Processos julgados pela Justiça do Trabalho superam novos casos distribuídos em 2024

Até 31 de outubro de 2024, foram 3,08 milhões de processos resolvidos pela Justiça do Trabalho, contra 2,91 milhões distribuídos

Os Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) e o Tribunal Superior do Trabalho (TST) cumpriram a meta número 1 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2024, que trata de julgar um número maior de processos em relação à quantidade de novos casos distribuídos, indicam dados parciais, computados entre janeiro e outubro do ano passado.

Até 31 de outubro de 2024, foram 3,08 milhões de processos resolvidos pela Justiça do Trabalho, contra 2,91 milhões distribuídos, excluindo processos suspensos e sobrestados. Somente no TST, 322,29 mil casos foram julgados no período e 313,23 mil distribuídos. Os números estão disponíveis na Base Nacional de Dados do Poder Judiciário (DataJud).

Entre as cortes regionais, o líder no cumprimento da meta foi o TRT da 18º Região (TRT18), de Goiás, no qual os processos resolvidos superaram em 11,04% os distribuídos. Na sequência aparecem o TRT2 (10,18%), de São Paulo, e o TRT6 (9,15%), de Pernambuco.

Os dados parciais indicam ainda que os TRTs também tiveram êxito em 2024 na Meta número 3 do CNJ, que visava aumentar o índice de conciliação em 0,5 ponto percentual em relação à média do biênio de 2021/2022 ou alcançar no mínimo 38% de conciliação. Até outubro, o índice de conciliação do grupo estava em 42,48%.

Por outro lado, as metas número 2, para julgar processos mais antigos, e a meta número 5, para reduzir a taxa de congestionamento, não foram atingidas pela Justiça do Trabalho no intervalo já disponível.

A dois meses do fim de 2024, o TST cumpriu o objetivo de julgar mais de 90% dos processos distribuídos até o fim de 2021, mas não conseguiu zerar os processos de conhecimento de pendentes de julgamento mais antigos, há quatro anos (2020) ou mais.

Já os TRTs conseguiram julgar mais de 93% dos processos distribuídos até o fim de 2022, nos 1º e 2º graus, mas não conseguiram cumprir o objetivo de julgar 98% dos processos pendentes há quatro anos ou mais.

A meta número 5 estabelecia que o TST e os TRTs deveriam reduzir em 0,5 ponto porcentual a taxa de congestionamento líquida, exceto execuções fiscais em relação a 2023. A porcentagem, porém, subiu no TST de 58,02% em 2023 para 67,61% em outubro de 2024 e, nos TRTs, de 45,13% para 45,80%.

Segundo a assessoria de imprensa do CNJ, a expectativa é que os dados completos de 2024 sejam divulgados na base de dados até o fim de janeiro.

Fonte: Jota

Em defesa da instituição da análise de impacto tributário: o exemplo do levante do Pix

Caso nos ensina que atos normativos da Receita não podem ser formulados no bastidores; é preciso mais publicidade e análise de impacto

Com a finalidade de atualizar e melhorar a fiscalização tributária, a Receita Federal do Brasil (RFB) expediu a Instrução Normativa 2.229/2024,[1] que dispõe “sobre a obrigatoriedade de prestação de informações relativas às operações financeiras de interesse da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil na e-Financeira”. Ela foi o estopim de uma revolta nas ruas e nas vias digitais, em razão de protestos, críticas, desinformações, notícias falsas e fraudes em torno do Pix.

Não se vai analisar aqui a compatibilidade da validade desse ato normativo tributário à luz da Constituição Federal, que deve ter sido revogado enquanto esse artigo está sendo escrito.  De todo modo, é no mínimo discutível a conformidade desse regulamento com o princípio da legalidade e os direitos fundamentais à vida privada, à privacidade, ao sigilo de dados e à proteção de dados pessoais,[2] uma vez que os agentes do Sistema Financeiro Nacional (SFN) passariam a ter uma obrigação em face da RFB, que envolveria necessariamente operações financeiras que integram o cotidiano dos contribuintes.

Não se nega a existência de competência normativa para a Administração Tributária no sistema do Direito positivo brasileiro, muito menos sua relevância para assegurar a fiel execução às leis. Entretanto, faz-se necessário aperfeiçoar o processo administrativo de expedição de atos normativos tributários.

O levante do Pix nos ensina que os atos normativos da Administração Tributária não podem mais ser formulados nos bastidores da RFB (e de seus congêneres nos demais entes federativos), limitando-se a publicidade à publicação no diário oficial. Somente advogados tributaristas e contadores têm o ônus profissional de acompanhá-los 24 horas por dia, 7 dias por semana, e conseguir compreendê-los. É preciso mais publicidade e mais abertura para a democracia participativa na Administração Tributária.

O Estado brasileiro poderia aproveitar a experiência jurídica das agências reguladoras, e instituir, tomando-se por base a análise de impacto regulatório,[3] a análise de impacto tributário.  

A análise de impacto tributário compreenderia o complexo de informações, dados e prognósticos quanto ao impacto do ato normativo que se quer editar ou da modificação que se pretende fazer no que está vigente, na sociedade. Especialmente, quando se trata da fiscalização tributária e do exercício do Direito Administrativo Sancionador Tributário.

Leia-se por impacto o conjunto de externalidades socioeconômicas do ato normativo tributário que se deseja emitir. Afinal, a tributação no Estado Democrático e Social de Direito precisa ser compatível com os objetivos da República.[4]

Esse estudo deveria ser requisito de validade para os atos normativos tributários que envolvem os direitos fundamentais à vida privada, à privacidade, ao sigilo de dados e à proteção de dados pessoais.  

Também deveria ser obrigatório que os atos normativos da administração tributária fossem precedidos de consulta pública, quando envolverem esses direitos fundamentais dos contribuintes.

Sem dúvida, o princípio da eficiência[5] determina que o Estado assegure à administração tributária os instrumentos indispensáveis para que a tributação seja congruente com a realidade socioeconômica. Mas dificilmente um ato normativo tributário, que envolve bens jurídicos extremamente sensíveis do contribuinte, poderia ser expedido sem prévio debate público. Que o levante do Pix sirva de lição para o Estado brasileiro.


[1] Videhttp://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=140539

[2] Vide o art. 5º, II, X, XII, e LXXIX, o art. 21, XXVI, o art. 22, XXX, o art. 37, caput, XII, o art. 48, caput, o art. 84, IV e VI, o art. 87, parágrafo único, o art. 145, § 1º, e o art. 146, III, “b”, todos da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), promulgada em 5 de outubro de 1988.

[3] Vide o art. 6º da Lei Federal nº 13.848, de 25 de junho de 2019 (“Dispõe sobre a gestão, a organização, o processo decisório e o controle social das agências reguladoras, altera a Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996, a Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997, a Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997, a Lei nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999, a Lei nº 9.961, de 28 de janeiro de 2000, a Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000, a Lei nº 9.986, de 18 de julho de 2000, a Lei nº 10.233, de 5 de junho de 2001, a Medida Provisória nº 2.228-1, de 6 de setembro de 2001, a Lei nº 11.182, de 27 de setembro de 2005, e a Lei nº 10.180, de 6 de fevereiro de 2001”).

Vide o art. 5º da Lei Federal nº 13.874, de 20 de setembro de 2019 (“Institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica; estabelece garantias de livre mercado; altera as Leis nos 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), 6.404, de 15 de dezembro de 1976, 11.598, de 3 de dezembro de 2007, 12.682, de 9 de julho de 2012, 6.015, de 31 de dezembro de 1973, 10.522, de 19 de julho de 2002, 8.934, de 18 de novembro 1994, o Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946 e a Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943; revoga a Lei Delegada nº 4, de 26 de setembro de 1962, a Lei nº 11.887, de 24 de dezembro de 2008, e dispositivos do Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966; e dá outras providências”).

[4] Vide o art. 3º da Constituição da República.

[5] Vide art. 37,caput, da Constituição da República.

Fonte: Jota

A nova fase do patrimonialismo

Funcionários-influenciadores do presente não diferenciam público e privado

Certa vez, em uma conversa com um colega promotor de justiça, ele me contou como precisou explicar a um prefeito de uma cidade do interior que este não tinha liberdade para contratar quem bem entendesse, sendo necessário seguir um procedimento licitatório. Irresignado, o prefeito indagou: qual, então, é a vantagem de ser prefeito?

Essa anedota ilustra com clareza uma das grandes chagas do Estado brasileiro: o patrimonialismo. Essa confusão entre o que é público e o que é privado permite que agentes do Estado utilizem bens e funções públicas para avançar seus interesses pessoais. As manifestações desse fenômeno são diversas: o uso de carros oficiais para tarefas privadas; pressão de professores em universidades federais para favorecer ou barrar a admissão de certas pessoas; nepotismo – inclusive cruzado – em tribunais, prefeituras e assembleias. Os exemplos são intermináveis.

Em Os donos do poder,[1] Faoro explica como esse vírus que contamina o “estamento burocrático” brasileiro é uma herança da colonização portuguesa, servindo às elites político-administrativas em seus projetos de perpetuação no poder e manutenção de privilégios. Um reflexo disso está no sistema tributário e seus benefícios desiguais, assim como nos penduricalhos que formam os supersalários do alto escalão do Estado brasileiro.

Hoje, com o advento da tecnologia e das redes sociais, assistimos à emergência de uma nova face desse comportamento: os funcionários-influenciadores, que utilizam suas posições públicas para fins privados, agravando o histórico problema do patrimonialismo no país.

A monetização direta

Um exemplo disso ocorre na segurança pública. Não são poucos os canais no YouTube em que policiais gravavam vídeos de suas operações e os compartilhavam para milhares de seguidores. A prática nada tem de inofensiva, além de prejudicar a própria corporação, ao expor procedimentos de enfrentamento ao crime, os policiais aumentam sua renda com ganhos em dólar.

O problema vai muito além de uma questão ética. A notoriedade que conquistaram – de forma indevida – não só garantiu que esses agentes experimentassem um acúmulo patrimonial, mas também abriu caminho para que entrassem na política, um campo onde fama muitas vezes supera competência como critério de sucesso eleitoral.

A segurança pública, no entanto, não foi o único ambiente em que a nova face do patrimonialismo se manifestou. No Congresso Nacional, que abriga algumas das posições mais bem remuneradas do país, parlamentares têm utilizado as redes sociais como ferramentas lucrativas para incrementar seus rendimentos de maneira questionável. Nesse ambiente, onde o Poder Legislativo deveria se concentrar na formulação de políticas públicas, surge a figura do “parlamentar-influenciador”.

Como demonstrou reportagem do The Intercept, deputados federais vêm explorando plataformas como o Instagram para vender assinaturas que dão acesso aos bastidores de seus mandatos, respostas a perguntas e destaques em lives. A prática não só cria um canal paralelo de remuneração, mas também mina a já debilitada confiança da população no sistema político, uma vez que se torna possível pagar pelo acesso prioritário ao representante do povo.

Embora a Câmara tenha tentado conter esse abuso ao proibir monetizações relacionadas ao exercício do mandato no YouTube, a regra já nasceu ultrapassada. A brecha deixada pela ausência de regulamentação sobre o Instagram – porque o recurso de monetização não existia na época da norma – permitiu que os deputados continuassem a encher seus bolsos com uma atividade pela qual já são generosamente remunerados.

Monetização indireta

Aqui a situação fica mais nebulosa, porque a remuneração extra é uma consequência indireta do exercício da função pública.

Em um país com níveis pornográficos de desigualdade, concursos públicos são uma das melhores formas de transformação social. Essa transformação, porém, não é apenas financeira, mas também de status. Cargos como o de magistrado ou de membro do Ministério Público carregam uma aura de realeza, alçando os concursados ao patamar de seres superiores – pelo menos aos olhos de boa parte da população.

Esses cargos estão submetidos a vedações constitucionais que impedem seus ocupantes de acumular outras funções, exceto a de professor. Contudo, as redes sociais permitem que juízes e promotores atuem também como influenciadores digitais – o que, por si só, não é um problema.

Torna-se um problema, no entanto, quando o desempenho da atividade privada prejudica o desempenho da função pública. Não são raros os casos de pessoas que abandonaram a magistratura após utilizarem a estrutura do cargo para construir novas carreiras.

Afinal, por que começar do zero se é possível se beneficiar do Estado enquanto se monta algo mais lucrativo? Entre os concurseiros, essa prática já virou piada: ser juiz tornou-se um “cargo meio” para a vida de influenciador.

A questão se complica ainda mais quando analisamos o conteúdo produzido por alguns desses “jus-influenciadores”. Alguns agentes públicos utilizam gravações de audiências que conduzem para gerar engajamento em redes sociais.

Essa prática é profundamente problemática por pelo menos três razões: (1) o fato de a audiência ser pública não implica permissão aberta para o uso do material para fins privados, especialmente por parte daqueles responsáveis pela gravação; (2) houve consentimento das partes envolvidas para a divulgação de suas imagens?; e (3) até que ponto alguém, submetido à jurisdição, está realmente livre para negar um pedido do juiz?

Veja, não estou alegando que existe, nessa situação, uma ilegalidade. Não falo de um vício de consentimento no sentido civilista. Minhas observações são direcionadas a um comportamento anticonstitucional, por violar elementos fundantes do nosso documento fundador.

Esse tipo de expediente, praticado pelos “jus-influenciadores”, não só garante que eles consigam construir uma carreira paralela àquela que já desempenham, mas também abrem portas para novas possibilidades de ganhos. “Jus-influenciadores” conseguem projeção para lançar projetos pessoais, notoriedade para participar de congressos e, por vezes, até espaço no campo político – tudo isso construído sobre a estrutura do Estado.

Um compromisso republicano

Há tentativas – ainda que tímidas – para conter essa nova face do patrimonialismo. No Congresso, por exemplo, foi apresentado um projeto de lei que proíbe qualquer tipo de monetização “pela divulgação de conteúdos, como publicações em redes sociais, incluindo áudio e vídeo, relacionados ao exercício do mandato ou produzidos com recursos públicos”.[2]

Mas isso não é suficiente. É imprescindível que instituições como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e outros órgãos de controle assumam um papel mais ativo na supervisão e responsabilização dos agentes públicos.

Esses órgãos precisam agir com celeridade e rigor para impedir que o Estado continue sendo instrumentalizado como uma ferramenta de enriquecimento privado, agravando as desigualdades que já caracterizam nossa sociedade.

A República, enquanto princípio fundamental, exige um compromisso ético e prático com a separação entre o público e o privado. Não levar esse princípio a sério não pode ser a sina de nossa nação. Afinal, as consequências de ignorar essas práticas vão muito além do simbólico: afetam diretamente a coesão social e a legitimidade democrática.

Em uma sociedade profundamente desigual como a brasileira, o poder de influência dos menos favorecidos já é dramaticamente reduzido. Quando agentes públicos utilizam suas posições para maximizar ganhos pessoais, isso aprofunda a percepção de que o sistema está estruturalmente distorcido a favor de uma casta privilegiada. Esse sentimento não apenas mina a confiança nas instituições, mas também alimenta discursos populistas e anti-elite – tendências que, em tempos recentes, se tornaram perigosamente frequentes no mundo.

Enfrentar essa nova face do patrimonialismo não é apenas uma questão moral; é um passo para fortalecer nossa República e reforçar os pilares da democracia. Permitir que agentes públicos continuem dançando sobre a linha que separa o público do privado, utilizando o Estado como instrumento de enriquecimento pessoal, não apenas perpetua desigualdades, mas também corrói a confiança da sociedade nas instituições. Proteger a República significa reafirmar que os recursos públicos existem para o benefício coletivo, e não como trampolins para ambições pessoais.

Fonte: Jota

Pix acima de R$ 5.000: por que é ilegal exigência da Receita Federal?

Instituições de pagamento não se enquadram nem na previsão do CTN tampouco na LC 105/01

A Instrução Normativa 2219/2024 da Receita Federal entrou em vigor no início de 2025 e provocou um grande alvoroço nas redes sociais. “É um novo tributo?” “É aumento da arrecadação?”. Tudo isso passou pelo meu feed.

A histeria foi tamanha que o governo federal se apressou para soltar uma nota esclarecendo que “Novas regras para Pix não criam tributos”. A Receita Federal não ficou atrás e divulgou à população que seria uma mera evolução na e-Financeira.

E de fato é. Desde 2003 que as instituições financeiras e as operadoras de cartão de crédito são obrigadas a reportar semestralmente as transações de seus clientes quando a movimentação for superior a R$ 5.000, no caso de pessoas físicas ou R$ 15 mil, quando se tratar de pessoas jurídicas. Agora, a medida inclui as instituições de pagamento.

A IN 2219/2024 foi editada com fulcro na LC 105/2001 e no art. 16 da Lei 9.779/99, dispondo a primeira sobre o sigilo das operações de instituições financeiras e a segunda sobre a possibilidade de a Receita Federal dispor sobre as obrigações acessórias relativas aos impostos e contribuições por ela administrados, estabelecendo, inclusive, forma, prazo e condições para o seu cumprimento e o respectivo responsável.

A obrigação de fornecer informações é uma obrigação tributária acessória e o Código Tributário Nacional expressa que sua criação se dará nos termos da legislação tributária, a conferir:

Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.

  • 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.

Art. 96. A expressão “legislação tributária” compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes.

Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos:

I – os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas.

Portanto, as obrigações acessórias não estão sujeitas ao princípio da legalidade estrita, sendo possível a criação da e-financeira por meio de instrução normativa. Ocorre que, no caso da IN 2219 a Receita Federal foi além o que poderia e com isso maculou de Ilegalidade parte da citada instrução normativa. Explico.

É notório que a Receita Federal objetiva imputar uma obrigação acessória às instituições financeiras e às instituições de pagamento, mas que não se relaciona aos tributos devidos por suas próprias operações, e sim operações de terceiros.

Segundo o CTN, é possível que determinados sujeitos sejam obrigados a atender a fiscalização tributária prestando todas as informações de que disponham com relação aos bens, negócios ou atividades de terceiros. Os limites dessa possibilidade estão no CTN incisos I a VI do artigo 197:

Art. 197. Mediante intimação escrita, são obrigados a prestar à autoridade administrativa todas as informações de que disponham com relação aos bens, negócios ou atividades de terceiros:

I – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício;

II – os bancos, casas bancárias, Caixas Econômicas e demais instituições financeiras;

III – as empresas de administração de bens;

IV – os corretores, leiloeiros e despachantes oficiais;

V – os inventariantes;

VI – os síndicos, comissários e liquidatários;

VII – quaisquer outras entidades ou pessoas que a lei designe, em razão de seu cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão.

Parágrafo único. A obrigação prevista neste artigo não abrange a prestação de informações quanto a fatos sobre os quais o informante esteja legalmente obrigado a observar segredo em razão de cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão.

Nesse sentido, ainda que a obrigação acessória possa ser exigida de terceiro não contribuinte, como prevê o Código Tributário Nacional, deve ela ficar restrita às pessoas enumeradas no artigo 197 e não pode violar o sigilo profissional.

Importante frisar que as instituições de pagamento não se enquadram em nenhuma das hipóteses do artigo 197 do CTN acima reproduzido.

Uma análise apressada pode levar a equivocada conclusão de que seriam as Instituições de Pagamento passíveis de enquadramento no inciso II, que trata os bancos, casas bancárias, Caixas Econômicas e demais instituições financeiras. Mas as suas atividades não se confundem com àquelas desenvolvidas pelos agentes indicados no inciso II do art. 197 do CTN.

As instituições de pagamento possuem atividades previstas na Lei 12.865/13, art. 6º inciso III[1], qualificadas como pessoa jurídica não financeira que executa os serviços de pagamento no âmbito do arranjo e que é responsável pelo relacionamento com os usuários finais do serviço de pagamentoEssa informação é dada pelo Banco Central, que diferencia as instituições financeiras das instituições de pagamento, com base na Lei 12.865/13:

Instituições de pagamento são instituições financeiras?

Não. A Lei 12.865, de 9 de outubro de 2013, veda, explicitamente, que instituições de pagamento realizem atividades privativas de instituições financeiras, como a concessão de crédito e a gestão de uma conta corrente bancária.

Um dos objetivos da referida lei é justamente tornar claro que a prestação de serviços de pagamento não é exclusividade de instituições financeiras e permitir que instituições não financeiras prestem serviços de pagamento sem necessitar ser uma instituição financeira[2].

Nem mesmo a LC 105/01, que dispõe sobre o sigilo das operações das instituições financeiras e elenca, no artigo primeiro, as entidades que estariam abrangidas pela citada lei complementar, qualifica as instituições de pagamento como instituições financeiras[3].

Por tais fundamentos é que se pode concluir que as instituições de pagamento não se enquadram nem na previsão do CTN e tampouco na LC 105/01. Ante ausência de lei expressa com essa previsão, não poderia a IN 2219/2024 criar obrigação e pretender equiparar a instituição pagamento à instituição financeira, posto que encontra óbice no artigo 110 do CTN[4].


[1]Art. 6º  Para os efeitos das normas aplicáveis aos arranjos e às instituições de pagamento que passam a integrar o Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB), nos termos desta Lei, considera-se:

(…)

III – instituição de pagamento – pessoa jurídica que, aderindo a um ou mais arranjos de pagamento, tenha como atividade principal ou acessória, alternativa ou cumulativamente:

  1. a) disponibilizar serviço de aporte ou saque de recursos mantidos em conta de pagamento;
  2. b) executar ou facilitar a instrução de pagamento relacionada a determinado serviço de pagamento, inclusive transferência originada de ou destinada a conta de pagamento;
  3. c) gerir conta de pagamento;
  4. d) emitir instrumento de pagamento;
  5. e) credenciar a aceitação de instrumento de pagamento;
  6. f) executar remessa de fundos;
  7. g) converter moeda física ou escritural em moeda eletrônica, ou vice-versa, credenciar a aceitação ou gerir o uso de moeda eletrônica; e
  8. h) outras atividades relacionadas à prestação de serviço de pagamento, designadas pelo Banco Central do Brasil

[2]http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/arranjo.asp#l

[3]Art. 1º As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados.

  • 1o São consideradas instituições financeiras, para os efeitos desta Lei Complementar:

I – os bancos de qualquer espécie;

II – distribuidoras de valores mobiliários;

III – corretoras de câmbio e de valores mobiliários;

IV – sociedades de crédito, financiamento e investimentos;

V – sociedades de crédito imobiliário;

VI – administradoras de cartões de crédito;

VII – sociedades de arrendamento mercantil;

VIII – administradoras de mercado de balcão organizado;

IX – cooperativas de crédito;

X – associações de poupança e empréstimo;

XI – bolsas de valores e de mercadorias e futuros;

XII – entidades de liquidação e compensação;

XIII – outras sociedades que, em razão da natureza de suas operações, assim venham a ser consideradas pelo Conselho Monetário Nacional.

[4]Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.

Fonte: Jota

A pauta do STF no começo de 2025: favelas, trabalho, ANP, anistia e funcionários públicos

Presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, definiu os processos que serão levados a plenário em fevereiro deste ano

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, definiu no último dia de 2024 a pauta de julgamentos que abrirá o ano da Corte, em fevereiro de 2025. 

Em 3 de fevereiro, uma segunda-feira, os trabalhos se iniciam com sessão solene de abertura do Ano Judiciário. Na quarta-feira daquela semana (5/2), os julgamentos recomeçam, com a ARE 959620, no primeiro item da pauta, na qual os ministros vão definir se é ilícita a prova obtida a partir de revista íntima de visitante em unidade prisional. 

Também está previsto para esta data o julgamento da ADPF 635, conhecida como ADPF das Favelas, que trata sobre as restrições impostas pela Corte durante a pandemia a operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro. Por fim, consta na pauta do dia 5 a ADPF 777, que versa sobre portarias publicadas no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, que anularam anistia concedidas entre 2002 e 2005. 

No dia 12 de fevereiro a Corte terá um dia voltado apenas para questões trabalhistas. Ao longo do mês, a Corte julga também pode julgar um processo tributário sobre ISS em operações de industrialização por encomenda, a abrangência dos poderes da  Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) para decidir sobre a venda de blocos petrolíferos e diversas ações relacionadas a funcionários públicos. 

Confira a agenda de julgamentos do STF em fevereiro de 2025

3 de fevereiro

Sessão solene de abertura do Ano Judiciário

5 de fevereiro

ARE 959620 – Recurso Extraordinário com Agravo, de relatoria do ministro Edson Fachin, que trata sobre a ilicitude de prova obtida a partir de revista íntima de visitante em unidade prisional, à luz do princípio da dignidade da pessoa humana e da proteção ao direito à intimidade, à honra e à imagem.

ADPF 635 – Conhecida como ADPF das Favelas, a ação, com pedido de medida cautelar,  tem a finalidade “de que sejam reconhecidas e sanadas” as alegadas “lesões a preceitos fundamentais da Constituição praticadas pelo Estado do Rio de Janeiro na elaboração e implementação de sua política de segurança pública, notadamente no que tange à excessiva e crescente letalidade da atuação policial, voltada sobretudo contra a população pobre e negra de comunidades”.

ADPF 777 – Ação proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil “em face das Portarias 1.266 a 1.579 do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, publicadas no Diário Oficial da União em 5 de junho de 2020, que tratam da anulação de portarias declaratórias de anistiados políticos datadas entre 2002 e 2005”.

6 de fevereiro

ADI 7686 – Leitura do relatório e realização das sustentações orais na ADI, proposta pelo PSol que pede para que a Corte impeça repatriação de crianças quando houver suspeita de violência doméstica. A sessão também será composta por processos remanescentes da sessão de 5 de fevereiro de 2025.

12 de fevereiro

RE 1298647 – Recurso extraordinário em que se discute acórdão do Tribunal Superior do Trabalho, que definiu a legitimidade da transferência ao ente público tomador de serviço do ônus de comprovar a ausência de culpa na fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas devidas aos trabalhadores terceirizados pela empresa contratada, para fins de definição da responsabilidade subsidiária do Poder Público.

AO 2417 – Trata-se de embargos de declaração na AO 2417, que versa sobre a possibilidade de cobrar honorários contratuais de trabalhadores beneficiados por demandas coletivas, em que já havia honorários assistenciais (correspondentes à assistência judiciária gratuita) estipulados pela Justiça do Trabalho.

RE 1387795 – O recurso extraordinário trata da possibilidade de inclusão no polo passivo da lide, na fase de execução trabalhista, de empresa integrante de grupo econômico que não participou do processo de conhecimento.

13 de fevereiro

ADI 3596 – Ação, ajuizada pelo PSol, questiona o poder da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) para decidir sobre a venda de blocos petrolíferos.

RE 608588 – Recurso extraordinário, com repercussão geral, que trata sobre o limite da atuação legislativa dos municípios para fixar as atribuições de suas guardas municipais destinadas à proteção de bens, serviços e instalações do município.

19 de fevereiro

RE 1075412 – Embargos de declaração nos quais o Diário de Pernambuco busca reverter decisão do STF que possibilita a responsabilização de veículos de imprensa pela publicação de entrevistas que imputem de forma falsa crimes a terceiros. A tese estabelece que a “plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, vedada qualquer espécie de censura prévia, porém admitindo a possibilidade posterior de análise e responsabilização, inclusive com remoção de conteúdo, por informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais”.

RE 1133118 – Recurso extraordinário em que se discute a constitucionalidade de norma que prevê a possibilidade de nomeação de cônjuge, companheiro ou parente, em linha reta colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante, para o exercício de cargo político.

MS 26156 – Mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado contra diversas decisões do Tribunal de Contas da União tomadas na análise do registro de aposentadoria e pensões relativas a docentes da Fundação Universidade de Brasília.

ADI 3228 – Ação do governo capixaba questiona a constitucionalidade dos artigos 6 e 13 da Lei Complementar 238/02, do Espírito Santo, que disciplina as gratificações que devem ser pagas aos membros do Ministério Público estadual (MPES), em razão do exercício de determinadas funções de confiança.

20 de fevereiro

ADI 6757 – Ação da PGR contra Lei de Roraima que prevê que nas promoções por merecimento e por antiguidade, precederá a remoção de magistrados. Para a PGR,  a matéria concerne ao Estatuto da Magistratura e deve ser disciplinada sob a forma de lei complementar de iniciativa do STF.

ADI 4055 – Ação movida pela PGR contra reserva de cargos em comissão para servidores efetivos previstas na Emenda 50 do Distrito Federal, de 17 de outubro de 2007, e na Resolução 232/2007, da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF).

26 de fevereiro 

RE 882461 – Os ministros julgam o RE 882461 (Tema 816), que trata da incidência de ISS em operações de industrialização por encomenda e a limitação ao percentual de 20% da multa moratória, ou seja, a multa por atraso no recolhimento do tributo. O caso tem placar de 7X1 favorável aos contribuintes, e deve ser retomado com voto-vista do ministro André Mendonça.

AR 2876 – Questão de Ordem em Ação Rescisória para discutir se a expressão “cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal”, constante do § 15 do art. 525 e do § 8º do art. 535 do CPC, é inconstitucional.

ADPF 615 – Ação  proposta pelo Governador do Distrito Federal para impedir execuções de decisões que rejeitaram arguições de inexequibilidade de sentenças transitadas em julgado sob o fundamento de que “a decisão de inconstitucionalidade não possui o condão de esvaziar por inteiro o conteúdo da coisa julgada, sobretudo daquela materializada em situações jurídicas nas quais o trânsito em julgado da sentença condenatória ocorrera em momento anterior à inconstitucionalidade reconhecida”. Tais ações discutem a gratificação a docentes dedicados “exclusivamente” a alunos portadores de necessidades educativas ou em situações de risco e vulnerabilidade. Liminar proferida pelo ministro Luís Roberto Barroso suspendeu 

RE 586068 – Embargos contra acórdão do STF que assentou que poderão ser anuladas decisões definitivas de Juizados Especiais que tiverem sido fundamentadas em norma ou interpretação posteriormente considerada inconstitucional pela Suprema Corte.

27 de fevereiro

ADPF 338 – Ação requer a declaração de inconstitucionalidade do inciso II do art. 141 do Código Penal Brasileiro, que estabelece como causa de aumento de pena dos crimes contra a honra o fato de ter sido cometido contra servidor público, no exercício de suas funções. Processo incluído em pauta exclusivamente para leitura do relatório e realização das sustentações orais, com posterior agendamento de sessão para o início da votação e julgamento.

ADI 6238, ADI 6302, ADI 6266, ADI 6236, ADI 6239 – Ações questionam dispositivos que preveem crimes de abuso de autoridade praticados por funcionários públicos.

Fonte: Jota

Receita: subvenções de ICMS com acréscimo patrimonial não integram o IRPJ/CSLL

A interpretação vale para o período anterior à Lei das Subvenções, que modificou em 2024 a sistemática dos incentivos fiscais de ICMS

Receita Federal publicou um ato na última quinta-feira (26/12) para enfatizar que apenas as subvenções de investimento de ICMS que representarem acréscimo patrimonial podem ser excluídas da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. A interpretação vale para o período anterior à Lei das Subvenções (Lei 14.789/2023), que modificou a partir de 2024 a sistemática de tributação dos incentivos fiscais de ICMS.

A definição foi realizada por meio do Ato Declaratório Interpretativo RFB 4/2024, publicado no Diário Oficial da União (DOU). A Receita dispôs sobre a aplicação do artigo 30 da Lei 12.973/2014, que condiciona a dedução das subvenções de ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL à reserva de lucros, entre outros critérios. Esse dispositivo foi revogado pela Lei das Subvenções, que criou um crédito fiscal sobre os incentivos de ICMS.

Em vez de abater os benefícios estaduais da base de cálculo do IRPJ, da CSLL, do PIS e da Cofins, os contribuintes passaram a ter direito a um crédito fiscal sobre esses incentivos para poder usar por meio de ressarcimento ou compensação com outros débitos.

O ato da Receita também ressalta que os valores das subvenções deverão estar registrados na escrituração comercial e devem ser “comprovados por documentos hábeis, segundo a sua natureza”. O texto trata como “fundamental” a comprovação do acréscimo patrimonial.

O tributarista Eduardo Pugliese, sócio do Schneider Pugliese, avalia que a Receita realizou uma interpretação restritiva para a concessão do benefício e que isso deve resultar na autuação de contribuintes que não cumprirem a regra. Na prática, explica, é provável que estornos de crédito não entrem no cálculo.

Ele explica que, em muitos casos, os estados condicionam a concessão de incentivos de ICMS à devolução, por parte dos contribuintes, dos créditos da não cumulatividade – sistemática na qual o contribuinte recebe um crédito pelo ICMS pago nas etapas anteriores. “A Receita deve restringir o benefício, querendo que a exclusão equivalha ao efetivo acréscimo patrimonial”, diz.

Pugliese observa que as restrições impostas pelo ato da Receita estão em desacordo com o Tema 1182, julgado em 2023 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Neste caso, o tribunal superior definiu que os incentivos de ICMS que não o crédito presumido – como redução de alíquota, isenção e diferimento – só podem ser excluídos da base de cálculo do IRPJ e da CSLL se cumpridas as regras previstas no artigo 10 da Lei Complementar 160/2017 e no artigo 30 da Lei 12.973/14.

O acórdão do julgamento não fala diretamente do acréscimo patrimonial, mas autoriza a Receita a cobrar o IRPJ e a CSLL se verificar que “os valores oriundos do benefício fiscal foram utilizados para finalidade estranha à garantia da viabilidade do empreendimento econômico”.

Por outro lado, o advogado afirma que um ponto positivo é que o ato reconhece, em seu artigo 4º, que os incentivos de ICMS se equiparam a subvenções de investimentos, desde que atendidas as condições previstas no artigo 30 da Lei 12.973/2014. Essa equiparação também constava do parágrafo quarto do artigo 30 dessa lei. “Mesmo diante da equiparação, a RFB vinha insistindo com a prova da efetiva instalação ou ampliação do empreendimento econômico [para conceder o benefício]”, afirma Pugliese.

Fonte: jota

Transação no contencioso tributário

Uma análise da isonomia na hipótese de depósito judicial

A transação no contencioso tributário se apresenta como um instrumento significativo para a resolução de litígios fiscais, promovendo benefícios tanto para o contribuinte quanto para a Administração Tributária. Nesse tema, a isonomia no tratamento entre contribuintes é um ponto crítico que tem sido objeto de atenção pela doutrina[1].

Um exemplo recente que ilustra essa questão é o Edital MF/PGFN 4/2024, que regulamenta a transação prevista na Lei 14.789/202 e traz a seguinte previsão:

“Os depósitos existentes vinculados aos débitos a serem quitados por meio da transação de que trata este Edital serão automaticamente convertidos em renda da União, hipótese em que as condições de pagamento serão aplicadas sobre o saldo remanescente do débito objeto da transação”.

A previsão de que os descontos apenas podem ser aplicados sobre o saldo remanescente após a conversão do depósito em renda acaba por suscitar questionamentos sobre a isonomia, pois contribuintes que jamais depositaram fariam jus a descontos sobre todo o montante do crédito.

Diante desse cenário, uma análise criteriosa sobre a natureza dos depósitos judiciais e a isonomia se faz necessária para entender se tal medida está em consonância com o princípio da igualdade tributária e os objetivos da transação tributária.

Nos termos do art. 1º, § 1º da Lei 13.988/2020, a União deve avaliar a conveniência e a oportunidade de realizar ou não a transação com a finalidade de atender o interesse público. Assim, a Administração Tributária deve analisar as vantagens na celebração de uma transação, normalmente materializadas pela redução do risco de inadimplência, maior eficiência na cobrança, agilidade no recebimento de valores e pelo descongestionamento do Judiciário.

Nessa análise de oportunidade e conveniência, é imprescindível examinar a natureza do depósito judicial e suas características para ponderar se o discrímen utilizado pela Fazenda Nacional fere o princípio da igualdade.

O depósito integral efetuado pelo contribuinte em juízo serve como uma garantia do cumprimento da obrigação tributária, suspendendo a exigibilidade do crédito tributário conforme o artigo 151, inciso II, do Código Tributário Nacional (CTN).

O regime jurídico do depósito judicial para suspensão da exigibilidade do crédito tributário, como faculdade do contribuinte, torna o montante depositado indisponível para a parte, permanecendo à sorte do resultado da ação.

A quantia depositada assegura que, em caso de decisão desfavorável ao contribuinte, o valor devido estará prontamente disponível para a Fazenda Pública, eliminando o risco de inadimplência. Desse modo, a sua conversão em renda equivale ao pagamento, estando ambas as hipóteses previstas no rol do art. 156 do CTN como modalidade de extinção do crédito tributário. No cenário oposto, se o contribuinte for vitorioso, ele poderá levantar imediatamente os valores depositados com a devida correção monetária.

O depósito judicial possui, portanto, uma natureza dual: por um lado, permite ao contribuinte evitar ações de cobrança, manter sua regularidade fiscal e livrar-se dos encargos da mora; por outro lado, protege os interesses da Fazenda Pública ao garantir o adimplemento das obrigações tributárias. Devido a essas características, os depósitos judiciais podem ser classificados como “pagamento sob condição resolutiva”[2].

Essa situação difere significativamente da daqueles que permanecem inadimplentes, prolongando a incerteza e o risco na arrecadação para a Administração Tributária. Assim, na análise de oportunidade e conveniência, a ponderação do risco de inadimplemento e a existência de garantia de recebimento da dívida são fatores relevantes ao avaliar as vantagens existentes para o interesse público na proposta de transação tributária.

A transação tributária tem que ser vantajosa para o ente público e tem que proporcionar condições favoráveis para a regularização de débitos fiscais, mas deve fazê-lo sem criar discriminações injustificadas entre os contribuintes. A isonomia é um princípio fundamental no direito tributário, garantindo que contribuintes em situações equivalentes sejam tratados de forma igualitária. Assim, é crucial analisar se o tratamento diferenciado a contribuintes que efetuaram depósitos judiciais viola esse princípio.

A situação dos contribuintes no contencioso tributário pode ser dividida em três grupos distintos: aqueles que pagaram o tributo, aqueles que depositaram em juízo e aqueles que não fizeram nada, mantendo inadimplido o dever tributário. Cada uma dessas situações envolve riscos e garantias diferentes para a Administração Tributária.

Os contribuintes que realizaram o pagamento do tributo integralmente tornam certa a arrecadação, não havendo risco de inadimplemento para a Fazenda Pública. Por outro lado, os contribuintes que não realizaram o pagamento geram uma situação de incerteza na arrecadação, aumentando o risco de inadimplemento. A Administração tributária não tem garantia de que o tributo será pago ao final do processo, além de ter que arcar com custos adicionais de cobrança.

Já os contribuintes que realizam depósitos judiciais oferecem uma garantia para o crédito tributário, eliminando o risco de inadimplência para a Administração Tributária e assegurando que, em caso de decisão desfavorável, a Fazenda Pública receberá o valor devido.

Esse depósito é, portanto, uma garantia efetiva do imediato cumprimento da obrigação tributária ao término do processo, situação que se aproxima mais da hipótese em que há o pagamento do tributo, na qual não há riscos significativos para a União, reforçando também sua natureza de pagamento sob condição resolutiva.

O tratamento conferido aos depósitos pelo Edital MF/PGFN 4/2024 não configura quebra da isonomia, mas uma diferenciação legítima baseada na disponibilidade financeira, na capacidade contributiva e na escolha do contribuinte de garantir o crédito tributário para usufruir dos benefícios da suspensão da exigibilidade. É inegável que a recuperabilidade de crédito garantido por depósito é diversa da recuperabilidade de um crédito não garantido.

O discrímen considerado pelo Edital MF/PGFN 4/2024 aplica-se igualmente a todos os contribuintes que realizaram depósito judicial, adotando-se como critério distintivo a existência de crédito tributário garantido, e não as características dos depositantes. Esse é um critério baseado em fundamento lógico, distingue duas situações completamente diferentes: a do contribuinte que voluntariamente efetuou o depósito judicial do débito, livrando-se dos consectários legais decorrentes da mora, e a do contribuinte que se quedou inerte em relação aos débitos que possuía com o Fisco, assumindo o risco de manter suas dívidas inadimplidas.

Vale rememorar que o Supremo Tribunal Federal (STF) já enfrentou controvérsia similar ao analisar no Tema 573 de Repercussão Geral, quando decidiu se a Portaria 655/1993 do Ministério da Fazenda, que proibiu o parcelamento de débitos da Cofins que tivessem sido objeto de depósito judicial, ofendia os princípios da isonomia e do livre acesso à Justiça.

A Suprema Corte concluiu que a restrição não violava a Constituição e considerou a existência de depósito como uma distinção legítima para diferenciar os grupos de contribuintes.

A análise do tratamento dos depósitos judiciais demonstra que não há violação à isonomia. Os contribuintes que realizaram depósitos judiciais voluntariamente forneceram uma garantia à União e usufruíram dos benefícios da regularidade fiscal, diferindo da situação dos contribuintes inadimplentes e se aproximando da situação daqueles que efetuaram o pagamento regular. Essa diferenciação é legítima e justificada pela natureza distinta de cada situação.

O tratamento diferenciado conferido pelo Edital MF/PGFN 4/2024, ao aplicar descontos apenas sobre o saldo remanescente após a conversão do depósito em renda, respeita o princípio da isonomia e reflete uma análise de conveniência e oportunidade por parte da Administração Tributária na análise dos benefícios e riscos associados a cada tipo de contribuinte.

Essa distinção visa garantir maior segurança e previsibilidade na arrecadação de tributos, proporcionando o ingresso de valores não arrecadados e não garantidos. Portanto, a distinção entre contribuintes que depositaram e os que não o fizeram é uma medida justa e adequada para a resolução de litígios e a recuperação de créditos tributários pela União.


[1]No âmbito da transação da cobrança, questionamentos a respeito da isonomia são mais frequentes e costumam ser expressos na necessidade de garantir que as propostas de transação individual não ensejem privilégios a certos contribuintes dentro de um determinado nicho de mercado (Cantanhede, 2021, p. 123) e na determinação dos critérios de mensuração da capacidade de pagamento (Pinho, 2021, p. 161).

[2]Nessa linha, NUNES (2024, p. 1624) leciona que “ao fazer o depósito o contribuinte realiza espécie de pagamento provisório, sujeito a condição resolutória de a ação judicial confirmar ou não a “transformação” do “depósito” em pagamento do crédito tributário discutido.”

Fonte: Jota

A (in) justiça tributária no mundo digital

IA propõe política fiscal ideal, mas desafios surgem na justiça tributária e na tributação da economia digital

Um sistema de aprendizagem profunda, nomeado por The AI Economist[1], elaborou, através de simulações econômicas, o que os idealizadores, baseados em teóricos da economia, chamaram de politica fiscal ideal, equitativa, justa que encoraja a igualdade, aumenta a produtividade e proporciona maior bem estar social.

Segundo os pesquisadores envolvidos no projeto, é possível que haja um trabalho conjunto entre o AI Economist e os humanos de modo que a inteligência artificial possa ajudar, principalmente os governantes, na concepção de políticas fiscais ideais que beneficiem o maior número de pessoas.

Dessa afirmação, cabe a crítica: Qual seria a configuração de um sistema tributário justo e o quão tendenciosos podem ser os dados que moldarão os algoritmos de aprendizado desse sistema?

O imposto sobre os rendimentos do trabalho e do capital apresenta, idealmente, a melhor qualidade de justiça, pois consegue concretizar a medida da capacidade contributiva através da imposição de alíquotas progressivas. No entanto, existe um desequilíbrio no tratamento tributário entre o capital e o trabalho.

Além das alíquotas progressivas, um sistema tributário progressivo deve ser estruturado em harmonia com a concessão de créditos, deduções e incentivos; com a incidência criteriosa dos impostos sobre propriedades e patrimônio; com políticas que proporcionem a redução da carga sobre os mais pobres nos impostos sobre o consumo e com uma efetiva progressividade das pessoas jurídicas.

De acordo com estimativas recentes[2], a alíquota média efetiva global do imposto de renda das pessoas jurídicas diminuiu de aproximadamente 30% na década de 1960, para cerca de 25% na década de 1980, e 18% em 2020. Esta redução impacta diretamente nas receitas públicas e compromete a progressividade do sistema tributário, além de exercer pressão sobre a tributação do rendimento das pessoas físicas, essencialmente sobre os rendimentos do trabalho.

Entretanto, apesar da imprecisão dos números sobre o futuro do trabalho, não podemos ignorar o aperfeiçoamento constante na dinâmica da substituição (total ou parcial) dos trabalhadores provocada pelas tecnologias inteligentes.

Se, por um lado, surgirão novas profissões tecnológicas e a necessidade de trabalhadores qualificados e bem remunerados, por outro, estão a diminuir os empregos tradicionalmente “do meio” e a aumentar o trabalho de menor complexidade, instável, desgastante, sem vínculo laboral, disfarçado de flexível, mas que, na verdade, trata-se de trabalho precarizado com uma pressão descendente sobre os seus salários. Esta situação reforça a responsabilidade das novas tecnologias no alargamento da desigualdade salarial entre trabalhadores qualificados e os demais.

São alterações profundas na natureza do trabalho que provavelmente terão um impacto negativo sobre a arrecadação do IRPF incidente sobre os rendimentos do trabalho e das contribuições da seguridade social e, ao mesmo tempo exigirão do Estado aumento das despesas, inclusive com subsídios sociais.

Em contrapartida, o sistema de produção, distribuição e concentração de riqueza está sofrendo mudanças significativas. A inteligência artificial apresenta vantagem em relação à inteligência humana em um pequeno, mas crescente número de domínios limitados, daí decorre o risco de extinção de algumas profissões e o esvaziamento de outras.

À medida que essa tecnologia é incorporada por mais e mais empresas, a tendência é observarmos uma diminuição dos custos, com consequente aumento dos lucros e o enfraquecimento do poder de reivindicar uma parte dos lucros que o próprio trabalho possibilita[3].

Os dados de cidadãos, empresas e governos, passaram a ser um ativo dos mais relevantes para a geração de riqueza nas economias globais. A depender do modelo de negócio, os dados, fornecidos gratuitamente, são otimizados e utilizados como fonte de receita, incremento dos lucros e maximização dos resultados de empresas privadas. Seja com a criação de novos produtos e funcionalidades, personalização do cliente ou como fonte para treinar padrões – prever comportamentos, intenções e desejos – em sistemas de Inteligência Artificial, inclusive com o intuito de substituir a força de trabalho humana.

Em vista deste cenário, os critérios de repartição dos impostos, pensados em outros contextos históricos e econômicos, precisam ser readequados à contemporaneidade. A presença do Estado, através da atividade arrecadatória, se justifica em função da caracterização de uma atividade lucrativa, cuja tendência é ser ainda mais valiosa no futuro, e da necessidade de eliminar, ou pelo menos reduzir, as externalidades negativas decorrentes desse mercado digital, entre as quais, a redução das receitas tributárias.

Com a identificação e consequente tributação dessas novas fontes de rendimentos não se pretende negar os benefícios da robótica, penalizar as empresas automatizadas ou desencorajá-las a aderirem às novas tecnologias. A questão que se coloca é como poderemos nos certificar que os benefícios advindos da presença de robôs e da inteligência artificial serão compartilhados por toda a coletividade.

Manter o sistema tributário baseado no regime de apropriação e acumulação do passado, é reconhecer sua ineficácia futura. É fundamental que o legislador identifique as fontes de riqueza geradas nas empresas pela adoção de tecnologias inteligentes e, em consonância com a aplicação da capacidade contributiva, garanta uma distribuição equitativa da carga tributária. O reconhecimento de uma nova base tributável, que não seja a atividade laboral, pode ser um caminho que deve ser explorado e será crucial na promoção da justiça tributária em um mundo digital.

[1]Stephan Zheng, Alexander Trott, Sunil Srinivasa, Nikhil Naik, Melvin Gruesbeck, David C. Parkes, Richard Socher. The AI Economist: Improving Equality and Productivity with AI-Driven Tax Policies. 2020. Harvard University. Disponível em:https://arxiv.org/pdf/2004.13332.pdf.

[2]World Inequality Report (2022). Disponível em: https://wir2022.wid.world/ .

[3]PORTO, Lilia. Capitalismo digital: enfraquecimento do trabalho, novos conflitos e oportunidades. O futuro das coisas. Disponível em:https://ofuturodascoisas.com/capitalismo-digital-enfraquecimento-do-trabalho-novos-conflitos-e-oportunidades/

Fonte: Jota

STF julga nesta quarta-feira (27/11) o Marco Civil da Internet; saiba o que está em jogo

Corte julga a partir desta quarta três ações que envolvem o MCI e discute futuro de artigo sobre responsabilização das plataformas digitais

O Supremo Tribunal Federal (STF) começa a julgar nesta quarta-feira (27/11) o conjunto de ações que discutem a constitucionalidade do Marco Civil da Internet, especialmente de seu artigo 19. O dispositivo prevê que as plataformas, provedores de internet e sites só podem ser responsabilizados civilmente caso não removam o conteúdo ilícito após ordem judicial.

O Marco Civil da Internet, sancionado em 2014, disciplina o uso da Internet no Brasil. A lei foi concebida para estabelecer deveres e direitos de plataformas digitais, provedores de internet e usuários. No entanto, apesar de avanços significativos, uma década depois, parte da legislação enfrenta questionamentos quanto à responsabilidade de plataformas por conteúdo ilícito de terceiros.

Entre os principais, estão as alegações de que a evolução tecnológica e o crescimento da audiência digital colocam à prova a sua adequação frente ao cenário atual. Nesse contexto, uma década depois, o Supremo discute a eficácia da legislação diante de um cenário tecnológico muito mais complexo.

Ações pautadas

Estão na pauta do STF três ações, o recurso extraordinário 1.037.396, (tema 987) discute a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, de relatoria do ministro Dias Toffoli, o RE 1.057.258 (tema 933), que também trata de moderação de conteúdo, refere-se a fatos anteriores à edição do Marco Civil da Internet, de relatoria do ministro Luiz Fux, e a ADPF 403, de relatoria do ministro Edson Fachin. 

Esta ADPF foi ajuizada por conta das decisões judiciais em diferentes tribunais de Justiça brasileiros que determinaram a suspensão do aplicativo WhatsApp, após a empresa informar que não poderia fornecer os dados requisitados pelos magistrados por conta da segurança da criptografia. Em agosto deste ano, os três relatores pediram ao ministro Luís Roberto Barroso, presidente da Casa, para que as pautasse juntas.

Em setembro, a Advocacia-Geral da União (AGU) pediu ao Supremo para ingressar como amicus curiae nos dois recursos extraordinários que estão em pauta. À época, a AGU defendeu que, “em casos específicos, há a possibilidade de as plataformas digitais serem responsabilizadas, independentemente de haver ordem judicial prévia para a remoção do conteúdo, considerando o dever de precaução que devem ter as empresas, por iniciativa própria ou por provocação do interessado”.

“Não é razoável que empresas que lucram com a disseminação de desinformação permaneçam isentas de responsabilidade legal no que tange à moderação de conteúdo. Essas plataformas desempenham um papel crucial na veiculação de informações corretas e na proteção da sociedade contra falsidades prejudiciais. A ausência de uma obrigação de diligência nesse processo permite que a desinformação se propague de forma descontrolada, comprometendo a confiança pública e causando danos consideráveis”, ressalta trecho do documento enviado ao STF.

O caput do artigo 19 tem a seguinte redação: “Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário”.

Liberdade de expressão

“O artigo 19, hoje, é a regra básica a respeito da responsabilidade das plataformas”, explica o advogado especialista em direito digital Marcelo Crespo, coordenador do curso de direito da ESPM. A norma se relaciona diretamente com a licitude de conteúdo na internet. Crespo, no entanto, considera que o dispositivo tende a ser usado pelas empresas como meio de se esquivar de responsabilizações. “O artigo 19 é bastante conveniente para as empresas e plataformas de tecnologia”, afirma.

Segundo ele, por causa da redação do dispositivo, “existe uma narrativa” de se falar que o artigo 19 quer proteger a liberdade de expressão, embora, para ele, esse não seja exatamente o interesse das empresas com a não responsabilização dos conteúdos.. “As plataformas têm interesses próprios em ganhar dinheiro com alguns conteúdos, inclusive com fake news, porque elas geram engajamento, geram receita”, declara.

Antes do Marco Civil da Internet, diz Crespo, havia uma relação “mais equilibrada” entre as empresas e as vítimas online, já que caso alguém se sentisse ofendido por um conteúdo publicado na internet, não era necessário, inicialmente, recorrer à Justiça. O procedimento comum era realizar uma notificação extrajudicial, exigindo que o conteúdo fosse retirado do ar por causar ofensa.

“Nesse cenário, as plataformas não tinham obrigação legal de remover o material, mas o processo era, de certa forma, mais equilibrado. Por um lado, a plataforma poderia optar por não remover o conteúdo; por outro, ela não gostaria de ter que ficar respondendo várias ações judiciais”, declara.

Um dos principais questionamentos sobre a moderação de conteúdos pelas plataformas é o risco de censura. O advogado Renato Opice Blum, do escritório Opice Blum, rebate as críticas que equiparam a remoção de discursos de ódio à restrição da liberdade de expressão.

“Bloquear discurso de ódio é censura? Aí, vamos para o conceito de censura que está ligado diretamente à liberdade de expressão. […] Quando se tem identificação de discurso de ódio, não é liberdade de expressão, o propósito é outro. Você não quer falar, você quer atacar”, afirmou o advogado.

No entanto, ele reconhece que os algoritmos das plataformas podem cometer erros ao remover conteúdos legítimos. Opice Blum refuta a ideia de que os algoritmos tenham vieses intencionais, os atribuindo a falhas de programação.

Apoio ao artigo 19

Por outro lado, estudo conduzido pelo Reglab, think tank especializado em mídia e tecnologia, mostrou que 48% das manifestações coletadas defenderam a manutenção do artigo, argumentando que ele equilibra a liberdade de expressão e responsabilidade das plataformas. O apoio veio de setores diversos, incluindo organizações que tradicionalmente divergem das grandes empresas de tecnologia, como algumas ONGs e instituições acadêmicas. A academia frequentemente adota posições críticas às big techs, especialmente em questões relacionadas à privacidade e regulação de mercado. Entidades da sociedade civil e academia representaram 50% da amostra, com mais da metade desses se manifestando a favor da constitucionalidade (59%).

A análise indica que os argumentos favoráveis à constitucionalidade “apresentaram uma variedade argumentativa maior que outras posições. Embora essa multiplicidade também possa refletir a necessidade de uma defesa mais robusta, isso também pode sugerir que o art. 19 possui um caráter mais estruturante, adaptável e democrático”.

Entre os argumentos mais citados pelos grupos que apoiam a constitucionalidade, estão a preservação da liberdade de expressão e o estímulo à inovação tecnológica. Para empresas, como afirmou a Meta em sua manifestação, o artigo reduz riscos jurídicos e mantém custos operacionais previsíveis. Já a sociedade civil e a academia destacam que o modelo atual protege direitos fundamentais e previne a censura prévia.

“Não é correto afirmar que o artigo 19 serve como escudo para provedores evitarem remoções de conteúdos ilegais. Ele apenas estabelece regras para garantir a proporcionalidade e evitar a censura prévia”, afirmou o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) em manifestação. Para defensores da constitucionalidade, a decisão judicial como pré-requisito para a remoção de conteúdos é apontada como um mecanismo que respeita o devido processo legal e garante a liberdade de expressão.Os processos são: Recurso Extraordinário (RE) 1037396 (Tema 987 da repercussão geral), Recursos Extraordinários (RE) 1057258 (Tema 533 da repercussão geral) e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 403.

Fonte: Jota

Paredes São de Vidro: Mais ou menos poder? O que o Supremo prefere?

Segundo episódio da nova temporada do podcast contextualiza como a Constituição foi recebida pelo Supremo

Até o início da década 1990, o Supremo Tribunal Federal (STF) era conhecido por seguir o escrito. Manter o que já estava posto. Foi por isso que um caso sobre licença maternidade parecia simples, afinal, a legislação era clara sobre o direito da mãe. No entanto, uma pergunta reversa a esse caso ilustra como o Supremo foi ganhando cada vez mais poderes e protagonismo. O segundo episódio da nova temporada do Paredes São de Vidro detalha o contexto da época, em que a Corte recebia uma nova Constituição.

O podcast do JOTA que conta os bastidores do STF relembra neste novo episódio que o Supremo costumava se isentar e deixar a função de preencher lacunas para o Congresso Nacional. Quem ajuda a fazer a conexão entre o momento que o Supremo vivia e a sua transição é o ministro aposentado Otávio Gallotti, relator do processo de Cláudia* — uma mãe que brigava pelo direito à licença-maternidade para cuidar de uma filha adotada.

As regras eram claras: a Constituição dizia que quem tem direito à licença-maternidade é a mãe que gestou o filho. Cláudia não havia gestado a criança, logo, não teria direito à licença. Mas e o direito da criança? “Pensar em novas soluções para além do texto, ou em novas interpretações diante de novos problemas, fazer uma leitura mais expansiva da lei ou até mesmo interpretar a lei para fazer a história avançar, como costuma dizer o ministro Luís Roberto Barroso – nada disso era a cara de Gallotti”, relata no episódio o diretor de Conteúdo do JOTAFelipe Recondo, que apresenta o podcast.

E Gallotti não estava sozinho nessa. Com a Constituição de 1988 havia ficado mais fácil recorrer ao Supremo, e a sociedade esperava uma Corte mais avançada para defender a Constituição e dar efetividade a este novo plano de direitos e de garantias. Os ministros daquela composição, porém, logo nos primeiros julgamentos não pareciam dispostos a aceitar as atribuições que a Assembleia Constituinte havia oferecido.

Como isso mudou? Este segundo episódio da nova temporada do Paredes São de Vidro traz o contexto para responder a essa pergunta. Além disso, mostra como o caso de Cláudia entra nesse cenário.

Fonte: Jota