STF suspende análise de dupla responsabilização por crime eleitoral e improbidade

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, pediu vista, nesta segunda-feira (25/8), dos autos do julgamento no qual o Plenário discute a possibilidade de dupla responsabilização em caso de crime eleitoral e ato de improbidade administrativa.

Com o pedido de vista, a análise foi suspensa. O fim da sessão virtual estava previsto para a próxima sexta-feira (29/8).

O caso tem repercussão geral, ou seja, a tese estabelecida servirá para casos semelhantes nas demais instâncias do Judiciário. A Corte vai definir, no mesmo julgamento, qual é o ramo da Justiça competente para analisar ações de improbidade por condutas que também configurem crime eleitoral.

Antes da interrupção, três ministros haviam votado no sentido de reconhecer a possibilidade de dupla responsabilização e deixar os julgamentos de ações de improbidade a cargo da Justiça comum quando a conduta também for considerada crime eleitoral.

O caso de origem diz respeito a Arselino Tatto (PT), ex-vereador de São Paulo. Quando o político ainda estava no cargo, a Justiça estadual determinou a quebra de seu sigilo bancário e fiscal para investigar um suposto ato de improbidade administrativa.

A defesa de Tatto solicitou que o caso fosse enviado à Justiça Eleitoral. O Tribunal de Justiça de São Paulo rejeitou o pedido. Por isso, o então vereador recorreu ao STF.

No último mês de abril, o ministro Alexandre de Moraes, relator do recuso no STF, suspendeu a tramitação e o prazo de prescrição de todas as ações do país que tratam da possibilidade de dupla punição por crime eleitoral e improbidade administrativa.

Voto do relator

Alexandre considerou possível a dupla responsabilização pelo crime eleitoral de caixa dois e por ato de improbidade administrativa. Ainda segundo ele, se a Justiça eleitoral reconhecer que o delito não ocorreu ou que o réu não foi o autor, a decisão “repercute na seara administrativa”.

Por fim, o magistrado votou pela competência da Justiça comum para processar e julgar ações de improbidade por atos que também configurem crime eleitoral.

Antes do pedido de vista, Alexandre foi acompanhado por Cármen Lúcia e Cristiano Zanin.

O relator lembrou que, conforme a jurisprudência do STF, se a conduta de um agente público pode ser considerada, ao mesmo tempo, crime eleitoral e ato de improbidade, ele pode responder por ambos de forma simultânea.

O ministro citou o § 4º do artigo 37 da Constituição, segundo o qual a ação de improbidade deve tramitar “sem prejuízo da ação penal cabível”. Pela mesma lógica, nada impede que o mesmo fato seja analisado pela Justiça Eleitoral.

“A independência de instâncias exige tratamentos sancionatórios diferenciados entre os atos ilícitos em geral (civis, penais e político-administrativos) e os atos de improbidade administrativa”, explicou. O mesmo vale para quando a conduta for enquadrada ao mesmo tempo como crime eleitoral e ato de improbidade.

Segundo ele, essa independência é relativa: “Quando decidido na instância eleitoral sobre a inexistência do fato, ou pela negativa de autoria, essas causas hão de se comunicar na esfera da responsabilidade civil pela prática de ato ilícito.”

Por outro lado, o próprio Tribunal Superior Eleitoral considera que a Justiça Eleitoral não deve constatar dano aos cofres públicos e enriquecimento ilícito quando a conduta for analisada em uma ação de improbidade.

De acordo com Alexandre, a ação de improbidade protege o patrimônio público e a “moralidade administrativa”. Já o Direito Eleitoral protege a legitimidade e a normalidade das eleições.

Assim, se a mesma conduta gerar os dois tipos de ação, “tanto a lisura do processo eleitoral quanto a probidade administrativa” serão protegidos. “Trata-se de ações autônomas que vão ser processadas e julgadas em instâncias diversas, sob enfoques também distintos”, indicou o ministro.

Competência

O relator destacou que a jurisprudência do Supremo é favorável à competência da Justiça Eleitoral para julgar tanto crimes eleitorais quanto comuns quando forem conexos.

Mas, segundo ele, para que uma ação seja processada e julgada pela Justiça Eleitoral, é preciso demonstrar que as condutas “decorrem das diversas fases do processo eleitoral” ou podem interferir no exercício do mandato.

Ou seja, fatos não relacionados “à legitimidade e à normalidade das eleições, higidez da campanha, igualdade na disputa e liberdade do eleitor” estão fora da jurisdição eleitoral. É o caso das questões relativas à “probidade e moralidade administrativa”.

O TSE entende que a Justiça Eleitoral não deve julgar atos de improbidade, mas apenas investigar se houve interferência ilícita na eleição — seja política ou econômica, com o intuito de beneficiar ou fortalecer candidaturas.

Alexandre ainda recordou que existem situações nas quais a inelegibilidade depende da comprovação de ato doloso de improbidade administrativa, o que é definido na Justiça comum.

No caso de Arselino Tatto, o ministro não viu impedimento para que a ação prossiga na Justiça comum para verificar se houve ato de improbidade.

Clique aqui para ler o voto de Alexandre
ARE 1.428.742

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Cláusula de não-concorrência sem limite de tempo é anulável, diz STJ

A cláusula de não-concorrência sem limitação temporal é inválida e anulável. Isso implica na existência de um pedido expresso e de uma sentença, o que afasta que seja feita de ofício pelo juiz da causa.

A conclusão é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que deu provimento ao recurso especial de uma particular para reformar sentença que reconheceu, de ofício, a nulidade da cláusula.

O caso é de duas ex-sócias que tinham lojas de roupas infantis no mesmo prédio, uma de frente para a outra. Quando a sociedade foi encerrada, elas decidiram que cada loja ficaria para uma delas, com determinações específicas.

Essas regras foram definidas por meio de cláusula de não-concorrência em um instrumento particular assinado por ambas. Uma das lojas só venderia roupas para crianças até quatro anos e a outra, a partir dessa idade.

Quando uma delas descumpriu o combinado, a outra ajuizou a ação para cobrar indenização por perdas e danos. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina afastou a punição por entender que a cláusula é nula por não ter qualquer limitação temporal.

Cláusula de não-concorrência eterna

Relatora do recurso especial, a ministra Nancy Andrighi explicou que, de fato, cláusulas de não-concorrência não podem ser estabelecidas de forma ilimitada, sem restrições. Quando são feitas assim, não podem produzir efeitos.

O caso, no entanto, é de anulabilidade e não de nulidade. A diferenciação existe porque a invalidade do negócio afeta interesses privados e pode ser sanada. Portanto, a cláusula pode ser anulada a pedido das partes.

Já a nulidade poderia ser reconhecida se houvesse violação de normas de ordem pública. Nesses casos, o vício não pode ser corrigido ou confirmado. O juiz tem o poder de definir a nulidade de ofício, sem pedido expresso.

“Na vedação à cláusula de não-concorrência sem limitação temporal, embora se reconheça haver interesse social na preservação da livre concorrência e da livre iniciativa, o que se protege é a ordem privada”, disse a ministra.

Sendo anulável, a ausência de limitação da cláusula de não-concorrência pode ser sanada, não tem efeito antes de ser alvo de sentença, deve ser alegada pelos interessados e não pode ser reconhecida de ofício

Dentre as normas do Código Civil que sustentam essa interpretação está a do artigo 177, que diz que “a anulabilidade não tem efeito antes de julgada por sentença, nem se pronuncia de ofício”.

“Portanto, diante da ausência de pedido e contraditório acerca da ausência de limitação temporal na cláusula de não-concorrência, deve ser afastada a nulidade decretada de ofício”, concluiu a relatora.

Clique aqui para ler o acórdão
REsp 2.185.015

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STJ avalia início do prazo recursal em caso de dupla intimação eletrônica

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça começou a avaliar na quarta-feira (20/8) passada qual será o início do prazo recursal nos casos em que ocorre a dupla intimação da decisão judicial, pelo portal eletrônico e pelo Diário da Justiça eletrônico (DJe).

O tema está em análise sob o rito dos recursos repetitivos. O colegiado vai fixar uma tese vinculante, que terá observância obrigatória nas instâncias ordinárias. O julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Sebastião Reis Júnior.

Relator dos recursos, o ministro João Otávio de Noronha votou por definir que, em tais casos de duplicidade de intimação, o prazo recursal seja contado pela data de acesso no portal eletrônico, quando ele ocorrer antes da publicação no DJe.

Para ele, a ciência inequívoca da intimação por meio do site torna-a válida e suficiente para que se inicie o prazo, nos termos do artigo 5º, parágrafo 3º da Lei 11.419/2006.

Caso de dupla intimação

A posição é condizente com a forma que o Conselho Nacional de Justiça regulamentou o tema na Resolução 455/2022 e 569/2024, mas diverge de decisão da própria Corte Especial do STJ, anterior a elas.

Em 2021, o colegiado decidiu que, na hipótese de os advogados das partes sofrerem dupla intimação sobre o mesmo ato processual, a que ocorrer pelo portal eletrônico do tribunal deve prevalecer sobre a feita pelo Diário da Justiça Eletrônico (DJe).

Para o ministro Noronha, a mudança é necessária porque o CNJ instituiu um novo paradigma de comunicações processuais, segundo o qual os prazos passam a ser contados exclusivamente com base na publicação no DJe ou no domicílio judicial eletrônico.

Modulação dos efeitos

Essa regulamentação feita pelo CNJ ainda levou o relator a propor a modulação temporal dos efeitos da tese — ou seja, para que ela seja aplicável a partir de determinada data, preservando os casos anteriores.

Isso porque, hoje, todos os prazos processuais serão contados com base nas publicações feitas no Domicílio Judicial Eletrônico ou no Diário de Justiça Eletrônico Nacional, onde estão centralizadas as intimações de decisões.

O ministro Noronha propôs que a nova tese do STJ valha para casos após 16 de maio de 2025, quando houve a unificação das intimações pelo CNJ.

Nesse ponto divergiu o ministro Humberto Martins, que adiantou voto. Ele concordou com a tese, mas propôs um novo marco: que a tese seja aplicada apenas para as intimações após o trânsito em julgado do recurso especial em julgamento.

Tese proposta

Havendo duplicidade de intimação, prevalece como termo inicial da contagem do prazo recursal a data de acesso à intimação no portal eletrônico, desde que anterior à publicação no Diário da Justiça eletrônico (DJe).

A partir de 16 de maio de 2025, o termo inicial para contagem dos prazos será exclusivamente a publicação no Diário de Justiça Eletrônico Nacional ou a comunicação efetivada pelo Domicilio Judicial eletrônico, conforme regulamentação do CNJ.

REsp 1.995.908
REsp 2.004.485

Fonte: Conjur

Crédito presumido na cadeia do agronegócio para IBS/CBS

No artigo desta semana trataremos da análise inicial do instituto do crédito presumido para fins de IBS e CBS na cadeia do agronegócio, tema que será objeto inclusive de nossa palestra, no grandioso e relevante evento “VII Congresso Nacional de Direito Agrário”, sediado em Uberlândia (MG) entre os dias 20 e 22 de agosto.

Além disso, não poderia deixar de prestar, com muita dor no coração, minha homenagem e palavras de eterna gratidão ao querido mestre de todos nós, o professor dr. Paulo de Barros Carvalho, que nos deixou recentemente. Seu falecimento causa um vazio que, inegavelmente, não será preenchido, uma vez que sua trajetória e legado é incomparável.

Que Deus continue a zelar por ti querido e grande professor!! Obrigado por tudo!

IBS/CBS: não cumulatividade e previsão constitucional do crédito presumido

Como é de conhecimento, o setor do agronegócio recebeu um regime diferenciado do IBS e da CBS, como enuncia o artigo 9º, da Emenda Constitucional n. 132/2023:

Art. 9º A lei complementar que instituir o imposto de que trata o art. 156-A e a contribuição de que trata o art. 195, V, ambos da Constituição Federal, poderá prever os regimes diferenciados de tributação de que trata este artigo, desde que sejam uniformes em todo o território nacional e sejam realizados os respectivos ajustes nas alíquotas de referência com vistas a reequilibrar a arrecadação da esfera federativa.

Entre as pilastras mestras deste regime diferenciado para o agronegócio, temos a possibilidade de produtor rural (pessoa física ou jurídica) não ser contribuinte regular de IBS e CBS, levando o respectivo fornecimento de bens e serviços por estes a gerar crédito presumido, quando da aquisição por contribuintes:

  • 4º O produtor rural pessoa física ou jurídica que obtiver receita anual inferior a R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais), atualizada anualmente pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), e o produtor integrado de que trata o art. 2º, II, da Lei nº 13.288, de 16 de maio de 2016, com a redação vigente em 31 de maio de 2023, poderão optar por ser contribuintes dos tributos de que trata ocaput.
  • 5º É autorizada a concessão de crédito ao contribuinte adquirente de bens e serviços de produtor rural pessoa física ou jurídica que não opte por ser contribuinte na hipótese de que trata o § 4º, nos termos da lei complementar, observado o seguinte:
    I – o Poder Executivo da União e o Comitê Gestor do Imposto de Bens e Serviços poderão revisar, anualmente, de acordo com critérios estabelecidos em lei complementar, o valor do crédito presumido concedido, não se aplicando o disposto no art. 150, I, da Constituição Federal; e
    II – o crédito presumido de que trata este parágrafo terá como objetivo permitir a apropriação de créditos não aproveitados por não contribuinte do imposto em razão do disposto no caput deste parágrafo.

O texto constitucional, portanto, ao estabelecer que na cadeia do agronegócio teríamos produtores rurais não contribuintes, o quais, quando do fornecimento de bens e serviços, não gerariam crédito ordinário da não cumulatividade, dada a não tributação da operação, trouxe a previsão do crédito presumido.

Com relação ao crédito presumido, a Emenda Constitucional determina que a Lei Complementar irá autorizar ao Poder Executivo e  Comitê Gestor revisar, anualmente, o seu respectivo valor. Todavia, caberá à Lei Complementar os critérios para tal revisão.

Por sua vez, o texto constitucional traça com clareza o objetivo que deverá o crédito presumido concretizar, ou seja, “permitir a apropriação de créditos não aproveitados por não contribuinte do imposto”. Naturalmente, ao leitor mais atento, poderia questionar: mas este direito ao crédito presumido, apropriando de créditos não aproveitados por não contribuinte somente se aplica ao IBS, tendo em vista a expressão “imposto”?

Verdadeiramente, não me parecer se esta a pretensão do legislador constitucional, configurando falha técnica de redação, pois, o produtor rural, quando não contribuinte, ele será de ambos os tributos — IBS e CBS — de tal sorte que a consequência natural será a concessão de crédito presumido levando em consideração ambas as espécies tributárias. Bem por isso, há de se ler a expressão “imposto” como tributo, mais especificamente IBS e CBS.

Natureza jurídica: não se trata de benefício ou incentivo

Um aspecto relevante a ser analisado e fixado como premissa diz respeito ao fato de que o crédito presumido na cadeia do agronegócio não configura benesse ou incentivo fiscal.

Esta afirmação já resulta do que dispõe o artigo 156-A, § 1º, X, preceituar que: “não será objeto de concessão de incentivos e benefícios financeiros ou fiscais relativos ao imposto ou de regimes específicos, diferenciados ou favorecidos de tributação, excetuadas as hipóteses previstas nesta Constituição;”

Vejam que o constituinte diferenciou incentivos e benefícios financeiros ou fiscais de outros tratamentos tributários, como o caso dos regimes específicos, diferenciados ou favorecidos.

Ora, o crédito presumido é resultado do regime constitucional diferenciado e favorecido, que prevê este direito aos adquirentes (contribuintes) de produtos e serviços de produtor rural não contribuinte. Trata-se de um direito subjetivo do adquirente contribuinte regular de IBS/CBS e não uma mera benesse, principalmente, no setor do agronegócio, diante de suas características e finalidades. [1]

Não cuida de pura e simples concessão, a fim de “beneficiar”, simplesmente, o setor, uma vez que resulta de princípios regentes da presente reforma tributária, notadamente, a não cumulatividade e neutralidade.

A Constituição, tratando do IBS e CBS, a partir da Emenda Constitucional n. 132/2023, enuncia no art. 156, § 1 e VII [2] que:

  • 1º O imposto previsto nocaput será informado pelo princípio da neutralidade e atenderá ao seguinte:
    (…)
    VIII – será não cumulativo, compensando-se o imposto devido pelo contribuinte com o montante cobrado sobre todas as operações nas quais seja adquirente de bem material ou imaterial, inclusive direito, ou de serviço, excetuadas exclusivamente as consideradas de uso ou consumo pessoal especificadas em lei complementar e as hipóteses previstas nesta Constituição;

Se há neutralidade, a decisão negocial de adquirir de produtor rural contribuinte ou não contribuinte não pode ser decorrente do crédito ser o básico ou o presumido.

Daí porque, o constituinte reconheceu que, no caso do crédito presumido, visando observar a neutralidade e não cumulatividade na cadeia [3], ele deverá, nos termos da Lei Complementar, “permitir a apropriação de créditos não aproveitados por não contribuinte do imposto”.

Com isso, o crédito presumido, a fim de cumprir efetivamente a neutralidade e não cumulatividade, deve, forçosamente, refletir a tributação de IBS e CBS sofrida pelo produtor rural não contribuinte em suas aquisições no exercício da atividade, transferindo-a aos adquirentes quando do fornecimento de bens e serviços.

Este posicionamento gera relevantes consequências.

A uma. A a possibilidade de interpretação ampla e finalística, que não se restrinja à literalidade (artigo 111, do Código Tributário Nacional), muito menos de caráter restritivo.

A duas. É dever impositivo ao legislador complementar e respectiva regulamentação cumprir plenamente os propósitos descritos no texto constitucional quanto à concretização, por meio do crédito presumido, da neutralidade e não cumulatividade.

Regulamentação pela Lei Complementar nº 214/2025

Em tais condições, a regulamentação infraconstitucional possui a grande missão de manter a cadeia do agronegócio em harmonia com a neutralidade e não cumulatividade, o que se deu por meio do artigo 168 da Lei Complementar n. 214/2025, a qual analisaremos no artigo da próxima semana.

_________________________________

[1] -V. CALCINI, Fabio Pallaretti. Tributação no Agronegócio: algumas reflexões. Londrina: THOTH, IBDA, CONJUR, 2023. Cf ainda: aqui;

[2] – “art. 195, § 16. Aplica-se à contribuição prevista no inciso V do caput o disposto no art. 156-A, § 1º, I a VI, VIII, X a XIII, § 3º, § 5º, II a VI e IX, e §§ 6º a 11 e 13.”

[3] Mesmo antes da Emenda Constitucional n. 132, já sustentamos que o crédito presumido aplicado ao setor, por exemplo, para PIS/COFINS, não é incentivo ou benesse, mas cumprimento das peculiaridades do setor e não cumulatividade: CALCINI, Fabio Pallaretti. PIS/Cofins, crédito presumido e MP 1.227/24: efeitos nefastos ao agro

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Carf aplica tese do STJ sobre prescrição de matéria aduaneira não tributária

O prazo de três anos para a prescrição intercorrente previsto no artigo 1º, parágrafo 1º, da Lei 9.873/1999 incide sobre processos administrativos a respeito de questões aduaneiras não tributárias, conforme a tese firmada pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Tema Repetitivo 1.293.

Esse entendimento foi reafirmado pela 1ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da 3ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) no julgamento de um recurso voluntário apresentado contra multa por interposição fraudulenta aplicada pela Fazenda Nacional contra uma importadora.

O precedente do STJ foi reconhecido pelo relator do processo, conselheiro Laércio Cruz Uliana Júnior, durante a leitura de seu voto. Apesar da norma, a prescrição não foi aplicada ao caso concreto porque o recurso foi interposto dentro do prazo previsto.

Gustavo Henrique Campos, advogado tributarista do escritório /asbz, ressalta que a manifestação do relator é importante por indicar que só atos decisórios interrompem a prescrição, indicando uma possível mudança de entendimento do Carf.

“Em outros processos que tratavam da prescrição intercorrente, o Carf havia optado por sobrestar o julgamento com base no artigo 100 do Regimento Interno, que prevê essa possibilidade quando há decisão de mérito do STF ou do STJ pendente de trânsito em julgado, o que é o caso do Tema Repetitivo 1.293”, disse o advogado.

“Devemos acompanhar, assim, se o Carf passará a aplicar imediatamente a tese firmada pelo STJ aos casos de multas aduaneiras ou se essa foi uma decisão isolada porque o prazo para prescrição intercorrente não havia fluído e o parágrafo único ao artigo 100 do Regimento Interno permite que o sobrestamento não seja aplicado quando o julgamento puder ser concluído independentemente de manifestação quanto ao tema afetado.”

Na mesma linha, o sócio do escritório Daniel & Diniz Advocacia Tributária Carlos Augusto Daniel Neto considerou correta a aplicação da tese do STJ. Ele prevê debates sobre o assunto no conselho.

“A discussão dos marcos interruptivos da prescrição intercorrente deverá ocorrer no âmbito do Carf, no seu contexto específico e na verificação da aplicabilidade do Tema 1.293 aos casos concretos, mas não se pode ignorar, como o relator colocou, a observância estrita do artigo 2º da Lei nº 9.873/99 e da jurisprudência judicial pacífica sobre o tema.”

Processo 10314.720151/2021-31

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Avanço digital explica explosão de estelionatos, não exigência de representação

O número de estelionatos explodiu nos últimos anos no Brasil. Porém, isso não se deve à inclusão na lei da necessidade de representação da vítima para o oferecimento da ação penal, segundo especialistas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico. Para eles, o crescimento dos casos se deve ao maior uso de meios digitais pela população.

Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2025 revelou que houve um acréscimo de 408% nos registros do crime de estelionato no país entre 2018 e 2024. Só no ano passado, o Brasil teve aproximadamente 2,2 milhões de casos, o que equivale a quatro golpes por minuto.

Em 2019, com a lei “anticrime” (Lei 13.964/2019), passou a ser exigida a representação da vítima para o Ministério Público mover ação por estelionato. Antes disso, tratava-se de um crime de ação penal pública incondicionada.

Em 2021, o Supremo Tribunal Federal entendeu que as alterações legais quanto à necessidade de representação devem ser aplicadas aos processos em andamento, mesmo após o oferecimento da denúncia, desde que antes do trânsito em julgado (HC 180.421).

Sem relação

O delegado da Polícia Civil de Santa Catarina Lucas Neuhauser Magalhães, especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, afirma que, quando alguém decide cometer o crime de estelionato, não está preocupado se a vítima vai oferecer a representação criminal ou não.

“A grande verdade é que o estelionatário sempre imagina que não vai ser pego. E, ainda que seja pego, após as inúmeras camadas que ele utiliza para disfarçar a sua verdadeira identidade, ele sabe que dificilmente vai enfrentar uma pena privativa de liberdade. Então, geralmente, o crime compensa, porque a chance de ser descoberto é baixa e, se o for, a punição será branda.”

Segundo Magalhães, o notável aumento do número de estelionatos se deve tanto à condição de ser um “crime que vale a pena” quanto às mudanças na dinâmica do delito. Especialmente o maior uso de meios digitais, inclusive para a circulação de dinheiro, o que foi impulsionado pela epidemia de Covid-19.

“Estelionatários passaram a ter a percepção de que o meio digital era mais interessante, porque traz um risco pessoal muito menor para os próprios criminosos. O sujeito não vai ter o risco de puxar uma arma de fogo no meio da rua, tomar um tiro, para, de repente, roubar R$ 200 de alguém que raramente carrega dinheiro vivo hoje em dia. Aplicando um golpe virtual, ele pode obter uma quantia muito maior da vítima sem ter de se expor tanto.”

O sociólogo Daniel Hirata, coordenador do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni-UFF), também entende que a exigência de representação da vítima não é o principal fator para o crescimento expressivo dos registros de estelionato no Brasil.

“Esse aumento está muito mais relacionado à maior facilidade de cometimento desses crimes, especialmente pela ausência de instrumentos eficazes na área de segurança pública — em sentido amplo — para investigação, análise criminal e persecução penal que estejam à altura do desafio. A possibilidade de realizar golpes com baixo risco de repressão e alta lucratividade é o que tem atraído cada vez mais criminosos para essa modalidade, sobretudo com o uso de meios digitais. Trata-se de um cenário em que a chance de punição é reduzida, enquanto o retorno financeiro é elevado, incentivando a prática.”

Representação faz sentido

O desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo Marcelo Semer, doutor em Direito Penal e Criminologia pela Universidade de São Paulo (USP), ressalta que a representação é necessária apenas para a propositura da ação penal, o que não necessariamente afeta o registro dos crimes. Portanto, não é isso o que explica o aumento de estelionatos. Semer, inclusive, defende que outros delitos patrimoniais cometidos sem violência estejam sujeitos à representação da vítima.

“Muitas vezes, as situações se resolveram, as partes se compuseram, e as vítimas não têm interesse no prosseguimento da ação. Penso que elas deveriam ser consultadas. Eu apostaria no crescimento das relações e dos negócios virtuais para justificar o aumento de estelionatos, sinal de que ainda falta um aprendizado sobre os cuidados de cada tipo de transação. O Brasil é um país com altíssimo engajamento na internet e pouco conhecimento digital. Isso justifica, por exemplo, o altíssimo índice de fake news e sua influência por aqui, como já se apurou em outras pesquisas.”

Nessa mesma linha, a defensora pública do Rio de Janeiro Lúcia Helena Oliveira, mestre em Direito pela Universidade Estácio de Sá, destaca a necessidade de promover a educação digital para reduzir o número de estelionatos.

“Os golpes, com utilização de meios digitais, são cada vez mais frequentes e cada vez mais sofisticados. Há, ainda, uma falta de informações de muitas pessoas com relação a práticas digitais e eventuais golpes. Muitos desconhecem as nuances de tais práticas e como a sofisticação pode levar à obtenção de vantagens ilícitas. Penso que, nesse caso, seria necessário fomento à política pública de atualização e esclarecimento para as vítimas em potencial, ou melhor dizendo, esclarecimento de toda a sociedade.”

Na visão de Lúcia Helena, o fim da exigência de representação da vítima não ajudaria a reduzir o número de crimes. Isso porque o tipo penal do estelionato já sofreu algumas alterações que não influíram na quantidade de ocorrências.

“Quando se pensa no sentido de haver a representação para que haja ação penal pelo crime de estelionato, sugere-se algumas observações. A primeira é que não são todos os casos em que se exige representação. O legislador cuidou de preservar várias hipóteses, como, por exemplo, quando a vítima for pessoa criança ou adolescente, ou tiver mais de 70 anos de idade. A segunda é que exigir a representação é dar preferência à vontade da vítima, permitindo que ela possa escolher, mas isso não significa impunidade. O que precisamos é trazer mais esclarecimentos à população sobre seus direitos, de forma que a pessoa possa exercer seu direito de forma segura, evitando até mesmo a revitimização.”

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Por que reivindicar, reconhecer e assegurar um direito ao cuidado

Ele canta, ele dança, ele pula [1]. Se olharmos para o Luciano de hoje, com 41 anos, talvez não imaginemos as dificuldades que enfrentou primeiro para sobreviver e depois para florescer. Seus primeiros passos sozinhos tardaram a acontecer, e sua fala nunca completamente se desenvolveu, se bem que para todos aqueles que estejam dispostos é possível muito bem compreender seus desejos e estabelecer com ele uma comunicação.

Sua altura miúda, seu obstinado tamanho infantil de roupa, o rosto extraordinariamente moço, de um sorriso inocentemente largo a escancarar uns dentes caídos e outros ainda de leite, contrastam com a idade que aos poucos dá sinais em seu corpo. Uns fios brancos na barba, os cabelos rareando, algumas dores que assomam com mais frequência e uma indisposição para sair de casa, tudo isso nos leva a suspeitar de que Luciano, um rapaz com síndrome de down, esteja chegando à sua velhice.

A vida de Luciano é fecunda e humanamente abastada. Ele tem seus próprios temperamentos e predileções. Cultiva amizades. Gosta de ouvir o rádio, balançar na rede e rezar bem alto. Luciano se preocupa com as outras pessoas. Pergunta a elas se estão bem e diz que sente saudades. Luciano é muito querido. Não é que sua vida seja fácil, tampouco que não esbarre com dificuldades.

O intestino de Luciano contém uma má-formação que o levou diversas ocasiões a hospitalizações duradouras e a cirurgias delicadas. Seu banho tem de ser acompanhado e até mesmo o seu prato tem de ser supervisionado para que coma na quantidade certa os alimentos apropriados. Luciano nunca encontrou uma escola pública que atendesse às suas necessidades. Embora consiga segurar o lápis, ainda não consegue escrever o próprio nome.

Isso não é um problema para ele, que descobriu por si mesmo que há outras tantas formas de ser feliz. Se Luciano é feliz? Tenho certeza de que muito mais do que os que discutem o conceito de felicidade. Sua existência, fadada a não medrar dentro de certas estruturas sociais, prosperou e enriqueceu o mundo. Como isso foi possível?

Para o seu longo e árduo desenvolvimento, Luciano precisou de receber muitos cuidados. Imaginemo-lo bebê. Certamente, um bebê como os outros; ao mesmo tempo, porém, um bebê muito diferente dos outros, com precisões extremamente especiais. Como lidar, entre tantas outras coisas, com a língua saltando para fora, com a propensão para cardiopatias, com as anormalidades gastrointestinais, com os olhinhos enxergando pouco e com o intelecto para sempre comprometido? Como ele se relacionará com outras crianças? Os médicos estarão preparados para tratar da sua saúde? Ele será um dia “normal”? Como cuidar enfim de alguém como Luciano? Luciano teve a sorte de encontrar uma família que o amasse e que o acolhesse. Sua mãe era professora. Dividia o dia entre o trabalho fora de casa e o trabalho dentro de casa. Seu pai compartilhava com ela as obrigações domésticas, repartindo a responsabilidade da criação do filho. E se Luciano, no entanto, tivesse sido abandonado? Ele teria condições de subsistir e crescer? Mais ainda: ao contrário do que aconteceu, seria justo que a divisão do trabalho de cuidar de Luciano fosse reservada exclusivamente à mãe de Luciano? E quem cuida afinal daqueles que cuidam de Luciano?

O exemplo de Luciano é um dentre milhares. Elejo-o porque se trata do meu irmão e porque penso que sirva de mote para discussão a seguir. Em 23 de dezembro de 2024, foi editada no Brasil a Lei nº 15.069, que instituiu a Política Nacional dos Cuidados. Essa lei recebeu recentemente regulamentação por meio do Decreto nº 12.562, de 23 de julho de 2025. Os impactos profundos que tais normas geram no ordenamento jurídico brasileiro parecem depender ainda, no entanto, de uma compreensão dos fundamentos que a embasam. Por que, afinal, reivindicar, reconhecer e assegurar um direito ao cuidado? E o que se quer dizer realmente com ele?

Um direito revolucionário

Do caso exemplar narrado acima, extraímos a lição a respeito da essencialidade do cuidado para a vida humana. Com efeito, sem o cuidado prestado pelo seu entorno, nenhuma criança resiste, aperfeiçoa-se e chega a uma idade tal como a de Luciano. Causa espécie que tenhamos descobertos mais e mais direitos humanos, mas ainda tenhamos dificuldade em reconhecer o cuidado como um deles. Se cada nascimento traz consigo o possível milagre de algo novo, esta natalidade da condição humana de que fala Hannah Arendt não existe sem um cuidado que a geste. Noutras palavras, o novum há sempre que ser concebido, preparado e cultivado. O que existe de mais espontâneo em cada um não desabrocha espontaneamente, mas depende de um caudal de conjunções que a ideia de cuidado materializa.

Se analisados rigorosamente, todos os direitos humanos reconhecidos nos documentos internacionais e nas constituições nacionais não parecem fazer sentido sem pressupor algo de tão fundamental como o cuidado. No que concerne aos direitos liberais, o indivíduo que não recebeu cuidados não poderá circular livremente pelas ruas, expressar suas opiniões nos debates públicos, eleger seus representantes etc., se não tiver sido suficientemente cuidado. Por outro lado, relativamente aos direitos sociais, que noção expressam os direitos à saúde, à alimentação e à moradia, p. ex., senão a de que há um rol mínimo de cuidados materiais que asseguram a própria dignidade de uma vida?

Embora o “cuidado” ainda não conste expressamente do elenco de direitos fundamentais da Constituição de 1988, é fácil concluir que decorre dos princípios por ela adotados. O que a Lei nº 15.069/2024 e o Decreto nº 12.562/2025 fazem é apenas escancarar e minudenciar aquilo que era para ser óbvio: temos um direito fundamental (ou humano) ao cuidado, pois só assim conservamos a nossa existência, recuperamo-nos de danos, ofensas e doenças que sofremos e progredimos de algum modo em direção a um objetivo último que eventualmente escolhemos para nós próprios.

O direito ao cuidado é um direito revolucionário. Ele tem o condão de alterar a percepção de nós mesmos enquanto sujeitos de direitos. Com efeito, enquanto a subjetividade jurídica moderna foi forjada em torno de uma entidade artificial que ostenta atributos dificilmente alcançáveis na realidade (pois, afinal, pressupõe um sujeito hiperracional, desencarnado, fora do tempo e do espaço etc.), o direito ao cuidado só faz sentido se admitirmos que o sujeito que precisa de tal direito é um sujeito de carne e osso, situado e inserido na história, dependente e suscetível a feridas. Para dizer de modo simples, o direito ao cuidado quebra a ficção jurídica do sujeito autônomo e autossuficiente, desde sempre disposto a assumir direitos e contrair obrigações, substituindo-o pela figura mais realista de um sujeito vulnerável. O que está em causa, pois, é uma mudança antropológica radical em torno do homo juris.

Para um tal sujeito vulnerável, o cuidado não é qualquer coisa de prescindível na reprodução das vidas individuais ou dos corpos sociais. Conquanto essa devesse ser uma constatação banal, tem demandado muito trabalho teórico e empenho prático para ser admitido por aqueles que lucram com o seu desmentido ou com a sua ocultação. Joan Tronto foi uma das filósofas que sem dúvida melhor escancarou a centralidade do cuidado não só para pessoas como Luciano (i.e., para aqueles que são usualmente considerados mais frágeis ou menos independentes), mas para todas as pessoas. Mesmo um grande empresário, no auge dos seus 35 anos, gozando da mais excelente saúde, a ponto de se considerar atleta nos finais de semana, precisa de cuidados e os recebe diuturnamente, embora apenas não o perceba ou não o queira abertamente reconhecer.

Basta pensar na sua agenda diária sempre organizada, na sua casa imperceptivelmente limpa e ordenada para receber convidados, nas suas roupas até mesmo as íntimas impecavelmente lavadas e disponíveis para uso. Temos de nos perguntar, portanto: quem realiza todo esse trabalho invisível para que ele possa se sentir e ser glorificado como um self made man? O fato é que, enquanto a consciência social não desanuvia e o ordenamento jurídico por meio de suas normas e dos seus intérpretes-aplicadores não consagra a juridicidade do cuidado, este pode muito bem continuar a ser despejado nas costas de uma parcela desfavorecida da população, ao passo que uma minoria privilegiada continua a usufruir sem culpa sua desigual percepção.

Olhemos para os lares, para os hospitais, para os asilos, enfim: para todos os lugares onde cuidados são dispensados, e reflitamos – quem costuma estar ali não na condição de quem os recebe, mas de quem os presta? Pesquisas diversas confluem no sentido de que o trabalho de cuidado é majoritariamente realizado por mulheres, sobretudo mulheres subalternizadas: mulheres negras, mulheres indígenas, mulheres migrantes etc., fadadas a cuidar não só dos homens, mas também de si mesmas. Uma tal compreensão entreabre uma nova perspectiva para o direito ao cuidado. Este não se contenta com a extensão do sistema de cuidados, de tal modo que seu recebimento não mais seja o apanágio de uns poucos, mas uma prerrogativa universal, alcançável aos mais marginalizados e esquecidos da sociedade, sobre estes ainda com maior incidência.

Com efeito, para além do direito de ser cuidado, o direito ao cuidado conota o direito de cuidar sob condições justas. Concretamente, isso significa que quem já cuida tem o direito de cuidar menos e até mesmo o direito de não cuidar quando este cuidado, v.g., é excessivo, sufocante ou desproporcional, sobretudo em razão de processos históricos ou atuais de exploração e violência. Por outro lado, quem não cuida, porque foi “poupado”, porque “tem outras ocupações”, porque “acha que não é sua função” etc., tem o dever de cuidar, até mesmo de cuidar mais. Ora, não reconhecer essa dimensão do direito ao cuidado seria autorizar que a tarefa de cuidar continuasse a recair naqueles que já cuidam, sem que nenhuma modificação social de fato ocorresse. Noutras palavras, o direito ao cuidado tem uma faceta crítica e emancipatória fundamental, obrando para desfazer a distribuição desigual do trabalho do cuidado que continua a reinar dentro e fora do Brasil.

O labor de cuidar

Por óbvio, o cuidado dentro da expressão “direito ao cuidado” não é entendido de maneira romântica ou idealizada. O cuidado mantém e perpetua o nosso mundo ordinário. Enquanto tal, não se trata de uma atividade sem fadiga, que se faz apenas por amor. Por mais prazeroso que possa ser, o cuidado é um trabalho. É preciso então pensar naqueles que cuidam, i.e., naqueles que realizam o labor de cuidar. O cuidado tem sido associado nas nossas sociedades a uma tarefa eminentemente doméstica, realizada predominantemente pelas mulheres da casa, sobretudo as mães e as empregadas. Esse trabalho não costuma ser remunerado nem considerado uma atividade econômica, ao menos não prestigiada.

Se o cuidado é tão central para a existência humana e social, nada mais justo que cuidemos daqueles que cuidam. Uma tal ideia recebeu em Eva Kittay a denominação de “princípio de doulia”. Talqualmente a doula que cuida da mãe após o parto enquanto esta cuida do seu filho, todos que cuidam deveriam contar com alguém que lhes proporcione cuidados. Com isso, endossa-se um ideal de reciprocidade, de modo que aqueles que cuidam não se percebam desamparados em suas carestias. O “princípio de doulia”, se posto em execução, concorreria para desmontar o operante quadro iníquo dos cuidados: precisamente aquele em que os que mais precisam de cuidados são os que menos o recebem e mais o prestam.

Retomemos a Luciano. Proclamar o direito ao cuidado implica conceder que outras crianças com síndrome de down (e tantas outras crianças, independentemente dessa qualidade) possam ter o direito de sobreviver e florescer, e mesmo chegar aos seus 41 anos, como Luciano, sem contar com o acaso do destino de nascer numa família dotada de provisões para acolhê-lo. Dizer que se trata de um direito significa que o Estado deve garanti-lo e que qualquer um pode reivindicá-lo quando negado ou não ministrado a contento.

Proclamar o direito ao cuidado implica também que o cuidado que alguém como Luciano ou diferente do Luciano receberá não será prestado exclusiva ou prevalentemente por mulheres mães, avós, irmãs, entrecortadas por critérios de raça, classe e origem. Proclamar o direito ao cuidado implica que quem cuida de crianças, de idosos, de enfermos, de pessoas com deficiência, de todas e quaisquer pessoas (já que não há ninguém que não dependa dos cuidados de outrem) será reconhecido e bem remunerado, tendo ainda suas necessidades adequadamente atendidas. Proclamar o direito ao cuidado não é conferir tal direito apenas a pessoas como Luciano, embora pessoas como Luciano mereçam gozá-lo de modo acentuado, em razão de sua situação pessoal ou social.

Por certo, há um hiato entre a proclamação formal de um direito e o seu usufruto particular na realidade. Esse é um problema que nenhuma legislação resolve, embora ao menos o suscite. Nesse sentido, tanto a Lei nº 15.069/2024 quanto o Decreto nº 12.562/2025, ao apregoarem o direito ao cuidado, desencadeiam um processo amplo de transformação do estado de coisas, cuja efetividade está a depender, contudo, de um esforço político enérgico e duradouro. Se alterações profundas ainda estão por ser implementadas, o direito ao cuidado, em todo caso, pelo mero fato da sua sagração jurídica, provoca uma ruptura no modo como concebemos a nós próprios e os nossos direitos, permitindo-nos escapar ligeiramente dos simulacros que arquitetam nossas representações e impedem que seres humanos parecidos com Luciano ou distintos dele possam encontrar determinações propícias não só para existir com dignidade, mas também para ser feliz.

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Tributação das instituições de pagamento: impactos da MP 1.303/2025 e da reforma tributária

Desde a criação de seu regime jurídico com a Lei nº 12.865/2013, a figura das instituições de pagamento (IP) gerou relevante controvérsia a respeito de sua natureza, em especial por conta de discussões a respeito de seu potencial enquadramento como instituição financeira, com impactos diretos na tributação de suas operações.

Embora o rol de atividades permitidas às IP seja relativamente amplo, na prática essas entidades concentram-se na oferta de serviços de processamento de pagamentos — tais como transações via QR code, terminais de captura (maquininhas), emissão de boletos, códigos para Pix, entre outros, bem como no credenciamento de estabelecimentos para aceitação de instrumentos de pagamento.

Apesar da semelhança funcional com serviços tradicionalmente prestados por bancos (como transferências financeiras, emissão de boletos, código para Pix, etc.), as IPs não podem conceder empréstimos ou financiamentos a seus clientes, limitando-se a serviços de gestão e controle de pagamentos.

O que são as instituições de pagamento

De acordo com o Banco Central, instituição de pagamento é “a pessoa jurídica que viabiliza serviços de compra e venda e de movimentação de recursos, no âmbito de um arranjo de pagamento, sem a possibilidade de conceder empréstimos e financiamentos a seus clientes”.

Em complemento, atualmente, o BC expressamente exclui as instituições de pagamento do enquadramento como instituições financeiras, asseverando que estas “não podem realizar atividades privativas destas instituições, como empréstimos e financiamentos. Ainda assim, estão sujeitas à supervisão do Banco Central”. Ou seja, as IPs não compõem o Sistema Financeiro Nacional, mas são reguladas e fiscalizadas pelo BC, conforme diretrizes estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional.

No cenário fiscal vigente, as instituições de pagamento não sofrem a mesma carga tributária das instituições financeiras, que, historicamente, se depararam com intensos debates e controvérsias a respeito da composição de suas receitas. A despeito disso, as instituições de pagamento não estão dispensadas de apresentar determinadas obrigações acessórias específicas do setor, como “E-Financeira”.

Sem adentrar em outras controvérsias e os impactos arrecadatórios trazidos por outros pontos da medida provisória 1.303/2025, esta norma trouxe, de forma mais imediata, importante majoração na tributação voltada às instituições de pagamento.

Carga tributária mais alta em relação a outros setores

A tributação das instituições financeiras reflete uma carga mais elevada em comparação a outros setores, em virtude da majoração da alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro (CSL) implementada em 2008. A Medida Provisória nº 1.303/2025 introduz um importante desdobramento nesse cenário ao estender esse tratamento fiscal mais gravoso a outros entes, incluindo as instituições de pagamento e promovendo, assim, uma aproximação tributária que até então não existia.

Dentre as medidas de elevação da alíquota trazidas pela referida norma, há o considerável aumento da CSL de 9% para 15%, que deve passar a valer a partir de outubro deste ano.

Em um primeiro momento, o principal reflexo da MP 1.303/2025, portanto, parece residir na diminuição da assimetria tributária que historicamente beneficiava fintechs e IP em relação aos grandes bancos.

Ainda que o impacto imediato sobre os bancos seja limitado — uma vez que muitos detêm controladas que operam como IP, cujos resultados têm efeito moderado em seus balanços consolidados —, a medida tem o efeito de reduzir a vantagem tributária de que gozavam as fintechs e IP em relação aos bancos tradicionais.

Com isso, observa-se um possível redesenho do cenário concorrencial, com ganho de competitividade para as grandes instituições financeiras, sobretudo nos segmentos de crédito e de pagamentos.

Regime específico para tributar serviços financeiros

Além das medidas advindas da MP, a reforma tributária, consubstanciada na Emenda Constitucional 132/2023, e posteriormente regulamentada pela Lei Complementar 214/2025, reforça essa tendência ao instituir um regime específico para a tributação de serviços financeiros, aplicável tanto à Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) quanto ao Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

Ao contrário da situação atual, em que as instituições financeiras são tratadas de maneira diferenciada, sob o texto atual da Lei, a IP passará a ser tributada da mesma forma que as instituições financeiras.

A Emenda Constitucional 132/2023 estabeleceu que os serviços financeiros estarão sujeitos a regime específico de tributação e delegou competência ao legislador complementar para dispor sobre regras diferenciadas a respeito de alíquota, base de cálculo, não-cumulatividade, creditamento etc.

A Lei Complementar 214/2025, por sua vez, determinou, em rol taxativo, que diversas atividades estarão sujeitas ao regime específico, incluindo, entre elas, os arranjos de pagamento, incluídas as operações dos instituidores e das instituições de pagamentos e a liquidação antecipada de recebíveis.

Diferença entre bancos e IPs

Além da diferenciação de alíquota, o regime tributário atualmente aplicável a tais instituições apresenta uma segmentação relevante: enquanto bancos comerciais e seguradoras estão obrigatoriamente submetidas ao regime cumulativo de apuração das contribuições ao PIS e à Cofins, as IP e gestoras de recursos operam sob o regime não cumulativo. Essa distinção implica tratamentos fiscais diferenciados para atividades concorrentes, modelando a carga para cada contribuinte.

Partindo-se desta equiparação de tratamento entre instituições financeiras e instituições de pagamento trazida pela Reforma, além da mudança na carga tributária do setor, o modelo de tributação também será profundamente alterado.

O regime específico de tributação dos serviços financeiros previsto na reforma estabelece, por exemplo, que a incidência da CBS e do IBS no spread das instituições financeirasgere crédito para a empresa tomadora do serviço.

Como se vê, a reforma tributária visa a amplificar o rol de atividades econômicas e contribuintes sujeitos a regime diferenciado. A intenção do legislador fica evidente a partir dos artigos 182 e 183, que abarcam no rol de fornecedores sujeitos ao regime específico de incidência da IBS e da CBS, entidades que não estejam sob supervisão do Sistema Financeiro Nacional quando da prestação de qualquer atividade considerada “serviço financeiro”.

Assimetrias tributárias

Em uma análise conjunta das novas normas que foram publicadas, nota-se um movimento jurídico de reconfiguração do tratamento fiscal das IP, aproximando-as do regime aplicado às instituições financeiras tradicionais.

A reestruturação de assimetrias tributárias que favoreciam as IP pode ser vista, em um primeiro momento, como reflexo do objetivo do legislador de promover tratamento isonômico no setor, especialmente marcado pela disrupção tecnológica e pelo ingresso de novos investidores no mercado financeiro.

No entanto, essa aproximação tributária exige uma análise crítica do cenário econômico do setor de pagamentos, sob pena de comprometer sua dinâmica concorrencial. A extensão de encargos fiscais mais gravosos às IP não pode prescindir da consideração de que essas entidades — especialmente as fintechs e instituições de pagamento autônomas, que operam de forma independente de conglomerados financeiros — não compartilham da mesma estrutura ou acesso a fontes de financiamento que caracterizam os bancos.

Hoje, sua carga tributária mais amena se justifica como instrumento de estímulo à competitividade e à inovação, neste mercado já tão dominado pelas grandes instituições. O risco, portanto, é que a equiparação indiscriminada ao regime tributário dos grandes bancos acabe por sufocar justamente os agentes que promovem maior diversidade no sistema financeiro.

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O necessário combate às organizações criminosas

As organizações criminosas têm se fortalecido no Brasil ao longo dos últimos 30 anos. O PCC paulista e o Comando Vermelho no Rio de Janeiro detêm uma capacidade financeira sem precedentes na América Latina.

Estes recursos lhes permitem interferir nas eleições e financiar campanhas políticas. O PCC se especializou no roubo a bancos desde o início dos anos 1990, enquanto o Comando Vermelho atuava fortemente no tráfico de armas e entorpecentes desde os anos 1980.

A Lei de Organizações Criminosas — Lei 12.850 de 2013 — estabeleceu o conceito de organização criminosa de forma muito ampla. Essa amplitude em matéria penal levou à banalização do conceito. Basta que se reúnam mais de quatro pessoas para o cometimento de crimes graves para que sejam considerados uma organização criminosa.

E a banalização acaba por tornar ineficaz um sistema jurídico criado para tratar de um gravíssimo problema. Não é segredo que PCC e CV dominam as principais penitenciárias estaduais no Brasil. Trabalhei diretamente com processos envolvendo líderes do PCC e recebi, como juiz federal, a segurança e carro blindado solicitados junto ao TRF-4.

Eficiência

Considero que as policias estaduais não estão preparadas para investigar essas facções criminosas. Apesar das boas intenções dos estados, todos sabemos que somente uma agência federal poderia atuar, com eficiência, na investigação das duas maiores organizações criminosas do país. Tais investigações demandam um contato frequente com o Coaf, Banco Central e a Receita Federal, além de juízes e procuradores treinados para estas funções e com as garantias de segurança indispensáveis à função.

A Polícia Federal precisa receber os recursos necessários para ampliar as investigações e eficiência dos serviços de inteligência, centralizando se em Brasília, junto ao Ministério da Justiça, o combate ao PCC e ao Comando Vermelho.

Ainda que a experiência com a criação de varas federais especializadas em lavagem de dinheiro tenha se mostrado mal sucedida — especialmente em Curitiba e no Rio de Janeiro, por conta de ilegal politização dos juízes —, a ideia de uma ou mais varas federais centralizadas em Brasília seria uma alternativa importante para os casos envolvendo as investigações dessas duas grandes organizações.

Não se pode confundir, todavia, organizações criminosas com organizações terroristas. Temos, hoje, problemas de terrorismo doméstico e político que podem ser investigados e prevenidos pela Abin (Agência Brasileira de Inteligência).

A Polícia Federal, por outro lado, atua na investigação e combate do PCC e Comando Vermelho, buscando sinergia com a administração das penitenciárias estaduais.

Somente através de um grande pacto nacional contra o crime organizado, o qual demanda cooperação entre os secretários estaduais de justiça e o Ministério da Justiça em Brasília, será possível resistir ou mesmo retardar o avanço do PCC e Comando Vermelho nas próximas eleições.

A política partidária deve ser deixada de lado em nome de uma política mais eficiente e centralizada em Brasília.

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Síndrome de burnout: obrigatoriedade de emissão da CAT e as repercussões no contrato de trabalho

A síndrome de burnout, também conhecida como síndrome do esgotamento profissional, consta na lista de doenças ocupacionais de acordo com a Classificação Internacional de Doenças (CID), da Organização Mundial da Saúde (OMS) [1], de sorte que os trabalhadores que forem diagnosticados com essa doença terão os mesmos direitos trabalhistas e previdenciários, em comparação com as demais doenças que possuam relação com o trabalho.

Dados estatísticos

De acordo com uma pesquisa realizada em 2024, o Brasil constatou mais de 470 mil afastamentos do trabalho por transtornos mentais, quantitativo esse que confirma que, atualmente, o país tem o maior número de afastamento por ansiedade e depressão dos últimos 10 anos [2].

Já outro estudo feito pela Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamy) indicou que cerca de 30% das pessoas ocupadas em território nacional sofrem com a doença, ocupando, portanto, a segunda posição no ranking mundial de casos [3]. Aliás, durante a pandemia do coronavírus houve um aumento de 136% dos afastamentos pela síndrome de burnout [4].

Em outra pesquisa da International Stress Management Association no Brasil revelou que este problema já afeta 32% dos trabalhadores brasileiros [5].

Nesse sentido, muitas são as dúvidas diárias que surgem com relação à emissão do comunicado de acidente de trabalho (CAT) para esses casos e, se realmente, trata-se de uma obrigação para os empregadores. Por isso, dada a importância e relevância do assunto, a temática foi indicada por você, leitor(a), para o artigo da semana, na coluna Prática Trabalhista da revista eletrônica Consultor Jurídico [6], razão pela qual agradecemos o contato.

Lição de especialista

A síndrome de burnout está relacionada com o trabalho e, por isso, passou a ser classificada como uma doença ocupacional.

Nesse sentido, oportunos são os ensinamentos de Maria José Gianella Cataldi[7] sobre doenças consideradas acidentes de trabalho:

“São consideradas como acidente de trabalho as seguintes entidades mórbidas: I- doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social; II-doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.(…).

A doença profissional ou do trabalho caracteriza-se quando, formal o diagnóstico de afecção, ou de intoxicação, se verificar que o empregado exercia a atividade que o expunha ao agente patogênico. O legislador suprimiu, em termos, a incidência dos benefícios acidentários nos casos de doenças profissionais atípicas, de sorte que, quando da equiparação ao acidente típico, deu sentido idêntico para doença profissional e doença do trabalho”.

Emissão da CAT

Sabe-se que a CAT é um documento onde são registrados as doenças e os acidentes que acontecem no ambiente de trabalho. A partir dele é que o trabalhador poderá receber pelo INSS benefícios previdenciários, bem como ter assegurado os seus direitos trabalhistas.

Do ponto de vista legislativo no Brasil, a Lei nº 8.213/91 dispõe em seu artigo 22 [8] que a empresa e/ou empregador doméstico tem o dever de comunicar junto a Previdência Social o acidente de trabalho, sob pena de multa. Vale dizer, a emissão da CAT é obrigatória por força legal, ainda que não haja a exigência de afastamento do empregado.

À vista disso, impende destaca que tal comunicação poderá ser feita: 1) pelo próprio trabalhador e seus dependentes; 2) pelo empregador; 3) pelo sindicato da categoria; 4) pelo médico que registrou o atendimento após o acidente/doença ocupacional; e 5) por uma autoridade pública.

Para tanto, deverão ser apresentados os seguintes documentos: 1) Informações do empregador (Razão social ou nome, tipo e número do documento, CNAE, Endereço, CEP e telefone); 2) Informações da pessoa empregada acidentada (dados pessoais, salário, número da carteira de trabalho, identidade, CPF, NIT/PIS/Pasep, endereço, CEP, telefone, CBO e área); 3) dados sobre o acidente; 4) dados sobre ocorrência policial, se houver; 5) dados sobre o atendimento emergencial e médico recebido; e 6) dados médicos referente ao acidente [9].

Portanto, com abertura da CAT, o trabalhador terá resguardado os seus direitos, facilitando, inclusive, a comprovação junto a perícia médica do INSS.

Jurisprudência trabalhista

Em se tratando de doença ocupacional e estabilidade provisória no emprego, segundo uma pesquisa feita pelo TST, no biênio entre 25/3/2023 até 25/3/2025, constatou-se a existência de 33 acórdãos e 2.084 decisões monocráticas envolvendo esta temática [10].

 

Por estas razões, recentemente, a Corte Superior Trabalhista reafirmou a sua jurisprudência fixando a seguinte tese ao julgar o RR-0020465-17.2022.5.04.0521: “Para fins de garantia provisória de emprego prevista no artigo 118 da Lei nº 8.213/1991, não é necessário o afastamento por período superior a 15 (quinze) dias ou a percepção de auxílio-doença acidentário, desde que reconhecido, após a cessação do contrato de trabalho, o nexo causal ou concausal entre a doença ocupacional e as atividades desempenhadas no curso da relação de emprego”.

Nesse sentido, considerando a nova tese vinculante (Tema 125) que passa a ser obrigatória para os demais órgãos da Justiça do Trabalho, uma vez constatada, em tese, a relação de concausalidade entre a enfermidade que acometeu o trabalhador e as atividades desenvolvidas na empresa, após a despedida, ainda que não tenha havido o afastamento do emprego por mais de 15 dias, nem o consequente recebimento do auxílio-doença acidentário, surgirá o direito à estabilidade legal de no mínimo 12 meses.

Ao definir a tese, o ministro relator ponderou:

“Neste ponto, faz-se necessário registrar que as doenças ocupacionais geralmente não se manifestam de forma imediata, possuindo características diferenciadas e graus de evolução distintos, razão pela qual, em muitos dos casos, não há o efetivo recebimento de auxílio-doença acidentário antes da extinção do contrato de trabalho ou o afastamento superior a quinze dias.

Desta feita, comprovado que o ambiente laboral ou o exercício das atividades contribuíram, ao menos, de forma concorrente e relevante para o desenvolvimento da doença ocupacional, atuando como causa ou concausa, tornam-se despiciendos o afastamento do empregado por mais de quinze dias e a percepção do auxílio-doença acidentário para auferir o direito à estabilidade provisória prevista no art. 118 da Lei nº 8.213/91”.

Conclusão

Portanto, para além do cumprimento dos deveres de manter um meio ambiente laboral saudável, em casos que o trabalhador seja acometido pela síndrome de burnout, a empresa deverá adotar as medidas cabíveis para assegurar os seus direitos, comunicando o fato junto ao INSS. Lembrando ainda que durante o período de afastamento o contrato de trabalho ficará suspenso e o trabalhador não poderá ser dispensado, sob pena de tal procedimento ser declarado nulo pelo Poder Judiciário Trabalhista.


[1] Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/politica/sindrome-do-burnout-ganha-nova-classificacao-na-oms/. Acesso em 05/08/2025.

[2] Disponível em https://g1.globo.com/trabalho-e-carreira/noticia/2025/03/10/crise-de-saude-mental-brasil-tem-maior-numero-de-afastamentos-por-ansiedade-e-depressao-em-10-anos.ghtml. Acesso em 05/08/2025.

[3] Disponível em https://www.ip.usp.br/site/noticia/brasil-e-o-segundo-pais-com-mais-casos-de-burnout-e-so-perde-para-o-japao/. Acesso em 05/08/2025.

[4] Disponível em https://www.bbc.com/portuguese/articles/cnk4p78q03vo. Acesso em 05/08/2025.

[5] Disponível em https://g1.globo.com/saude/bem-estar/noticia/2025/06/21/burnout-nao-e-frescura-entenda-a-exaustao-cronica-ligada-ao-trabalho-quais-os-sintomas-e-como-agir.ghtml. Acesso em 05/08/2025.

[6] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela coluna Prática Trabalhista da ConJur, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.

[7] O stress no meio ambiente do trabalho.  – Maria José Gianella Cataldi. 4. Ed. ver. Atual. e ampl. – São Paulo: Tompson Reuters Brasil. Página 104/105.

[8] Lei nº 8.213/91, Art. 22. A empresa ou o empregador doméstico deverão comunicar o acidente do trabalho à Previdência Social até o primeiro dia útil seguinte ao da ocorrência e, em caso de morte, de imediato, à autoridade competente, sob pena de multa variável entre o limite mínimo e o limite máximo do salário de contribuição, sucessivamente aumentada nas reincidências, aplicada e cobrada pela Previdência Social.

[9] Disponível em https://www.gov.br/pt-br/servicos/registrar-comunicacao-de-acidente-de-trabalho-cat . Acesso em 05/08/2025.

[10] Disponível em https://jurisprudencia-backend2.tst.jus.br/rest/documentos/17f7d15317ef2d2f434bb0f1b1b7e762. Acesso em 05/08/2025.

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