Profissionais do Direito devem pensar nas consequências econômicas de seus atos, diz advogado

Advogados, magistrados e demais profissionais da área jurídica devem usar a análise econômica do Direito em sua atividade profissional. É essencial que meçam as consequências das medidas para a sociedade e para o mercado, de forma a preservar a segurança jurídica e o fluxo de dinheiro. É o que afirma Luiz Roberto Ayoub, sócio do escritório Galdino, Pimenta, Takemi, Ayoub, Salgueiro, Rezende de Almeida Advogados e desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

“Eu, por exemplo, fiquei praticamente 30 anos no TJ-RJ, mas comecei a trabalhar muito cedo, fui engenheiro, aprendi a ter uma visão prática das coisas. Eu olho qual é a decisão, qual é a melhor decisão para a sociedade, para a economia, para a política. E depois dou a roupagem jurídica. Isso para mim é fazer Justiça. O resto é obsolescência”, aponta.

Especialista em Direito Empresarial, Ayoub foi o juiz do processo de recuperação judicial da Varig, a primeira após a entrada em vigor da Lei 11.101/2005, que inseriu o instituto no ordenamento jurídico. Foi um caso difícil, em que faltou colaboração para ajudar a companhia aérea a se reestruturar, avalia. Nos 20 anos da norma, porém, agentes do mercado, advogados e magistrados entenderam que o principal é buscar salvar as empresas viáveis — e, com isso, preservar empregos e renda.

Ayoub também atua em casos envolvendo clubes esportivos. Ele diz ser positiva a criação da figura das sociedades anônimas do futebol (SAFs), dizendo que elas ajudaram bastante o seu time de coração, o Botafogo — que venceu o Campeonato Brasileiro e a Libertadores em 2024.

Quanto às apostas esportivas, o advogado diz que elas podem ajudar a gerar renda para o mercado de futebol. Porém, defende que as bets inescrupulosas sejam banidas.

Leia a seguir a entrevista:

ConJur — Até que ponto as transações com os precatórios influenciam no mercado ou na economia?
Luiz Roberto Ayoub — Direito e Economia são áreas do saber que devem dialogar. O Direito precisa da Economia, assim como a Economia precisa do Direito. Os precatórios são importantes porque, se o dinheiro não gira, a roda da economia também não gira. Quando um determinado valor autorizado pela Justiça não fica dormitando, pode ser injetado ou negociado no mercado, movimentando a economia. Em nosso escritório, sempre temos a preocupação de analisar a higidez dos documentos, para que não haja nenhuma surpresa, porque, apesar de o risco ser inerente a qualquer negócio, nós buscamos minimizá-los. Então, fazemos um double check sobre o que é possível, o que é remoto, o que é provável de acontecer. Nós chegamos a avaliar a possibilidade ou não de uma ação rescisória, para calibrar o deságio dos precatórios e chegar a um preço interessante para comprador e vendedor.

ConJur — O regime de pagamento de precatórios não é muito demorado? Seria possível e positivo acelerar os pagamentos?
Luiz Roberto Ayoub — O tempo é o fator que mais causa malefícios ao Direito e à sociedade. A dinâmica social não compactua com a lentidão. O fator tempo corrói o bom direito. Como mudar isso é um grande desafio, porque temos uma sociedade que é tradicionalmente formada para litigar. Enquanto houver essa cultura do litígio, nós sempre vamos conviver com o fator tempo. O Código de Processo Civil buscou reduzir a chamada “prodigalidade recursal”. É a quantidade de recursos, incidentes, que fazem com que um bom direito possa se tornar um bom direito, mas corrupto pelo tempo. Como resolver isso? Os hábitos legislativos existem, mas o comportamento humano depende de cada um.

ConJur — Como advogados, magistrados e integrantes do MP devem usar a análise econômica do Direito em suas atividades?
Luiz Roberto Ayoub — Eu sou um consequencialista. Eu sempre segui a linha do ministro Luiz Fux [de defender o uso da análise econômica do Direito]. O artigo 20 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei 4.657/1942) fala que profissionais do Direito — magistrados, advogados e outros — devem sempre analisar os impactos do que se pede e do que se decide. Eu, por exemplo, fiquei praticamente 30 anos no TJ-RJ, mas comecei a trabalhar muito cedo, fui engenheiro, aprendi a ter uma visão prática das coisas. Eu olho qual é a decisão, qual é a melhor decisão para a sociedade, para a economia, para a política. E depois dou a roupagem jurídica. Isso para mim é fazer Justiça. O resto é obsolescência.

ConJur — Como avalia as alterações ao Direito Empresarial feitas no anteprojeto do novo Código Civil?
Luiz Roberto Ayoub — Eu ainda estou estudando o projeto. Em uma análise muito precoce, eu diria que o Direito Empresarial, conforme o anteprojeto de lei do Código Civil, pretende, como todas as outras áreas do Direito, seguir o dinamismo social. A sociedade tem o seu dinamismo, e o Direito não pode ficar estagnado. A necessidade de editar normas legais a todo instante significa, em última análise, reconhecer uma insegurança jurídica, porque não sabe o que está previsto, o que vem amanhã. Hoje a sociedade é uma, amanhã é outra. Os fatos que estão acontecendo nesse exato momento que eu estou conversando com você merecem um tratamento jurídico. Amanhã será outro, porque a dinâmica social nos impõe que haja uma interpretação que esteja coadunada com a realidade econômica. Mas há boas intenções por trás do anteprojeto. E cabe aos tribunais uniformizar as interpretações e os entendimentos.

ConJur — O crescimento da procura pela recuperação judicial tem sido persistente desde 2021, na saída da crise provocada pela crise de Covid-19. E o número de pedidos de recuperação vem superando os de falências. Isso significa que o instituto da recuperação tem sido eficaz em recuperar empresas?
Luiz Roberto Ayoub — “Recuperação judicial” peca pela nomenclatura. “Recuperação” nos remete a algo que não é melhor. Mas a recuperação judicial salva, ela não mata. O problema é saber fazer. A recuperação judicial é um procedimento que se caracteriza por uma ampla negociação entre devedores e credores, por um prazo de 180 dias, que pode ser renovado por igual período, desde que não seja imputada a demora à empresa devedora, ao agente econômico devedor que postou a recuperação judicial. Então, na recuperação, há um potencial imenso.

Agentes econômicos passam por crises. Isso foi intensificado durante a epidemia de Covid-19, mas acontece sempre. A Lei de Recuperações e Falências (Lei 11.101/2005) foi recentemente atualizada pela Lei 14.112/2021, eu participei do grupo que ajudou a aperfeiçoar a norma. Hoje ela já precisa de outro aperfeiçoamento. Aí eu repito o que disse anteriormente: é melhor que os tribunais firmem entendimentos que atualizem a aplicação da norma do que ficar editando atos normativos a toda hora. E essas decisões devem ser seguidas, em nome da segurança jurídica, da economia e do ambiente de negócios.

ConJur — Como avalia a reforma da Lei 11.101/2005 pela Lei 14.112/2021?
Luiz Roberto Ayoub — A reforma é muito positiva em diversos pontos. Ela aperfeiçoa muito a figura do financiamento, cria a figura da insolvência transacional. Quando eu comecei a advogar, há 37 anos, as empresas eram majoritariamente locais, nacionais. Hoje não, são conglomerados que se espalham por todo o país, por todo o mundo. Então, o que acontece em um país tem consequências em outros. A figura da insolvência transnacional já vinha sendo admitida pela jurisprudência, mas é positivo positivá-la.

ConJur — Que mudanças ainda poderiam ser feitas na Lei 11.101/2005?
Luiz Roberto Ayoub — Há diversos pontos que poderiam ser aperfeiçoados. Por exemplo, nós encerramos a recuperação da Light, que foi um procedimento bastante complexo. Afinal, se a companhia falisse, o impacto social seria enorme, diversas pessoas iriam ficar sem luz no estado do Rio de Janeiro. Na prática, percebi que havia algumas lacunas na lei, alguns pontos que poderiam estar positivados, mas os tribunais cumpriram o seu papel.

Então, há lacunas, sempre haverá. Mas editar atos normativos a todo tempo é algo tóxico, porque gera mais insegurança. O investidor que estuda a legislação e, no dia seguinte, vê que ela mudou, não vai mais querer aplicar os seus recursos no país. É melhor deixar os tribunais suprirem essas lacunas.

ConJur — Pouco se fala da recuperação extrajudicial. Ela é um bom meio de reestruturar empresas?
Luiz Roberto Ayoub — Sim — eu inclusive estou começando uma recuperação extrajudicial agora. Atuei na recuperação extrajudicial de um clube de futebol sem a lei, mas baseada no princípio do agente econômico, da atividade econômica no passado. Hoje está previsto na lei a possibilidade de um grupo de futebol fazer recuperação extrajudicial. São agentes econômicos, geram riquezas. Não se pode pensar que um grupo de futebol hoje seja apenas lazer. Isso foi no passado. A recuperação extrajudicial originalmente prevista pela Lei 11.101/2005 carecia de maior aperfeiçoamento, enquanto àqueles que dela deveriam e poderiam se utilizar, faltava um maior conhecimento. A Lei 14.112/2020 deu uma grande força à recuperação extrajudicial. E ela ainda vai ser impulsionada com o esforço interpretativo dos tribunais. A recuperação extrajudicial já começou a mostrar a que veio.

ConJur — Como foi ser o juiz do processo de recuperação judicial da Varig?
Luiz Roberto Ayoub — Foi um desafio imenso, foi muito difícil, muito desgastante. Mas, ao mesmo tempo, muito enriquecedor. Se você não for ousado com responsabilidade, se não for inovador, buscando tirar da letra da lei o que você pretende, focado nos princípios constitucionais, não irá gerar resultados que acompanhem o dinamismo político, econômico e social do país.

O processo da Varig iniciou-se logo após a Lei 11.101/2005 entrar em vigor. Era uma lei totalmente desconhecia e muito interdisciplinar, exigia conhecimento de diversas áreas do saber. Por isso, os administradores judiciais devem ter equipes interdisciplinares, não serem meros fiscais do processo. No caso da Varig, eu fiz com que o administrador judicial fosse um auxiliar do juízo, com atribuições baseadas no rol exemplificativo do artigo 22 da Lei 11.101/2005. Isso enriqueceu o processo.

Uma grande dificuldade foi a falta de colaboração entre os juízos e órgãos administrativos. Hoje é um princípio do Código de Processo Civil, e nem precisava estar positivado. Diversos órgãos atuavam pela salvação da Varig. Mas faltou colaboração para ajudar a recuperação da empresa. Recuperação não é um lugar de litígio, mas de ampla negociação. Caso contrário, o resultado será a falência.

E mesmo a falência havia recebido, da Lei 11.101/2005, uma finalidade totalmente diferente da que tinha sob o Decreto 7.661/1945, que previa a liquidação e venda dos ativos, se fosse possível vender, porque tinha um procedimento mais demorado. Hoje o objetivo principal é salvar a empresa. Só não se salva quando a empresa não é viável. Mas dizer que uma empresa falida não é viável é uma conclusão precipitada e equivocada. Porque empreender, principalmente no Brasil, é muito difícil. Às vezes, uma pequena crise pode tirar do empreendedor a possibilidade de empreender, mesmo ele sendo um bom empreendedor. Agora, se é uma pessoa que não respeita as leis, ela tem que ser banida do meio empresarial e punida. Punir o empresário não é punir a empresa.

Hoje, falência não é quebra com a alienação de ativos para pagamento dos credores. Tanto recuperação como falência visam salvar a atividade econômica. Entre os elementos que decorrem nesse salvamento está o pagamento dos credores, dentro do possível. Porque pior do que receber menos é ter o desaparecimento de uma empresa. Isso é negativo para a nação. Não existe nação sem empresa, não existe emprego sem empresa, não existe salário sem empresa, não existe dignidade sem salário.

ConJur — Qual é o impacto das sociedades anônimas do futebol (SAFs) no setor esportivo e na economia brasileiros?
Luiz Roberto Ayoub — Agora que vamos começar a sentir o impacto. Eu inclusive estou atuando em uma recuperação que ainda não sabemos se seguirá o caminho da judicialidade ou extrajudicialidade aqui no Rio de Janeiro [do Vasco da Gama]. Eu comecei nessa área com a recuperação extrajudicial do Figueirense, sem a lei, não como agente econômico. Agora os grandes clubes, que são grandes empresas, podem assumir essa forma econômica. Eles lidam com direitos de imagem, bilheteria de jogos, patrocínios. Tudo isso movimenta a economia, é um mercado muito grande. Eu sou botafoguense, já fui muito mais sofredor do que sou hoje. O trabalho brilhante de Thairo Arruda [CEO do Botafogo], com John Textor [dono da SAF do Botafogo], mostrou o que pode ser feito e o que pode ser melhorado. Eles fizeram uma recuperação extrajudicial com muita responsabilidade. Não há recuperação sem dinheiro novo. Não há recuperação sem ativos para monetizar o procedimento de reorganização de um agente econômico.

ConJur — As empresas de apostas esportivas estão cada vez mais ligadas a times de futebol. Como isso impacta o mercado de futebol?
Luiz Roberto Ayoub — Bom, primeiro é preciso fazer uma separação entre aqueles que são profissionais sérios, corretos, e aqueles que não são. Se forem promovidas com responsabilidade, com olhar na lei, nos princípios constitucionais, as apostas podem gerar um benefício muito grande, não só para as associações esportivas, não só para as SAFs, mas para a economia em geral. Se há dinheiro rodando, há injeção de recursos na economia. Mas as bets que têm propósitos desvirtuados devem ser banidas.

ConJur — Como seria uma regulamentação razoável das apostas esportivas?
Luiz Roberto Ayoub — Não tenho capacidade para responder. Mas, por enquanto, deve haver uma cooperação entre os tribunais e os órgãos envolvidos no setor esportivo, como CBF, Fifa e Banco Central.

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Desembargadora acusa advogado de usar IA para inventar jurisprudências

O suposto uso de inteligência artificial por um advogado foi criticado por uma desembargadora do Tribunal de Justiça de Santa Catarina em razão da citação de decisões inventadas, segundo ela destacou.

De acordo com Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer, da 5ª Câmara Criminal do TJ-SC, a citação de “jurisprudências inexistentes” caracteriza ato de má-fé e desrespeito ao tribunal.

A manifestação da desembargadora ocorreu ao apreciar, como relatora, Habeas Corpus impetrado em favor de um homem acusado de ameaça no âmbito de violência doméstica. O paciente pediu a revogação de medidas protetivas de urgência.

A magistrada anotou que a inicial aparenta ter sido criada por inteligência artificial e, em sua decisão monocrática, advertiu o advogado pela menção de “precedentes utilizados como reforço argumentativo que foram criados para induzir o julgador a erro”.

Quanto ao mérito, a relatora afastou a alegação de desproporcionalidade na prorrogação das medidas protetivas por tempo indeterminado. Ela não vislumbrou constrangimento ilegal na manutenção das restrições previstas na Lei Maria da Penha.

Schaefer embasou sua decisão no Tema Repetitivo 1.249 do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual “a duração das MPUs vincula-se à persistência da situação de risco à mulher, razão pela qual devem ser fixadas por prazo temporalmente indeterminado”.

Além disso, a desembargadora anotou que, salvo hipótese de flagrante ilegalidade, eventual risco à segurança da vítima deve ser melhor avaliado pela autoridade impetrada, por estar mais próxima dos fatos.

Processo 5001175-27.2025.8.24.0000

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Dogmática penal e realidade social: uma proposta de aproximação

A ideia de levar em consideração a realidade social na construção do sistema dogmático, mencionada no artigo anterior (clique aqui), não é nova ou revolucionária. Na história do pensamento penal, as circunstâncias sociais dos diferentes destinatários das normas penais foram mencionadas por autores das mais variadas propostas de sistematização científica, muitas vezes para justificar um tratamento mais rigoroso dos excluídos ou marginalizados.

Von Liszt, por exemplo, afirmava que os criminosos habituais eram o câncer da sociedade, e recomendava um tratamento penal mais severo para esse grupo, que abrigava os excluídos, como “mendigos e vagabundos, prostitutas e michês, alcoólatras e gente de origem social ambígua”, todos reunidos no que o autor chamava de “proletariado” [1]. Welzel apontava a existência de criminosos de estado, de caráter degenerado, grupo que incluía o mendigo, o vagabundo, o reacionário ao trabalho, as prostitutas”, justificando a aplicação distinta da sanção de acordo com características que, em última análise, referem-se à sua classe social [2].

Com o passar do tempo, a desigualdade social e seus reflexos na aplicação da norma penal passaram a chamar a atenção sob um outro prisma. Ao invés de legitimar um Direito Penal mais acentuado sobre os excluídos, essa desigualdade pautou um pensamento crítico voltado a propostas de abrandamento ou exclusão da punição quando constatada a participação do Estado na criação de um contexto social que favorece o delito, e a falta de legitimidade da própria comunidade jurídica para exigir a observância das normas daqueles que dela não recebem qualquer benefício político, econômico ou social [3].

Silva Sánchez, por exemplo, aponta que o funcionamento defeituoso do sistema social implica a corresponsabilidade da sociedade na comissão do delito e defende atenuar ou excluir a responsabilidade individual em alguns desses casos. Ciguela Sola sugere que, em crimes específicos, é possível admitir a exclusão social como elemento redutor ou supressor da punição, pela ampliação da abrangência do estado de necessidade ou pela inexigibilidade de conduta diversa.

Zaffaroni e Nilo Batista, por sua vez, buscam elementos para incorporar a igualdade na dogmática, em especial por meio da ideia da culpabilidade pela vulnerabilidade, pela qual o vínculo pessoal do injusto com seu autor é derivado da periculosidade do sistema penal em relação a ele, verificado a partir de dados referentes à sua classe social, sua inserção nas relações sociais de produção e outras condições que interfiram em sua posição na hierarquia social

Essas propostas e ideias de orientar teleologicamente o sistema penal diante da desigualdade social indicam um caminho a seguir, uma vertente de estudos que ainda demanda reflexão, para evitar casuísmo e insegurança jurídica. O intérprete ou o dogmata não devem pautar sua atuação pelo seu sentimento pessoal de justiça social, mas por parâmetros claros e objetivos, desenvolvidos dentro da ciência jurídica.

Princípio da igualdade

Uma forma de orientar a dogmática diante dos desafios de uma realidade social estruturalmente marcada por problemas de distribuição de riquezas, direitos políticos e participação social é conferir amplitude hermenêutica ao princípio constitucional da igualdade, previsto no artigo 5º, XXX da Carta Magna.

Igualdade significa isonomia no tratamento jurídico dos cidadãos, a vedação da criação de privilégios ou benefícios sem justificativa juridicamente fundada, e o desenvolvimento de estratégias institucionais para reduzir assimetrias sociais ou econômicas.

A previsão constitucional da igualdade não significa isonomia plena entre os integrantes da sociedade, nem legitima a intervenção estatal para suprimir toda e qualquer distinção, natural em qualquer organização humana. Definir o grau de igualdade que deve orientar o direito não é simples, porque não se trata de um valor absoluto, mas de uma relação, uma medida, que demanda critérios materiais para fixar seus contornos e definir as hipóteses em que intervenções para sua garantia são legítimas.

O ordenamento jurídico faz distinções legítimas entre pessoas e categorias. Concede imunidade de opiniões, palavras e votos a parlamentares, afasta a culpabilidade dos menores de 18 anos, prevê penas mais brandas para crimes contra a vida praticados por mulheres contra filhos no estado puerperal. Essas desigualdades constitucionais ou legais não afetam a isonomia, dada a existência de um vínculo de correlação lógica entre a peculiaridade que fundamenta a diferenciação e o tratamento distinto conferido, fundado em interesses constitucionalmente protegidos, como a preservação da dignidade humana, a redução das desigualdades sociais e regionais, a promoção do bem-estar de todos, sem preconceitos de origem, raça, cor, sexo, idade e quaisquer outras formas de discriminação (CF, artigo 3º, incisos III e IV), dentre outras finalidades abrigadas pelo ordenamento

Também constitucionalmente adequadas são as normas que concedem privilégios justificados aos mais vulneráveis, como a atipicidade do abatimento de animais para saciar a fome, ou que preveem punições mais graves para condutas praticadas contra grupos historicamente discriminados, como os crimes contra a honra de cunho racial ou homofóbico.

Por outro lado, não passam no teste de isonomia normas que abrigam desigualdades sem justificativa, como o artigo 25 da Lei de Contravenções Penais, que pune o conhecido como vadio ou mendigo que porta instrumentos usualmente empregados na prática de crime de furto, caso este não prove sua destinação legítima. A distinção feita entre vadios e mendigos e os demais cidadãos tem por base uma presunção, sem fundamento legal, de que os primeiros seriam mais propensos a cometer crimes contra o patrimônio, o que não encontra amparo na igualdade constitucional.

Para além de um critério de controle de constitucionalidade das normas, o princípio da igualdade é um instrumento importante para a orientação teleológica da dogmática, para impedir a incidência distinta da norma penal sobre os diversos grupos sociais que compõem a comunidade jurídica e evitar que sua aplicação seja um fator de acirramento de desigualdades

Um exemplo: nos crimes contra a ordem tributária, em geral praticados pelos mais abastados, o pagamento dos valores devidos pelo réu, a qualquer tempo, extingue sua punibilidade. Tal benefício não existe para outros crimes praticados sem violência ou grave ameaça, com repercussão patrimonial, como a apropriação indébita, o furto e o estelionato. Não parece haver correlação lógica entre a desigualdade jurídica e a natureza dos crimes.

Ainda que existam diferenças, que os crimes fiscais afetem a capacidade arrecadatória do Estado e os demais o patrimônio de terceiros, isso não parece suficiente para justificar o afastamento da intervenção penal pela reparação no primeiro caso e impedir o mesmo efeito no segundo. Manter o benefício apenas para os crimes contra a ordem tributária, em geral praticados por aqueles que se encontram em substratos sociais mais elevados, e afastá-lo dos demais delitos similares colide com o objetivo constitucional de construir uma sociedade livre, justa e solidária e de erradicar a pobreza, a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais (CF, artigo 5º, I e III). A igualdade, aqui, pode cumprir um papel relevante para estender o benefício da extinção de punibilidade, por analogia, para todos aqueles que praticam crimes de natureza similar aos tributários.

A ideia de igualdade pode ainda moldar a tipicidade do crime culposo ou do dever de garante na omissão imprópria. Os parâmetros do dever de cuidado podem ser distintos em razão da situação social do agente. A extensão dos deveres de garantia de uma mãe ou pai que deixam seus filhos bebês sob a supervisão de outros ainda crianças, porque precisam trabalhar e não têm condições de contratar babás ou de acionar parentes, é distinta daquela que incide sobre genitores com melhores condições econômicas.

No âmbito da antijuridicidade, é possível revisitar a abrangência e a atualidade do perigo necessário à legítima defesa ou ao estado de necessidade agressivo dos excluídos em situações de abandono institucional em contextos de violência, como nas hipóteses de tirania doméstica ou de jurados de morte em presídiosNa culpabilidade, a definição do erro de proibição, da obediência hierárquica ou da inexigibilidade de conduta diversa apresentam contornos distintos a depender da condição social do agente, da mesma forma que, na punibilidade, institutos como o perdão judicial e o indulto podem considerar a situação econômica do condenado para atenuar ou extinguir a pena.

Cada uma dessas situações exige análise e reflexão, mas expõe o potencial de rendimento do princípio da igualdade como um instrumento relevante para a orientação teleológica da dogmática penal. A tarefa do jurista, mais que organizar um sistema abstrato de ideias, é orientar o intérprete para a realização da Justiça material e garantir a legitimidade dos comandos normativos. Deve, para isso, levar em conta a realidade concreta das desigualdades e incorporar esse dado ontológico na interpretação e aplicação da norma penal. Como ciência racional contra o arbítrio, a dogmática deve ocupar-se não apenas do exercício abstrato do poder, mas das formas concretas e materiais pelas quais esse poder é exercido efetivamente, das fontes reais de força e de submissão que organizam ou desorganizam determinados setores sociais.

Não se espera que a dogmática, ao incorporar a ideia de isonomia, seja o instrumento de superação das desigualdades estruturais da sociedade brasileira, mas ao menos pode deixar de ser um elemento de acirramento do desequilíbrio, ao reduzir má distribuição da incidência da norma penal entre os diversos segmentos da comunidade jurídica.

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[1] Von Liszt, Franz A ideia do fim do Direito Penal, trad. Hiltomar Martins Oliveira. São Paulo: Editora Rideel, 2006. p. 59

[2] Welzel, Hans. Derecho penal aleman: Parte general, trad. Imprenta. Santiago, Chile: Ed. Jurídica de Chile, 1976. p. 19

[3] Gargarella, Roberto Penal Coercion in Contexts of Unjust Inequality. Springer Science Business Media B.V. 2010. p.2 e ss.; Silva Sánchez, Jesus Maria, Malum passionis. Mitigar a dor do Direito Penal. 1ª ed. Belo Horizonte, São Paulo: D´Plácido, 2022; Ciguela Sola, Javier. Crimen y castigo del excluído social. Sobre la ilegitimidade política de la pena, Valencia: Tirant lo Blanch, 2019; Correcher Mira, Jorge. Sistema Penal y exclusión. Uma mirada integral al conflito de la desigualdade em el ámbito del Derecho penal; Duff, Robin Anthony. Punishment, Communication and Community;Beade, Gustavo/ Lorca, Rocio ¿Quién tiene la culpa y quién puede culpar a quién? Un diálogo sobre la legitimidad del castigo en contextos de exclusión social;Escamilla, Margarita Martínez. Pobreza y estado de necesidad y prevención general.

[4] Silva Sánchez, Jesus Maria, Malum passionais, p. 25

[5] Ciguela Sola Crimen y castigo. p.244. Na mesma linha de conferir importância à apreciação da vulnerabilidade do agente para a aplicação da pena e para o reconhecimento de estados de necessidade em certos crimes patrimoniais, ver: Cruz Blanca, Maria Jose La inidividualización. In: Cuesta Aguado, Paz M. de La/ Fernandez, San Millan. Derecho penal y distribución de la riquiza em la sociedade tecnológica, 2023. p. 45

[6] Zaffaroni e Batista, Direito Penal Brasileiro: volume 1p. 167 e ss. Juarez Tavares aponta que a marginalização social pode ser causa de exculpação, em: Fundamentos da teoria do delito. Florianopolis: Tirant, 2018. p.443.

[7] Sobre o tema, Bobbio, Norberto. Igualdade e liberdade. 5ª ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2022. p. 29

[8] Bandeira de Mello, Celso Antonio. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 1997. p.17 e ss.. Na mesma linha: Rocha, Carmen Lucia. O princípio constitucional da igualdade. Belo Horizonte: Editora Lê, 1990. p. 46

[9] Silva, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 44ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiro, 2022. p.129

[10] Nesses casos parece necessário discutir a natureza de excludente de antijuridicidade ou de culpabilidade à luz das diversas consequências práticas decorrentes da adoção de uma ou outra posição, como a exclusão da legitima defesa do agredido e a punição dos participes.

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STJ tem divergência sobre critérios objetivos e limite de renda para Justiça gratuita

O Superior Tribunal de Justiça registrou uma divergência no julgamento que vai decidir se o juiz pode utilizar critérios objetivos, como limite de renda, para indeferir os pedidos de Justiça gratuita.

O tema está em análise na Corte Especial, que reúne os 15 ministros mais antigos da corte. O julgamento, sob o rito dos recursos repetitivos, vai resultar em tese vinculante que será de observância obrigatória por juízes e tribunais.

A gratuidade da Justiça é um benefício que permite acesso ao Poder Judiciário sem custas e despesas processuais, além de suspender o pagamento de honorários de sucumbência dos advogados vencedores, nos casos em que o beneficiário é derrotado.

Código de Processo Civil, no artigo 99, parágrafo 2º, diz que se presume verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural. A posição jurisprudencial consolidada, porém, é de que essa presunção é relativa. Ou seja, o juiz pode indeferir a gratuidade se houver elementos nos autos que demonstrem a capacidade financeira de quem a solicitou. Para isso, juízes de primeiro grau e tribunais vêm adotando critérios objetivos, não previstos na lei.

Até o momento, o tema foi alvo de apenas dois votos no STJ. Relator, o ministro Og Fernandes entende que não há previsão em lei que autorize o juiz a definir critérios. Cabe apenas usá-los como motivação para determinar à parte que comprove sua hipossuficiência.

Abriu a divergência o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, para quem cabem critérios objetivos exemplificativos, os quais precisam ser analisados de acordo com cada caso e suas especificidades, para evitar abusos no benefício da gratuidade.

Nesta quarta-feira (5/2), o julgamento foi interrompido por pedido de vista da ministra Nancy Andrighi.

Para o ministro Og Fernandes, lei não permite que o Judiciário defina critérios objetivos para a gratuidade da Justiça – Lucas Pricken/STJ

Critérios objetivos, não

O assunto é de grande importância porque mexe com a garantia de acesso à Justiça, que é tratada de forma bastante ampla pela Constituição, pela lei federal e pela jurisprudência do próprio STJ.

As consequências da falta de uniformidade são graves não apenas para quem ajuíza uma ação, mas também para o próprio Judiciário. Manifestações de amici curiae (amigos da corte) apontaram que a ampla concessão de gratuidade favorece processos temerários e sobrecarrega as cortes brasileiras.

Tudo isso foi ressaltado no voto do ministro Og Fernandes, que classificou como razoáveis as preocupações, mas optou por manter a jurisprudência já praticada pelo STJ.

Para ele, é inviável usar parâmetros objetivos para indeferir os pedidos de gratuidade de Justiça, e esses critérios podem ser usados apenas para justificar o procedimento de comprovação da hipossuficiência da parte.

O relator propôs as seguintes teses:

1) É vedado o uso de critérios objetivos para indeferimento imediato da gratuidade judiciária requerida por pessoa natural;
2) Verificada existência nos autos de elementos aptos a afastar a presunção de hipossuficiência econômica da pessoa natural, o juiz deverá determinar ao requerente comprovação de sua condição, indicando de modo preciso as razões que justificam tal afastamento, nos termos do artigo 99, parágrafo 2º, do CPC;
3) Cumprida a diligência, a adoção de parâmetros objetivos pelo magistrado pode ser realizada em caráter meramente suplementar e desde que não sirva como fundamento exclusivo para indeferimento do pedido da gratuidade.

Ricardo Villas Bôas Cueva 2024
Segundo o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, critérios objetivos podem ser usados para que o juiz avalie cada caso concreto – Gustavo Lima/STJ

Critérios objetivos, sim

Ao divergir, Cueva defendeu que a definição de critérios objetivos para a análise da gratuidade de Justiça traz segurança jurídica, racionalidade e eficiência às decisões.

Esses critérios devem ser sempre acompanhados de uma análise das peculiaridades do caso concreto. Eles integram a avaliação que o magistrado deve fazer sobre a real capacidade da pessoa de arcar com o custo do processo.

Isso permite que o juiz indefira de pronto o benefício sempre que verificar elementos que comprovem que a parte tem condições financeiras de pagar custas e despesas. Se houver dúvidas, o julgador deverá determinar que a parte comprove suas razões.

“A adoção de critérios objetivos para aferir a insuficiência de recursos da parte mostra-se legítima desde que sirvam de elementos indiciários iniciais, que serão confirmados ou não a partir do caso concreto”, explicou Cueva.

Ele ainda destacou que critérios objetivos para a prestação de serviços públicos são adotados em todas as esferas de atuação do poder público sem maiores polêmicas, e, na tese proposta, listou algumas hipóteses exemplificativas.

O ministro fez a seguinte proposta:

Na apreciação do pedido de gratuidade de Justiça formulado por pessoa natural, da interpretação conferida aos artigos 98 e 99 do Código de Processo Civil extrai-se que:

1) A declaração de pobreza goza de presunção relativa, podendo o magistrado verificar a existência de elementos aptos a afastar e indeferir gratuidade;
2) O dever do magistrado que preside o processo de prevenir eventuais abusos no benefício da gratuidade, aferindo real condição econômica financeira para fim de indeferir total ou parcialmente a gratuidade de Justiça;
3) É legítima a adoção de critérios objetos e de caráter preliminar e indiciário para aferição da insuficiência de recursos, aos quais devem ser aliado às circunstâncias concretas de natureza subjetiva relacionadas à causa;
4) Em caráter exemplificativo, desde que de forma não exclusiva, é possível adotar os seguintes critérios objetivos para a concessão da gratuidade de Justiça:
a) Dispensa de declaração do Imposto de Renda;
b) Ser beneficiário de programa social;
c) Estar representado pela Defensoria Pública no processo;
d) Auferir renda mensal de até 3 salários mínimos ou salário igual ou inferior a 40% do limite máximo de benefícios do regime da previdência social, observada realidade local;
e) Perfil de demanda
f) Custos da causa
5) Na hipótese de o magistrado verificar elementos constantes do autos apto a evidenciar suficiência de recursos da parte requerente a partir do não atendimento dos critérios objetivos e das circunstâncias do caso, poderá, de plano, indeferir o benefício;
6) No caso em que elementos dos autos deixem dúvidas ou sejam insuficientes para comprovar o preenchimento dos pressupostos para concessão do benefício, deverá o magistrado determinar à parte que demonstre as razões que justifiquem a concessão, indicando de modo preciso os elementos que apontem entender seja o caso de deferimento da gratuidade.

REsp 1.988.686
REsp 1.988.687
REsp 1.988.697

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O peso da toga e a produtividade do Judiciário

Instituição fundamental para a garantia dos direitos dos cidadãos, o Poder Judiciário sofre uma pressão constante pelo aperfeiçoamento dos serviços prestados, sobretudo em países onde a litigiosidade cresce exponencialmente. No contexto brasileiro, não obstante os desafios monumentais, a magistratura segue batendo recordes de produtividade.

Em 2021, um juiz resolvia, em média, 6,3 processos por dia. Esse número subiu para 7,1 em 2022 e atingiu o pico de 8,2 em 2023: um aumento de 30% nos resultados em apenas três anos – fruto da dedicação de homens e mulheres que escolheram servir à população por intermédio da aplicação da lei. Contudo, qual é o ônus desse compromisso?

Atualmente, cerca de 20% dos cargos de magistrados estão vagos. A carga laboral recai sobre um contingente cada vez menor, forçando os juízes a lidarem com um volume de processos incompatível com a manutenção da saúde e da qualidade de vida. O preço da produtividade tem sido cobrado em forma de exaustão e doenças.

Segundo levantamento do Centro de Pesquisas Judiciais (CPJ) da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), realizado em parceria com a Federação Latinoamericana de Magistrados (Flam) e o Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe), 51% dos juízes brasileiros já precisaram de acompanhamento psicológico ou psiquiátrico. E 33% recorrem frequentemente a medicamentos para controlar o estresse e a ansiedade.

Todavia, o problema não se limita à saúde física e mental. A função jurisdicional também exige uma contrapartida elevada em termos de segurança. Metade dos juízes brasileiros enfrenta ameaças à vida ou à integridade física. Trata-se de profissionais que lidam com litígios gravíssimos e, não raro, com criminosos poderosos e grupos organizados — os quais tentam intimidar a Justiça.

Apesar de todas essas adversidades, os magistrados brasileiros são alvos constantes de críticas superficiais e generalizações injustas, por meio de uma narrativa que tenta colar na magistratura a pecha de privilegiada, ignorando a responsabilidade homérica que a atribuição impõe. Semelhante atitude desconsidera o impacto imprescindível que a judicatura exerce sobre a sociedade — pois é o juiz que assegura a punição dos corruptos, a proteção dos vulneráveis e a atenção às regras vigentes.

As investidas centradas em aspectos remuneratórios procuram apagar a complexidade da atividade judicial e já geram consequências graves, como a evasão crescente de juízes rumo à iniciativa privada. Sem reajustes compatíveis com a inflação e sem condições de trabalho adequadas, a magistratura se torna um destino menos seguro. O risco é o esvaziamento de uma carreira essencial para o equilíbrio institucional do país e para a robustez do Estado democrático de Direito.

A justiça não se faz sozinha: ela depende de pessoas preparadas, motivadas e resguardadas. O reconhecimento da importância da magistratura não é uma questão corporativa, mas um imperativo da democracia. Sem juízes independentes, não há justiça; e sem justiça, não há povo efetivamente livre e protegido.

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Juiz nega provimento a ação civil pública sobre irregularidades em programa habitacional

As políticas públicas devem ficar sob o comando do Poder Executivo, que detém melhor possibilidade de avaliar a integralidade das necessidades coletivas em comparação com os recursos disponíveis. A intervenção do Poder Judiciário só é justificada em casos extremos, em que esteja caracterizada omissão abusiva, com negligência injustificada a valores constitucionais.

Esse foi o entendimento do juiz Augusto Rachid Reis Bittencourt Silva, da 1ª Vara Cível de Araras (SP), para julgar ação civil pública promovida pelo Ministério Público, que apontou supostas irregularidades da prefeitura do município na fiscalização de dois empreendimentos do programa Minha Casa, Minha Vida.

Na ação, o MP sustentou que o município falhou em seu dever de fiscalizar as construções e acompanhar o período de pós-ocupação de moradias do programa habitacional. Segundo o órgão, os prédios apresentaram danos estruturais e sofrem com falta de manutenção.

Foi questionado também o contrato de “cobrança garantida de taxas de condomínio” firmado entre um condomínio e uma empresa de serviços de cobrança.

Natureza alterada

Segundo o MP, a empresa de cobrança adianta o valor das taxas condominiais com desconto de 8% e tem o direito de cobrar o valor total dos condôminos. Vários desses moradores ficaram inadimplentes e podem perder seus imóveis. O MP defende que o contrato alterou a natureza jurídica do crédito, que deixou de ser taxa condominial, passando a ser um crédito comum, cuja principal consequência é a não aplicação da exceção da impenhorabilidade de bem imóvel prevista no artigo 833, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil.

O MP pediu que fosse declarado que os débitos buscados em ações de execução pela empresa de cobrança não possuem natureza de taxa condominial, impedindo que a unidade habitacional seja expropriada. Também solicitou a condenação do município de Araras a executar plano social e habitacional nos dois prédios.

Ao analisar o caso, o julgador afastou a alegação de mudança na natureza da taxa condominial. “A contratação de uma empresa terceirizada para a gestão da cobrança extrajudicial e judicial não altera o fato de que o condomínio continua sendo o credor das taxas condominiais. Não houve transferência dos direitos creditórios e, portanto, não houve mutação da natureza jurídica do crédito.”

Ele explicou que é possível apenas a penhora de direitos aquisitivos em caso de alienação fiduciária da unidade imobiliária, e não a penhora do próprio bem.

O julgador também afirmou que o município demonstrou que cumpriu o plano de pós-ocupação dos condomínios e, por fim, reiterou a competência do Poder Executivo na execução de políticas públicas ao julgar a ação improcedente.

O escritório Carneiro Advogados atuou na defesa da empresa garantidora.

Clique aqui para ler a decisão
Processo 1004055-62.2020.8.26.0038

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2025: um ano de conflitos, complexidades e incertezas na área de compliance

Todos os anos, na primeira quinzena de janeiro, uma das maiores especialistas do mundo em programas de compliance antecipa ao mercado, com base em suas experiências, as tendências e imperativos para o ano que está por vir.

Este ano não foi diferente. No último dia 15, Hui Chen, cofundadora da CED Advisors, LLC e primeira consultora de compliance da história do Departamento de Justiça norte-americano, publicou artigo concluindo que 2025 será um ano de “conflitos, complexidades e incertezas” (veja texto em inglês aqui).

O que realmente chama a atenção é o que já estamos vivenciando no Brasil: a inteligência artificial (IA) tem desempenhado um novo e importante papel na gestão das áreas de compliance. E isso vale tanto para a esfera privada, quanto para a esfera pública.

Um bom exemplo disso é a ferramenta de IA desenvolvida pela Controladoria-Geral da União (CGU) em 2015. Segundo número apresentado pelo ministro Vinicius de Carvalho em 25 de junho de 2024, até aquela data a Alice (acrônimo de Analisador de Licitações, Contratos e Editais) trouxe uma “economia de R$ 11 bilhões em gastos públicos em licitações suspeitas, que foram suspensas ou canceladas após indícios de irregularidades” (veja reportagem aqui).

O número impressiona e revela que o mundo corporativo está sendo cada vez mais monitorado por robôs operados por servidores públicos que, até recentemente, não recebiam qualquer tipo de orientação sobre o uso seguro, ético e responsável de ferramentas de IA Generativa no exercício de suas atribuições.

Para mitigar o risco do mau uso dessa poderosa tecnologia, no  dia 6 de janeiro, a CGU publicou a Portaria Normativa nº 193 que aprovou o Guia de Uso Responsável de Ferramentas de Inteligência Artificial Generativa (veja o guia aqui).

Em suma, o guia orienta que a utilização de IA deve sempre manter o controle humano sobre os resultados. A tecnologia deve ser vista como uma ferramenta auxiliar, e não como substituta da análise ou julgamento humano.

Afinal, os servidores públicos são responsáveis pelas informações geradas pelas ferramentas de IA. Isso inclui a revisão e validação de todo o conteúdo antes de utilizá-lo, garantindo que esteja em conformidade com a legislação e com os objetivos institucionais.

Em relação à proteção de dados, é essencial respeitar a privacidade dos cidadãos e evitar o uso de dados protegidos por sigilo em ferramentas públicas de IA, em conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

O uso de IA pelos servidores da CGU deve observar os princípios da administração pública, entre eles, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, conforme previsto no artigo 37 da Constituição.

Por fim, o guia orienta que a IA deve ser usada para aprimorar a eficiência dos processos administrativos, e o cidadão deve ser informado sobre como essas ferramentas estão sendo empregadas.

De acordo com o guia, a IA generativa somente deve ser aplicada na elaboração de documentos, na revisão e tradução de textos, em resumos e análises, na organização e classificação de dados, na consulta a normas e regulamentos e na análise de dados em massa.

Existem recomendações claras para que os servidores protejam suas credenciais, mantenham a confidencialidade das informações sigilosas e tenham cautela com links e downloads que podem conter ameaças como phishing ou malware.

Momento de agir com cautela

O uso de ferramentas de IA generativa na administração pública representa um avanço tecnológico com potencial para transformar a maneira como serviços públicos são prestados. E isso também vale para as empresas privadas.

De acordo com Hui Chen, existem muitas oportunidades, como na “gestão de risco de terceiros, por exemplo, que continua a ser um processo manual e repetitivo que depende de informações autorrelatadas em muitas empresas”. Ela recomenda a combinação de “informações internas existentes sobre terceiros” e “informações publicamente disponíveis para criar uma avaliação de risco contínua e monitorar vários tipos de risco”. Neste caso, as ferramentas de IA “podem não apenas ajudar a reduzir carga de trabalho e confusão, mas também aumentam a eficácia na detecção e remediação de riscos”.

No entanto, essa transformação deve ser conduzida com responsabilidade, ética e transparência. Hui Chen faz a seguinte provocação em seu artigo: será que as ferramentas de IA deveriam analisar as comunicações entre funcionários e, mais, destes com terceiros? Se a resposta é sim, em que medida isso deveria acontecer?

Para a renomada especialista, “2025 é um momento para imaginar com ousadia e proceder com cautela na implementação de IA nos programas de compliance”.

Com a adoção de boas práticas e a conscientização sobre os riscos e benefícios da IA em ferramentas de compliance, como bem fez a CGU ao lançar um guia próprio para isso, é possível aliar inovação e segurança, promovendo um ambiente de negócios mais eficiente, íntegro e eficiente para todos.

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STF afasta ITCMD sobre VGBL e PGBL: implicações para o planejamento sucessório

No último dia 8 de janeiro, foi publicado acórdão do Tema 1.214, sob relatoria do ministro Dias Toffoli, em que o Supremo Tribunal Federal decidiu ser inconstitucional a incidência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) sobre os valores recebidos pelos beneficiários dos planos de previdência privada, o Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL) e o Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL). A decisão, além de ser um precedente qualificado, abre margem para reflexão sobre o planejamento sucessório e a relação entre contratos de seguro e herança.

A tese fixada pelo STF, no julgamento do Recurso Extraordinário 1363013/RJ [1], foi a seguinte:

“É inconstitucional a incidência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) quanto ao repasse, para os beneficiários, de valores e direitos relativos ao plano Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL) ou ao Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL) na hipótese de morte do titular do plano.”

A conclusão da qual chegou o plenário da Corte Suprema baseia-se em uma distinção crucial: o repasse de valores do VGBL e PGBL não se configura como herança, mas como uma execução contratual de um seguro de vida.

Assim, os planos de previdência privada não são objeto de sucessão de bens, seja qual for, mas de uma relação oriunda de um contrato entre as partes, o que, portanto, exclui sua tributação pelo ITCMD, como ocorria em certos estados, à vista de Rio de Janeiro (Lei nº 7.174/2015), Goiás (Lei nº 18.002/2013), Minas Gerais (Lei nº 22.549/2017) e Sergipe (Lei nº 8.348/2017).

Vale ressaltar, ainda, que esse novo precedente não é apenas uma vitória jurídica para os beneficiários dos planos, mas um convite à reflexão sobre os possíveis impactos dessa decisão no planejamento sucessório. Isso porque, diante da complexidade tributária brasileira, busca-se a melhor estratégia a fim de reduzir a parcela paga a título de ITCMD.

Natureza do VGBL e PGBL: contrato de seguro e não herança

As duas principais formas de previdência são a previdência social e a previdência complementar. A primeira, pode-se resumir em um sistema público, “de caráter contributivo e de filiação obrigatória”, que busca garantir o mínimo necessário para o bem-estar dos cidadãos, como aposentadoria, benefícios por invalidez etc. A previdência complementar, por sua vez, é um plano privado, de adesão voluntária regulamentada pela Lei Complementar nº 109/01.

A previdência complementar, ou comumente “previdência privada”, ainda se divide em: fechada, quando destinada a um grupo específico, como os funcionários de uma empresa; ou aberta, acessível a qualquer pessoa que deseje aderir.

É justamente a previdência complementar aberta que inclui planos como o PGBL e o VGBL. Resumidamente, além de serem planos por sobrevivência, são instrumentos para a rentabilidade dos fundos aplicados.

Em linhas gerais, ambos os planos têm o objetivo de complementar a renda, mas a escolha entre PGBL e VGBL depende da estratégia tributária que se deseja adotar em relação ao Imposto de Renda (IR), que incide sobre os rendimentos no VGBL e sobre o montante total resgatado no PGBL.

Feita essa digressão, a tese firmada pelo STF, no Tema 1214, reflete uma análise detalhada da natureza desses planos de previdência privada, que, ao contrário do que ocorre com a herança, são regidos por um contrato misto (capitalização financeira e seguro de vida). Embora a Superintendência de Seguros Privados (Susep) considere que apenas o VGBL é um contrato de seguro de pessoas, ao passo que o PGBL é um plano de previdência complementar, visto que os benefícios já podem ser recebidos após o titular alcançar certa idade.

Fato é que, independentemente, o STF tratou os planos como equivalentes, sendo inconstitucional a incidência do ITCMD sobre qualquer um deles.

Esse entendimento foi sustentado pelo ministro Dias Toffoli, que argumentou que, no momento do falecimento do titular, o repasse dos valores aos beneficiários do plano ocorre em razão de um vínculo contratual, e não como parte de uma sucessão de bens, conforme artigo 794 do Código Civil: “no seguro de vida ou de acidentes pessoais para o caso de morte, o capital estipulado não está sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança para todos os efeitos de direito”.

Até porque, ainda segundo o Diploma Civil, no artigo 426, “não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva”.

O tema não é novo, visto que a temática já foi problematizada, especialmente, nos estados da União que instituíram leis específicas para a incidência do ITCMD sobre o VGBL e PGBL. Matéria que, aliás, alcançou o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e foi pacificada pela 2ª Turma, no julgamento do REsp nº 1.961.488/RS [2], no qual se decidiu que o VGBL não caracteriza herança e, dessa forma, não inclui a base de cálculo do ITCMD.

No acórdão do referido REsp, a ministra relatora Assusete Magalhães declarou que “a natureza securitária e previdenciária complementar desses contratos é marcante, no momento em que o investidor passa a receber, a partir de determinada data futura e em prestações periódicas, os valores que acumular ao longo da vida”.

Logo, retomando a distinção feita pelo STF entre a transferência de valores desses planos de previdência e uma sucessão regular de bens após a morte de uma pessoa, o ministro Toffoli explicou que, ao contrário do que ocorre nas situações típicas de herança, onde há uma transferência gratuita de bens ou direitos — hipótese de incidência do ITCMD — sem a intervenção de um contrato no caso dos planos VGBL e PGBL. Além disso, destaca-se que o titular do plano tem a liberdade de indicar um beneficiário e que o valor transferido não se configura como uma doação ou herança, mas sim como uma execução de um contrato de seguro.

Por essa razão, a tributação do ITCMD, que incide justamente sobre a transmissão gratuita de bens, não se aplica nesse contexto.

Efeitos da decisão do STF: planejamento sucessório

Mas, e os efeitos práticos dessa decisão?

Para os beneficiários de planos VGBL e PGBL, a decisão do STF representa uma significativa economia tributária, que pode ser crucial, principalmente para aqueles que dependem desses valores para a sua aposentadoria ou para a manutenção da sua qualidade de vida. Com o afastamento do ITCMD, por ora, não será mais necessário pagar o imposto sobre os valores recebidos em caso de falecimento do titular do plano, o que torna mais vantajoso o planejamento sucessório com a utilização desses produtos.

Veja-se que, se um herdeiro e/ou beneficiário, após a morte do titular do plano VGBL ou PBGL, precisar de aporte financeiro rápido, a adesão à previdência privada pode facilitar o acesso aos recursos, sem inclusive a incidência do ITCMD. Inegavelmente, a certeza de que não haverá mais ITCMD sobre os valores recebidos dá uma previsibilidade muito maior aos beneficiários, que até então enfrentavam uma grande insegurança jurídica, dependendo do estado em que residiam.

Então, poderiam os planejamentos sucessórios burlarem os parâmetros legais da legítima, por exemplo?

Evidentemente que não. É certo que a legítima constitui metade dos bens da herança e pertence exclusivamente aos herdeiros necessários (CC, artigo 1.845 e 1.846). Nesse sentido, o ministro Dias Toffoli é bastante duro para com a necessidade de combate a eventuais práticas fraudulentas ou abusivas que busquem simular o fato gerador do imposto. Ou seja, se o planejamento for realizado de maneira a burlar a legislação tributária, o Fisco terá o direito de fiscalizar e atuar para reverter tais dissimulações.

Todavia, a transferência patrimonial pode ser planejada a fim de minimizar a carga tributária do ITCMD, com escolha da melhor estratégia conforme os objetivos familiares. Assim, são normalmente utilizadas as vias jurídicas das doações em vida e a criação de holdings familiares, bem como, as vias financeiras dos seguros de vida e do planejamento de aposentadoria.

Para tanto, aconselha-se que os interessados procurem orientação de profissionais qualificados, que possam traçar plano sucessório personalizado.

Discussões no Congresso: novo capítulo

Como é de praxe nas discussões tributárias brasileiras, o entendimento da Corte Suprema pode vir a ser ultrapassado, nesta eterna queda de braço entre os Poderes Legislativo e Judiciário. Portanto, é importante destacar que a inconstitucionalidade da incidência do ITCMD sobre os planos VGBL e PGBL é tema que poderá ser revisado.

Isso porque o Congresso segue discutindo a reforma tributária, e com ela, o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 108/2024, que, entre outras propostas, propunha a tributação do ITCMD sobre os planos de previdência. Embora a versão final do projeto tenha retirado essa previsão, os estados demonstraram interesse em reincluir essa cobrança quando o texto for analisado no Senado.

Tal discussão apenas evidencia a importância de um bom planejamento sucessório (personalizado), que ganha um novo contorno, com o VGBL e PGBL sendo cada vez mais visados como uma alternativa vantajosa em relação aos métodos tradicionais de transferência de patrimônio.

O fato de que, embora o STF tenha decidido pela inconstitucionalidade da cobrança, a discussão sobre a tributação desses planos ainda não tenha sido resolvida no âmbito legislativo e que os Estados demonstrem interesse na inclusão da hipótese de incidência no PLP nº 108/2024, deixa claro que a segurança jurídica, por ora, é relativa. Por isso, para aqueles que pensam em se beneficiar do novo entendimento exarado pelo STF, a vigilância sobre os próximos passos no Congresso é imperativa.

Esse é um ponto crucial que merece nossa atenção: a estrutura tributária no Brasil, frequentemente instável e marcada por embates fiscais entre entes federativos, ainda pode ressurgir com tentativas de reinstituir a tributação sobre os planos de previdência. A decisão do STF não impede que novas tentativas de mudança surjam no futuro, isso porque a questão da tributação dos planos de previdência continua a ser uma história em aberto, um novo capítulo desse calhamaço que é a reforma tributária, e será preciso continuemos atentos ao desenrolar das discussões no Congresso e no próprio Poder Judiciário.


[1]https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=6318604&numeroProcesso=1363013&classeProcesso=RE&numeroTema=1214

[2]https://scon.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?i=1&b=ACOR&livre=((%27RESP%27.clas.+e+@num=%271961488%27)+ou+(%27REsp%27+adj+%271961488%27).suce.)&thesaurus=JURIDICO&fr=veja

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Banco não é responsável por golpe que utilizou boleto de conta digital

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, decidiu que não houve defeito na prestação de serviço de um banco digital em um episódio no qual estelionatários utilizaram uma conta para receber pagamentos de vítima do “golpe do leilão falso”. No caso das contas digitais, a abertura da conta e as operações bancárias são oferecidas pela instituição financeira exclusivamente pela internet.

Para o colegiado, independentemente de a instituição atuar apenas em meio digital, caso ela tenha cumprido com o seu dever de verificar e validar a identidade e a qualificação dos titulares da conta, além de prevenir a lavagem de dinheiro, não há defeito na prestação de serviço que atraia a sua responsabilidade objetiva. Por outro lado, se houver comprovação do descumprimento de diligências relacionadas à abertura da conta, está configurada a falha no dever de segurança.

No caso julgado, um homem, acreditando ter arrematado um veículo em leilão virtual, pagou boleto de R$ 47 mil emitido por um banco digital. Depois de efetuar o pagamento e não receber o carro, o homem percebeu que havia sido vítima do “golpe do leilão falso”, fraude em que estelionatários criam um site semelhante ao de empresas leiloeiras verdadeiras para enganar compradores.

Vítima apontou facilidade excessiva para criação da conta

Buscando reparação, a vítima ajuizou uma ação indenizatória por danos materiais contra o banco digital, sustentando que a facilidade excessiva na criação da conta bancária permitiu que o golpe fosse aplicado pelos estelionatários. A ação foi julgada improcedente em primeira instância, com sentença mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

Para o TJ-SP, além de a abertura da conta ter seguido os procedimentos definidos pelo Banco Central (Bacen), o autor do processo não teria agido com cautela ao se deixar enganar por uma oferta que era 70% inferior ao valor de mercado do veículo.

Ao STJ, a vítima argumentou que houve fortuito interno do banco, pois não teriam sido adotadas as medidas de segurança para evitar que estelionatários abrissem a conta digital. Ainda segundo a vítima, o banco deveria ter observado que a transferência feita por ele era de valor elevado, considerando os padrões daquela conta bancária.

Bacen não especifica documentos para abrir conta

A ministra Nancy Andrighi, relatora, destacou que o Banco Central publicou a Resolução 4.753/2019, estabelecendo os requisitos que as instituições financeiras devem seguir na abertura, na manutenção e no encerramento de contas de depósito no meio digital. A ministra observou que, diferentemente da antiga Resolução 2.025/1993, a nova regulamentação não especifica as informações, os procedimentos e os documentos necessários para a abertura de contas, transferindo aos bancos a responsabilidade de definir o que é essencial para identificar e qualificar o titular da conta, por meio de um processo chamado de qualificação simplificada.

Nesse contexto, a relatora ressaltou que, quando a instituição financeira adota todos os mecanismos previstos nas regulações do Bacen — ainda que a conta bancária acabe sendo usada por estelionatários posteriormente —, não há falha na prestação de serviço bancário. Para Nancy Andrighi, adotar um entendimento contrário, no sentido de exigir documentação ou formalidade específica para a criação de conta no meio digital, deturparia o objetivo da regulamentação desse tipo de conta: a bancarização da população e o desenvolvimento econômico e social do país.

No caso dos autos, a ministra destacou que, como o correntista do banco digital era o estelionatário, não a vítima, é inaplicável o entendimento adotado em precedentes anteriores do STJ, em que houve a responsabilização da instituição bancária porque as transações destoavam do perfil de movimentação dos correntistas. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

Clique aqui para ler o acórdão
REsp 2.124.423

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Banco Central intensifica participação social: olhar sobre consultas públicas

O Banco Central encerrou 2024 com a realização de 15 consultas públicas e outras formas de participação social, número que representa um salto significativo em comparação aos anos anteriores: foram apenas duas consultas públicas em 2023 e cinco em 2022. O volume reforça o papel estratégico da autarquia em promover discussões amplas sobre regulamentações que impactam setores como sistemas bancários, arranjos de pagamento, ativos virtuais e câmbio.

Banco Central sede

O movimento é uma resposta ao ritmo acelerado de transformações no mercado financeiro e digital, mostrando que a autoridade monetária está muito atenta ao que acontece no mercado, adotando uma postura proativa ao buscar compreender os modelos de negócios, as necessidades dos agentes e, ao mesmo tempo, buscar mitigar os riscos para o sistema financeiro nacional.

Entre as consultas encerradas em 2024, destacam-se temas como a recuperação e resolução de instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central e as diretrizes para os Planos de Recuperação e Saída Organizada dessas instituições (Consultas 98/2024 e 99/2024). Com base nas discussões promovidas, foram publicadas a Resolução CMN nº 5.187/2024 e a Resolução BCB nº 440/2024.

Avanços para investidores não residentes

Outro avanço foi a Resolução Conjunta nº 13, publicada pelo BC e pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em dezembro de 2024, com mudanças significativas para investidores não residentes. Entre as novidades estão a ampliação das possibilidades de investimento direto a partir de contas de não residentes em reais e a dispensa de formalidades como a constituição de representante no Brasil para aportes inferiores a R$ 2 milhões mensais por intermediário.

Tais medidas não apenas simplificam o ambiente regulatório para investidores estrangeiros, mas também demonstram o esforço do regulador em fomentar o mercado de capitais, tornando-o mais dinâmico e acessível.

Há outras consultas já encerradas, relacionadas com a constituição, a organização e o funcionamento das sociedades de crédito, financiamento e investimento, conhecidas como “financeiras” (101/2024) e o gerenciamento de riscos em arranjos de pagamento do Sistema de Pagamentos Brasileiros, que impacta diretamente na atividade de cartão de crédito e débito (104/2024).

Sobre elas, resta aguardar se haverá a publicação da nova regulamentação e, caso seja, se as contribuições do mercado foram consideradas pelo regulador.

Prestação de serviços de ativos digitais

Em 2025, as expectativas giram em torno de temas ainda em consulta, como a regulamentação da atividade da prestação de serviços de ativos virtuais (109/2024, 110/2024 e 111/2024) e aprimoramentos no mercado de câmbio (112/2024). Outro tópico muito aguardado é a Consulta 108/2024, que trata da regulamentação de serviços de Banking as a Service.

A regulamentação de serviços de BaaS é de extrema relevância para a atividade bancária e de pagamentos, pois irá promover maior clareza sobre limites e responsabilidades das instituições. O Brasil avança para consolidar um marco regulatório robusto, e que é necessário para trazer segurança para as instituições, para as empresas que contratam os serviços e para os usuários finais.

Além disso, a Consulta 113/2024 propõe a padronização de eventos de interoperabilidade entre entidades registradoras de recebíveis, com impacto direto na eficiência das operações de crédito e pagamentos.

Para 2025, o mercado aguarda o encerramento das consultas em andamento e a publicação de novas normas que possam refletir as contribuições recebidas desde o último ano.

O movimento é positivo, já que a evolução do mercado brasileiro depende de regulamentações que tragam previsibilidade e fomentem a inovação, demonstrando a preocupação do regulador em editar normas sem travar os negócios, promovendo maior competitividade no ambiente financeiro.

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