O IRPF e o abatimento dos gastos com planos de saúde empresariais

É fato que os planos de saúde são caríssimos e que possuem uma política de negócios que concede descontos significativos se os contratos forem firmados por meio de uma pessoa jurídica. Caso membros de uma família sejam sócios de uma empresa, é usual que seu plano de saúde seja por ela custeado, sendo a despesa abatida no IR corporativo — me refiro às empresas em geral, inclusive os family office e as tributadas pelo lucro presumido ou pelo Simples.

O aspecto aqui analisado ocorre nas famílias que não possuem empresas para administrar seus negócios e criam uma pessoa jurídica apenas para aproveitarem os descontos ofertados pelos planos de saúde. Tais empresas serão pessoas jurídicas “formais”, pois não possuirão receita, nem operacional e nem financeira, tendo sido criadas apenas para a contratação do plano de saúde da família, aproveitando a substancial redução de preços ofertada no âmbito negocial. O problema está no fato de que o contrato é firmado com essa pessoa jurídica formal, e, como ela não possui receita, não tem como utilizar esse valor como despesa para fins de apuração de seu Imposto de Renda corporativo.

Haverá a possibilidade de abater esse valor do Imposto de Renda das pessoas físicas que efetivamente custeiam essa despesa, a despeito de o contrato ser firmado com uma pessoa jurídica com esse perfil?

A resposta será negativa caso seja reconhecida a prevalência da forma sobre a essência dessa operação negocial, pois o contrato será firmado com a pessoa jurídica, e o custeio deveria ser realizado por esta, com o correspondente aproveitamento da despesa para fins de apuração do Imposto de Renda corporativo — embora, na prática, isso não vá ocorrer, pois não possui receita.

Ao revés, a resposta será positiva caso seja reconhecida a prevalência da essência da operação negocial sobre a forma, pois o desembolso efetivo ocorreu pelas pessoas físicas que custearam os valores correspondentes ao plano de saúde. A comprovação dessa operação deverá se dar por meio de extratos bancários que demonstrem que as pessoas físicas pagaram os valores correspondentes; e que a pessoa jurídica formal — que não possui receita — não tinha como custeá-los, e, portanto, não utilizou dessa despesa em seu Imposto de Renda corporativo.

Como não estou entre aqueles que fazem prevalecer a forma dos negócios jurídicos sobre sua essência, admito a segunda hipótese, entendendo como válido o abatimento dos gastos com saúde nas declarações de ajuste do Imposto de Renda das pessoas físicas que efetivamente custearam aquela despesa, muito embora formalmente o contrato tenha sido firmado com uma pessoa jurídica.

Alguém poderá dizer que se trata de planejamento fiscal abusivo, atribuindo uma carga semântica negativa a essa expressão, carimbando-a como perniciosa ao Fisco. Trata-se de um engano.
O CTN, no parágrafo único do artigo 116, prescreve que “a autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária”.

Iniciemos abstraindo o fato de que ainda não foi editada a lei ordinária mencionada no parágrafo único do artigo 116, CTN, o que compromete sua eficácia jurídica. Centremos a atenção na finalidade dessa norma, que é a de dissimular “a ocorrência do fato gerador do tributo” ou “a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária”. O caso relatado não está presente em qualquer dessas duas hipóteses.

Não há “dissimulação”, pois a operação é claríssima, escancarada, e decorre de um modelo de negócios das empresas que comercializam planos de saúde.

Também não há o afastamento dos “elementos constitutivos da obrigação”, pois não existe duplicidade de aproveitamento da mesma despesa, o que ocorreria se a pessoa jurídica formal e a física se utilizassem dele ao mesmo tempo.

O que existe é uma operação efetiva daquele núcleo familiar com o plano de saúde que pratica esse modelo de negócios. Trata-se de uma operação negocial lícita, pois os contratantes têm o direito de organizar seus negócios da maneira que entendem mais adequada, consoante o modelo de negócios firmado entre partes privadas.

Observando com lupa: qual a perda do Fisco nessa operação? A empresa não terá utilizado a despesa (aspecto importante, pois, caso contrário, toda a análise jurídica é modificada) e os contribuintes pessoas físicas efetivamente pagaram aquela despesa (o que deve ser provado), obtendo o direito de a abater. Na prática, ocorre uma espécie de desconsideração da pessoa jurídica pelo contribuinte para contratação de um plano de saúde com maior desconto.

Trata-se de uma operação lícita caso existam provas da não utilização da despesa pela pessoa jurídica formal e do efetivo pagamento pela pessoa física, gerando para esta o direito de abater esses gastos com plano de saúde em sua declaração de ajuste do Imposto de Renda. Trata-se da prevalência da essência econômica da operação sobre a singela forma jurídica.

Última observação de cunho lateral: se uma situação como a descrita pode causar alguma confusão, imaginem se o PLP 1.087 for aprovado (analisado anteriormente aqui) e retornar a análise fiscal da distribuição disfarçada de lucros nas empresas que declaram pelo lucro presumido e pelo Simples. Será uma festa para a litigância tributária.

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STJ restringe análise de recursos sobre tributação e base de cálculo

O Superior Tribunal de Justiça tem adotado a posição de não examinar, em recurso especial, alegações de violação do artigo 97 do Código Tributário Nacional (CTN). A justificativa da corte é que a matéria trata de reprodução de preceito constitucional e, dessa forma, está sob a alçada do Supremo Tribunal Federal.

O entendimento vem sendo aplicado pelas turmas de Direito Público do STJ em casos que discutem a legalidade da cobrança de tributos, ou a formação de suas bases de cálculo.

O caso mais recente é da 1ª Turma, que não conheceu de recurso especial sobre a legalidade da inclusão de despesas ao valor aduaneiro, o que afeta a base de cálculo de impostos de importação.

No recurso, a empresa importadora apontou violação do artigo 97 do CTN, que define hipóteses tributárias que só podem ser estabelecidas por lei, como fato gerador, alíquota, instituição de cobrança e outros.

O ministro Benedito Gonçalves, relator do caso, destacou que fazer essa análise implicaria usurpação da competência do STF, já que o artigo 97 do CTN apenas reproduz o preceito do artigo 150, inciso I, da Constituição Federal.

A norma constitucional tem redação menos exauriente: limita-se a impedir que União, estados, Distrito Federal e municípios exijam ou aumentem tributo sem lei que o estabeleça.

O voto do ministro Benedito Gonçalves cita cinco precedentes da 1ª Turma em que a posição foi aplicada, em casos que discutem variados tributos. A posição foi confirmada em voto-vista do ministro Gurgel de Faria.

Artigo 97 do CTN

A validação dessa restrição de análise foi feita pela 1ª Seção, que reúne os integrantes das 1ª e 2ª Turmas do STJ, no julgamento em que foi decidido que PIS e Cofins compõem a base de cálculo do ICMS.

O relator, ministro Paulo Sérgio Domingues, não incluiu esse ponto na tese vinculante, mas o citou na resolução do caso concreto, apontando a impropriedade de analisar a violação ao artigo 97 do CTN.

No recurso especial julgado pela 1ª Turma, o contribuinte importador tentou driblar a restrição ao apontar que a controvérsia sobre a legalidade da inclusão de despesas ao valor aduaneiro é infraconstitucional.

Foi o que decidiu o Supremo ao julgar o Tema 1.151 em 2021. O Plenário reconheceu a inexistência de repercussão geral da questão, por não se tratar de matéria constitucional.

“Contudo, é firme a jurisprudência desta Corte de que é vedado o exame de eventual ofensa ao artigo 97 do CTN, na via do recurso especial, sob pena de usurpação da competência da Suprema Corte, tendo em vista que o dispositivo reproduz o princípio constitucional da legalidade tributária, matéria de natureza eminentemente constitucional”, concluiu o relator.

Clique aqui para ler o acórdão
REsp 2.130.803

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Cancelamento de voo sem aviso prévio gera o dever de indenizar

O Superior Tribunal de Justiça tem adotado a posição de não examinar, em recurso especial, alegações de violação do artigo 97 do Código Tributário Nacional (CTN). A justificativa da corte é que a matéria trata de reprodução de preceito constitucional e, dessa forma, está sob a alçada do Supremo Tribunal Federal.

O entendimento vem sendo aplicado pelas turmas de Direito Público do STJ em casos que discutem a legalidade da cobrança de tributos, ou a formação de suas bases de cálculo.

O caso mais recente é da 1ª Turma, que não conheceu de recurso especial sobre a legalidade da inclusão de despesas ao valor aduaneiro, o que afeta a base de cálculo de impostos de importação.

No recurso, a empresa importadora apontou violação do artigo 97 do CTN, que define hipóteses tributárias que só podem ser estabelecidas por lei, como fato gerador, alíquota, instituição de cobrança e outros.

O ministro Benedito Gonçalves, relator do caso, destacou que fazer essa análise implicaria usurpação da competência do STF, já que o artigo 97 do CTN apenas reproduz o preceito do artigo 150, inciso I, da Constituição Federal.

A norma constitucional tem redação menos exauriente: limita-se a impedir que União, estados, Distrito Federal e municípios exijam ou aumentem tributo sem lei que o estabeleça.

O voto do ministro Benedito Gonçalves cita cinco precedentes da 1ª Turma em que a posição foi aplicada, em casos que discutem variados tributos. A posição foi confirmada em voto-vista do ministro Gurgel de Faria.

Artigo 97 do CTN

A validação dessa restrição de análise foi feita pela 1ª Seção, que reúne os integrantes das 1ª e 2ª Turmas do STJ, no julgamento em que foi decidido que PIS e Cofins compõem a base de cálculo do ICMS.

O relator, ministro Paulo Sérgio Domingues, não incluiu esse ponto na tese vinculante, mas o citou na resolução do caso concreto, apontando a impropriedade de analisar a violação ao artigo 97 do CTN.

No recurso especial julgado pela 1ª Turma, o contribuinte importador tentou driblar a restrição ao apontar que a controvérsia sobre a legalidade da inclusão de despesas ao valor aduaneiro é infraconstitucional.

Foi o que decidiu o Supremo ao julgar o Tema 1.151 em 2021. O Plenário reconheceu a inexistência de repercussão geral da questão, por não se tratar de matéria constitucional.

“Contudo, é firme a jurisprudência desta Corte de que é vedado o exame de eventual ofensa ao artigo 97 do CTN, na via do recurso especial, sob pena de usurpação da competência da Suprema Corte, tendo em vista que o dispositivo reproduz o princípio constitucional da legalidade tributária, matéria de natureza eminentemente constitucional”, concluiu o relator.

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REsp 2.130.803

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Entidades pedem suspensão de norma do CFM que barrou terapia hormonal

Entidades protocolaram no Supremo Tribunal Federal (STF) uma ação para suspender a resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que revisa critérios éticos e técnicos para o atendimento a pessoas com incongruência e/ou disforia de gênero.

Na ação, protocolada nesta terça-feira (22), a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e o Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (Ibrat) contestam a Resolução 2.427/2025, publicada na semana passada. 

A norma contestada proíbe os médicos de prescreverem bloqueadores hormonais para tratamento de incongruência de gênero ou disforia de gênero em crianças e adolescentes.

As entidades defendem a retomada do texto original da Resolução CFM 2.265/2019, norma que foi revogada, para garantir o livre desenvolvimento da personalidade ao bloqueio hormonal da puberdade.

“Valores morais de pessoas transfóbicas ou sensos comuns não podem justificar o desprezo à saúde psicológica e social e à autodeterminação de gênero de crianças e adolescentes que se entendem como trans”, afirmam as entidades.

A ação direta de inconstitucionalidade (ADI) que trata da questão será relatada pelo ministro Cristiano Zanin. Não há prazo para decisão.

Fonte: EBC

OAB quer derrubar medida que barrou entrada de celulares no STF

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) informou nesta terça-feira (22) que vai pedir a revogação da medida do Supremo Tribunal Federal (STF) que barrou a entrada de celulares no plenário da Primeira Turma durante o julgamento do núcleo 2 da trama golpista.

Na manhã de hoje, ao chegarem para acompanhar a sessão, os advogados do caso e os jornalistas que fizeram a cobertura do julgamento foram informados pelos seguranças do STF que os aparelhos estavam vetados durante a sessão e deveriam ficar guardados em envelopes lacrados na portaria do plenário.

Em nota divulgada à imprensa, o presidente da OAB, Beto Simonetti, disse que recebeu a medida com surpresa e irresignação e informou que vai pedir a revogação da proibição ao presidente da Primeira Turma, ministro Cristiano Zanin.

“A OAB reconhece a importância da segurança e da ordem nos julgamentos. No entanto, o uso de aparelhos para gravação de áudio e vídeo em sessões públicas é amparado por lei e constitui prerrogativa da advocacia, não podendo ser restringido sem fundamento legal claro e específico. Eventuais excessos devem ser apurados com responsabilização individualizada, sem prejuízo das garantias institucionais”, declarou o presidente.

O STF informou que a medida foi tomada após o descumprimento da proibição de gravação de imagens dentro do plenário durante o julgamento do núcleo 1, realizado no mês passado, quando o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros investigados se tornaram réus.

Além disso, Felipe Martins, ex-assessor de assuntos internacionais de Bolsonaro, um dos réus do núcleo 2, estava proibido pelo ministro Alexandre de Moraes de ser filmado ou fotografado durante o julgamento. 

Núcleo 2

O grupo é composto por seis denunciados, todos acusados de organizar ações para “sustentar a permanência ilegítima” de Bolsonaro no poder, em 2022.

São eles o delegado da Polícia Federal Fernando de Sousa Oliveira; o ex-assessor para Assuntos Internacionais da Presidência da República Filipe Garcia Martins Pereira; o coronel da reserva do Exército e ex-assessor da Presidência da República Marcelo Costa Câmara; a delegada da Polícia Federal Marília Ferreira de Alencar; o general da reserva do Exército e ex-secretário Executivo da PR Mário Fernandes, e o ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal Silvinei Vasques.

Entre as acusações estão a elaboração de minuta de decreto para justificar juridicamente o golpe de Estado no final do governo de Jair Bolsonaro; o monitoramento do ministro do STF Alexandre de Moraes e ações da Polícia Rodoviária Federal (PRF) para dificultar a circulação de eleitores do Nordeste durante o pleito de 2022.

Fonte: EBC

Pejotização: análise do STF pode ampliar hipóteses, diz especialista

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu na segunda-feira (14) todos os processos na Justiça sobre a legalidade da chamada “pejotização”, em que empresas contratam prestadores de serviços como pessoa jurídica, evitando criar uma relação de vínculo empregatício formal. 

Isso significa que todos os processos, em qualquer estágio ou instância, ficam parados até que o plenário do Supremo julgue o mérito, ou seja, alcance um entendimento definitivo sobre o tema. Não há prazo para isso acontecer. Na maioria das vezes, a espera pode demorar anos. 

Segundo a Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho (ANPT), somente em 2024 foram abertas cerca de 460 mil ações sobre reconhecimento de vínculo trabalhista. O número exato de processos paralisados ainda deve ser informado ao Supremo por todos os tribunais do país. 

A suspensão nacional de processos é uma medida de grande impacto, que costuma ser usada com contenção, e ocorre quando o Supremo começa a receber centenas ou milhares de recursos sobre um mesmo assunto. Os ministros então selecionam um desses casos para que receba o status de repercussão geral, isto é, para que seu desfecho oriente toda a Justiça na resolução de um problema polêmico. Enquanto isso, todos os demais precisam aguardar

Especialistas ouvidos pela Agência Brasil apontam que a suspensão nacional dos casos sobre pejotização é positiva no sentido de sanar a grande insegurança jurídica em torno do reconhecimento do vínculo trabalhista. Por outro lado, a corrente majoritária do Supremo tende a ampliar as hipóteses aceitas para a contratação de prestadores de serviço como pessoas jurídicas, o que pode prejudicar a aplicação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), avaliam alguns dos entrevistados. 

Insegurança jurídica 

O professor de Direito do Trabalho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rodrigo Carelli, destaca que o fenômeno da pejotização é alvo de preocupação há décadas e em todo o mundo, não só no Brasil. Desde 2006, por exemplo, que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) recomenda a todos os países-membro, incluindo o Brasil, que combatam as relações de trabalho disfarçadas de outras relações contratuais. 

“Não há nenhuma novidade nas relações de trabalho quanto a isso”, disse Carelli. 

No Brasil, a controvérsia sobre a pejotização se agravou a partir de 2018, quando o Supremo validou um dispositivo da reforma trabalhista e liberou a terceirização para as atividades-fim das empresas, e não somente para áreas de apoio como limpeza e vigilância, por exemplo. Desde então, começaram a chegar à Corte milhares de reclamações de empresas em busca de derrubar o reconhecimento de vínculos trabalhistas, alegando que a justiça trabalhista estaria considerando fraudulentos contratos regulares de prestação de serviços. A maior parte dos ministros tem concedido os pedidos das empresas. 

“O que o STF está fazendo é uma confusão entre terceirização e pejotização”, avaliou Carelli. “A doutrina em todo mundo sempre reconheceu que uma coisa não tem nada a ver com a outra. Mesmo que se autorize a terceirização de atividades-fim, isso não permite mascarar a relação de trabalho formal”, afirmou. 

Previsibilidade

Para o pesquisador, ao derrubar decisões da Justiça do Trabalho sobre reconhecimento de vínculo, o Supremo “dá um incentivo para as empresas descumprirem as normas trabalhistas”. Ele critica que alguns ministros apontem o julgamento sobre terceirização como uma espécie de “salvo conduto” para a retirada de direitos do trabalhador. “A gente vê um quadro que vai causar impactos drásticos na sociedade brasileira”, afirmou. 

Para o advogado trabalhista Mauricio Pepe, sócio do escritório Dias Carneiro, contudo, a suspensão nacional de processos e a repercussão geral do tema da pejotização podem ser “uma oportunidade de obtenção de posicionamento mais claro por parte do Supremo Tribunal Federal sobre a validade dos contratos de prestação de serviços especializados”. Para o defensor, que atua sobretudo representando empresas, o que a Corte busca é dar uma espécie de freio de arrumação sobre o tema. “Não se pode simplesmente presumir a existência de fraude ou simulação, como infelizmente vem ocorrendo em muitos casos analisados pela Justiça do Trabalho”. 

Pepe acrescenta que, a seu ver, “tanto trabalhadores quanto empresários terão maior segurança jurídica, previsibilidade e uniformidade nas decisões judiciais, reduzindo o risco de interpretações divergentes entre diferentes instâncias”. 

A advogada Elisa Alonso, sócia da RCA Advogados, também vê um “alívio momentâneo” para as empresas, que sustentam que as diferentes formas de contratação são algo “vital para viabilizar operações, reduzir custos e adaptar a prestação de serviços às dinâmicas modernas de mercado”. 

A defensora reconhece, porém, que há inúmeros casos em que a contratação por meio de pessoa jurídica esconde uma verdadeira relação de emprego, com subordinação, habitualidade, onerosidade e pessoalidade, mas sem o reconhecimento formal dos direitos decorrentes da CLT. “Nestes casos, a pejotização se converte em instrumento de precarização, privando o trabalhador de acesso a férias, 13º salário, FGTS, verbas rescisórias e previdência social adequada”. 

Nesse embate entre liberdade de contratação e proteção ao trabalhador, “as empresas tendem a ganhar previsibilidade e fôlego na defesa de seus modelos de gestão, enquanto trabalhadores poderão enfrentar o risco de enfraquecimento da malha protetiva assegurada pela legislação trabalhista”, ponderou Elisa Alonso. 

Trabalhador enfraquecido

Para além de uma possível perda de direitos, uma eventual permissividade maior para a contratação de trabalhadores como pessoa jurídica deve afetar também o poder de barganha na hora de negociar os próprios contratos, avalia o economista Nelson Marconi, coordenador do curso de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas (FGV). 

Isso porque a pejotização faz, por exemplo, com que os trabalhadores se desconectem uns dos outros e não possam se organizar coletivamente para negociar melhores salários e condições.

“Quando você flexibiliza muito o mercado de trabalho, fica mais difícil para os trabalhadores estabelecer negociações com as empresas”, frisou o economista.

Marconi é também um dos autores de um estudo que estima qual seria o impacto fiscal do avanço da pejotização no país. Segundo o artigo, publicado no ano passado, entre a aprovação da terceirização das atividades-fim com a reforma trabalhista, em 2017, e o fim de 2023, a União pode ter deixado de arrecadar R$ 89 bilhões que teriam sido pagos caso profissionais autônomos registrados como microempreendores tivessem sido contratados com carteira assinada.  

Na hipótese do avanço da pejotização transformar cerca da metade dos trabalhadores formais brasileiros em prestadores de serviço contratados como pessoa jurídica, as perdas podem superar os R$ 300 bilhões pelos próximos anos, conclui o estudo. 

Fonte: EBC

Crédito de representante comercial PJ se equipara a trabalhista na recuperação judicial

O crédito devido ao representante comercial, seja pessoa física ou jurídica, se equipara aos créditos derivados da legislação do trabalho na recuperação judicial ou na falência.

Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso especial de uma empresa de representação comercial. O julgamento foi por maioria de votos. Trata-se do primeiro precedente colegiado sobre o tema no tribunal.

O caso é de uma credora que foi inicialmente incluída na classe IV (microempresa ou empresa de pequeno porte) da recuperação judicial de uma empresa de empreendimentos imobiliários.

A empresa de representação comercial então recorreu para ser reclassificada para a classe I, dos créditos trabalhistas, que tem preferência na ordem de pagamento.

O Tribunal de Justiça do Piauí considerou que apenas os representantes comerciais que são pessoas físicas teriam seus créditos classificados na classe I.

Ao STJ, a empresa de representação destacou que as leis que tratam do tema não fazem nenhuma distinção entre pessoa física ou pessoa jurídica. A classificação dos créditos é disciplinada no artigo 83, inciso I da Lei de Recuperação Judicial e Falências (Lei 11.101/2005).

Já o artigo 44 da Lei 4.886/1965 diz que as importâncias relacionadas com a representação serão consideradas créditos da mesma natureza dos trabalhistas para fins de inclusão no pedido de falência ou plano de recuperação judicial.

Sem distinção

Venceu o voto divergente do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, que deu razão à argumentação da empresa de representação comercial.

Para ele, o legislador tratou das importâncias devidas ao representante comercial, não fazendo distinção entre pessoas físicas e jurídicas.

“Assim, aqui cabe a máxima de que, se o legislador não fez diferenciação, não cabe ao intérprete fazê-lo, sob pena de restringir indevidamente a abrangência da norma”, apontou.

Ele destacou que a sociedade limitada pode ser constituída por uma pessoa. E indagou: “Qual seria a diferença entre o crédito titularizado pelo empresário individual e a sociedade unipessoal quando ambos organizam os fatores de produção?”

“Concluir que o crédito de um tem natureza alimentar enquanto o da outra não tem somente poderia se sustentar com a realização de prova. Não há como chegar a essa conclusão a priori”, disse.

Classe IV

Votaram com a divergência os ministros Humberto Martins, Moura Ribeiro e Daniela Teixeira.

Ficou vencida a ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso especial. Para ela, é possível diferenciar entre o representante comercial pessoa física e o pessoa jurídica.

Isso porque o que justifica o tratamento privilegiado é a natureza alimentar do crédito, destinado ao sustento do representante comercial e de sua família.

“No caso de pessoas físicas, o crédito decorrente da representação comercial será destinado ao sustento do representante e de sua família (de forma análoga ao salário do empregado), autorizando, pois, a equiparação aos créditos trabalhistas”, explicou.

Por outro lado, a pessoa jurídica não tem necessidades vitais a serem supridas. A atividade está ligada, essencialmente, à forma de organização dos fatores de produção, e não ao trabalho pessoal dos sócios, disse a ministra.

Clique aqui para ler o acórdão
REsp 2.168.185

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Banco Central quer ouvir a sociedade sobre “tokenização” de cartões

O Banco Central (BC) publicou tomada de subsídios para obter contribuições para eventual aprimoramento da regulação de arranjos de pagamentos integrantes do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB). 
A tomada de subsídios busca abordar a necessidade de disciplinar a prestação de serviços de solicitação e armazenamento de tokens de dados de instrumentos de pagamento, como os oferecidos por carteiras digitais, como Apple Pay, Samsung Pay e Google Pay. Esses tokens atuam como representação segura das credenciais dos usuários, facilitando transações de pagamento com cartões. 
Motivação
Com o crescimento significativo dos pagamentos digitais no Brasil, impulsionado pelo uso de smartphones e de carteiras digitais, os solicitantes de token ganharam poder de mercado significativo, o que pode levar a custos elevados para emissores de cartões e, consequentemente, para os usuários desses arranjos – consumidores e estabelecimentos comerciais. 
A tomada de subsídios poderá ser acessada por aqui e/ou pelo site Participa + Brasil durante sessenta dias, até 2 de junho de 2025. 
Diálogo
A realização da tomada de subsídios busca, por meio de diálogo transparente entre os agentes envolvidos e a sociedade, obter informações e evidências que vão subsidiar estudos sobre o tema, inclusive no que se refere a eventual necessidade de sua regulação. 
“A política pública que inspira essa tomada de subsídios tem como objetivo aumentar a eficiência e reduzir os custos de aceitação dos instrumentos de pagamentos, promovendo um ecossistema mais eficiente, competitivo e inclusivo”, disse Renato Dias de Brito Gomes, Diretor de Organização do Sistema Financeiro e de Resolução do BC.

Fonte: BC

Tema STJ 1.293 — bom para quem?

Todos conhecem a anedota da pessoa que chega na farmácia e pergunta: você tem alguma coisa boa para gripe? O balconista, de pronto, responde que bom para a gripe seria andar na chuva sem camisa. Essa historinha sem muita graça (reconheçamos isso!), presta-se, no entanto, para que reflitamos, no uso da linguagem, principal ferramenta do direito, sobre o que efetivamente estamos a analisar quando debatemos, v.g., se a decisão “A” ou “B” é boa, sem um referencial preciso. Usamos, aqui, como exemplo, a decisão recente do Superior Tribunal de Justiça no Tema 1.293 [1].

Um pouco sobre o Tema 1.293

Quem acompanha a coluna Território Aduaneiro [2] e/ou atua no meio jurídico aduaneiro certamente já ouviu falar do Tema 1.293, que trata da aplicação do artigo 1º, § 1º, da Lei 9.873/1999 (sobre “prescrição intercorrente”), a “infrações aduaneiras de natureza não tributária”.

O leitor que fizer uma busca no sítio web do STJ pelas palavras-chaves “prescrição”, “intercorrente” e “aduaneiro”, encontrará cinco precedentes daquele tribunal que antecederam a afetação do tema, pelo STJ, todos referentes a 2023/2024, sendo quatro relativos à mesma multa, prevista no artigo 107 do Decreto-Lei 37/1966, com a redação dada pela Lei 10.833/2003, aplicada pela falta de prestação de informações pelo transportador, em exportações [3]. Em tais precedentes (assim como em outro, que lhes antecede, de idêntico teor, e que não apareceu na busca com as palavras-chaves eleitas — REsp nº 1.999.532/RJ, de 9/5/2023), informou-se expressamente que, por se tratar de informações sobre mercadorias embarcadas na exportação, a infração não tem perfil tributário, visto que a confirmação do recolhimento do imposto de exportação antecede o embarque das mercadorias para o exterior. O quinto precedente encontrado na busca, de 15/8/2024 (REsp 1.942.072/RS, de relatoria do ministro Mauro Campbell Marques, da 2ª Turma), trata de multa prevista no DL nº 399/1968, decorrente do descumprimento de obrigação tributária acessória relacionada à fiscalização do IPI.

Nesse cenário de precedentes, foram afetados à sistemática dos recursos repetitivos outros dois processos tratando da mesma multa pela falta de prestação de informações pelo transportador, os REsp 2147583/SP e REsp 2147578/SP. E, apreciando tais precedentes, o STJ fixou tese jurídica subdividida em três partes, sendo a primeira delas: (1) “Incide a prescrição intercorrente prevista no art. , § 1º, da Lei 9.873/1999 quando paralisado o processo administrativo de apuração de infrações aduaneiras, de natureza não tributária, por mais de 3 anos”.

Nessa primeira parte, decidiu unanimemente o STJ, em interpretação ao texto do artigo 5º da Lei 9.873/1999, que dispõe que a lei “…não se aplica às infrações de natureza funcional e aos processos e procedimentos de natureza tributária”, que o processo ou procedimento é “desimportante”, e que, portanto, trata o texto legal do artigo 5º não de processos ou procedimentos de natureza tributária, mas de infrações de natureza tributária (qualquer que seja o processo a que estejam sujeitas).

Bom para o Direito Aduaneiro?

Como bem destacado por Fernando Pieri e Pedro Mineiro na coluna aqui já citada, e como bem percebido por quem estuda o Direito Aduaneiro, este ramo jurídico é apenas marginal na decisão do STJ, que se limita a comparar de forma binária infrações administrativas tributárias e não tributárias, sendo tal distinção suficiente para o julgamento.

A segunda parte da tese jurídica fixada estabelece: (2) “natureza jurídica do crédito correspondente à sanção pela infração à legislação aduaneira é de direito administrativo (não tributário) se a norma infringida visa primordialmente ao controle do trânsito internacional de mercadorias ou à regularidade do serviço aduaneiro, ainda que, reflexamente, possa colaborar para a fiscalização do recolhimento dos tributos incidentes sobre a operação” (grifo dos colunistas).

Resumir as atividades aduaneiras a “controle do trânsito internacional de mercadorias ou à regularidade do serviço aduaneiro” não encontra paralelo em bibliografia aduaneira relevante, nacional ou internacional. Essa não parece ser a razão para que não haja nenhuma referência aduaneira na decisão do STJ, mas sim o fato de a parte 2 (e a menção ao que seria o “aduaneiro”) ser desnecessária, por derivar a contrário senso da última parte: (3) “Não incidirá o art. 1º, § 1º, da Lei 9.873/99 apenas se a obrigação descumprida, conquanto inserida em ambiente aduaneiro, destinava-se direta e imediatamenteà arrecadação ou à fiscalização dos tributos incidentes sobre o negócio jurídico realizado” (grifo dos colunistas).

Perceba-se que a parte 2 trata da incidência geral da Lei 9.873, se a matéria for “administrativa não tributária” (seja ela administrativa aduaneira, mineral, agrícola, ambiental…), e a parte 3 trata da não incidência da lei se a matéria for tributária, assim definida aquela destinada “direta e imediatamente à arrecadação ou à fiscalização” de tributos [4].

O Direito Aduaneiro, nacional e internacionalmente, abrange tanto uma área isolada do Direito Tributário (identificada pelo STJ como Direito Administrativo) quanto uma área que intersecciona o Direito Tributário. Quando a lei brasileira se refere à legislação aduaneira (v,g, artigos 59 a 81 da Lei 10.833/2003), não está somente a tratar da área não tributária, mas também da zona de intersecção com o Direito Tributário. Quando o Carf estabeleceu competência para as turmas aduaneiras, há um ano, não tratou somente de competência não-tributária.

Confundir as menções a “infrações aduaneiras” na legislação, nacional e internacional, ou em julgados do Carf, com as definições de “administrativo tributário” e “administrativo não tributário” da decisão do STJ equivale a saltar de um cenário (comum em 1999, quando a Lei 9.873 foi escrita) em que se defendia que o Direito Aduaneiro era mero subconjunto do Direito Tributário (acredite, ainda hoje há quem defenda essa posição!) para outro em que o Direito Aduaneiro não existe: ou é administrativo não tributário ou é tributário. Esse novo e “comemorado” “Direito Aduaneiro brasileiro inexistente”, permitiria o uso seletivo de institutos tributários e administrativo-aduaneiros, generalizando ideias pinçadas aqui e acolá, em ambientes desconexos, para alargar a compreensão de institutos, conforme a conveniência.

Já tínhamos confusões suficientes entre o “tributário” e o “aduaneiro” no Brasil para resolver, mormente entre as normas efetivamente aduaneiras (como o Decreto-Lei 37/1966) e as tributárias (como o CTN). A decisão do STJ acentua tal confusão, pois o “aduaneiro”, para os efeitos do precedente, passa a ser a soma do “administrativo não tributário” que trata de serviços ou trânsito, com o “administrativo tributário” inserido “em ambiente aduaneiro”. E mais, adota-se essa distinção como se ela fosse clara em 1999 (antes da própria existência da multa julgada, que nasceu em 2003), e a alastram-se os critérios distintivos adotados no julgamento (basicamente de uma multa) a um universo indefinido de infrações [5].

Bom para quem foi indevidamente autuado?

O Tema 1.293 já está sendo aplicado pelo Carf, que está determinando o sobrestamento de processos para os quais sejam identificados, ainda que preliminarmente, os requisitos da decisão do STJ, até que ocorra o trânsito em julgado, conforme previsão regimental (art. 100 do Ricarf).

Entretanto, nos casos em que as turmas do Carf detectem que a autuação é improcedente, os processos são julgados imediatamente, cancelando-se o lançamento (não tributário), sequer se cogitando o sobrestamento. É o caso, por exemplo, das retificações, na hipótese de multa por falta de prestação de informações pelo transportador, exatamente a apreciada pelo STJ (Súmula CARF 186).

Bom para quem desejava julgamento rápido?

Deixar um processo paralisado por mais de três anos (seja ele administrativo ou judicial, seja ele tributário ou não) é certamente algo ruim, indesejável, pois a justiça que tarda já falha. Em um país com altíssimos índices de litigância, como o Brasil, e péssimos índices de temporalidade, a própria legislação assegura o julgamento em menos de 360 dias. O art. 24 da Lei 11.457/2007 estabelece: “É obrigatório que seja proferida decisão administrativa no prazo máximo de 360 dias a contar do protocolo de petições, defesas ou recursos administrativos do contribuinte”.

É comum que litigantes administrativos (não somente “contribuintes” na acepção estrita do termo) demandem em juízo que se determine o julgamento imediato do processo administrativo após o decurso de tal prazo, tendo o Carf respeitado todas as decisões judiciais com tal demanda.

Bom para a segurança jurídica?

A decisão proferida pelo STJ denota um novo entendimento, em meados de 2023, a respeito da interpretação de uma norma de 1999 (Lei 9.873). Veja-se que ainda em 2022, no AREsp 2076156 (ministro Francisco Falcão), a mesma multa por atraso na prestação de informações pelo transportador (art. 107, IV, “e”) sequer chegou ao colegiado (com trânsito em julgado em 30/06/2022), tamanha era a certeza de que o tema restava assentado pacificamente na jurisprudência daquele tribunal, no sentido de que: “…a demora na tramitação do processo administrativo fiscal não implica a preclusão do direito da União (Fazenda Nacional) de constituir definitivamente o crédito tributário, instituto esse não previsto no Código Tributário Nacional (REsp 53.467/SP)”, e “Conforme já se manifestou o E. STJ, o tempo decorrente entre a notificação do lançamento fiscal e a decisão final da impugnação ou do recurso administrativo corre contra o contribuinte que, mantida a exigência fazendária, responderá pelo débito originário acrescido dos juros e da correção monetária”, e “Não obstante o crédito tributário esteja constituído, apresentada impugnação na via administrativa, o crédito não pode ser cobrado, restando suspensa a exigibilidade (art. 151, inc. III, do CTN), razão pela qual também não se pode cogitar na ocorrência da prescrição intercorrente” (grifo dos colunistas).

Na via administrativa, não há registro de precedente aplicando a Lei 9.873 a penalidades aduaneiras até a segunda década deste século. Como se atesta em estudo anterior [6], o posicionamento sobre o tema era unânime em todas as turmas do Carf, mesmo antes da Súmula Carf 11. Aliás, em dois dos precedentes que deram origem a tal súmula se destaca que o texto deriva da reiterada jurisprudência de todos os três conselhos (Ac. 203-02.815 e Ac. 202-07.929).

Na doutrina, a única menção ao tema antes de 2021 é em obra de Jorge Abud [7]. Na legislação aduaneira, nem o Regulamento Aduaneiro de 2002 (Decreto 4.543) nem o Regulamento Aduaneiro atual, de 2009 (Decreto 6.759) sequer cogitaram mencionar a Lei 9.873/1999, e o prazo de três anos nela estabelecido para “prescrição intercorrente” jamais foi tomado como parâmetro para a gestão de acervo de qualquer tribunal administrativo (ou mesmo judicial) aduaneiro.

A aplicação do entendimento agora fixado pelo STJ a casos que antecedem qualquer sinalização de que isto poderia acontecer é ainda agravada pelas consequências (externalidades) da decisão. Ainda que a tese fixada remeta só ao artigo 1º, § 1º, da Lei 9.873/1999, e à restrição do artigo 5º da mesma lei, resulta incoerente imaginar que as demais disposições de tal lei não se apliquem a infrações administrativas não tributárias (sejam elas aduaneiras ou não), pois o Direito, como ensina Eros Grau, não se interpreta em tiras [8]. Mesmo no próprio § 1º, a parte final do texto demandaria, em caso de aplicação retroativa do decidido pelo STJ, investigação de quem deu causa a cada uma das “prescrições intercorrentes” (no caso, penalidade com feições de infração hermenêutica). Que dizer, então do § 2º do mesmo artigo 1º, da Lei 9.873, que trata de infrações que também constituam crimes, ou do caput do artigo 1º, que conflita com o artigo 139 do Decreto-lei 37/1966, aplicado assentada e unanimemente pelo Carf e pelo próprio STJ (v.g., no REsp 1253246/CE). Seria a vedação do artigo 5º da Lei 9.873/1999 aplicável só ao artigo 1º, § 1º?

O novo entendimento fixado pelo STJ em 2025 sobre uma norma de 1999, a partir de julgados de 2023/2024, em sentido oposto ao que antes decidia reiteradamente o Poder Judiciário (incluído o próprio STJ), e a Administração, faz com que sejam canceladas autuações legitimamente efetuadas a seu tempo, quando não havia controvérsia de que o termo “tributário” abrangia o “aduaneiro” [9]. E indicam, para o futuro, um cenário em que os autuados possam passar a apostar na inércia dos órgãos julgadores administrativos, com boas chances de êxito, tendo em conta que os processos administrativos no rito do Decreto 70.235/1972 (sejam eles aduaneiros ou não), em média, tardam mais de três anos para serem julgados tanto nas DRJ quanto no Carf [x].

Bom para a justiça?

John Rawls oferece um interessante artifício na busca pela justiça: o véu da ignorância, que nos remete à condição original de igualdade, eliminando a possibilidade de que alguém seja favorecido pelo resultado ou por sua condição [11].

Recomendamos a quem hoje comemora a decisão no Tema 1.293 o exercício proposto por Rawls. Imagine que você não fosse ganhar (ou perder) nenhum dinheiro ou benefício com a decisão do STJ. Como você encararia cada uma das questões propostas neste artigo?

Vá com calma. Se você respondeu rápido essa questão, ou qualquer outra feita ao longo desta coluna, sem ponderar detidamente os argumentos (talvez porque já tinha a resposta pronta antes mesmo das perguntas!), provavelmente nem deu tempo de vestir o véu.

Perceba que não respondemos objetivamente, com sim ou não, em caráter conclusivo, nenhuma das questões. Só apresentamos argumentos para a reflexão.

Sempre duvide de quem tem certezas!

De fato, a depender do referencial que guie nossos passos, bom para a gripe é andar na chuva sem camisa!


[1] O presente artigo, tendo em conta a limitação de caracteres imposta a esta coluna, traz apenas uma reflexão inicial, sobre ideias que serão debatidas mais profundamente em estudo específico.

[2] Aqui, na coluna Território Aduaneiro, ver: “Prescrição intercorrente e infrações aduaneiras: o tempo é o senhor da razão” (Fernando Pieri e Pedro Mineiro), coluna de 25/03/2025 (disponível em: https://www.conjur.com.br/2025-mar-25/prescricao-intercorrente-e-infracoes-aduaneiras-o-tempo-e-o-senhor-da-razao/); e “Prescrição intercorrente e aduana: “Back to the future” (partes 1, 2 e 3)” (Rosaldo Trevisan), colunas de 28/02, 04/04, e 09/03/2023 (disponíveis, respectivamente, em: https://www.conjur.com.br/2023-fev-28/artx-territorio-aduaneiro-prescricao-intercorrente-aduana-back-to-the-future-parte/https://www.conjur.com.br/2023-abr-4/territorio-aduaneiro-prescricao-intercorrente-aduana-back-to-the-future-parte-2/ e https://www.conjur.com.br/2023-mai-09/territorio-aduaneiro-prescricao-intercorrente-aduana-back-to-the-future-parte/).

[3] REsp 1999532 / RJ, de 09/05/2023; AgInt no REsp 2101253 / SP, de 11/12/2023; AgInt no REsp 2119096 / SP, de 08/04/2024; e AgInt no REsp 2148053 / RJ, de 16/09/2024, todos da Primeira Turma e de relatoria da Min. Regina Helena Costa.

[4] Aqui um primeiro efeito colateral da decisão. Ao que parece, multas por descumprimento de “obrigação acessória” tributária teriam “natureza tributária” apenas se destinadas “direta e imediatamente à arrecadação ou à fiscalização” de tributos. Seria interessante testar essa delimitação restritiva (diga-se, bem mais restritiva que os precedentes que lhe deram origem no STJ) com as próprias obrigações acessórias tributárias em matéria não aduaneira.

[5] Para uma visão integral do universo de 175 infrações e penalidades aduaneiras, no Brasil, remete-se a: TREVISAN, Rosaldo. Uma contribuição à visão integral do universo de infrações e penalidades aduaneiras no Brasil, na busca pela sistematização. In: TREVISAN, Rosaldo (org.). Temas Atuais de Direito Aduaneiro III. São Paulo: Aduaneiras, 2022, p. 571-630. Sobre a pena de perdimento, remete-se ainda a: BRUYN JÚNIOR, Herbert Cornélio Pieter de. Direito Aduaneiro: pena de perdimento. v. 2. Curitiba: Juruá, 2019; a FAZOLO. Diogo Bianchi. Infrações Aduaneiras à luz do Direito Aduaneiro Internacional. São Paulo: Caput Libris, 2024; e a SEHN. Solon. Curso de Direito Aduaneiro. 3. Ed. .Rio de Janeiro: Forense, 2025, p. 583-627.

[6] “Prescrição intercorrente e aduana: “Back to the future” (parte 1)” (Rosaldo Trevisan), coluna de 28/02/2023 (disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-fev-28/artx-territorio-aduaneiro-prescricao-intercorrente-aduana-back-to-the-future-parte/). Entre os julgados unânimes, destacamos em tal artigo acórdãos com votos de praticamente todos os Conselheiros do CARF, inclusive de quem a partir de 2021 passou a defender posicionamento diverso.

[7] ABUD, Jorge Lima. A prescrição da pena de perdimento em operações de comércio exterior. Clube de Autores. E-book. 2014.

[8] GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito. 3. Ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 40.

[9] Aliás, o julgado do STJ sequer dá pistas de quando o termo “aduaneiro”, na legislação, passou a estar fora do universo “tributário”. O excerto que mais perto chega disso está no voto-vogal do Min. Afrânio Vilela, que remete a uma distinção entre Direito Aduaneiro e Direito Tributário que teria sido feita pela Fazenda Nacional em Parecer, sobre a interpretação do polêmico (e já revogado) critério de desempate de julgamento estabelecido em 2020, na nova redação dada ao art. 19-E da Lei 10.522.

[10] As estatísticas são tristes, mas reais, tanto administrativa quanto judicialmente. Trata-se do tema, com dados, em “Lei nº 14.689/2023: o que queremos? (versão aduaneira)” (Rosaldo Trevisan), coluna de 26/09/2023 (disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-set-26/territorio-aduaneiro-lei-146892023-queremos-versao-aduaneira/). Tem-se, com a decisão do STJ, mais um tema a repensar na revisão do contencioso administrativo.

[11] RAWLS, John.. Uma teoria da justiça. Trad. Almiro Pisetta e Lenita M.R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 12-13.

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A falta que faz uma lei geral de processo administrativo normativo

Afirmar que grande parte das normas que regulam o dia a dia dos indivíduos e empresas é elaborada pela administração pública, e não pelo Legislativo, parece levantar pouca polêmica na atualidade. Esse quadro, por vezes nomeado como “deslegalização” ou de “crise da lei formal”, que animou intensos debates doutrinários desde os anos 1990 sobre a necessidade de rever os contornos dados ao princípio da legalidade, consolidou-se na prática da administração no Brasil em todos os níveis da federação.

No entanto, a produção de “atos normativos de interesse geral de agentes econômicos ou de usuários dos serviços prestados”, expressão utilizada pela Lei Geral das Agências Reguladoras, pela Lei de Liberdade Econômica e pelo regulamento da análise de impacto regulatório (AIR), não é isenta de questionamentos. Afinal, como conferir legitimidade democrática a normas de interesse geral elaboradas pela burocracia estatal, ou seja, por agentes públicos não eleitos?

Importância do processo administrativo normativo

Uma resposta usual a essa questão é qualificar o procedimento adotado para elaboração das normas pela administração. Esse procedimento pode ter várias etapas, que antecedem até mesmo a discussão de uma norma específica: informar aos administrados com antecedência quais temas serão objeto de discussão pela instituição; exigir, durante o processo de discussão de um tema específico, a elaboração de estudos que possam auxiliar na tomada de decisão administrativa e esclarecer os motivos que levaram a elaboração da norma destinada a tratar daquele tema com determinadas características; rever periodicamente os efeitos das normas previamente elaboradas, e alterá-las ou revoga-las, se for o caso; e estabelecer mecanismos para que cidadãos e agentes econômicos possam se manifestar e influenciar no conteúdo das normas que irão afetá-los.

Em outros termos, uma resposta é estabelecer regras claras para o procedimento administrativo normativo, entendido como o procedimento que regulamenta como normas administrativas são elaboradas, alteradas ou revogadas.

A fragmentação legal do procedimento administrativo normativo federal

Há uma série de instrumentos de “melhoria regulatória” que podem ser utilizados para enfrentar as questões anteriormente apontadas. A agenda regulatória permite aos agentes econômicos e usuários conhecerem antecipadamente quais temas serão objeto de discussão. A análise de impacto regulatório (AIR) confere racionalidade à tomada de decisão e dá transparência à opção adotada pelo órgão ou entidade, inclusive se for pela decisão de não elaborar uma norma. A avaliação de resultado regulatório (ARR) permite verificar se os impactos do ato normativo para a sociedade e agentes econômicos estão de acordo com os objetivos e premissas que levaram à elaboração da norma. Por fim, os diversos mecanismos de participação social – consulta pública, audiência pública, tomada de subsídios, dentre outros – conferem às partes afetadas pela norma a possibilidade de manifestação.

Contudo, a maior parte desses instrumentos é utilizada quase exclusivamente pelas agências reguladoras, particularmente em decorrência da Lei 13.848/2019. Lá estão previstas a obrigatoriedade de elaboração de agenda regulatória (artigo 21), de AIR (artigo 6º) e de consulta pública, nos casos de minutas de atos normativos (artigo 9º). Já outros órgãos e entidades federais, especialmente da administração direta, pouco adotam esses instrumentos.

A baixa disseminação desses mecanismos entre órgãos e entidades da administração não decorre da falta de previsão legal, mas sim da fragmentação dos dispositivos legais vigentes.

A Lei 9.874/1999 (Lei de Processo Administrativo) contempla mecanismos de participação, como consultas (artigo 31), audiências públicas (artigo 32) e outros procedimentos participativos (artigo 33). Também exige que os resultados desses processos sejam publicizados com a descrição do procedimento adotado (artigo 34).

A Lei 13.848/19 (Lei Geral das Agências Reguladoras) e a Lei 13.874/19 (Lei de Declaração de Liberdade Econômica) estabelecem aos órgãos e entes da Administração Pública federal, direta, indireta e fundacional, a obrigação de realização de AIR na produção de normas de “interesse geral de agentes econômicos ou de usuários dos serviços prestados”. A AIR, por sua vez, é regulamentada pelo Decreto 10.411/2020, que dispõe sobre os usos obrigatórios e facultativos desse e de outro instrumento que introduz ao ordenamento jurídico, a Avaliação de Resultado Regulatório (ARR).

Embora esses dispositivos atinjam toda administração pública federal, vários dos seus órgãos e entidades (Receita Federal, por exemplo) não realizam AIR sob a alegação de que as normas que editam não são “regulatórias”.

Recentemente, o Decreto 11.243/22 foi editado com o objetivo de regulamentar o Protocolo ao Acordo de Comércio e Cooperação Econômica com os Estados Unidos, cujo Anexo II estabeleceu um conjunto de boas práticas regulatórias que ambos os países se obrigaram a adotar. Uma das inovações deste decreto foi instituir a obrigação de elaboração de agendas regulatórias para todos os órgãos e entes da administração pública federal (artigo 6º). Antes da sua edição, agendas regulatórias eram exigidas apenas das agências reguladoras pela Lei Geral das Agências (artigos 17 e 18).

Também pode-se dizer que as normas que regem a realização de agendas regulatórias possuem efeitos restritos, já que os mesmos órgãos e entidades administração pública federal que não realizam AIR, por não se considerarem “reguladores”, também não se sentem obrigados, pelos mesmos motivos, a elaborar agendas regulatórias.

O Decreto 11.243/2022, ao alterar o regulamento da AIR, também introduziu a obrigatoriedade, para todos os órgãos e entidades da administração pública federal, da realização de consulta pública em normas precedidas de AIR, além da obrigação de uso obrigatório de mecanismo de participação social de livre escolha para as propostas de normas dispensadas de AIR em situações de baixo impacto, convergência com normas internacionais e atualização de normas obsoletas (artigo 9º-A, § 2º).

Essa obrigatoriedade, vigente desde 9 de junho de 2024, ainda é pouco conhecida da maioria dos órgãos e entidades reguladoras federais. Recentemente, o Decreto 12.002/2024, que estabelece normas para elaboração, redação, alteração e consolidação de atos normativos, estabeleceu que as consultas públicas realizadas para a produção de normas do Poder Executivo devem ser divulgadas pela plataforma “Participa + Brasil” (artigo 30). Um rápido exame dos mecanismos de participação anunciados nesta plataforma permite identificar que não são todos os órgãos e entidades que vêm realizando consultas públicas, talvez porque não se considerem “reguladores”, ou talvez por mero desconhecimento das novas obrigações instituídas pelo conjunto de normas acima mencionado.

Da urgente necessidade de um regime geral para o processo administrativo normativo

É inegável que necessitamos de normas que costurem essa verdadeira “colcha de retalhos” que são as leis e decretos que hoje dispõem sobre processo administrativo normativo no Brasil.

Esses fatos não são desconhecidos das autoridades públicas. A Casa Civil da Presidência da República coordena atualmente grupo de trabalho que prepara substitutivo ao Decreto nº 10.411/20, visando integrar melhor o uso de ferramentas de melhoria regulatória ao ciclo regulatório.

Tramita no Senado Federal o PL 2.481/2022, uma proposta de reforma da Lei de Processo Administrativo, que passa a prever e regulamentar o uso de ferramentas de melhoria regulatória – como AIR e ARR – na Lei 9.874/1999, além de integrá-los ao uso de mecanismos de participação social. Esse projeto também prevê a possibilidade de invalidação do ato administrativo em caso de descumprimento das regras procedimentais (artigo 50-B, §3º), dispositivo inexistente na legislação atualmente vigente.

Independentemente do caminho que a reforma venha a tomar – se será instituída por decreto ou por lei – alguns cuidados precisarão ser tomados para quebrarmos a lógica de fragmentação normativa acima mencionada.

Diretrizes para a elaboração de normas gerais de processo administrativo normativo

É preciso que as novas normas gerais de processo administrativo normativo sejam realmente gerais, ou seja, aplicáveis a todos os órgãos e entidades da administração pública federal indistintamente. Como um de nós já teve a oportunidade de manifestar neste evento aqui, talvez seja necessário que os novos instrumentos legais troquem expressões como “análise de impacto regulatório, “avaliação de resultado regulatório” e “agenda regulatória” por “análise de impacto normativo”, “avaliação de resultado normativo’ e “agenda normativa”. Se isso for o preço a se pagar para avançarmos no uso indiscriminado de boas práticas “regulatórias” por todos os órgãos e entidades da administração pública federal, que assim o façamos.

Um outro cuidado que o novo estatuto legal de processo administrativo normativo deve ter é o de integrar os mecanismos de participação social em todas as suas fases. A legislação atualmente estabelece ritos e exigências de transparência ativa apenas para consultas públicas que têm por propósito discutir minutas de atos normativos. Essa modalidade de mecanismo de participação social, como um de nós já se manifestou anteriormente nesta coluna, é talvez a que se revele menos efetiva para alterar o resultado das políticas regulatórias. Mecanismos de participação “fazem mais diferença” quando ocorrem em fases mais iniciais do ciclo regulatório, quando ainda se discute a natureza do problema regulatório de forma ampla.

Os dispositivos legais hoje vigentes são tímidos a esse respeito. Não há normas que prevejam o uso, ainda que facultativo, de mecanismos de participação social na construção de agendas regulatórias ou até mesmo para a discussão de problemas regulatórios amplos. Embora alguns órgãos e entidades reguladoras já o pratiquem, há muitas incertezas sobre quais boas práticas (e.g. exigências de transparência ativa) deverão ser adotadas para conduzir esses mecanismos de participação. É certo que o Decreto 10.411/2020 trata, en passant, da realização (facultativa) de mecanismos e participação na construção de AIRs (artigo 9º). Trata-se, no entanto, de mera previsão da faculdade de uso de mecanismos de participação nessa fase, sem que sejam oferecidos parâmetros para a sua realização.

Quanto ao uso da participação social para a discussão de minutas normativas, a solução dada pelo Decreto 10.411/2020 é insatisfatória, já que, como visto, estabelece a obrigatoriedade de consulta pública apenas para normas precedidas de AIR e a obrigatoriedade de mecanismos de participação de livre escolha para alguns poucos casos remanescentes (artigo 9ºA, § 2º do Decreto 10.411/2020). Trata-se de solução insuficiente, já que o uso de AIR é exceção, e não a regra, da atividade normativa da Administração Pública federal brasileira.

É possível argumentar que a legislação atualmente vigente não fecha as portas para a participação. De fato, há previsões genéricas que permitem a adoção de diferentes instrumentos. Ademais, a ausência de fixação de procedimentos gerais e detalhados pode ser interpretada como um reconhecimento da diversidade de capacidades institucionais da administração pública.

Essas considerações não afastam a necessidade de instituição de normas gerais de processo administrativo normativo federal. Uma reforma se mostra urgente para uniformizar e dar maior clareza aos procedimentos, superando a fragmentação existente. Ela deve alcançar todos os administradores públicos federais que editam normas, e não apenas aqueles que se percebem como reguladores. Por fim, o novo regime de processo normativo administrativo deve estimular o uso de mecanismos de participação social em todas as fases do ciclo de produção de normas, integrando-os às demais ferramentas de melhoria regulatória.

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