Projeto prevê que condenado por crime de trânsito seja obrigado a participar de palestras

O Projeto de Lei 4037/24, em análise na Câmara dos Deputados, permite que os condenados por crimes de trânsito sejam obrigados a participar de cursos, palestras ou outras atividades de educação para o trânsito.

O autor do projeto, deputado Márcio Honaiser (PDT-MA), afirma que a medida é baseada em sugestão do Ministério Público e do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão.

“O projeto tem a finalidade de promover a educação para o trânsito aos autores de infrações penais desta natureza, propiciando uma mudança cultural no comportamento, visando à formação de cidadãos mais conscientes e preparados para o trânsito e a vida”, diz Honaiser.

A proposta altera duas leis: Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal.

Próximos passos
O texto será analisado em caráter conclusivo nas comissões de Viação e Transportes, e de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ). Para virar lei, a proposta precisa ser aprovada pela Câmara e pelo Senado.

Fonte: Câmara dos Deputados

Teoria axiomática-sistêmica: antídoto contra fragmentação e colapso do direito internacional

Em meu artigo recente publicado nesta Conjur, intitulado “A Estupidez como Método: Crônica do Direito Internacional Contemporâneo“, destaquei como o sistema jurídico internacional tem sido progressivamente erodido por interpretações seletivas, manipulações políticas e uma lógica de conveniência que coloca a normatividade em segundo plano. O que deveria ser um sistema jurídico funcional tem sido reduzido a um campo de disputa geopolítica, no qual tratados são seguidos ou ignorados conforme os interesses momentâneos dos estados mais poderosos.

O problema central identificado nesse cenário não é apenas a violação das normas internacionais, mas a normalização dessa violação. Quando a previsibilidade jurídica é substituída pela arbitrariedade, a ordem internacional deixa de ser um sistema normativo autônomo e passa a funcionar sob a lógica da força e da conveniência política. Essa estupidez institucionalizada compromete a própria existência do direito internacional enquanto campo jurídico.

Se essa tendência não for revertida, o direito internacional corre o risco de se tornar uma estrutura retórica sem efetividade, reduzida a um instrumento discursivo para legitimar decisões já tomadas nos bastidores da geopolítica. No entanto, se há um caminho para resgatar a racionalidade do sistema jurídico internacional, ele passa por uma abordagem metodológica que devolva coerência e previsibilidade à ordem global.

É aqui que a Teoria Axiomática-Sistêmica do Direito Internacional, desenvolvida por Wagner Menezes e apresentada em Berkeley em 2024, se apresenta como um antídoto à fragmentação normativa e à instrumentalização política do direito internacional. Em vez de aceitar a desintegração das normas como um fato consumado, essa teoria propõe um modelo normativo estruturado em axiomas fundamentais, que garantem a unidade e a racionalidade do sistema jurídico internacional.

A seguir, explorarei como essa teoria oferece uma resposta concreta aos desafios enfrentados pelo direito internacional contemporâneo, apresentando-se não apenas como uma alternativa teórica, mas como um imperativo metodológico para garantir a funcionalidade e a legitimidade da ordem jurídica global.

Sistema à beira do colapso: falência da normatividade internacional

O direito internacional encontra-se em um estado de entropia. O multilateralismo se desfaz, o uso da força é normalizado e as instituições jurídicas globais são esvaziadas por estratégias de poder cada vez mais sofisticadas. As normas internacionais, que deveriam estruturar um mínimo de previsibilidade nas relações entre os estados, são manipuladas ou simplesmente ignoradas por aqueles que têm o poder de ditar unilateralmente as regras do jogo.

A ONU? Refém do Conselho de Segurança. A Corte Internacional de Justiça? Um órgão consultivo cuja autoridade é tantas vezes suprimida pela geopolítica. A normatividade internacional ainda existe, mas seu caráter vinculante é relativizado sempre que se torna inconveniente para os atores estatais mais poderosos.

A deterioração da ordem jurídica internacional (tal qual a estudamos) não é um fenômeno recente. Ela resulta de um problema estrutural: o positivismo jurídico clássico, alicerçado na primazia da vontade estatal, já não dá conta da complexidade dos tempos modernos. O pluralismo jurídico, por sua vez, dissolveu-se em uma colcha de retalhos normativa, onde regimes jurídicos setoriais competem entre si, ao invés de comporem um sistema funcionalmente integrado. O resultado? A irracionalidade institucionalizada.

Se queremos recuperar a força normativa do direito internacional, é preciso resgatar sua coerência. É neste ponto que a Teoria Axiomática-Sistêmica do Direito Internacional, desenvolvida por Wagner Menezes, se apresenta como um antídoto à atual fragmentação normativa e à crescente instrumentalização do direito pela geopolítica do poder.

Teoria Axiomática-Sistêmica: um modelo estrutural para um direito em colapso

A Teoria Axiomática-Sistêmica parte de um pressuposto incontornável: o direito internacional não pode ser compreendido como um amontoado de normas fragmentadas, mas sim como um sistema estruturado a partir de axiomas fundamentais.

Os axiomas, na definição de Menezes, são princípios jurídicos primários, não derivados de vontades estatais, mas de um consenso normativo mínimo que sustenta toda a ordem internacional. São, em outras palavras, os elementos de racionalidade que garantem a previsibilidade e a continuidade do Direito Internacional como um campo jurídico autônomo.

Entre esses axiomas fundamentais, destacam-se:

Pacta sunt servanda: os tratados devem ser cumpridos. Se os compromissos assumidos pelos Estados não são obrigatórios, o próprio Direito Internacional torna-se uma ficção.

Soberania estatal e igualdade jurídica entre os Estados: sem esse princípio, a normatividade internacional se torna mero instrumento de dominação.

Proibição do uso da força: norma frequentemente violada, mas que, paradoxalmente, sustenta a própria legitimidade do sistema.

Respeito aos direitos humanos: um pilar normativo que, mesmo contestado, segue sendo a base da legitimidade moral do Direito Internacional.

Cooperação internacional como princípio estruturante: o reconhecimento de que, sem coordenação e solidariedade entre estados, a governança global se torna impossível.

Esses axiomas não apenas fundamentam a normatividade internacional, mas conferem coerência ao sistema jurídico global. No entanto, para que sejam efetivos, precisam ser aplicados dentro de uma lógica sistêmica.

Coerência sistêmica e a necessidade de um direito internacional racional

Se há algo que caracteriza o direito internacional contemporâneo, é a sua fragmentação. O fenômeno é bem descrito por Niklas Luhmann: sistemas normativos que perdem a capacidade de coerência interna tendem à imprevisibilidade.

Hoje, essa incerteza se manifesta de forma clara:

  • a) No direito ambiental, tratados climáticos entram em choque com normas da OMC, revelando a ausência de uma visão sistêmica sobre a relação entre meio ambiente e economia global;
  • b) Nos direitos humanos, tribunais internacionais tomam decisões conflitantes sobre garantias fundamentais, enfraquecendo a universalidade desses direitos;
  • c) No direito internacional humanitário, a proibição do uso da força é reiteradamente relativizada, sempre em nome de uma suposta “exceção necessária”.

A Teoria Axiomática-Sistêmica propõe um antídoto: a reinterpretação das normas internacionais a partir dos axiomas fundamentais e da coerência sistêmica. Isso significa que, diante de um conflito normativo, não se deve aplicar critérios meramente formais, mas sim buscar a solução que melhor preserve a integridade do sistema jurídico internacional.

Se os tribunais internacionais aplicassem esse critério, muitas das contradições normativas do direito internacional poderiam ser minimizadas. O sistema jurídico global deixaria de ser um conjunto de ilhas normativas desconectadas e passaria a funcionar como uma estrutura verdadeiramente integrada.

Aplicações concretas da Teoria Axiomática-Sistêmica

A teoria não é uma abstração acadêmica. Pelo contrário, ela fornece um marco metodológico concreto para a reconstrução do Direito Internacional. Entre suas aplicações práticas, destacam-se:

  1. Resolução de conflitos normativos: A aplicação do critério da coerência sistêmica poderia permitir a harmonização entre diferentes regimes jurídicos, reduzindo as contradições e ampliando a efetividade do direito internacional.
  2. Reafirmação de normas imperativas (jus cogens): O modelo axiomático confere solidez à hierarquia normativa, garantindo que direitos fundamentais não sejam relativizados por interesses políticos conjunturais.
  3. Integração da governança global: A teoria auxilia na articulação entre organizações internacionais, evitando a dispersão normativa e promovendo maior eficácia regulatória em temas como mudanças climáticas, comércio global e proteção dos direitos humanos.
  4. Recuperação da legitimidade do sistema: Em tempos de desinformação e manipulação jurídica, o retorno a princípios axiomáticos é essencial para garantir previsibilidade e segurança nas relações internacionais.

Um chamado à racionalidade antes que a estupidez se torne método

Hans Kelsen já advertia que um sistema jurídico sem coerência implode sobre si mesmo. No direito internacional, esse risco se torna mais evidente a cada nova violação impune, a cada nova decisão contraditória, a cada novo tratado que não encontra meios de efetivação.

A Teoria Axiomática-Sistêmica de Wagner Menezes nos recorda de que o direito internacional não pode ser uma estrutura amorfa, sujeita apenas ao jogo de forças momentâneo. Pelo contrário, deve ser resgatado como um sistema jurídico racional, baseado em princípios fundamentais e interpretado à luz de sua coerência interna.

Ignorar essa necessidade é aceitar que o direito internacional siga sendo instrumentalizado, reduzido a um mero argumento retórico para justificar a lógica brutal do mais forte.

Diante desse cenário, a Teoria Axiomática-Sistêmica surge não apenas como uma possibilidade teórica, mas como um imperativo normativo para a sobrevivência do direito internacional.

Persistir na fragmentação normativa e na relativização das regras jurídicas é insistir na estupidez como método. O desafio que se impõe é justamente o oposto: reconstruir um sistema jurídico internacional que não seja refém da irracionalidade, mas sim um espaço de previsibilidade, racionalidade e justiça global.

A história nos ensina que a irracionalidade já destruiu sistemas normativos antes. A questão que se impõe é: teremos a lucidez de aprender com o passado antes que o direito internacional se torne apenas um vestígio de civilidade em meio ao caos?

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O futuro político do imposto seletivo

Em julho de 2024, em texto publicado nesta Conjur, tratei brevemente sobre falhas congênitas ao imposto seletivo a partir da Emenda Constitucional nº 132 e do então Projeto de Lei Complementar nº 68, trazendo algumas ponderações sobre o seu duvidoso sucesso como mecanismo extrafiscal. [1]

Magistrada explicou que crime contra ordem tributária é caracterizado pela presença de dolo e no caso houve mera negligência dos gestores

Concluída a regulamentação, a timidez da sua extrafiscalidade permanece (ainda não há análises de impacto sobre o retorno esperado com a sua implementação e o design constitucional do imposto seletivo impede qualquer previsibilidade na aplicação dos recursos arrecadados), porém, os setores gravados com a sua incidência dispõem de mais clareza quanto a alíquotas, sujeição passiva, cobrança.

À época da sua proposição, o projeto de lei complementar nº 68 capitulava um imposto seletivo diferente da versão final trazida pela Lei Complementar nº 214. Conforme avançavam os trabalhos legislativos, a sua disciplina foi aperfeiçoada, mas alguns pontos seguem pendentes de definição pelo legislador ordinário, como as alíquotas específicas e critérios para gradação da alíquota aplicável a aeronaves e embarcações. Não obstante, as disposições referentes ao imposto seletivo na LC nº 214 ainda deverão ser regulamentadas pelo Poder Executivo da União, como determina o artigo 438.

Embora prematura qualquer avaliação sobre a eficácia da nova exação como política pública, a revisão do seu tratamento legal já se afigura entre as prioridades anunciadas pelos congressistas para 2025 e nos avizinha de um cenário esboçado durante a regulamentação: a peculiaridade de cada hipótese de incidência ensejará a multiplicação de impostos seletivos, de modo que a mineração terá um imposto seletivo, a indústria automotiva outro e assim por diante.

Corrida por imposto sob medida

A corrida setorial para a concepção de um imposto seletivo sob medida é esperada e não deve agravar a complexidade do sistema, como ocorre em outras espécies tributárias, em função da incidência monofásica imposta pela EC nº 132 (artigo 153, §6º, II) e a taxatividade dos bens ou serviços alcançados. Sem embargo, devem ser considerados nesse processo os movimentos pela expansão das hipóteses de incidência do imposto seletivo, vide a inclusão de armas e munições pelo senador Eduardo Braga em seu substitutivo ao PLP nº 68 e a mobilização no mesmo sentido para defensivos agrícolas, que haverão de ser renovados mais cedo ou mais tarde.

É esperado que o imposto seletivo seja, doravante, o foco mais controvertido da reforma tributária em função do seu impacto nos setores afetados e tanto melhor que assim seja para que o regime do IVA dual siga imperturbado pelo ânimo parlamentar.

Regulamentada a reforma tributária, a prioridade do legislador tributário deve ser a irradiação, para todos os tributos que incidirem sobre o consumo durante a transição até 2032, das virtudes introduzidas pela LC nº 214, mas que são restritas ao Imposto sobre Bens e Serviços e à Contribuição sobre Bens e Serviços. Isso, porém, é assunto para o próximo texto.

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Referências

CONGRESSO NACIONAL. Emenda à Constituição nº 132. Brasília, 2023.

BRASIL. Lei Complementar nº 215. Brasília, 2025.

MERHEB, Pedro. Imposto Seletivo: forma e substância de uma novidade ‘made in Brazil’. Conjur, 2024.


[1] MERHEB, Pedro. Imposto Seletivo: forma e substância de uma novidade ‘made in Brazil’. Conjur, 2024.

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Magistrados de todo o país se reúnem no Rio de Janeiro para discutir caminhos para desafogar a Justiça em litígios na área da Saúde

O encontro tem continuidade nesta sexta-feira (21), no CCJF

Cerca de quinhentas pessoas, entre ministros, magistrados, procuradores da República, defensores públicos, professores, advogados, servidores e convidados, assistiram, na manhã de quinta-feira (20), a abertura do “I Congresso Nova Arquitetura da Judicialização da Saúde: impactos do tema 1234”, que se estenderá até sexta-feira (21), no Centro Cultural Justiça Federal (CCJF), no Rio de Janeiro (RJ).

O evento, realizado pelo Conselho da Justiça Federal (CJF), pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal (CEJ/CJF) e pela Escola da Magistratura Regional da 2ª Região (Emarf), tem o apoio da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe). A coordenação geral está a cargo do ministro Luis Felipe Salomão, vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e diretor do CEJ/CJF. Já a coordenação científica é da desembargadora federal Carmen Silvia Lima de Arruda, do TRF2, e da juíza federal Vânila Cardoso André de Moraes, auxiliar da Corregedoria-Geral da Justiça Federal.

Além do ministro Salomão; do presidente do TRF2, desembargador federal Guilherme Calmon; e da desembargadora Carmen Silvia, coordenadora do Comitê Executivo de Saúde do Rio de Janeiro; compuseram a mesa os ministros do STJ, Benedito Gonçalves, diretor-geral da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam); Antonio Saldanha Palheiro e Messod Azulay Neto; a conselheira do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Daiane Nogueira de Lira, coordenadora do Comitê Organizador do Fórum Nacional do Poder Judiciário para monitoramento e resolução das demandas de assistência à saúde (Fonajus); a também conselheira do CNJ, Daniela Madeira; e a desembargadora federal do TRF2 Simone Schreiber, diretora-geral do CCJF. 

Também prestigiaram o evento, os desembargadores federais João Batista Moreira, presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1); Carlos Muta, presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3); Fernando Braga Damasceno, presidente do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5); Vallisney Oliveira, presidente do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6); Aluísio  Mendes, vice-presidente do TRF2, representando a Escola da Magistratura Regional Federal da 2ª Região (Emarf); a desembargadora federal Letícia De Santis Mello, corregedora regional da Justiça Federal da 2ª Região; os juízes federais Eduardo André Fernandes, diretor do Foro da Seção Judiciária do Rio de Janeiro (SJRJ) e Caio Castagine Marinho, presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe); as juízas federais Marceli Siqueira, presidente da Associação dos Juízes Federais do Rio de Janeiro e Espírito Santo (Ajuferjes) e Vânila Cardoso André de Moraes, coordenadora científica do congresso; Maurício Ribeiro, representando a Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro e o juiz de Direito Thiago Massao Cortizo Teraoka, representando o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Cristiano Zanin. Prestigiaram ainda a abertura do congresso, pelo TRF2, os desembargadores federais Marcus Abraham; Theophilo Miguel; Andréa Esmeraldo e Rogério Tobias.

Público

Antes de abrir o congresso, Guilherme Calmon não escondia a satisfação de receber o evento. “Tenho certeza que todos vocês sairão daqui com muito conhecimento. Sempre há muito a se discutir e  aprender. Quem ganha com isso é o jurisdicionado. E nós, atores do sistema de Justiça, continuaremos lutando por um país mais justo, igual e solidário”, frisou. O presidente do TRF2 ressaltou que “a proteção à saúde precisa de uma atenção especial. E isso depende de celeridade da Justiça. Porque a demora numa decisão ou num acordo pode significar a morte de alguém em casos mais extremos”. Depois de dar as boas-vindas aos participantes, o magistrado lembrou de uma visita da conselheira Daiane ao tribunal no ano passado, onde “discutimos esse tema tão importante que é a saúde. De lá para cá muitas outras questões surgiram. Temos uma grande oportunidade de interpretar e encaminhar sugestões em torno do tema”, destacou.

Guilherme Calmon

Coordenadora do Fonajus, Daiane Nogueira de Lira disse que o congresso “já é um marco histórica para a magistratura e para todos os que, no Poder Judiciário, lidam como esse tema tão sensível que é o acesso à saúde”.  Como conselheira do CNJ, Daiane participou, no ano passado, da I Jornada do Conselho sobre direito à saúde. “Lá foram aprovados enunciados que vão ajudar os juízes em suas decisões. Além disso, nosso fórum – com completa 15 anos em abril – é um espaço de diálogo e cooperação entre o sistema de Justiça e o sistema de Saúde, buscando sempre racionalizar e equalizar a judicialização”, ressaltou.

Daiane Nogueira de Lira

Em sua fala, a desembargadora federal Carmen Silvia Lima de Arruda explicou por que o tema do direito à saúde a mobiliza tanto. “Muitos falam que, nós, juízes, não devemos entrar nesse assunto. Nosso papel aqui é aprender a ter deferência pela medicina e pelos profissionais de saúde. Mas também temos que lembrar que a nossa ciência é outra. Estudamos aplicação do Direito e aqui cuidamos do direito à saúde. É nosso dever garantir a efetividade dos direitos fundamentais, entre eles, o direito à saúde. Essa é nossa função”, reforçou a magistrada.

Carmen Silvia

O ministro Benedito Gonçalves ressaltou que o congresso era uma grande oportunidade para se discutir a atuação dos magistrados na questão. “Garantir o direito à saúde, consagrado na nossa Constituição, envolve desafios e exige que poderes, instituições e sociedade civil compreendam a necessidade do diálogo”. Gonçalves destacou que a conclusão do julgamento de mérito no tema 1234, buscou equilibrar o direito individual à saúde com a sustentabilidade das políticas públicas. “O Judiciário busca soluções que atendam as necessidades da sociedade, razão última de nossas ações, sem comprometer a eficiência do sistema de saúde”, disse o diretor-geral da Enfam.

Benedito Gonçalves

Diretor do CEJ, o ministro Luis Felipe Salomão destacou o pioneirismo da iniciativa. “Tudo foi programado com bastante antecedência. Além dos painéis, vamos discutir aspectos jurídicos e elaborar, em oficinas, enunciados e políticas públicas a partir do Tema 1234 que o Supremo acabou de apreciar”, disse o ministro, anunciando a palestra do colega de toga Antonio Saldanha Palheiro, “um estudioso de tema que já cuidou da Mútua dos Magistrados do Rio de Janeiro, o nosso plano de saúde. Esteve do lado de lá e do lado de cá”.

Luis Felipe Salomão

Em uma hora de palestra, Saldanha Palheiro traçou um panorama sobre o tema. “Sem saúde não conseguimos fazer nada. Fala-se da segurança pública e da educação como temas prioritários, mas tudo isso só acontece se a população for saudável. É um grande desafio tentar equalizar todos os problemas”, enfatizou o magistrado. “A saúde pública é um grande sistema integrado. O Tema 1234 é mais do que uma arquitetura. É arquitetura e é engenharia. Durante mais de um ano pessoas se encontraram, discutiram o modelo de autocomposição. Ontem conversava com a desembargadora Simone e ela disse: ‘Fiquei feliz de o Judiciário sair daquele quadradinho, autor, réu, juiz e sentença. Conseguimos congregar os atores desse sistema de Saúde e negociar. Foi um sistema de mediação em que vários integrantes, vários atores ligados ao Supremo Tribunal Federal, se encontraram exaustivamente com governadores, prefeitos, secretários estaduais, secretários municipais, representantes das agências de organismos científicos que debateram até conseguir construir – por isso chamado de arquitetura – um sistema negociado, de alta complexidade e sofisticação”, destacou. “O magistrado que quiser conceder, vai conceder realmente aquilo que  entender que é de justiça. Só que, apesar da grandeza desse diletantismo de todos nós, juízes em geral, de conceder saúde a quem precisa, o sistema não suporta. O Tema 1234 visa exatamente estabelecer critérios muito bem sedimentados de utilização do Poder Judiciário para concessão desses medicamentos e de tratamento”, explicou.

Saldanha Palheiro

O juiz federal Diego Veras, do TRF4, falou sobre o fluxo do cumprimento de decisões. O magistrado, auxiliar do ministro Gilmar Mendes no STF, destacou a necessidade que os debates sejam amadurecidos. “Este evento é uma oportunidade para oxigenar as ideias. O tema tentou enfrentar as causas da judicialização da saúde, mas isso não está terminado. Os magistrados são peças fundamentais pra continuar o aperfeiçoamento, a aplicação e a melhoria desse sistema. É uma construção coletiva que demanda esforço, tempo de maturação, análise e revisão. Esse tema não está finalizado, está em constante adaptação. Os entes federativos pactuaram que, se houver necessidade de aprimoramento, eles estarão de volta pro STF. Pode ser necessário, ao longo do tempo, no curso do acompanhamento, uma correção de rumos dentro dos próprios autos, a chamada governança judicial colaborativa. O juiz federal falou sobre a importância da centralidade de dados através de uma plataforma nacional. “Haverá padronização dos pedidos com a ajuda do Conselho Federal de Medicina (CFM). A plataforma já está sendo construída. Foi uma construção coletiva envolvendo, por exemplo, o Centro Nacional de Inteligência, o CJF. Isso significa uma mudança do eixo decisório, tanto na esfera administrativa, com a padronização dos fluxos administrativos, e também dos fluxos judiciais. Em um pouco mais de um mês de conciliação, conseguiu-se chegar a um consenso em relação a padronização dos conceitos. O tema 1234 é para medicamento incorporado e para medicamento não incorporado”, informou o magistrado.

Diego Veras
Participantes da abertura do Congresso
Luis Felipe Salomão e Guilherme Calmon

Oficinas

O “I Congresso Nova Arquitetura da Judicialização da Saúde: impactos do tema 1234” continuou na parte da tarde com a realização de três oficinas temáticas, sendo:

Oficina I  – Tema:  Medicamento de Alto Custo TEMA 6

Coordenadoras: 
Desembargadora federal Kátia Balbino, Tribunal Regional da 1ª Região, Coordenadora do Comitê Executivo de Saúde do Distrito Federal 
Juíza federal Maria Cristina Kanto, Tribunal Regional Federal da 2ª Região

Oficina II – Tema:  Competência Justiça Federal X Justiça Estadual – Tema 1234 do STF

Coordenadores: 
Desembargador federal Leonardo Henrique Carvalho, Tribunal Regional Federal da 5ª Região
Juiz federal Clenio Jair Schulze, Tribunal Regional Federal da 4ª Região, membro do Comitê de Saúde do Fórum da Saúde do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)

Oficina III – Tema: Incorporação de Medicamentos pela CONITEC

Coordenadoras:  
Desembargadora federal Taís Schilling Ferraz, Tribunal Regional Federal da 4ª Região 
Juíza federal Ana Carolina Morozowski, Tribunal Regional Federal da 4ª Região 
 

Visita guiada

Ao final da tarde, representantes das escolas judiciais e corregedores percorreram as salas de exposições temporárias e biblioteca do CCJF.

Confira a galeria de fotos do primeiro dia do Congresso.

Reveja a abertura do “I Congresso Nova Arquitetura da Judicialização da Saúde: impactos do tema 1234” pelo canal do TRF2 na plataforma YouTube

Fonte: TRF2

Câmara aprova projeto que dispensa advogado de adiantar custas em ação de cobrança de honorários

A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (18) projeto de lei que isenta os advogados de adiantar o pagamento de custas processuais em ações de cobrança ou execução relativas a honorários advocatícios. O texto será enviado à sanção presidencial.

De autoria da deputada Renata Abreu (Pode-SP), o Projeto de Lei 4538/21 foi aprovado com um substitutivo do Senado. Na versão inicialmente aprovada pelos deputados em 2018 (PL 8954/17), o advogado seria isento de pagar as custas processuais nesse tipo de causa.

De acordo com o texto que irá à sanção, além de o advogado ser isento de adiantar as custas, caberá ao réu ou executado arcar com o pagamento ao final do processo se tiver dado causa ao processo.

A intenção é evitar ônus adicional ao advogado que tem de entrar na Justiça para receber honorários devidos pelo seu representado.

O relator do texto na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara, deputado Rubens Pereira Júnior (PT-MA), apresentou parecer favorável.

Debate em Plenário
Durante o debate em Plenário, o deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS) defendeu a proposta. “Não dá para exigir do advogado que ele tenha que adiantar o pagamento, pagar custas para cobrar aquilo que a Justiça já reconheceu, que é o resultado da sua labuta, do suor do seu trabalho, do seu esforço, da sua advocacia”, afirmou.

Para Mattos, a medida não é um privilégio para os advogados. “É algo extremamente justo. Eu diria que é da essência do direito, porque o advogado trabalhou 1 ano, 2 anos, 3 anos para ganhar a causa. Ele ganha a causa, tem uma sentença que é difícil de conseguir, ainda mais com o trânsito em julgado, aí não recebe o resultado do seu trabalho. E, sem ter recebido nada, tem que desembolsar para pagar, para questionar de novo, para poder receber o que é seu e que a Justiça já reconheceu.”

O deputado Chico Alencar (Psol-RJ) ressaltou que a garantia do livre e pleno exercício da advocacia ainda é um desafio no Brasil. Ele também defendeu a aprovação do texto.

Fonte: Câmara dos Deputados

Compartimentalização pela indústria e governos inibe enfrentamento do negacionismo climático

Os discursos envolvendo o negacionismo climático ganharam notoriedade recentemente na cultura popular. Os meios de comunicação noticiam constantemente os elevados números de queimadas e desmatamentos na floresta amazônica e em outros biomas sensíveis no Brasil. Por outro lado, observa-se a existência de um intenso aparato voltado também não só a negar estas ocorrências como a minimizar a gravidade dos danos causados. Este cenário, contudo, não se limita às queimadas, estendendo-se também aos impactos ambientais gerados pela indústria de combustíveis fósseis.

Reprodução

Tal proceder não é inédito na indústria dos combustíveis fósseis, a qual, por pelo menos sete décadas, tem buscado ativamente minimizar os riscos de suas atividades. Durante esse período, o negacionismo climático passou por transformações constantes, reagindo a pressões sociais, moldando narrativas e apaziguando preocupações ambientais. Até a década de 1990, as empresas de combustíveis fósseis não demonstravam constrangimento em discutir o poder e influência de sua capacidade de alterar o clima por meio de tecnologias extrativas em larga escala. Foi somente quando o seu principal modelo de passou a ser ameaçado que elas se voltaram ao negacionismo.

No entanto, durante todo esse período, tanto internamente quanto publicamente, buscaram posicionar seu núcleo empresarial como o ponto de Arquimedes em torno do qual tudo deveria gravitar, em vez de reconhecerem a realidade imposta pelos limites ecológicos da Terra frente à exploração irrestrita. Desde a década de 2010, com o consenso científico consolidado e os impactos das mudanças climáticas cada vez mais evidentes, a negação clássica deu lugar a um “negacionismo brando”, caracterizado por estratégias de adiamento, divisão, distração e pessimismo. Essa abordagem, contudo, mantém a inação climática, mas sem o mesmo nível de reação pública.

Dentro desse quadro, o greenwashing se tornou uma ferramenta central para disfarçar danos ambientais. Empresas utilizam linguagem enganosa, omissões seletivas e distorções retóricas para sustentar uma imagem sustentável enquanto perpetuam práticas destrutivas. Além disso, estratégias mais amplas buscam diluir a responsabilização ao tratar os danos ambientais como externalidades inevitáveis. Isso fragmenta a percepção pública dos impactos ambientais, dificultando respostas coordenadas e diminuindo a responsabilidade dos agentes poluidores.

A ideia de compartimentalização emerge, então, como um padrão estrutural do negacionismo climático e antiambientalismo. Ao tratar cada caso de degradação como algo isolado, governos e corporações enfraquecem esforços coletivos de mitigação. Esse fenômeno redireciona a atenção da ciência e da sociedade das causas estruturais para fatores imediatos, limitando a compreensão dos riscos climáticos e desviando responsabilidades.

Nessa ordem de ideia, o presente artigo analisa a compartimentalização como uma tática-chave do negacionismo climático.

Modos de compartimentalização

A compartimentalização no discurso climático e antiambiental funciona ao separar efeitos complexos em elementos destacados e reprimidos, o que enfraquece a narrativa ambiental. Diferentes formas dessa prática incluem:

1. Setorização: Regulamentar um único químico (exe: PFOA) sem abordar toda a classe a que pertence (PFAS), prolongando exposições desnecessárias.

2. Burocratização: Empresas estatais norueguesas que exploram a Amazônia enquanto este mesmo estado financia o Fundo Amazônia para a sustentabilidade.

3. Deslocamento: Anunciar ‘neutralidade de carbono até 2050’, mas adiando ações concretas até 2049.

4. Análise seletiva de risco: Avaliar apenas ingredientes ativos em produtos químicos, ignorando os impactos da formulação completa (exemplo: testes em glifosato por si só, mas não em RoundUp® como vendido).

5. Distração: Criar narrativas para desviar a atenção de danos ambientais e sociais, abafando críticas com estratégias de relações públicas.

Dividir medições e regulamentos em categorias isoladas impede uma redução real da poluição, promovendo uma “responsabilidade moral”, onde ações ambientalmente positivas são usadas para justificar práticas prejudiciais. Essa lógica também separa justiça social de questões ambientais ao invés de tratá-las como interligadas.

A responsabilidade moral, assim como a compartimentalização, pode até piorar os problemas ambientais. O sentimento de “compensação” leva indivíduos e empresas a adotarem comportamentos antiambientais sob a justificativa de já terem feito algo positivo. Um exemplo clássico é economizar emissões ao não dirigir, mas compensar voando mais. A disseminação do LED reduziu o consumo energético por lâmpada, mas a proliferação dessas luzes aumentou a poluição luminosa, refletindo o paradoxo de Jevons.

Embora o greenwashing envolva engano intencional, a compartimentalização opera de forma mais sistêmica, criando um cenário onde empresas e governos fragmentam custos e benefícios para evitar lidar com as consequências reais de suas ações. Isso permite que empresas promovam credenciais ambientais enquanto mantêm atividades altamente poluentes.

A compartimentalização não é exclusiva do setor privado. Governos também ignoram ou contradizem informações científicas para manter a viabilidade de práticas extrativistas. O conceito de “megamáquina” (megamachine), de Fabian Scheidler, descreve essa relação simbiótica entre Estado e indústria, onde diferentes blocos de poder competem para garantir vantagem comparativa, intensificando a extração de recursos e ampliando zonas de ignorância para justificar danos colaterais.

O sistema internacional recompensa a produção de ignorância quando isso favorece interesses econômicos, criando um acúmulo de crises não resolvidas. O maquinário do negacionismo climático opera em várias dimensões – setorial, narrativa, política e estrutural – com estratégias que incluem compromissos vazios, como aderir ao Acordo de Paris sem investimentos correspondentes, ou empresas de petróleo declarando metas de neutralidade de carbono enquanto omitem suas emissões indiretas (Escopo 3).

O negacionismo climático, assim, faz parte de um sistema maior de defesa industrial, que inclui lobistas, relações públicas e grupos financiados para manipular a percepção pública e proteger lucros. Esse “exoesqueleto corporativo” sustenta a continuidade da exploração ambiental. Para combater essa dinâmica, é necessário descompartimentalizar as conexões entre setores e atores envolvidos, compreendendo a negação climática como um processo coordenado que transcende a indústria de combustíveis fósseis e atinge outras indústrias poluentes.

Origens da compartimentalização

A compartimentalização pode ser entendida como um problema de prestação de contas e responsabilidade: ela isola benefícios em um setor e minimiza custos, mantendo impactos separados de outros setores afetados. Um exemplo disso são diferentes formas de greenwashing que ocultam o real impacto ambiental de um produto ou serviço. No entanto, a compartimentalização vai além do greenwashing, incluindo omissões estratégicas e divulgações seletivas, resultando na supervalorização de compromissos climáticos e na negligência das ações concretas necessárias.

Esse processo permite que metas como “net zero até 2050″ sejam utilizadas para adiar a responsabilidade real. No âmbito da comunicação empresarial e governamental, Habermas distingue entre comunicação voltada à compreensão e comunicação estratégica, que busca o sucesso independentemente da verdade. A compartimentalização se insere nessa segunda categoria, ao minimizar problemas e favorecer discursos convenientes.

No contexto regulatório, esse fenômeno aparece quando agências governamentais analisam produtos químicos isoladamente, sem considerar suas interações no meio ambiente. Além disso, investimentos filantrópicos em iniciativas ambientais muitas vezes mascaram o financiamento simultâneo de atividades extrativistas prejudiciais. Essa assimetria entre sustentabilidade e extração precisa ser abordada para garantir maior transparência.

A compartimentalização também ocorre na responsabilização do consumidor, transferindo para indivíduos a culpa pelos custos climáticos, enquanto grandes corporações mantêm impactos estruturais. Na ciência, observa-se quando financiamentos industriais direcionam pesquisas para favorecer interesses econômicos, ocultando impactos adversos.

Ao fragmentar problemas, a compartimentalização dificulta soluções sistêmicas e sustentáveis para desafios climáticos e ambientais.

Dinâmicas Norte-Sul que exacerbam a compartimentalização do negacionismo climático

As estruturas e discursos contemporâneos do negacionismo climático têm raízes na colonização histórica, quando as nações europeias exploraram outras partes do mundo para obter matérias-primas e disputar supremacia. Essa história de extração das periferias coloniais para os centros imperiais permite que o negacionismo climático se manifeste de maneira única no Sul Global, facilitando práticas poluidoras.

O colonialismo teve um papel importante no subdesenvolvimento do Sul Global. A pobreza não era preexistente, mas causada pela economia de queimada e pela exploração de riquezas, depredando culturas e ecologias. Hoje, as economias globais pós-coloniais são vistas como meritocráticas, mas as cadeias globais de commodities refutam essa narrativa, pois empresas do Norte pressionam fornecedores do Sul, mantendo os preços altos.

O “mito da modernidade” justifica a exploração ao enquadrar os danos ecológicos como preço do progresso. Justificativas de modernização minimizam e ocultam os danos ambientais causados por empresas extrativas, compartimentalizando os prejuízos ao criar legitimidade. Nesse contexto, o negacionismo climático favorece um sistema em que as práticas poluidoras ocorrem sem barreiras. A promessa de desenvolvimento, porém, se torna inatingível devido a condições econômicas impostas, mantendo o Sul Global dependente da exportação de matérias-primas.

Compartimentalização mineração norueguesa e a ecofilantropia no Brasil

O mito da modernidade se manifesta nas operações de corporações transnacionais em regiões empobrecidas do Sul Global, como o Brasil, oferecendo investimentos industriais, empregos e avanços tecnológicos. Diferente das atividades poluidoras realizadas por empresas nacionais, a extração transnacional compartimentaliza os danos ao longo de cadeias de commodities, separando a legitimidade e a validade dos impactos ambientais.

Durante o regime militar brasileiro (1964-1986), o governo focava na exploração dos recursos naturais, especialmente na Amazônia, favorecendo investimentos estrangeiros. Nesse cenário, empresas norueguesas, como a Norsk Hydro, contribuíram para a poluição de biomas sensíveis. A Norsk Hydro, mineradora parcialmente controlada pelo governo da Noruega, está envolvida na poluição por resíduos tóxicos na refinaria de bauxita de Alunorte, na Amazônia. Investigações indicam que a empresa adota padrões ambientais duplos no Brasil, onde as regulamentações são mais flexíveis, em comparação com a Noruega, onde normas mais rigorosas são seguidas.

Em 2024, decisões judiciais no Brasil reconheceram a responsabilidade da empresa pela poluição excessiva na região, destacando as discrepâncias nas práticas ambientais da companhia entre os dois países.

Compartimentalização nas políticas químicas

Investigar danos químicos um por vez reduz a proteção ambiental, atrasa indevidamente o progresso e obscurece padrões de risco. Órgãos reguladores raramente analisam produtos em suas formulações comerciais, focando apenas nos ingredientes “ativos” listados pelas empresas, mesmo quando as misturas químicas representam maiores riscos. Isso ocorre com pesticidas, cujas análises excluem surfactantes, adjuvantes e aditivos presentes nas fórmulas comerciais. Apesar dos avanços em bancos de dados que preveem interações químicas adversas, como Bioregistry e BioGRID, tais conhecimentos ainda não foram plenamente incorporados às políticas regulatórias.

A regulamentação química frequentemente avalia substâncias isoladamente, ignorando efeitos combinados e impactos ecotoxicológicos. Como múltiplas exposições químicas afetam populações com menor poder político e econômico, suas consequências são difíceis de detectar epidemiologicamente devido a desigualdades sociais preexistentes. O conceito de “anestesia política”, de Andrew Szasz, descreve como soluções individuais para problemas coletivos reforçam a desigualdade ambiental, permitindo que setores privilegiados comprem proteção privada contra toxinas, em vez de melhorar opções públicas.

Essa compartimentalização também se manifesta na discrepância entre estudos laboratoriais e exposições reais. Experimentos mostraram que sapos expostos ao herbicida glifosato eram 15 vezes mais vulneráveis quando na presença de predadores, um efeito ignorado nos estudos da Monsanto. A captura regulatória pela indústria química distorce avaliações de risco, favorecendo estudos financiados por empresas em detrimento de pesquisas independentes. Para evitar essa influência, a segregação entre ciência acadêmica e pesquisas patrocinadas pela indústria é essencial.

Conclusão

Na Europa medieval as indulgências permitiam que pecadores ricos pagassem pela absolvição, perpetuando seus erros. Hoje, os créditos de carbono funcionam de maneira semelhante, permitindo que poluidores transfiram sua culpa sem mitigar os danos de forma significativa. Ao utilizarem empresas como intermediárias, os Estados se distanciam da destruição ambiental, evitando responsabilidades diretas e conflitos geopolíticos. Essa compartimentalização possibilita a contínua exploração do Sul Global sob a fachada da sustentabilidade.

A compartimentalização mantém fronteiras artificiais entre dano e benefício, supervalorizando compromissos ambientais enquanto oculta a exposição a poluentes. Ela institucionaliza a negação—afetando normas de segurança química, filantropia corporativa (eco) e arbitragem ambiental. A vergonha pode ser uma força de mudança, como demonstram campanhas que pressionaram empresas como o Burger King a modificar suas cadeias de suprimentos. Boicotes e ativismo financeiro tornam visíveis os danos ambientais.

A injustiça climática se fortalece com visões compartimentalizadas dos problemas ambientais. Enfrentar desigualdades sistêmicas é essencial para fortalecer os movimentos por justiça climática. Empresas de combustíveis fósseis não podem alegar responsabilidade enquanto perpetuam emissões nocivas. Expor os danos ambientais oculta estratégias de negacionismo e reduz as margens para impunidade corporativa e estatal.

Conclusivamente, a sobrevivência da humanidade está condicionada a tornar explícitos e salientes os danos ocultos e complexos dissimulados para manter os status quo corporativos e estatais. Na medida em que pudermos ver e entender melhor as reais complexidades envolvidas na poluição em todos os níveis a máquina de negacionismo climático (climate denial machine) terá menos álibis e menos lugares para se esconder.

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Mercado de capitais e segurança jurídica no Brasil em discussão

Uma discussão sobre a segurança jurídica e o ambiente de negócios será realizada em um evento do JOTA, em parceria com a Ternium, na quarta-feira (19/2), a partir das 16h, em São Paulo.

Vão participar Pablo Cesário, presidente-executivo da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca); Luciana Ribeiro, sócia-fundadora da EB Capital; e Otávio Yazbek, advogado e ex-diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A mediação será da repórter do JOTA Carolina Unzelte.

Os painelistas vão analisar de que forma a segurança jurídica afeta a tomada de decisões sobre investir ou não no Brasil e quais os principais temas que trazem insegurança jurídica ao mercado de capitais brasileiro hoje.

O evento Marco Legal do Mercado de Capitais – Uma discussão sobre segurança jurídica e ambiente de negócios conta com transmissão ao vivo e cobertura no site do JOTA.

Fonte: Jota

TCU analisa alcance dos objetivos estratégicos do PPA nas áreas de agricultura, meio ambiente e desenvolvimento econômico

O Tribunal de Contas da União (TCU) fez acompanhamento do 1º ciclo de fiscalização sobre o alcance dos objetivos estratégicos e específicos no Plano Plurianual (PPA) 2024-2027, relacionados com as áreas de agricultura, meio ambiente e desenvolvimento econômico.

Na análise do 1º ciclo foram abordados quatro programas principais: Agropecuária Sustentável, Bioeconomia, Neoindustrialização, Agricultura Familiar e Agroecologia. Além disso, foram analisadas sobreposições e duplicidades das entregas vinculadas à prioridade “V – Neoindustrialização, trabalho, emprego e renda”.

A fiscalização observou a presença de sobreposições, fragmentações e duplicidades entre programas voltados para inclusão e sustentabilidade rural, como o Programa de Aquisição de Alimentos, Assistência Técnica e Extensão Rural, Cadeias da Sociobiodiversidade e Transição Agroecológica. Como causa dessa situação, o TCU constatou falta de coordenação interministerial e de planejamento integrado na elaboração dos programas finalísticos do PPA

Outro achado da auditoria foi a não representação de integração entre as dimensões estratégica e tática do PPA pelo objetivo estratégico 2.4 (Promover a industrialização em novas bases tecnológicas e a descarbonização da economia). Isso levou a prejuízos no alinhamento dos programas e respectivas entregas com as prioridades governamentais. Dessa forma, o Tribunal entende que esse objetivo estratégico apresenta potencial para uma maior integração de suas dimensões de planejamento estratégica e tática, o que contribuiria para um alinhamento mais efetivo dos programas com as prioridades governamentais.

Já sobre os indicadores dos programas auditados, o TCU verificou a possibilidade de refinamento para garantir que estes atendam aos critérios de relevância, completude, compreensibilidade e confiabilidade, facilitando assim o monitoramento e a avaliação do desempenho de forma mais eficaz. As metas estabelecidas para os objetivos específicos e entregas também podem ser aperfeiçoadas, com a adoção de critérios SMART (específicas, mensuráveis, apropriadas, realistas e com prazo determinado), de modo a aumentar a clareza e a viabilidade dessas metas.

A auditoria, finalmente, mostrou a importância de avançar na desagregação territorial dos indicadores e na regionalização das metas, providência fundamental para a promoção de políticas públicas focadas na redução das desigualdades regionais.

Em consequência dos trabalhos, o Tribunal recomendou ao Ministério do Planejamento e Orçamento que coordene uma análise detalhada das entregas do PPA 2024-2027 relacionadas à inclusão e sustentabilidade rural, de forma integrada com o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, o Ministério dos Povos Indígenas, o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional e o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome.

Os objetivos da integração ministerial são: identificar a extensão das sobreposições e duplicidades existentes nas entregas dos ministérios; promover correções e aperfeiçoamentos necessários no próximo ciclo de revisão do PPA; e fortalecer a função dos objetivos estratégicos e dos indicadores-chave nacionais.

O relator do processo é o ministro Benjamin Zymler.

Fonte: TCU

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Do regime jurídico da CBS e do IBS

A reforma tributária do consumo é realidade pronta e aprovada há mais de ano e segue instigando os juristas com novidades nunca antes vistas. Definir o regime jurídico da CBS e do IBS está entre as novidades e poderia ser apenas um ensaio para fins acadêmicos, se não estivesse na sua resposta a chave para desbravar o intrigante quebra-cabeça chamado: o novo contencioso da reforma. É neste assunto que pretendo chegar, mas para traçar um raciocínio indutivo, partiremos do regime jurídico da CBS e do IBS.

O artigo 149-B da Constituição, incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023, estabelece a base do regime jurídico da CBS e do IBS apontando, à primeira vista, que serão idênticos, à medida que devem observar as mesmas regras em relação a fatos geradores, bases de cálculo, hipóteses de não incidência e sujeitos passivos; imunidades; regimes específicos, diferenciados ou favorecidos de tributação; regras de não cumulatividade e de creditamento.

O regime jurídico, vale dizer, o feixe de normas aplicáveis [1], torna-se quase idêntico quando a norma é lida em conjunto com o disposto no § 16 do artigo 195 da CF, que prevê algumas regras específicas ao IBS, em relação à sujeição ativa, proibição de inclusão do tributo na base de cálculo de outros tributos, competência do Distrito Federal e impacto do cashback para cálculo dos limites de despesas[2].

Além disso, como a CBS é tributo federal, toda sua legislação ficará a cargo do Congresso Nacional, enquanto o IBS será baseado em lei nacional, votada pelo Congresso, com a ressalva de que todos os entes subnacionais (estados, DF e municípios) poderão legislar sobre as alíquotas incidentes em suas respectivas áreas de competência. Dito isso, teremos “pela primeira vez um imposto unificado entre todas as esferas tributantes, algo impensável antes da Proposta de Emenda Constitucional nº 45/2019” [3].

 

Não obstante o regime jurídico quase idêntico da CBS e do IBS, tratam-se, a priori, de espécies tributárias diferentes. Como sabemos, tributo é gênero que comporta várias espécies e, conforme a explicação de Luís Eduardo Schoueri, agrupar tudo num único gênero “não é irrelevante em matéria jurídica, já que, ao identificarem-se diversas figuras como pertencentes a um gênero, afirma-se que todas elas possuem algo em comum, ou melhor, um regime jurídico único” [4].

Quase identidade

Já que pertencem ao mesmo gênero, a eles serão aplicados os mesmos conceitos quanto a fato gerador, lançamento, base de cálculo, entre outros. Por outro lado, apresentarão peculiaridades, à medida que os impostos são tributos não vinculados a uma atividade estatal [5] e que não podem ter destinação específica, enquanto as contribuições devem ser destinadas aos fins que foram propostas.

Além disso, o fato gerador dos impostos deve refletir uma manifestação de capacidade contributiva. Vale dizer, ao contrário do que ocorre com as contribuições, não é possível que a hipótese tributária de um imposto seja algo que não possui conteúdo econômico. Assim, se um imposto é cobrado sobre bens e serviços, esses bens e serviços devem necessariamente indicar que aquele sujeito passivo tem uma determinada riqueza, que reflete na sua capacidade contributiva. Ou seja, existe ali um fenômeno econômico que serve como índice da capacidade contributiva [6].

Portanto, ainda que a Constituição tenha admitido que a CBS e o IBS devem, necessariamente, observar as mesmas regras em relação a fatos geradores, bases de cálculo, hipóteses de não incidência e sujeitos passivos; imunidades; regimes específicos, diferenciados ou favorecidos de tributação; regras de não cumulatividade e de creditamento, o fato é que cada espécie tributária recebe um tratamento jurídico diferenciado, e é essa a razão pela qual classificam-se os tributos em espécies [7].

Assim, é possível dizer que a CBS e o IBS, apesar de irmãos gêmeos, não são o mesmo tributo, pois,

– apresentam fundamentos jurídicos distintos (artigo 156-A e 195, V, da Constituição);

– apresentam capacidade tributária ativa distinta – a União para a CBS e estados e municípios para o IBS;

– alíquotas diferentes.

Inclusive, trata-se de espécies tributárias distintas, eis que a CBS é um contribuição à seguridade social com destinação, portanto, específica e o IBS é um impostos [8].

Apresentando entendimento divergente, o professor Renato Lopes Becho defende que, na verdade, CBS e IBS são dois impostos, com denominações diferentes, já que “sistematicamente, têm havido desvinculação das receitas, o que acaba por fragilizar a distinção. (…) a destinação do produto da arrecadação, assim como o nomen juris, é, nos termos do artigo 4º do CTN, irrelevante para a determinação de sua natureza tributária” [9].

Uma possível solução para apaziguar aqueles que entendem que não são o mesmo tributo, dos que entendem que são, é aceitar a definição proposta por Hugo de Brito Machado, no sentido que todo tributo tem seu regime jurídico, contudo, alguns tributos existem em situações especiais e, assim, possuem um regime jurídico especial [10].

Talvez, seja justamente essa a situação da CBS e do IBS no cenário tributário. Independentemente de serem classificados, ou não, como mesmo tributo, devemos aceitar que existe um regime jurídico especial a eles aplicável, e que precisa considerar que a Constituição determina que diversas regras devem ser iguais para os dois tributos, em que pese desafiarem competências tributárias diversas.

De todo modo, a quase identidade entre os regimes jurídicos da CBS e do IBS, certamente, auxilia na aplicação dos tributos [11], a dificuldade posta diz respeito à definição dos órgãos competentes para julgamento das lides a eles relacionadas, já que a Constituição prevê a competência federal do CBS e a competência compartilhada entre estados, DF e municípios para o IBS, sem que exista, na estrutura atual, qualquer órgão do Poder Judiciário com competência para julgamento simetricamente alinhada às competências tributárias das novas exações. Nas palavras do professor Renato Lopes Becho, “o ponto sensível reside na potencial dissonância entre normas infralegais e administrativas, v.g., e em decisões administrativas, bem como as judiciais opostas para os dos tributos” [12].

Sem dúvida, a transição para o novo modelo tributário ainda é um desafio complexo, que deve ser enfrentado com cautela diante da existência de diferentes sistemas de contencioso em níveis federal, estadual e municipal. É imprescindível que CBS e IBS tenham contenciosos harmônicos e que o novo imposto também tenha validade junto aos meios adequados de solução de conflitos. Esse, será o ponto de partida da nossa próxima reflexão, trazendo pontos de destaque na Lei Complementar nº 214, de 2025, e no Projeto de Lei Complementar nº 108, de 2024, que merecem nossa atenção frente ao novo contencioso da reforma tributária.

 


[1] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 42. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros/JusPodivm, 2022, p. 73.

[2] MCNAUGHTON, Cristiane Pires; MCNAUGHTON, Charles Wiliam. Breves Reflexões sobre o Regime Constitucional do IBS e da CBS. In: OLIVEIRA, Ricardo Mariz de; SILVEIRA, Rodrigo Maito da (Coords.). Direito Tributário: homenagem aos 50 anos do IBDT. São Paulo: IBDT, 2024. pp. 257-271, p. 258.

[3] BECHO, Renato Lopes. A Criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). In: OLIVEIRA, Ana Claudia Borges de; PURETZ, Tadeu (coords.). Coletânea 100 anos do CARF. São Paulo: NSM Editora, 2024, pp. 91-105, p. 91.

[4] SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 13. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2024, p. 155.

[5] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 42. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros/JusPodivm, 2022, p. 65.

[6] SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 13. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2024, p. 203.

[7] SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 13. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2024, p. 155.

[8] MCNAUGHTON, Cristiane Pires; MCNAUGHTON, Charles Wiliam. Breves Reflexões sobre o Regime Constitucional do IBS e da CBS. In: OLIVEIRA, Ricardo Mariz de; SILVEIRA, Rodrigo Maito da (Coords.). Direito Tributário: homenagem aos 50 anos do IBDT. São Paulo: IBDT, 2024. pp. 257-271, p. 259.

[9] BECHO, Renato Lopes. A Criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). In: OLIVEIRA, Ana Claudia Borges de; PURETZ, Tadeu (coords.). Coletânea 100 anos do CARF. São Paulo: NSM Editora, 2024, pp. 91-105, p. 94.

[10] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 42. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros/JusPodivm, 2022, p. 73.

[11] MCNAUGHTON, Cristiane Pires; MCNAUGHTON, Charles Wiliam. Breves Reflexões sobre o Regime Constitucional do IBS e da CBS. In: OLIVEIRA, Ricardo Mariz de; SILVEIRA, Rodrigo Maito da (Coords.). Direito Tributário: homenagem aos 50 anos do IBDT. São Paulo: IBDT, 2024. pp. 257-271, p. 259.

[12] BECHO, Renato Lopes. A Criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). In: OLIVEIRA, Ana Claudia Borges de; PURETZ, Tadeu (coords.). Coletânea 100 anos do CARF. São Paulo: NSM Editora, 2024, pp. 91-105, p. 103.

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Contratos de parceria entre contador, técnico de contabilidade e escritórios

No fim do mês passado, a Câmara dos Deputados informou que a respectiva Comissão de Trabalho aprovou projeto de lei que autoriza escritórios de contabilidade a celebrar contratos de parceria com contadores e técnicos em contabilidade na condição de pessoa física ou jurídica.

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Em consulta do histórico de tramitação, vislumbra-se que o PL 4.463/2021 trouxe como justificativa as mutantes relações de trabalho e o desafio de organizá-las nas atuais relações corporativas e empresariais, em busca de um método mais eficiente de desenvolvimento.

Assim, tendo em vista o entendimento do Supremo Tribunal Federal a respeito da constitucionalidade da Lei de Parcerias entre empresas de beleza e profissionais (ADI 5.625/DF), o PL tem por objetivo adaptar à atual realidade dos escritórios de contabilidade para melhor atendimento aos seus clientes e cumprimento das obrigações acessórias correlatas.

Designada a Comissão de Trabalho, o PL 736/2023 foi apensado ao PL 4.463/2021, sem apresentação de emendas aos projetos. Foi, então, apresentado substitutivo, posteriormente aprovado pela Comissão de Trabalho da Câmara.

De modo geral, o texto prevê as figuras do “escritório de contabilidade” e “profissional-parceiro”, podendo estes exercerem a atividade de “contador” e “técnico em contabilidade”, desde que devidamente registrados em seus conselhos regionais.

Centralizar pagamentos e recebimentos

O PL também estabelece que o “escritório de contabilidade” será o responsável por centralizar os pagamentos e recebimentos decorrentes das atividades de prestação de serviços de contabilidade pelo “profissional-parceiro”, bem como reterá a sua cota-parte estabelecida consensualmente no contrato, com retenção dos tributos e contribuições sociais e previdenciárias devidas pelo profissional-parceiro.

Neste ponto, entende-se que a lei atribuiu ao “escritório contábil parceiro” a responsabilidade tributária de retenção na fonte dos respectivos tributos (artigo 121, parágrafo único, inciso II, do CTN).  Porém, a cota-parte do “profissional-parceiro” não será considerada para o cômputo da receita bruta do “escritório contábil”, ainda que adotado o sistema de emissão de nota fiscal unificada ao consumidor.

O substitutivo apresentado manteve a previsão do texto original de que as responsabilidades e obrigações decorrentes da constituição do escritório de contabilidade continuarão sendo de única e exclusiva responsabilidade do “escritório contábil parceiro”, não lhe sendo transferido o risco do negócio, o que, de forma alguma, se confunde com a responsabilidade na execução do serviço em si aos clientes, hipótese na qual lei expressamente estabeleceu o regime de responsabilidade solidária.

Uma previsão legal (e que vai de afronta à justificativa do PL) é a obrigatoriedade de que o contrato de parceria seja homologado pelo sindicato da categoria de profissional e, na ausência, pelo órgão local competente do Ministério do Trabalho e Emprego.

Soma-se, ainda, a previsão do artigo 3º ao estabelecer hipóteses expressas de reconhecimento de vínculo de emprego especialmente quando “I- não existir contrato de parceria formalizado na forma descrita nesta Lei”, em que pese o reconhecimento do vínculo de emprego dependa de declaração judicial pela Justiça do Trabalho e do preenchimento das hipóteses previstas em lei (artigo 2º e 3º da CLT).

Regulamentação para fiscalização

Ainda que a positivação não fosse expressamente necessária (por se tratar de imperativo lógico decorrente da livre iniciativa e do posicionamento do STF acerca da possibilidade de coexistência de outras formas de associação para o desempenho do trabalho que não unicamente a relação de emprego — vide ratio decidendi firmada no julgamento da ADPF 324/DF, ADI 5625/DF e ADC 48/DF), a exigência contida no artigo 1º, §7º do PL revela o seu real intuito: regulamentar aquilo que dispensa regulamentação para notória fiscalização, sob a justificativa de trazer segurança jurídica ao já tão conhecido contrato de parceria.

Se se permite a celebração de contratos de parceria que possuem o intuito de que as partes, no exercício máximo de suas autonomias de vontade, estabeleçam entre si uma verdadeira relação de coparticipação para a execução de um determinado serviço, razão não há exigir que o seja homologado por sindicato, quiçá pelo Ministério do Trabalho e Emprego.

Se a ideia do legislador com a homologação do contrato é estabelecer a publicidade dos contratos de parceria celebrados entre “escritório contábil parceiro” e “profissional-parceiro”, bem como eventual controle formal das cláusulas contratuais, que o contrato seja averbado à margem do contrato de sociedade da pessoa jurídica perante o respectivo órgão de classe, impedindo-se a averbação de contratos que possuam os requisitos do vínculo de emprego.

Por fim, o substitutivo apresentado alterou significativamente a redação do artigo 4º, ao prever que “os conflitos provenientes do descumprimento do contrato de parceria de que trata a presente Lei serão de competência da Justiça do Trabalho e dirimidos no foro do profissional-parceiro, podendo-se fazer uso da mediação e da arbitragem técnica”.

Reconhecimento da parceria

A antiga redação nos PL’s originariamente apresentados permitia às partes estabelecerem o foro para dirimir eventuais conflitos, a reconhecer o caráter civil do contrato de parceria e justificar a incoerência de homologação em sindicato ou órgão vinculado ao Ministério do Trabalho.

Já a nova redação apresentada, além de trazer mais um entrave à celebração do referido contrato, atribui de forma ampla à Justiça do Trabalho a competência para a análise de contratos cíveis. O legislador não definiu o que se entenderia por “descumprimento de contrato”.

Portanto, da análise que se extrai, o descumprimento decorrente de uma obrigação contratualmente estabelecida ou falta de repasse do valor estabelecido entre as partes submeteria à análise da Justiça do Trabalho, em que pese não se esteja discutindo o reconhecimento de vínculo de emprego. Flagrante a inconstitucionalidade (artigo 114 da Constituição).

Para além, a previsão de submeter eventuais controvérsias à Justiça do Trabalho também se constata de irrelevante normativo, considerando que independentemente do arranjo contratual firmado, qualquer parte pode submeter à Justiça do Trabalho pleito de reconhecimento de vínculo de emprego, ultrapassando, assim, a questão de competência, e partindo à análise do mérito da controvérsia.

Mais confusão ainda se estabelece com a previsão de se permitir a utilização da arbitragem técnica, ao mesmo tempo em que se firma que a competência será da Justiça do Trabalho para dirimir eventuais controvérsias.

O texto substitutivo ainda será analisado por outras Comissões internas da Câmara de Deputados, especialmente de Constituição e Justiça, para posterior aprovação pela Câmara e Senado, nas quais se espera que os pontos acima trazidos sejam levados à discussão para melhor coerência com o atual ordenamento jurídico, sem representar um retrocesso e desestímulo à formulação de novos arranjos contratuais.

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