;
2) quando for o caso de aplicação dos critérios de resolução de antinomias — tampouco há que se falar em lex anteriores ou posteriores etc.;
3) quando for necessário aplicar a interpretação conforme à Constituição (verfassungskonforme Auslegung), ocasião em que se torna necessária uma adição de sentido ao artigo de lei para que haja plena conformidade da norma à Constituição. Nesse caso, o texto de lei (entendido na sua “literalidade”) permanecerá intacto; o que muda é o seu sentido, alterado por meio de interpretação que o torne adequado à Constituição — igualmente não se vislumbra hipótese de se dizer que uma conquista como a substituição processual possa ser confrontada e reintepretada;
4) quando for preciso aplicar a nulidade parcial sem redução de texto — muito menos estamos diante disso que, originalmente, chamou-se de Teilnichtigerklärung ohne Normtextreduzierung;
5) quando for o caso de declaração de inconstitucionalidade com redução de texto, ocasião em que a exclusão de uma palavra conduz à manutenção da constitucionalidade do dispositivo – da mesma forma, não há o que “cortar” do dispositivo da OAB;
6) quando — e isso é absolutamente corriqueiro e comum — for o caso de deixar de aplicar uma regra em face de um princípio, ocasião em que a regra perde sua normatividade em face de um princípio constitucional, entendido este como um padrão, do modo como explicitado em Verdade e Consenso[1] — aqui, não se vislumbra qualquer princípio que poderia ser um obstáculo ao dispositivo da OAB que dá direito aos honorários convencionados.
Fora dessas hipóteses, o juiz tem a obrigação institucional e constitucional de aplicar a lei, porque é um dever fundamental Se o Judiciário achar que a lei não vale, deve então a declarar dentro das seis hipóteses. O Judiciário, quando não aplica lei válida, está legislando na via contrária.
Vejamos os dispositivos envolvidos no caso em discussão: o inciso III do artigo 8º da Constituição é claro em estabelecer a conquista político-jurídica da substituição processual:
“ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas.”
Trata-se, assim, de um direito fundamental de acesso à justiça por meio de um atalho institucional que livra o trabalhador/cidadão não somente das agruras de ingressar individualmente com uma demanda, como também o desonera das pressões dos detentores do capital. Repita-se: estamos diante de um direito fundamental!
Esse direito fundamental também é procedimentalizado pelo Estatuto da OAB, no artigo 22, §§ 6º e 7º, ao se conferir à advocacia a garantia de que
“aplica-se aos honorários assistenciais, compreendidos como os fixados em ações coletivas propostas por entidades de classe em substituição processual, sem prejuízo aos honorários convencionais”
e que
“os honorários convencionados com entidades de classe para atuação em substituição processual poderão prever a faculdade de indicar os beneficiários que, ao optarem por adquirir os direitos, assumirão as obrigações decorrentes do contrato originário a partir do momento em que este foi celebrado, sem a necessidade de mais formalidades.”
Essa lei federal é válida. E constitucional, até este momento. Lendo o que diz a lei, pergunta-se: qual é o fundamento para exigir a manifestação de vontade individual de cada sindicalizado antes da proposição de ações coletivas envolvendo direitos trabalhistas? Isso esvazia a substituição processual.
O eventual excesso no valor de honorários é um argumento que perigosamente atinge o cerne do sistema de advocacia brasileiro. Imagine-se a advocacia ingressar em juízo contra o valor dos salários (e vantagens) do Poder Judiciário e do Ministério Público, com o argumento de que são elevados?
O instituto da substituição processual e o pagamento de honorários contratuais reveste-se de uma constitucionalidade chapada. O dispositivo do Estatuto da OAB é claro. A Constituição alberga o poder de os sindicatos atuarem como substitutos processuais.
Mais: recentemente o STF entendeu que é constitucional restringir direitos trabalhistas por meio de acordos coletivos (Tema 1.046). Então, a autonomia coletiva da vontade do sindicato o autoriza a celebrar acordos que restrinjam direitos trabalhistas, mas não o autoriza a ajuizar ações coletivas para os proteger?
A consequência previsível disso tudo é o enfraquecimento dos sindicatos. Dia a dia o poder dos sindicatos vem sendo fragilizado. Dificilmente causídicos vão se interessar em ajuizar ações coletivas para entidades sindicais. Preferirão ações plúrimas: teremos cem ações com dez pessoas em cada, em vez de uma ação do sindicato em nome de milhares de filiados.
Em síntese, inconstitucional é qualquer limitação a essas normas, pois violaria a decisão do STF sobre a autonomia coletiva da vontade. E, mais do que isso, colocaria um óbice absolutamente indevido ao direito de acesso à justiça, à tutela dos direitos trabalhistas pelo sindicato e à própria autonomia das entidades sindicais.
Logo, com toda lhaneza epistêmica com a qual sempre opero, insisto: a constitucionalidade do pagamento de honorários contratuais em ações coletivas trabalhistas diz respeito à autonomia do Direito. É sobre preservar a advocacia. É sobre proteger o trabalhador.
[1] STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 633 e seg.
Em entrevista coletiva realizada na segunda-feira (26/05), o Banco Central anunciou novos serviços de cidadania financeira, com o objetivo de ampliar a segurança, facilitar o acesso e automatizar serviços oferecidos à população.
As inovações em curso são o desenvolvimento do sistema no qual os cidadãos poderão informar o Sistema Financeiro de que não desejam que sejam abertas contas bancárias em seu nome; o recebimento automático de valores a receber (SVR) mediante solicitação do usuário; o uso de inteligência artificial no atendimento do chat bot do Banco Central, o Din; a integração e expansão de sistemas no Meu BC; e, a nova Calculadora do Cidadão.
Com base no conceito de cidadania financeira — que se apoia nos pilares de inclusão, educação, proteção e participação do cidadão —, os novos serviços têm o propósito de garantir mais autonomia aos cidadãos e facilitar o acompanhamento de sua vida financeira.
A primeira mudança a entrar em funcionamento é o recurso automático do Sistema Valores a Receber (SVR), disponível a partir de 27 de maio.
“O cidadão poderá cadastrar uma chave Pix [CPF] no SVR automático. Assim, quando houver um novo valor a receber, ele será depositado automaticamente para o usuário”, destacou Izabela Correa, diretora de Relacionamento, Cidadania e Supervisão de Conduta do BC.
A novidade simplifica o processo, eliminando a necessidade de consultas recorrentes e solicitações manuais para cada valor a ser resgatado. Em 2024, o SVR recebeu 73 milhões de consultas, com 25 milhões indicando valores a receber.
A função é exclusiva para pessoas físicas com chave Pix do tipo CPF.
Em dezembro, um novo sistema oferecido na área logada do Meu BC permitirá ao cidadão informar as instituições financeiras de que não deseja abrir novas contas (corrente, de poupança ou de pagamento). O objetivo é prevenir fraudes relacionadas à abertura indevida de contas com uso de identidade falsa.
A funcionalidade será gratuita, voluntária e reversível. “No início de dezembro, teremos um novo sistema de segurança em que o cidadão passa a informar sobre a intenção de não abrir contas, para prevenção a fraudes”, explicou Izabela Correa.
Futuramente, o serviço será ampliado para informação sobre a contratação de outros serviços financeiros.
Melhoria de serviços Uma facilidade que está por vir é o acesso a todos os serviços aos cidadãos oferecidos pelo Banco Central a partir de um único login. “Até o final de junho, vamos disponibilizar uma área logada do Meu BC onde o interessado poderá acessar todos os serviços prestados pelo Banco Central — como Registrato, SVR e acompanhamento de demandas —, a partir de um único acesso”, contou a diretora. Assim, quando alguém faz uma reclamação sobre uma instituição financeira, ele passará a ter acesso à resposta da entidade no sistema.
O BC também irá aprimorar os canais de diálogo com a sociedade. Até o final do ano, o chatbot DIN, canal de autosserviço, passará a utilizar inteligência artificial, ampliando a gama de serviços e respostas. Diariamente, o Banco Central atende cerca de 1.800 ligações e 300 pedidos de informação on-line. O DIN realiza atualmente 59 mil conversas mensais.
O Banco Central também fará lançamento da nova Calculadora do Cidadão, mais moderna e acessível. O objetivo das iniciativas é promover a compreensão de temas financeiros por meio de ferramentas simples e de linguagem acessível, para elevar o conhecimento sobre temas na vida financeira das pessoas.
Serviços voluntários “Todos os serviços são sempre voluntários, de iniciativa do usuário. Então cabe a ele autorizar ou não o SVR automático; caberá a ele habilitar a função de dizer que não deseja a abertura de novas contas ou de novos produtos, no futuro. A decisão é sempre do cidadão”, reforçou Carlos Eduardo Gomes, chefe do departamento de Atendimento Institucional do BC.
“É importante ressaltar que não temos uma comunicação ativa com o indivíduo”, explicou Gomes, alertando que as informações seguras estarão sempre disponíveis no sistema Meu BC, a partir de login do gov.br.
Continuando a análise das propostas da reforma do Código Civil para a doação [1], passo agora a mais algumas normas. Neste artigo, quero chamar a atenção para três problemas estritamente jurídico-dogmáticos: o incorreto uso da categoria jurídica da ineficácia na doação inoficiosa, uma insólita proposta de doação confiscatória e a imprecisão do termo ajuda patrimonial nas hipóteses de revogação da doação.
Doação inoficiosa
O artigo 549 foi completamente alterado. A doação inoficiosa segue vedada, mas o conceito que instrumentaliza essa proibição foi modificado. O caput atual dispõe que “[n]ula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberdade, poderia dispor em testamento”. A Reforma propõe uma alteração no início desse artigo, que rezaria: “[s]alvo na hipótese do art. 544, é ineficaz a doação (…)”. Diretamente ligada a essa alteração está a inclusão de um § 3º, cuja redação proposta é a seguinte: “[n]ão sendo proposta a ação de reconhecimento da ineficácia no prazo de cinco anos, a doação considerar-se-á eficaz desde a data em que foi realizada”. Isto é, trocou-se a noção de nulidade pela de ineficácia. Como o nulo jamais poderia convalescer ex artigo 169, CC, a categoria da ineficácia deve ter parecido à comissão um instrumento apto a instrumentalizar esse resultado.
No entanto, os conceitos dogmáticos não podem ser instrumentalizados de tal maneira. Se a finalidade era estabelecer um limite temporal, quadraria melhor utilizar a noção de anulabilidade, prevendo-se ou a aplicação do prazo decadencial geral, ou a criação de prazo específico. De fato, as anulabilidades têm de ser alegadas dentro de determinado prazo, sob pena de convalidação. Já o regime da ineficácia é muito distinto e não tem, entre seus princípios, a noção de aquisição geral de eficácia pelo decurso do tempo. A noção mesma de uma ineficácia cuja declaração se sujeita a um prazo causa estranheza: não se estaria próximo a uma verdadeira desconstituição? A ineficácia se converteria num direito formativo extintivo?
De fato, a ineficácia é incompatível com a situação. Como regra geral, a ineficácia produz-se inter partes, de modo que, beneficiado pela ineficácia seria apenas o autor da ação declaratória: trata-se de situação semelhante à da fraude à execução, cujo reconhecimento, importando em ineficácia, não faz com o que bem retorne ao patrimônio do executado, mas apenas declara a ineficácia da disposição em face de determinado credor. Esse resultado seria plenamente insatisfatório por duas razões. Em primeiro lugar, privilegiaria um herdeiro em detrimento de outro, desequilibrando os quinhões. Em segundo lugar, constituiria previsão arriscada para os credores. Afinal, “[s]e, somando-se ao que deixou o falecido o em que importaram as doações, há menos do que a soma das dívidas, legitimados ativos também são os credores, uma vez que no Código Civil [de 1916], artigo 1.176, se concebeu a regra jurídica como de nulidade”[2]. Esse esclarecimento de Pontes de Miranda é fundamental: a nulidade, como impede – perante todos – que o bem saia juridicamente do patrimônio do doador, é a categoria correta para tutelar não apenas o conjunto de herdeiros, mas também terceiros credores que eventualmente tenham de declarar a nulidade parcial da doação inoficiosa. É preciso ter extremo cuidado ao trocar categorias conceituais, pois nem todos os resultados podem ser concebidos desde logo.
Passando à aplicação prática de tal princípio, ela causa diversos problemas. Em primeiro lugar, antes da abertura da sucessão, a legitimação como herdeiro é mera expectativa de direito, podendo-se alterar a depender de quando sobrevier a morte para cada pessoa. Em verdade, não há herdeiro de pessoa viva: a legitimidade para suceder apura-se, em regra, no momento da abertura da sucessão. Assim, a legitimidade não seria verdadeiramente atribuída ao herdeiro, mas ao herdeiro presuntivo. A este caberia atuar em benefício dos herdeiros (efetivos) em geral, ainda não determinados; já sua inércia poderia também prejudicar outros herdeiros que, uma vez passado o prazo quinquenal, não teriam mais instrumento para questionar a doação.
O segundo problema prático está em apurar, durante a vida do doador, a inoficiosidade da doação: por vezes, nem mesmo o doador tem plena consciência do montante do seu patrimônio para avaliar a inoficiosidade. Imagine-se, então, que um herdeiro – e, de ordinário, em nítido conflito com o doador – teria de calcular o valor do patrimônio e provar a inoficiosidade em juízo. Considerando que grande parte da documentação dos bens que fazem parte do patrimônio não é pública, e que nem todos os bens permitem fácil estimação pecuniária, qual a probabilidade desse desenho institucional funcionar para além de patrimônios muito limitados, cujos bens sejam facilmente avaliáveis? É por isso que outras normas – como o artigo 550, CC, que trata da doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice – fazem iniciar o prazo de anulabilidade após a dissolução da sociedade conjugal, o que abrange também a morte do autor da herança. Caso se aplicasse a anulabilidade ao caso, conviria ser este o termo inicial do prazo decadencial.
A reforma propõe ainda a inclusão dos §§ 1º e 2º. O § 1º receberia a seguinte redação: “[o] cálculo da parte a ser restituída considerará o valor nominal do excesso ao tempo da liberalidade, corrigido monetariamente até a data da restituição, ainda que o objeto da doação não tenha sido dinheiro”. Já o § 2º teria a seguinte redação: “[e]m casos de doações realizadas de forma sucessiva, o excesso levará em conta todas as liberalidades efetuadas”.
O § 2º traz norma jurídica interessante, pois resolve dúvidas práticas embasadas em estudos doutrinários anteriores [3]. Já o § 1º mostra alguns problemas. Em primeiro lugar, não é preciso explicitar a necessidade de correção monetária, uma vez que, sendo a pretensão aplicável ao caso a do enriquecimento injustificado [4], essa previsão está explícita no artigo 884, parte final, CC. Em segundo lugar, é evidente que a disposição deve se aplicar ainda que a doação não tenha dinheiro por objeto, uma vez que a estimação pecuniária é a forma de avaliação comum a todos os objetos patrimoniais por definição.
Mas há algo mais grave: ao regular o que deve ser devolvido, a norma proposta toma posição a respeito do objeto do enriquecimento injustificado, que não é matéria pacífica no direito brasileiro. No direito estrangeiro, questiona-se se o objeto da pretensão de enriquecimento deve consistir na atribuição realizada, na reversão do efetivo enriquecimento ao patrimônio do donatário, ou em critério misto [5]. Não me parece prudente tomar partido dessa questão sem estudos doutrinários prévios de maior envergadura.
Expropriação confiscatória
O artigo 553, caput, CC, prevê três espécies de doação com encargo, conforme o interesse em sua realização: (a) do doador; (b) de terceiro; (c) do público em geral. Em todos esses casos, pela regulação atual, o donatário é obrigado a cumprir o encargo.
A Reforma amplia essa norma, concedendo ao terceiro interessado e ao Ministério Público não apenas a possibilidade de exigir o cumprimento do encargo em benefício de terceiro e no interesse geral, respectivamente, mas também a de revogar a doação. Assim, prevê o novo § 2º: “[n]as duas últimas hipóteses do caput deste artigo, caberá a revogação da doação pelo Ministério Público ou pelo terceiro beneficiado, e o bem doado será revertido ao fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representante da comunidade, nos termos da lei”.
Essa hipótese causa estranhamento, pois o direito formativo de revogação da doação não é nem mesmo exercitável pelos herdeiros, a não ser que continuem na ação já ajuizada pelo doador (cf. artigo 560, CC) ou em caso de homicídio (artigo 561, CC). O que causa ainda maior estranhamento, porém, é tratar-se de uma revogação em benefício de terceiro, já que o objeto doado, após a revogação a pedido do terceiro ou do Ministério Público, não regressará ao patrimônio do doador ou de seus herdeiros, mas será destinado a um conselho estadual ou federal.
A técnica legislativa causa espécie: se o bem não voltará ao patrimônio do doador ou de seu sucessor, de revogação não se trata. Também não se trata de hipótese de desapropriação, na medida em que não há previsão de indenização, como exigido pelo artigo 5, XXIV, CF. Resta apenas categorizá-la como expropriação confiscatória, à semelhança do que se prevê no artigo 243, CF, medida extrema para o caso de bens imóveis utilizados para cultivo de plantas psicotrópicas ou de exploração de trabalho escravo. Existem, de fato, hipóteses de expropriação na legislação ordinária, como o caso dos produtos e instrumentos do crime (artigo 91, CP), mas tal espécie de confisco está implicitamente autorizada no artigo 5, XLV, CF. De fato, em ambas as espécies, a destinação é bastante clara: a União é a destinatária, ainda que, no artigo 243, CF, se explicite que ela deverá empregar os imóveis expropriados para fins de reforma agrária e de programas de habitação popular. Já a reforma se limita a cometer a administração desses bens a um Conselho, cuja caracterização nem sequer se debuxa. Além disso, não se prevê a finalidade de emprego do produto da expropriação. É preciso observar, ainda, que as outras espécies de expropriação decorrem, direta ou indiretamente, de condenação criminal ou de situações criminosas; já o descumprimento do encargo constitui mero ilícito civil.
A categoria da revogação foi indevidamente manipulada neste artigo da Reforma. A revogação constitui direito formativo extintivo, cuja titularidade é, a princípio, do doador. Exercendo-o, o doador retira a vox [6], isto é, a declaração jurídico-negocial, com eficácia ex tunc, e, com isso, perde-se a causa jurídica que sustentava a atribuição que ele fizera ao donatário. Por essa razão, não há uma relação de liquidação após a revogação: o que há é apenas enriquecimento injustificado ou pretensão reivindicatória. E, no caso da primeira, não exatamente a condictio indebiti, mas a condictio obcausam finitam, já que a causa atributiva existiu, mas deixou de existir após a revogação. Como as condicções seguem a ordem da prestação [7] – realizada, por sua vez, entre doador e donatário – não há como o terceiro ser beneficiado: o bem doado tem de regressar ao patrimônio do doador, seja ele titularizado ainda pelo doador ou por seus herdeiros. Logo, uma revogação em benefício de terceiro é um contrassenso jurídico, que viola as regras estruturais de extinção dos negócios jurídicos, bem como as do enriquecimento injustificado. Na verdade, o termo “revogação” está aí apenas como eufemismo: o que há, de fato, é expropriação confiscatória.
Nesse sentido, o regime de execução do encargo torna-se excessivamente rigoroso com a reforma. Na hipótese do interesse ser de terceiro, a previsão carece mesmo de sentido: qual o interesse que o terceiro teria em pedir a revogação da doação, se o bem doado será destinado a um Conselho de que ele nem sequer participará? Haveria muitas outras formas, mais convenientes e eficazes, do que a previsão da expropriação confiscatória – que constitui, a bem da verdade, a forma mais radical para lidar com ilícitos relativos à propriedade. É o caso, por exemplo, da execução específica por meio de astreintes, da previsão de indenização por perdas e danos pela inexecução do encargo ou, mais radicalmente, da execução manu militari dos encargos em que tal espécie couber.
Em conclusão, as alterações propostas para o artigo 553, CC, geram uma espécie de expropriação confiscatória de constitucionalidade bastante duvidosa, sendo melhor manter a previsão genérica do atual artigo 562, CC, que concede ao doador a revogação da doação por inexecução do encargo. Além disso, o conceito de revogação não se presta à intenção da previsão normativa da reforma.
Ajuda patrimonial
O artigo 557, CC, prevê as hipóteses de revogação por ingratidão. A formulação legislativa atualmente vigente implica que as hipóteses de ingratidão são típicas. No entanto, a reforma prevê antepor ao texto atual a seguinte oração: “[e]ntre outras hipóteses de especial gravidade (…)”, explicitando que os fundamentos de revogação passam a constar de rol aberto.
Essa alteração, por si só, já causa estranhamento. Se as razões para revogação são tão graves, como não é possível prevê-las? Aqui se nota mais um problemático aspecto da reforma: o excessivo papel concedido à concretização judicial das hipóteses normativas. Especialmente em casos graves, como a perda de um direito, é conveniente que as hipóteses venham elencadas na lei. Há também falta de sistematicidade: a alteração do inciso II – adicionando que a ofensa física pode se voltar “(…) contra algum membro de sua família” é desnecessária, pois prevista já no artigo 558, CC.
No entanto, o que causa maior estranheza é o conceito empregado no inciso IV: “ajuda patrimonial”. Este conceito visa a substituir a noção de “alimentos”. Aqui há mais um traço comum da Reforma: a substituição de um conceito dogmático com grande densidade por outro sem nenhuma densidade dogmática. Afinal, o que pode ser considerado “ajuda patrimonial”? Se o doador pedir dinheiro mutuado ao donatário, trata-se de ajuda patrimonial? E, se pedir para morar gratuitamente em imóvel desocupado do donatário, o comodato seria ajuda patrimonial? Em rigor, a resposta positiva seria admissível, na medida em que, em ambos os casos, o patrimônio do doador ou aumenta, ou deixa de se reduzir mesmo recebendo uma benesse. Parece, porém, excessivo permitir a revogação da doação diante da negativa do donatário em aceitar a conclusão de tais “contratos”, se é que assim poderiam ser chamados diante da ameaça de revogação em caso de negativa. Já o conceito de alimentos, forjado no binômio possibilidade e necessidade, é muito mais adequado, pois permite ponderar judiciosamente a situação de ambas as partes envolvidas. Com a troca, não apenas não se ganha nada, mas, em verdade, se perde a clareza conceitual.
[1] METTLACH, J. C. A doação na reforma do Código Civil. Conjur, 30/04/2025. Acesso aqui.
[2] PONTES DE MIRANDA, F. C. Tratado de Direito Privado. Vol. XLVI. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 330.
[3] Quanto ao § 2º, cf. PONTES DE MIRANDA, F. C., Tratado de Direito Privado. Vol. XLVI. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 329.
[4] Emprego o termo enriquecimento injustificado como gênero, abrangendo os capítulos do pagamento indevido e do enriquecimento sem causa, e trato-os como concretizações do mesmo instituto jurídico.
[5] Para um panorama geral, cf. REUTER, Dieter; MARTINEK, Michael. Ungerechtfertigte Bereicherung. Tübingen: Mohr, 1983, pp. 518-20.
[6] PONTES DE MIRANDA, F. C. Tratado de Direito Privado. Vol. XXV. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 351.
[7] WIELING, H. J. Bereicherungsrecht. 3ª ed. Berlin: Springer, 2004, pp. 89. As razões são plenamente aplicáveis ao direito brasileiro.
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