Receita: subvenções de ICMS com acréscimo patrimonial não integram o IRPJ/CSLL

A interpretação vale para o período anterior à Lei das Subvenções, que modificou em 2024 a sistemática dos incentivos fiscais de ICMS

Receita Federal publicou um ato na última quinta-feira (26/12) para enfatizar que apenas as subvenções de investimento de ICMS que representarem acréscimo patrimonial podem ser excluídas da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. A interpretação vale para o período anterior à Lei das Subvenções (Lei 14.789/2023), que modificou a partir de 2024 a sistemática de tributação dos incentivos fiscais de ICMS.

A definição foi realizada por meio do Ato Declaratório Interpretativo RFB 4/2024, publicado no Diário Oficial da União (DOU). A Receita dispôs sobre a aplicação do artigo 30 da Lei 12.973/2014, que condiciona a dedução das subvenções de ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL à reserva de lucros, entre outros critérios. Esse dispositivo foi revogado pela Lei das Subvenções, que criou um crédito fiscal sobre os incentivos de ICMS.

Em vez de abater os benefícios estaduais da base de cálculo do IRPJ, da CSLL, do PIS e da Cofins, os contribuintes passaram a ter direito a um crédito fiscal sobre esses incentivos para poder usar por meio de ressarcimento ou compensação com outros débitos.

O ato da Receita também ressalta que os valores das subvenções deverão estar registrados na escrituração comercial e devem ser “comprovados por documentos hábeis, segundo a sua natureza”. O texto trata como “fundamental” a comprovação do acréscimo patrimonial.

O tributarista Eduardo Pugliese, sócio do Schneider Pugliese, avalia que a Receita realizou uma interpretação restritiva para a concessão do benefício e que isso deve resultar na autuação de contribuintes que não cumprirem a regra. Na prática, explica, é provável que estornos de crédito não entrem no cálculo.

Ele explica que, em muitos casos, os estados condicionam a concessão de incentivos de ICMS à devolução, por parte dos contribuintes, dos créditos da não cumulatividade – sistemática na qual o contribuinte recebe um crédito pelo ICMS pago nas etapas anteriores. “A Receita deve restringir o benefício, querendo que a exclusão equivalha ao efetivo acréscimo patrimonial”, diz.

Pugliese observa que as restrições impostas pelo ato da Receita estão em desacordo com o Tema 1182, julgado em 2023 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Neste caso, o tribunal superior definiu que os incentivos de ICMS que não o crédito presumido – como redução de alíquota, isenção e diferimento – só podem ser excluídos da base de cálculo do IRPJ e da CSLL se cumpridas as regras previstas no artigo 10 da Lei Complementar 160/2017 e no artigo 30 da Lei 12.973/14.

O acórdão do julgamento não fala diretamente do acréscimo patrimonial, mas autoriza a Receita a cobrar o IRPJ e a CSLL se verificar que “os valores oriundos do benefício fiscal foram utilizados para finalidade estranha à garantia da viabilidade do empreendimento econômico”.

Por outro lado, o advogado afirma que um ponto positivo é que o ato reconhece, em seu artigo 4º, que os incentivos de ICMS se equiparam a subvenções de investimentos, desde que atendidas as condições previstas no artigo 30 da Lei 12.973/2014. Essa equiparação também constava do parágrafo quarto do artigo 30 dessa lei. “Mesmo diante da equiparação, a RFB vinha insistindo com a prova da efetiva instalação ou ampliação do empreendimento econômico [para conceder o benefício]”, afirma Pugliese.

Fonte: jota

Transação no contencioso tributário

Uma análise da isonomia na hipótese de depósito judicial

A transação no contencioso tributário se apresenta como um instrumento significativo para a resolução de litígios fiscais, promovendo benefícios tanto para o contribuinte quanto para a Administração Tributária. Nesse tema, a isonomia no tratamento entre contribuintes é um ponto crítico que tem sido objeto de atenção pela doutrina[1].

Um exemplo recente que ilustra essa questão é o Edital MF/PGFN 4/2024, que regulamenta a transação prevista na Lei 14.789/202 e traz a seguinte previsão:

“Os depósitos existentes vinculados aos débitos a serem quitados por meio da transação de que trata este Edital serão automaticamente convertidos em renda da União, hipótese em que as condições de pagamento serão aplicadas sobre o saldo remanescente do débito objeto da transação”.

A previsão de que os descontos apenas podem ser aplicados sobre o saldo remanescente após a conversão do depósito em renda acaba por suscitar questionamentos sobre a isonomia, pois contribuintes que jamais depositaram fariam jus a descontos sobre todo o montante do crédito.

Diante desse cenário, uma análise criteriosa sobre a natureza dos depósitos judiciais e a isonomia se faz necessária para entender se tal medida está em consonância com o princípio da igualdade tributária e os objetivos da transação tributária.

Nos termos do art. 1º, § 1º da Lei 13.988/2020, a União deve avaliar a conveniência e a oportunidade de realizar ou não a transação com a finalidade de atender o interesse público. Assim, a Administração Tributária deve analisar as vantagens na celebração de uma transação, normalmente materializadas pela redução do risco de inadimplência, maior eficiência na cobrança, agilidade no recebimento de valores e pelo descongestionamento do Judiciário.

Nessa análise de oportunidade e conveniência, é imprescindível examinar a natureza do depósito judicial e suas características para ponderar se o discrímen utilizado pela Fazenda Nacional fere o princípio da igualdade.

O depósito integral efetuado pelo contribuinte em juízo serve como uma garantia do cumprimento da obrigação tributária, suspendendo a exigibilidade do crédito tributário conforme o artigo 151, inciso II, do Código Tributário Nacional (CTN).

O regime jurídico do depósito judicial para suspensão da exigibilidade do crédito tributário, como faculdade do contribuinte, torna o montante depositado indisponível para a parte, permanecendo à sorte do resultado da ação.

A quantia depositada assegura que, em caso de decisão desfavorável ao contribuinte, o valor devido estará prontamente disponível para a Fazenda Pública, eliminando o risco de inadimplência. Desse modo, a sua conversão em renda equivale ao pagamento, estando ambas as hipóteses previstas no rol do art. 156 do CTN como modalidade de extinção do crédito tributário. No cenário oposto, se o contribuinte for vitorioso, ele poderá levantar imediatamente os valores depositados com a devida correção monetária.

O depósito judicial possui, portanto, uma natureza dual: por um lado, permite ao contribuinte evitar ações de cobrança, manter sua regularidade fiscal e livrar-se dos encargos da mora; por outro lado, protege os interesses da Fazenda Pública ao garantir o adimplemento das obrigações tributárias. Devido a essas características, os depósitos judiciais podem ser classificados como “pagamento sob condição resolutiva”[2].

Essa situação difere significativamente da daqueles que permanecem inadimplentes, prolongando a incerteza e o risco na arrecadação para a Administração Tributária. Assim, na análise de oportunidade e conveniência, a ponderação do risco de inadimplemento e a existência de garantia de recebimento da dívida são fatores relevantes ao avaliar as vantagens existentes para o interesse público na proposta de transação tributária.

A transação tributária tem que ser vantajosa para o ente público e tem que proporcionar condições favoráveis para a regularização de débitos fiscais, mas deve fazê-lo sem criar discriminações injustificadas entre os contribuintes. A isonomia é um princípio fundamental no direito tributário, garantindo que contribuintes em situações equivalentes sejam tratados de forma igualitária. Assim, é crucial analisar se o tratamento diferenciado a contribuintes que efetuaram depósitos judiciais viola esse princípio.

A situação dos contribuintes no contencioso tributário pode ser dividida em três grupos distintos: aqueles que pagaram o tributo, aqueles que depositaram em juízo e aqueles que não fizeram nada, mantendo inadimplido o dever tributário. Cada uma dessas situações envolve riscos e garantias diferentes para a Administração Tributária.

Os contribuintes que realizaram o pagamento do tributo integralmente tornam certa a arrecadação, não havendo risco de inadimplemento para a Fazenda Pública. Por outro lado, os contribuintes que não realizaram o pagamento geram uma situação de incerteza na arrecadação, aumentando o risco de inadimplemento. A Administração tributária não tem garantia de que o tributo será pago ao final do processo, além de ter que arcar com custos adicionais de cobrança.

Já os contribuintes que realizam depósitos judiciais oferecem uma garantia para o crédito tributário, eliminando o risco de inadimplência para a Administração Tributária e assegurando que, em caso de decisão desfavorável, a Fazenda Pública receberá o valor devido.

Esse depósito é, portanto, uma garantia efetiva do imediato cumprimento da obrigação tributária ao término do processo, situação que se aproxima mais da hipótese em que há o pagamento do tributo, na qual não há riscos significativos para a União, reforçando também sua natureza de pagamento sob condição resolutiva.

O tratamento conferido aos depósitos pelo Edital MF/PGFN 4/2024 não configura quebra da isonomia, mas uma diferenciação legítima baseada na disponibilidade financeira, na capacidade contributiva e na escolha do contribuinte de garantir o crédito tributário para usufruir dos benefícios da suspensão da exigibilidade. É inegável que a recuperabilidade de crédito garantido por depósito é diversa da recuperabilidade de um crédito não garantido.

O discrímen considerado pelo Edital MF/PGFN 4/2024 aplica-se igualmente a todos os contribuintes que realizaram depósito judicial, adotando-se como critério distintivo a existência de crédito tributário garantido, e não as características dos depositantes. Esse é um critério baseado em fundamento lógico, distingue duas situações completamente diferentes: a do contribuinte que voluntariamente efetuou o depósito judicial do débito, livrando-se dos consectários legais decorrentes da mora, e a do contribuinte que se quedou inerte em relação aos débitos que possuía com o Fisco, assumindo o risco de manter suas dívidas inadimplidas.

Vale rememorar que o Supremo Tribunal Federal (STF) já enfrentou controvérsia similar ao analisar no Tema 573 de Repercussão Geral, quando decidiu se a Portaria 655/1993 do Ministério da Fazenda, que proibiu o parcelamento de débitos da Cofins que tivessem sido objeto de depósito judicial, ofendia os princípios da isonomia e do livre acesso à Justiça.

A Suprema Corte concluiu que a restrição não violava a Constituição e considerou a existência de depósito como uma distinção legítima para diferenciar os grupos de contribuintes.

A análise do tratamento dos depósitos judiciais demonstra que não há violação à isonomia. Os contribuintes que realizaram depósitos judiciais voluntariamente forneceram uma garantia à União e usufruíram dos benefícios da regularidade fiscal, diferindo da situação dos contribuintes inadimplentes e se aproximando da situação daqueles que efetuaram o pagamento regular. Essa diferenciação é legítima e justificada pela natureza distinta de cada situação.

O tratamento diferenciado conferido pelo Edital MF/PGFN 4/2024, ao aplicar descontos apenas sobre o saldo remanescente após a conversão do depósito em renda, respeita o princípio da isonomia e reflete uma análise de conveniência e oportunidade por parte da Administração Tributária na análise dos benefícios e riscos associados a cada tipo de contribuinte.

Essa distinção visa garantir maior segurança e previsibilidade na arrecadação de tributos, proporcionando o ingresso de valores não arrecadados e não garantidos. Portanto, a distinção entre contribuintes que depositaram e os que não o fizeram é uma medida justa e adequada para a resolução de litígios e a recuperação de créditos tributários pela União.


[1]No âmbito da transação da cobrança, questionamentos a respeito da isonomia são mais frequentes e costumam ser expressos na necessidade de garantir que as propostas de transação individual não ensejem privilégios a certos contribuintes dentro de um determinado nicho de mercado (Cantanhede, 2021, p. 123) e na determinação dos critérios de mensuração da capacidade de pagamento (Pinho, 2021, p. 161).

[2]Nessa linha, NUNES (2024, p. 1624) leciona que “ao fazer o depósito o contribuinte realiza espécie de pagamento provisório, sujeito a condição resolutória de a ação judicial confirmar ou não a “transformação” do “depósito” em pagamento do crédito tributário discutido.”

Fonte: Jota

A (in) justiça tributária no mundo digital

IA propõe política fiscal ideal, mas desafios surgem na justiça tributária e na tributação da economia digital

Um sistema de aprendizagem profunda, nomeado por The AI Economist[1], elaborou, através de simulações econômicas, o que os idealizadores, baseados em teóricos da economia, chamaram de politica fiscal ideal, equitativa, justa que encoraja a igualdade, aumenta a produtividade e proporciona maior bem estar social.

Segundo os pesquisadores envolvidos no projeto, é possível que haja um trabalho conjunto entre o AI Economist e os humanos de modo que a inteligência artificial possa ajudar, principalmente os governantes, na concepção de políticas fiscais ideais que beneficiem o maior número de pessoas.

Dessa afirmação, cabe a crítica: Qual seria a configuração de um sistema tributário justo e o quão tendenciosos podem ser os dados que moldarão os algoritmos de aprendizado desse sistema?

O imposto sobre os rendimentos do trabalho e do capital apresenta, idealmente, a melhor qualidade de justiça, pois consegue concretizar a medida da capacidade contributiva através da imposição de alíquotas progressivas. No entanto, existe um desequilíbrio no tratamento tributário entre o capital e o trabalho.

Além das alíquotas progressivas, um sistema tributário progressivo deve ser estruturado em harmonia com a concessão de créditos, deduções e incentivos; com a incidência criteriosa dos impostos sobre propriedades e patrimônio; com políticas que proporcionem a redução da carga sobre os mais pobres nos impostos sobre o consumo e com uma efetiva progressividade das pessoas jurídicas.

De acordo com estimativas recentes[2], a alíquota média efetiva global do imposto de renda das pessoas jurídicas diminuiu de aproximadamente 30% na década de 1960, para cerca de 25% na década de 1980, e 18% em 2020. Esta redução impacta diretamente nas receitas públicas e compromete a progressividade do sistema tributário, além de exercer pressão sobre a tributação do rendimento das pessoas físicas, essencialmente sobre os rendimentos do trabalho.

Entretanto, apesar da imprecisão dos números sobre o futuro do trabalho, não podemos ignorar o aperfeiçoamento constante na dinâmica da substituição (total ou parcial) dos trabalhadores provocada pelas tecnologias inteligentes.

Se, por um lado, surgirão novas profissões tecnológicas e a necessidade de trabalhadores qualificados e bem remunerados, por outro, estão a diminuir os empregos tradicionalmente “do meio” e a aumentar o trabalho de menor complexidade, instável, desgastante, sem vínculo laboral, disfarçado de flexível, mas que, na verdade, trata-se de trabalho precarizado com uma pressão descendente sobre os seus salários. Esta situação reforça a responsabilidade das novas tecnologias no alargamento da desigualdade salarial entre trabalhadores qualificados e os demais.

São alterações profundas na natureza do trabalho que provavelmente terão um impacto negativo sobre a arrecadação do IRPF incidente sobre os rendimentos do trabalho e das contribuições da seguridade social e, ao mesmo tempo exigirão do Estado aumento das despesas, inclusive com subsídios sociais.

Em contrapartida, o sistema de produção, distribuição e concentração de riqueza está sofrendo mudanças significativas. A inteligência artificial apresenta vantagem em relação à inteligência humana em um pequeno, mas crescente número de domínios limitados, daí decorre o risco de extinção de algumas profissões e o esvaziamento de outras.

À medida que essa tecnologia é incorporada por mais e mais empresas, a tendência é observarmos uma diminuição dos custos, com consequente aumento dos lucros e o enfraquecimento do poder de reivindicar uma parte dos lucros que o próprio trabalho possibilita[3].

Os dados de cidadãos, empresas e governos, passaram a ser um ativo dos mais relevantes para a geração de riqueza nas economias globais. A depender do modelo de negócio, os dados, fornecidos gratuitamente, são otimizados e utilizados como fonte de receita, incremento dos lucros e maximização dos resultados de empresas privadas. Seja com a criação de novos produtos e funcionalidades, personalização do cliente ou como fonte para treinar padrões – prever comportamentos, intenções e desejos – em sistemas de Inteligência Artificial, inclusive com o intuito de substituir a força de trabalho humana.

Em vista deste cenário, os critérios de repartição dos impostos, pensados em outros contextos históricos e econômicos, precisam ser readequados à contemporaneidade. A presença do Estado, através da atividade arrecadatória, se justifica em função da caracterização de uma atividade lucrativa, cuja tendência é ser ainda mais valiosa no futuro, e da necessidade de eliminar, ou pelo menos reduzir, as externalidades negativas decorrentes desse mercado digital, entre as quais, a redução das receitas tributárias.

Com a identificação e consequente tributação dessas novas fontes de rendimentos não se pretende negar os benefícios da robótica, penalizar as empresas automatizadas ou desencorajá-las a aderirem às novas tecnologias. A questão que se coloca é como poderemos nos certificar que os benefícios advindos da presença de robôs e da inteligência artificial serão compartilhados por toda a coletividade.

Manter o sistema tributário baseado no regime de apropriação e acumulação do passado, é reconhecer sua ineficácia futura. É fundamental que o legislador identifique as fontes de riqueza geradas nas empresas pela adoção de tecnologias inteligentes e, em consonância com a aplicação da capacidade contributiva, garanta uma distribuição equitativa da carga tributária. O reconhecimento de uma nova base tributável, que não seja a atividade laboral, pode ser um caminho que deve ser explorado e será crucial na promoção da justiça tributária em um mundo digital.

[1]Stephan Zheng, Alexander Trott, Sunil Srinivasa, Nikhil Naik, Melvin Gruesbeck, David C. Parkes, Richard Socher. The AI Economist: Improving Equality and Productivity with AI-Driven Tax Policies. 2020. Harvard University. Disponível em:https://arxiv.org/pdf/2004.13332.pdf.

[2]World Inequality Report (2022). Disponível em: https://wir2022.wid.world/ .

[3]PORTO, Lilia. Capitalismo digital: enfraquecimento do trabalho, novos conflitos e oportunidades. O futuro das coisas. Disponível em:https://ofuturodascoisas.com/capitalismo-digital-enfraquecimento-do-trabalho-novos-conflitos-e-oportunidades/

Fonte: Jota

STF julga nesta quarta-feira (27/11) o Marco Civil da Internet; saiba o que está em jogo

Corte julga a partir desta quarta três ações que envolvem o MCI e discute futuro de artigo sobre responsabilização das plataformas digitais

O Supremo Tribunal Federal (STF) começa a julgar nesta quarta-feira (27/11) o conjunto de ações que discutem a constitucionalidade do Marco Civil da Internet, especialmente de seu artigo 19. O dispositivo prevê que as plataformas, provedores de internet e sites só podem ser responsabilizados civilmente caso não removam o conteúdo ilícito após ordem judicial.

O Marco Civil da Internet, sancionado em 2014, disciplina o uso da Internet no Brasil. A lei foi concebida para estabelecer deveres e direitos de plataformas digitais, provedores de internet e usuários. No entanto, apesar de avanços significativos, uma década depois, parte da legislação enfrenta questionamentos quanto à responsabilidade de plataformas por conteúdo ilícito de terceiros.

Entre os principais, estão as alegações de que a evolução tecnológica e o crescimento da audiência digital colocam à prova a sua adequação frente ao cenário atual. Nesse contexto, uma década depois, o Supremo discute a eficácia da legislação diante de um cenário tecnológico muito mais complexo.

Ações pautadas

Estão na pauta do STF três ações, o recurso extraordinário 1.037.396, (tema 987) discute a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, de relatoria do ministro Dias Toffoli, o RE 1.057.258 (tema 933), que também trata de moderação de conteúdo, refere-se a fatos anteriores à edição do Marco Civil da Internet, de relatoria do ministro Luiz Fux, e a ADPF 403, de relatoria do ministro Edson Fachin. 

Esta ADPF foi ajuizada por conta das decisões judiciais em diferentes tribunais de Justiça brasileiros que determinaram a suspensão do aplicativo WhatsApp, após a empresa informar que não poderia fornecer os dados requisitados pelos magistrados por conta da segurança da criptografia. Em agosto deste ano, os três relatores pediram ao ministro Luís Roberto Barroso, presidente da Casa, para que as pautasse juntas.

Em setembro, a Advocacia-Geral da União (AGU) pediu ao Supremo para ingressar como amicus curiae nos dois recursos extraordinários que estão em pauta. À época, a AGU defendeu que, “em casos específicos, há a possibilidade de as plataformas digitais serem responsabilizadas, independentemente de haver ordem judicial prévia para a remoção do conteúdo, considerando o dever de precaução que devem ter as empresas, por iniciativa própria ou por provocação do interessado”.

“Não é razoável que empresas que lucram com a disseminação de desinformação permaneçam isentas de responsabilidade legal no que tange à moderação de conteúdo. Essas plataformas desempenham um papel crucial na veiculação de informações corretas e na proteção da sociedade contra falsidades prejudiciais. A ausência de uma obrigação de diligência nesse processo permite que a desinformação se propague de forma descontrolada, comprometendo a confiança pública e causando danos consideráveis”, ressalta trecho do documento enviado ao STF.

O caput do artigo 19 tem a seguinte redação: “Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário”.

Liberdade de expressão

“O artigo 19, hoje, é a regra básica a respeito da responsabilidade das plataformas”, explica o advogado especialista em direito digital Marcelo Crespo, coordenador do curso de direito da ESPM. A norma se relaciona diretamente com a licitude de conteúdo na internet. Crespo, no entanto, considera que o dispositivo tende a ser usado pelas empresas como meio de se esquivar de responsabilizações. “O artigo 19 é bastante conveniente para as empresas e plataformas de tecnologia”, afirma.

Segundo ele, por causa da redação do dispositivo, “existe uma narrativa” de se falar que o artigo 19 quer proteger a liberdade de expressão, embora, para ele, esse não seja exatamente o interesse das empresas com a não responsabilização dos conteúdos.. “As plataformas têm interesses próprios em ganhar dinheiro com alguns conteúdos, inclusive com fake news, porque elas geram engajamento, geram receita”, declara.

Antes do Marco Civil da Internet, diz Crespo, havia uma relação “mais equilibrada” entre as empresas e as vítimas online, já que caso alguém se sentisse ofendido por um conteúdo publicado na internet, não era necessário, inicialmente, recorrer à Justiça. O procedimento comum era realizar uma notificação extrajudicial, exigindo que o conteúdo fosse retirado do ar por causar ofensa.

“Nesse cenário, as plataformas não tinham obrigação legal de remover o material, mas o processo era, de certa forma, mais equilibrado. Por um lado, a plataforma poderia optar por não remover o conteúdo; por outro, ela não gostaria de ter que ficar respondendo várias ações judiciais”, declara.

Um dos principais questionamentos sobre a moderação de conteúdos pelas plataformas é o risco de censura. O advogado Renato Opice Blum, do escritório Opice Blum, rebate as críticas que equiparam a remoção de discursos de ódio à restrição da liberdade de expressão.

“Bloquear discurso de ódio é censura? Aí, vamos para o conceito de censura que está ligado diretamente à liberdade de expressão. […] Quando se tem identificação de discurso de ódio, não é liberdade de expressão, o propósito é outro. Você não quer falar, você quer atacar”, afirmou o advogado.

No entanto, ele reconhece que os algoritmos das plataformas podem cometer erros ao remover conteúdos legítimos. Opice Blum refuta a ideia de que os algoritmos tenham vieses intencionais, os atribuindo a falhas de programação.

Apoio ao artigo 19

Por outro lado, estudo conduzido pelo Reglab, think tank especializado em mídia e tecnologia, mostrou que 48% das manifestações coletadas defenderam a manutenção do artigo, argumentando que ele equilibra a liberdade de expressão e responsabilidade das plataformas. O apoio veio de setores diversos, incluindo organizações que tradicionalmente divergem das grandes empresas de tecnologia, como algumas ONGs e instituições acadêmicas. A academia frequentemente adota posições críticas às big techs, especialmente em questões relacionadas à privacidade e regulação de mercado. Entidades da sociedade civil e academia representaram 50% da amostra, com mais da metade desses se manifestando a favor da constitucionalidade (59%).

A análise indica que os argumentos favoráveis à constitucionalidade “apresentaram uma variedade argumentativa maior que outras posições. Embora essa multiplicidade também possa refletir a necessidade de uma defesa mais robusta, isso também pode sugerir que o art. 19 possui um caráter mais estruturante, adaptável e democrático”.

Entre os argumentos mais citados pelos grupos que apoiam a constitucionalidade, estão a preservação da liberdade de expressão e o estímulo à inovação tecnológica. Para empresas, como afirmou a Meta em sua manifestação, o artigo reduz riscos jurídicos e mantém custos operacionais previsíveis. Já a sociedade civil e a academia destacam que o modelo atual protege direitos fundamentais e previne a censura prévia.

“Não é correto afirmar que o artigo 19 serve como escudo para provedores evitarem remoções de conteúdos ilegais. Ele apenas estabelece regras para garantir a proporcionalidade e evitar a censura prévia”, afirmou o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) em manifestação. Para defensores da constitucionalidade, a decisão judicial como pré-requisito para a remoção de conteúdos é apontada como um mecanismo que respeita o devido processo legal e garante a liberdade de expressão.Os processos são: Recurso Extraordinário (RE) 1037396 (Tema 987 da repercussão geral), Recursos Extraordinários (RE) 1057258 (Tema 533 da repercussão geral) e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 403.

Fonte: Jota

Paredes São de Vidro: Mais ou menos poder? O que o Supremo prefere?

Segundo episódio da nova temporada do podcast contextualiza como a Constituição foi recebida pelo Supremo

Até o início da década 1990, o Supremo Tribunal Federal (STF) era conhecido por seguir o escrito. Manter o que já estava posto. Foi por isso que um caso sobre licença maternidade parecia simples, afinal, a legislação era clara sobre o direito da mãe. No entanto, uma pergunta reversa a esse caso ilustra como o Supremo foi ganhando cada vez mais poderes e protagonismo. O segundo episódio da nova temporada do Paredes São de Vidro detalha o contexto da época, em que a Corte recebia uma nova Constituição.

O podcast do JOTA que conta os bastidores do STF relembra neste novo episódio que o Supremo costumava se isentar e deixar a função de preencher lacunas para o Congresso Nacional. Quem ajuda a fazer a conexão entre o momento que o Supremo vivia e a sua transição é o ministro aposentado Otávio Gallotti, relator do processo de Cláudia* — uma mãe que brigava pelo direito à licença-maternidade para cuidar de uma filha adotada.

As regras eram claras: a Constituição dizia que quem tem direito à licença-maternidade é a mãe que gestou o filho. Cláudia não havia gestado a criança, logo, não teria direito à licença. Mas e o direito da criança? “Pensar em novas soluções para além do texto, ou em novas interpretações diante de novos problemas, fazer uma leitura mais expansiva da lei ou até mesmo interpretar a lei para fazer a história avançar, como costuma dizer o ministro Luís Roberto Barroso – nada disso era a cara de Gallotti”, relata no episódio o diretor de Conteúdo do JOTAFelipe Recondo, que apresenta o podcast.

E Gallotti não estava sozinho nessa. Com a Constituição de 1988 havia ficado mais fácil recorrer ao Supremo, e a sociedade esperava uma Corte mais avançada para defender a Constituição e dar efetividade a este novo plano de direitos e de garantias. Os ministros daquela composição, porém, logo nos primeiros julgamentos não pareciam dispostos a aceitar as atribuições que a Assembleia Constituinte havia oferecido.

Como isso mudou? Este segundo episódio da nova temporada do Paredes São de Vidro traz o contexto para responder a essa pergunta. Além disso, mostra como o caso de Cláudia entra nesse cenário.

Fonte: Jota

Câmara aprova projeto que cria mercado regulado de carbono

Deputados aprovaram as alterações feitas pelos senadores, com exceção de uma. O texto vai à sanção e precisará ser regulamentado depois

Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (19/11) as alterações feitas pelos senadores ao PL 182/2024, que cria o mercado regulado de carbono e prevê regras para o mercado voluntário. O texto vai à sanção e precisará ser regulamentado depois.

A única mudança feita pelo Senado que acabou rejeitada foi o restabelecimento da obrigação das seguradoras a adquirirem um percentual mínimo de 1% de suas reservas técnicas e provisões em ativos ou cotas ambientais. A proposta acordada com líderes é que um novo projeto seja apresentado e votado para mudar a alíquota para 0,5%. É uma forma de garantir a obrigatoriedade e mexer na alíquota, já que a votação de hoje apenas pode aceitar o rejeitar as mudanças do Senado.

A aprovação do texto era esperada com ansiedade pelo governo após dois anos de tramitação. Depois de negociação com lideranças políticas, o relator, Aliel Machado (PV-PR), conseguiu manter quase em totalidade o acordo que foi feito entre ele, o Senado e o governo na última semana. A única alteração, em relação às seguradoras, é considerada de menor importância para o governo. A expectativa é de que não haja vetos por parte do Executivo.

O projeto cria o mercado regulado de crédito de carbono, com regras que obrigam setores a compensar suas emissões a partir de 25 mil toneladas de CO² anuais.

Ficam excluídos dos limites as unidades de tratamento de resíduos sólidos e afluentes líquidos, quando adotarem sistemas de neutralização de emissões. A matéria também dispõe sobre regras para o mercado voluntário, com diretrizes para os programas jurisdicionais e garantia de saída de proprietários de tais programas.

Fonte: Jota

A Justiça do Trabalho como instrumento de equilíbrio das relações econômicas e sociais

Avançar para uma cultura de precedentes é um dos principais esforços da nova gestão da presidência do TST

Com alguma frequência, ressurgem críticas ao direito social e ao ramo judiciário especializado no julgamento dos correspondentes conflitos, a Justiça do Trabalho. Tais críticas, todavia, fazem parte do esperado debate, salutar em uma sociedade democrática e plural, onde exista a livre circulação de ideias e pontos de vista – especialmente considerando que o Direito do Trabalho surgiu para justamente regular um dos mais complexos conflitos do mundo moderno. 

O fim do século XIX e a primeira metade do século XX viram intensa mudança evolução social, períodos nos quais, em praticamente todos os países ocidentais, houve o fortalecimento do Direito do Trabalho, ramo de legislação social destinado a equilibrar as relações econômicas, produtivas e sociais, a fim de reduzir conflitos e formar uma sociedade mais equânime e próspera. Por sua vez, a elevação social de um grande segmento da população, dignificada em seus empregos, contribuiu significativamente para a ampliação de uma classe consumidora e, consequentemente, para o boom de crescimento econômico ligado ao chamado “American dream”, nos Estados Unidos, ou ao “Estado do Bem-Estar Social”, na Europa ocidental – abandonando-se o individualismo estrito do século XIX (laissez faire), em prol de uma regulação estatal mais presente. 

No Brasil, embora sem o mesmo nível de pujança dos países mais ricos, é inegável que a regulação do trabalho contribuiu significativamente para a solidificação de uma classe média e de um sólido mercado consumidor interno, levando o país, de um mero exportador de monoculturas, nos anos 40, à condição de uma diversificada potência econômica regional, a oitava economia mundial, com períodos de pleno emprego em vários momentos de nossa história recente.

Nestes mais de oitenta anos de existência, a Justiça do Trabalho tem sido parceira do desenvolvimento nacional, resolvendo de forma célere e eficiente os conflitos decorrentes das relações de trabalho, inclusive com a maior taxa de conciliação do Judiciário Brasileiro, cerca de 40%. 

Por outro lado, mesmo diante de grandes alterações legislativas, como a Reforma Trabalhista de 2017 (Lei nº 13.467), a Justiça do Trabalho conseguiu se adaptar rapidamente aos novos regramentos, passando a dirimir as diversas dúvidas que naturalmente surgem com a edição de novas leis. A jurisprudência tem este papel de pacificar as interpretações divergentes quanto às leis, demandando um tempo de maturação dos respectivos entendimentos. Passados quase sete anos de aplicação da reforma trabalhista, as matérias submetidas à apreciação da Justiça do Trabalho já se encontram, em grande parte, consolidadas na jurisprudência.

Os juízes brasileiros, em especial os da Justiça do Trabalho, são cientes de suas responsabilidades dentre os Poderes da República, incumbindo-lhes interpretar as escolhas feitas pelo legislador e pelo constituinte, adaptando-as à complexidade das inúmeras situações que surgem. As normas que abstratamente resultam do processo legislativo acabam necessitando de interpretação, a fim de que possam ser aplicadas à solução dos litígios. É esta a diuturna atividade do juiz, examinando os casos concretos à vista do conjunto da legislação, assim como interpretando as leis à vista da Constituição. 

Milhares de causas são julgadas diariamente envolvendo tanto os temas recorrentes e pacificados, quanto temas novos e mais controvertidos. Empregados e empregadores buscam a Justiça do Trabalho para obter uma resposta sobre inúmeros temas. Quando há fraude, descumprimento da legislação trabalhista, ou mesmo o desejo de homologar um acordo na Justiça do Trabalho, qualquer cidadão ou empresa possui amplo acesso à justiça para reivindicar seus direitos. Diversas temáticas já foram pacificadas, havendo, no entanto, outras para as quais ainda inexiste uma resposta clara na legislação, ou sob a forma de precedentes vinculantes. 

Por exemplo, na contratação de empresas terceirizadas por entes públicos, pendia definir a quem incumbe o ônus de comprovar eventual falha na fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas – o que está pautado pelo STF para julgamento ainda em novembro e trará maior segurança jurídica (Tema 1.118 da Repercussão Geral). Outro exemplo é a prevalência de normas negociadas sobre direitos previstos em lei (ou “negociado sobre o legislado”). No ano passado, o STF definiu que a Constituição permite tal negociação, mas ressalvou os direitos absolutamente indisponíveis. Contudo, diante das inúmeras situações em que os direitos envolvidos podem ser relativamente ou absolutamente indisponíveis, antevê-se que a jurisprudência levará alguns anos para sedimentar tais categorias. De nenhuma forma isto significa o descumprimento de precedentes, denotando apenas a natural acomodação da jurisprudência quanto às situações ainda não diretamente resolvidas em julgamentos vinculantes anteriores. 

Já quanto a outra polêmica frequente – a chamada “Pejotização”, ou prestação pessoal de serviços através de uma pessoa jurídica (“PJ”, daí o neologismo) – as decisões trabalhistas nada têm oposto às formas verdadeiramente autônomas de prestação de serviços através de pessoas jurídicas unipessoais. Todavia, ainda inexiste uma orientação uníssona, do ponto de vista constitucional, especificamente sobre o tratamento das situações comprovadas de fraude, encobrindo verdadeira situação de emprego subordinado.

Por outro lado, veja-se que a análise dos impactos econômicos da regulação do mercado e das relações de trabalho não compete ao Poder Judiciário – mas à atuação do Poder Legislativo ou à criação de políticas públicas pelo Executivo. Cabe ao Poder Judiciário, isto sim, diante das dúvidas surgidas, concretizar a aplicação das escolhas efetuadas pelo legislador e pelo constituinte, quando da resolução dos conflitos que lhe são submetidos. 

Ainda, outro debate recorrente é o impacto econômico da Justiça do Trabalho e o custo das ações trabalhistas. No entanto, é necessário formular as perguntas corretas: 

  • Qual é o custo, para o país e para seus cidadãos, de ambientes de trabalho inseguros que causam mortes, amputações e doenças, onerando as famílias, assim com a Previdência Social?
  • Qual é o custo da informalidade ou da ocultação de relações de emprego, onerando os cofres públicos quanto à evasão de impostos e de contribuições previdenciárias, causando uma “Bomba Fiscal” (como tem referido o ministro Flávio Dino) – considerando o desamparo desses trabalhadores na velhice e os decorrentes custos em benefícios assistenciais?
  • Qual o custo, para os cidadãos brasileiros e suas famílias, quando não recebem o pagamento de salários e outros direitos, ou que não recebem seus valores rescisórios no momento em que, demitidos, perdem sua fonte de subsistência?

É nesse contexto que a Justiça do Trabalho, ao zelar pela aplicação das escolhas do legislador, acaba gerando um valor agregado incalculável para o país, já que, junto com os demais ramos do Poder Judiciário, obriga ao cumprimento das regras do jogo, sem as quais, a sociedade entraria em convulsão. Por outro lado, ao compelir o pagamento de direitos que foram sonegados, retorna tais valores na economia, com efeitos que vão muito além do credor trabalhista, além de arrecadar anualmente R$ 6 bilhões para a União, entre impostos, custas e contribuições previdenciárias.

Finalmente, quanto ao debate relativo à segurança jurídica e necessária coerência entre as decisões judiciais, o sistema brasileiro já se encontra bastante avançado, em relação aos demais países da chamada tradição jurídica romano-germânica, na implantação de um sistema de precedentes vinculantes. Aliás, avançar para uma cultura de precedentes é um dos principais esforços desta Gestão da Presidência do TST. Ao se firmarem precedentes, a natural variabilidade de entendimentos judiciais, decorrente das lacunas da lei, fica reduzida por orientações vinculantes, principalmente aquelas emanadas dos Tribunais Superiores. A existência de precedentes faz avançar a segurança jurídica, já que propicia um norte para os casos de lacunas, ambiguidades ou conflitos da legislação, aumentando a previsibilidade das decisões judiciais e criando um ambiente mais seguro para o crescimento econômico.

Em tal contexto, eventuais divergências de decisões, em uma fase de amadurecimento ou sedimentação da jurisprudência em questões novas, não importam em ativismo judicial. São naturais e contribuem para enriquecer tais debates iniciais, visando à formação de precedentes sólidos e amadurecidos. O juiz interpreta a lei. Eventuais decisões isoladas, que discrepam do senso comum ou da jurisprudência majoritária, acabam sendo reformadas através do próprio sistema recursal, previsto na legislação. A cultura de precedentes qualificados orienta todo o Poder Judiciário a interpretar a lei segundo os precedentes criados.

A Justiça do Trabalho, através de seus juízes e tribunais, está pronta para atender aos cidadãos, garantindo o exame cuidadoso dos conflitos, com isonomia, estabilidade e segurança jurídica, concentrando esforços em dirimir os litígios trabalhistas, propiciando um atendimento célere, justo e eficiente ao jurisdicionado brasileiro, a promover, sem dúvida, a paz social.

Fonte: Jota

O Direito Administrativo brasileiro pelo olhar de mestre Yoda

“Contextualista, pragmático e experimentalista o Direito Administrativo brasileiro é”, poderia dizer o Mestre Yoda, caso aportasse no Brasil em 2024. O otimismo seria excessivo: essas ideias são defendidas pela doutrina e ressoam em normas legais recentes, mas ainda não contam com adesão consolidada no cotidiano.

No entanto, a sabedoria Jedi pode servir de analogia didática para capturar tendências importantes para a renovação da gestão pública no país.

Contextualismo: a força da adaptabilidade

O contextualismo é pilar para uma Administração Pública realista, avessa à rotina das soluções uniformes, capaz de analisar cenários decisórios alternativos.

O artigo 22 da LINDB vocaliza essa orientação: prescreve que na interpretação das normas sobre gestão pública sejam considerados os obstáculos reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo.

A pandemia de Covid-19 reforçou esta exigência ao impor que gestores públicos, à semelhança de Padawans, fossem forçados à adaptação rápida e ajustada a contextos restritivos de decisão. 

Para Yoda, o conhecimento é a base do processo decisório: “em um lugar escuro nos encontramos e um pouco mais de conhecimento ilumina nosso caminho”.

Pragmatismo: o caminho Jedi da eficácia como meta

“Não! Tentar não. Faça ou não faça. Tentativa não há”, assentou Yoda. O pragmatismo ecoa nesta máxima, que aplicada à gestão pública apela por resultados tangíveis e eficientes, que atendam carências sociais.

Cabe ao gestor pragmático avaliar alternativas à luz do custo-benefício e da aderência às políticas públicas. Pesar as consequências práticas e explicitar as consequências jurídicas e administrativas é hoje diretriz explícita do art. 20 da LINDB.

Experimentalismo: o treinamento Jedi da Administração Pública

O experimentalismo é corolário do contextualismo e do pragmatismo. Assim como jovens Jedi aprendem pela prática, a Administração Pública é convidada ao aprendizado contínuo através da experimentação controlada.

A criação de laboratórios regulatórios ou sandboxes permite que gestores testem novas normas em ambientes controlados antes de implementá-las em larga escala, combinando flexibilidade com segurança jurídica. 

O direito ao erro: pressuposto da experimentação

Em Star Wars, até os mais sábios mestres Jedi erraram. De forma análoga, também a doutrina admite o “direito ao erro” na gestão pública. O conceito não é carta branca para a imprudência, mas o reconhecimento de que a gestão envolve sempre falhas e riscos. Ele oferece aos agentes margem para testar novas abordagens sem o receio paralisante de punições apoiadas em paradigmas irreais ou idealistas de atuação. 

Conclusão

Como alertou mestre Yoda, “sempre em movimento o futuro está”. O Direito Administrativo brasileiro move-se na direção de um futuro em que eficiência, adaptabilidade e inovação sejam vetores de uma administração pública a serviço do cidadão. Que a força esteja conosco para realizar esses objetivos!

Fonte: Jota