IA explica o que o juridiquês esconde, diz cofundador do Jusbrasil

A inteligência artificial confere precisão aos resultados das buscas nas bases de dados processuais e profundidade às discussões sobre o Direito. Mas o grande serviço prestado pela ferramenta é permitir que a sociedade compreenda a linguagem jurídica de forma rápida, diz o cofundador da plataforma JusbrasilLuiz Paulo Pinho.

Especialista em administração e gestão de empresas, ele falou sobre o uso da IA feito pelo site no campo da pesquisa jurídica em entrevista à série Grandes Temas, Grandes Nomes do Direito, em que a revista eletrônica Consultor Jurídico ouve alguns dos nomes mais importantes do Direito, da política e do empresariado sobre as questões mais relevantes da atualidade.

“A principal contribuição (da plataforma) é tirar uma discussão que está somente na comunidade jurídica e trazer essa conversa para toda a sociedade. Nós pegamos essa informação jurídica e a tornamos tangível e útil para todo mundo, agora por meio da inteligência artificial, que consegue explicar para as pessoas aquilo que o juridiquês esconde”, disse Pinho em conversa durante o XIII Fórum de Lisboa, promovido em julho na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL).

Pinho observa que as buscas processuais feitas com auxílio de IA tornam o conhecimento jurídico mais acessível não só para o público leigo, mas também para profissionais do Direito que buscam informações sobre temas que estão fora de suas áreas de especialidade.

“Hoje, quando fazemos uma pergunta a um buscador que trabalhe de forma semântica com inteligência artificial sobre qualquer tema, já é possível obter a posição dos tribunais brasileiros com relação à pauta pesquisada. Isso faz com que a compreensão jurídica se eleve e as discussões se aprofundem”, disse ele.

Lançado em 2008, o Jusbrasil disponibiliza documentos como autos processuais e precedentes judiciais e administrativos. Mensalmente, a plataforma recebe em torno de 30 milhões de visitantes. Além disso, conta com 80% dos advogados do Brasil cadastrados em seu sistema, que é mantido por meio da venda de assinaturas.

Resposta para quase tudo

Pinho afirma que a ferramenta é capaz de identificar quase todo tipo de padrão e extrair dados muito específicos dos sistemas processuais. Por ora, contudo, essas aplicações estão no campo das possibilidades, já que os custos agregados à inteligência artificial ainda são altos, o que dificulta certas buscas.

“Mas eu diria que poucas perguntas não podem ser respondidas, desde que a IA tenha acesso a uma base processual completa.”

Recentemente, prossegue Pinho, o Jusbrasil obteve dados sobre a prática de injúria racial nas redes, em pesquisa feita a pedido de uma faculdade de Direito, cujo resultado foi apresentado no Ministério da Igualdade Racial.

Outros exemplos de dados específicos foram os levantados pelos projetos JusAmazônia e JusAmbiente, que analisaram a judicialização do desmatamento na Amazônia e no estado de São Paulo, respectivamente.

“A maior dificuldade talvez seja o acesso às bases de dados, que nem sempre são tão palpáveis, inclusive para engenhos como esse, o que exige um trabalho gigantesco. Hoje monitoramos 94 tribunais e um número maior do que esse de sistemas funcionando nesses tribunais. E também as agências reguladoras, Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) e todos os órgãos. Então, se eu quero entender a visão de qualquer um deles, eu tenho que olhar para esses sistemas e puxar as decisões, inclusive as administrativas. E isso dá um trabalho danado, mas aos poucos vamos expandido a base dos dados”, disse Pinho.

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Juiz constata fraude e revoga liminar contra órgão de proteção de crédito

O juiz Antônio José dos Santos, da Vara Única de São Geraldo do Araguaia (PA), constatou indícios de fraude em uma ação proposta por uma associação que prometia limpar o nome de consumidores. Por causa disso, ele revogou uma liminar que favorecia a entidade e extinguiu o processo sem resolução do mérito.

Juiz argumentou que associação cometeu fraude e revogou liminar contra órgão de proteção de crédito

Segundo os autos, a associação pró-consumidor ajuizou a ação em nome de vários devedores, pedindo uma liminar para retirar os nomes dessas pessoas de um órgão de proteção ao crédito. A entidade alegou que essas pessoas foram cadastradas sem qualquer aviso.

Em um primeiro momento, o juízo concedeu liminar para que a instituição de proteção retirasse os nomes dos consumidores da lista de negativados.

O órgão, então, contestou a decisão, anexando aos autos diversas reportagens que indicavam fraudes praticadas pela entidade e por outras semelhantes.

A instituição de proteção ao crédito afirmou que havia uma “indústria limpa nome” na cidade, pois as entidades procuravam pessoas endividadas e ofereciam serviços para retirar seus nomes da lista de negativados em até 20 dias. Em contrapartida, os consumidores tinham de se associar e pagar mensalidades.

Para o juiz, a despeito de a instituição ter a prerrogativa de ajuizar a ação, a intenção do processo não foi proteger os direitos dos consumidores, mas angariar pessoas para se filiar à associação.

“Assim, verificado que os fundamentos da presente ação não se enquadram no resguardo dos direitos dos consumidores, pois busca fim simulado ou fraudulento, o processo coletivo perdeu a sua validade, devendo ser extinto sem análise do mérito”, escreveu o julgador.

A advogada Kelly Pinheiro, sócia-diretora da banca Eckermann & Santos Sociedade de Advogados, defendeu o órgão de proteção ao crédito.

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Processo 0800341-68.2025.8.14.0125

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O foro privilegiado e a volatilidade da jurisprudência do STF

Em 16/7/2025, foi publicado o acórdão do julgamento em que o Plenário do Supremo Tribunal Federal alterou o posicionamento acerca da extensão do foro por prerrogativa de função. Em decisão sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes, nos autos do Habeas Corpus 232.627/DF, restou fixada a tese de julgamento por maioria:

“A prerrogativa de foro para julgamento de crimes praticados no cargo e em razão das funções subsiste mesmo após o afastamento do cargo, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados depois de cessado seu exercício.”

Em complemento, constou o comando de “aplicação imediata da nova interpretação aos processos em curso, ressalvados todos os atos praticados pelo STF e pelos demais Juízos com base na jurisprudência anterior”.

A tese modificou o entendimento até então vigente, ao ampliar a incidência do foro especial para além da desinvestidura do cargo, expandindo significativamente a aplicação da regra e provocando efeitos práticos imediatos e diretos em processos em trâmite em todos os graus de jurisdição.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, ao longo de sua história, é vacilante, ora ampliando a prerrogativa de foro, ora restringindo-a, levando em conta dois critérios: a regra da atualidade e a regra da contemporaneidade.

A regra da atualidade vincula o foro por prerrogativa de função ao atual exercício do cargo público. Dessa forma, a competência originária dos tribunais tem início com a diplomação (ou posse) e abrange todas as ações penais movidas contra o agente, independentemente do tipo de crime imputado.

Já a regra da contemporaneidade concentra-se na natureza do delito imputado ao agente. Segundo essa orientação, os tribunais têm competência para julgar os crimes cometidos durante o exercício do cargo e que guardem relação com as funções por ele desempenhadas.

Inicialmente, o Supremo Tribunal Federal adotou a regra da contemporaneidade, reconhecendo a prerrogativa de foro para todos os crimes praticados no período em que o agente ocupava o cargo, ainda que o inquérito ou a ação penal fossem propostos após o término do mandato ou da função.

Assim, a partir de precedentes da corte à época — fruto da interpretação da Constituição Federal de 1946, e, ainda, das Leis 1.079/50 e 3.258/59 —, a orientação se firmou no sentido do enunciado da Súmula 394, editada em 1964: “Cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício” [1]. Esse foi o posicionamento da corte ao longo de décadas [2].

A Súmula 394 foi cancelada com o julgamento de questão de ordem no Inquérito nº 687, em 1999 [3]. Na ocasião, o ministro relator Sydney Sanches propôs a revisão do entendimento, argumentando que a edição da súmula ocorreu sob a égide da Constituição de 1946, que não atribuía competência originária à Corte Suprema para processar e julgar deputados federais e senadores por crimes comuns. Sustentou, ainda, que essa tese não se manteve na Constituição de 1988, ao menos de forma expressa, uma vez que o artigo 102, inciso I, alínea “b”, passou a estabelecer competência originária para processar e julgar “os membros do Congresso Nacional”.

Argumentou que a prerrogativa de foro, por representar um privilégio, não deve ser interpretada de forma extensiva, sobretudo em face de uma Constituição que consagra a igualdade entre todos os cidadãos, inclusive aqueles que já não exercem cargos ou mandatos públicos.

O ministro relator também destacou a ampliação excessiva da competência do foro especial, observando que, à época da edição da Súmula 394, eram raros os casos de exercício da prerrogativa de foro perante a corte. Realidade essa que, em 1999, já era distinta, com inquéritos, queixas e denúncias multiplicando-se contra ex-parlamentares, ex-ministros de Estado e até ex-presidente da República.

Em seu voto, questionou: “É de se perguntar, então: deve o Supremo Tribunal Federal continuar dando interpretação ampliativa a suas competências, quando nem pela interpretação estrita, tem conseguido exercitá-las a tempo e a hora?”

A partir desse precedente, a Suprema Corte consagrou a regra da atualidade em sua forma mais estrita, sem admitir exceções.  A prerrogativa de foro surgia com a assunção ao cargo e se extinguia automaticamente com o fim do exercício da função, independentemente da natureza do crime imputado.

Por um longo período, de 1999 a 2018, o tema ficou pacificado e prevaleceu a regra da atualidade. A competência por prerrogativa começava com a posse no cargo e envolvia todas as investigações e ações penais contra o agente público, até mesmo aquelas relacionadas a fatos anteriores à nomeação ou sem vínculo com as funções desempenhadas. No entanto, ao deixar o cargo — seja por término do mandato ou renúncia —, o agente perdia automaticamente o foro, em qualquer fase em que o processo se encontrasse.

Percebendo uma necessidade de brecar eventuais desvios de competência por iniciativa do agente, a Primeira Turma aprofundou o tema em busca de um critério geral para a manutenção: “a renúncia de parlamentar, após o final da instrução, não acarreta a perda da competência do Supremo Tribunal Federal”. Serviria, portanto, para inibir a manipulação da regra da atualidade (AP 606-QO, rel. min. Roberto Barroso, DJ 18/6/2014).

Em 2018, a corte novamente revisou o posicionamento, tornando a adotar a regra da contemporaneidade. Na AP 937-QO, sob a relatoria do ministro Roberto Barroso [4], a prerrogativa de foro passou a ser restrita aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e em função das atribuições a ele inerentes:

“(i) O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas; e (ii) após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo”.

A partir de então, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu um importante marco restritivo: o crime deve ter sido praticado no exercício do cargo e em razão das funções desempenhadas, não bastando a mera diplomação do parlamentar (regra da contemporaneidade). Na prática, contudo, a regra da atualidade, estabelecida no Inquérito 687-QO, ainda era aplicada, pois o afastamento das funções acarretava o deslocamento de todos os inquéritos e ações penais originárias para a primeira instância.

Foi precisamente esse entendimento que o ministro Gilmar recentemente propôs alterar: “se a diplomação do parlamentar, sozinha, não justifica a remessa dos autos para os Tribunais, o encerramento do mandato também não constitui razão para o movimento contrário – retorno dos autos para a primeira instância”.

Sustentou a necessidade de avançar no debate para fixar um critério geral mais coerente e estável, baseado na natureza do fato criminoso, e não em fatores sujeitos ao controle do próprio acusado, como a permanência no cargo. Afirmou que a proposta cumpriria esse objetivo, sem afastar os fundamentos centrais definidos na AP 937-QO — estabilização do foro para julgamento de crimes praticados no exercício do cargo e em razão dele —, ao mesmo tempo em que corrigiria a instabilidade do sistema, evitando manobras que gerem atrasos processuais, comprometem a eficiência da Justiça e, em última instância, favorecem a prescrição.

Foi acompanhado pela maioria dos ministros integrantes da corte – vencidos os ministros André Mendonça, Edson Fachin, Cármen Lúcia e Luiz Fux, para os quais o alargamento do foro por prerrogativa de função para período posterior ao fim do exercício do cargo ou função contraria a jurisprudência construída de forma gradativa e constante pela Corte Suprema nas últimas duas décadas e esvazia a lógica justificadora da excepcional competência.

Embora a tese fixada não tenha a intenção declarada de suplantar a jurisprudência vigente — conforme ressalvou o próprio relator —, seus efeitos práticos são inegáveis: inúmeros inquéritos e ações penais, que tramitam há anos nas instâncias inferiores, serão remetidos às cortes superiores. E com isso corre-se o risco de se chegar ao resultado que se pretendia evitar: deslocamentos sucessivos de competência, atrasos processuais, diligências intermináveis e, ao fim, a prescrição. Sem falar-se no desvirtuamento da convalidação de vícios processuais, sempre que o ato processual seja praticado por autoridade posteriormente reconhecida incompetente.

Se, mais adiante, o Supremo, diante da sobrecarga de processos de competência originária, vier a reconhecer o equívoco ou a inadequação da nova orientação e decidir revisá-la, o argumento que hoje a sustenta terá se mostrado, no mínimo, frágil e inconsistente frente os danos provocados.


[1] Súmula 394, DJ de 08/05/1964, p. 1239; DJ de 11/05/1964, p. 1255; DJ de 12/05/1964, p. 1279.

[2] RE 162966, Relator(a): NÉRI DA SILVEIRA, Tribunal Pleno, julgado em 27-05-1993, DJ 08-04-1994 PP-07250  EMENT  VOL-01739-09 PP-01767. Rcl 583, Relator(a): MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 28-04-1997, DJ 22-06-2001 PP-00024  EMENT VOL-02036-01 PP-00058)

[3] Inq 687 QO, Relator(a): SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, julgado em 25-08-1999, DJ 09-11-2001 PP-00044  EMENT VOL-02051-02 PP-00217 RTJ   VOL-00179-03 PP-00912.

[4] DJe 11.12.2018.

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Responsabilidade penal da pessoa jurídica e seu eterno atrito com institutos penais

A responsabilidade penal da pessoa jurídica foi introduzida no direito penal brasileiro recente pela Lei dos Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98), com fundamento constitucional na previsão do artigo 225, § 3º, da Constituição [1], e, desde então, tem gerado uma série de problemas de aplicação.

Logo após a previsão constitucional, e antes mesmo do estabelecimento de dispositivo legal, a doutrina brasileira já criticara de forma bastante contundente o instituto [2], apontando que a pessoa jurídica não teria capacidade de praticar conduta no sentido penal; não seria possível aplicar a ideia de culpabilidade às pessoas jurídicas; e, no que se refere às penas, haveria dificuldades para a individualização da pena e superação do princípio da pessoalidade das penas.

Com o advento da lei, passou-se a discutir também o modelo de responsabilidade adotado, bem como as dificuldades concretas de aplicação dos institutos penais e processuais penais às pessoas jurídicas.

O cenário, hoje, passados mais de 27 anos da previsão legal, ainda é de incontáveis atritos com institutos penais fundamentais.

O primeiro ponto que, surpreendentemente, precisa ser ressaltado é que a responsabilidade penal da pessoa jurídica apenas pode ser aplicada aos crimes previstos na Lei nº 9.605/98, cujo artigo 3º deixa claro que o sistema de responsabilidade estabelecido vale para os crimes ali previstos.

Crimes ambientais previstos em outros dispositivos, tais como a Lei nº 6.453/77 (Lei de Atividades Nucleares), a Lei nº 11.105/2006 (Lei de Biossegurança) e a Lei 14.785/23 (Lei de Agrotóxicos) não admitem a aplicação da responsabilidade penal da pessoa jurídica por completa ausência de previsão legal. A exceção seria a Lei nº 12.305/2010 (Lei dos Resíduos Sólidos), que fez expressas remissões à Lei nº 9.605/98.

Aqui, é preciso rememorar a importância do princípio da legalidade no direito penal e o fato de que as previsões constitucionais incriminadoras não têm aplicabilidade direta, demandando previsão legal expressa [3].

Apesar disso, denúncias têm sido oferecidas contra pessoas jurídicas com imputação de crimes previstos em legislações outras que a Lei dos Crimes Ambientais, sem o amparo legal devido [4].

Um segundo ponto relevante é a necessidade de observância do modelo legal de responsabilidade estabelecido. Nossa lei adotou o modelo de heterorresponsabilidade [5], segundo o qual a responsabilidade da pessoa jurídica é construída por atribuição ou transferência de pessoas físicas que atuaram em seu nome.

O artigo 3º, caput, da Lei n. 9.605/98, não deixa dúvidas ao prever que a aplicação da responsabilidade penal da pessoa jurídica ocorre nos casos “em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade”.

Assim, nosso direito não acolheu a responsabilização por fato “próprio” da pessoa jurídica (conhecido como modelo da autorresponsabilidade), exigindo que os requisitos constantes no artigo 3º da lei sejam estritamente cumpridos quando se pretende realizar a imputação do fato à pessoa jurídica.

A jurisprudência, após intensa discussão a respeito da necessidade de imputação concomitante da pessoa jurídica e da pessoa física que praticou o comportamento em questão, entendeu que o processamento da pessoa jurídica não precisa ser realizado em conjunto com o da pessoa física, conforme a decisão paradigmática proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE nº 548.181/PR, de relatoria da ministra Rosa Weber.

Porém, a decisão manteve expressamente a exigência — que decorre de lei, frise-se novamente — de descrição de ato concreto do representante legal, praticado no interesse ou em benefício da pessoa jurídica, para que se possa iniciar o processo penal em face de uma empresa, mesmo nos casos em que ela seja processada isoladamente:

“A identificação o mais aproximada possível dos setores e agentes internos da empresa determinantes na produção do fato ilícito, porque envolvidos no processo de deliberação ou execução do ato que veio a se revelar lesivo de bens jurídicos tutelados pela legislação penal ambiental, tem relevância e deve ser buscada no caso concreto como forma de esclarecer se esses indivíduos ou órgãos atuaram ou deliberaram no exercício regular de suas atribuições internas à sociedade, e ainda para verificar se a atuação se deu no interesse ou em benefício da entidade coletiva. Mas esse esclarecimento, relevante para fins de imputar determinado delito à pessoa jurídica, não se confunde com subordinar a responsabilização da pessoa jurídica à responsabilização conjunta e cumulativa das pessoas físicas envolvidas.” [6]

Diante disso, a imputação à pessoa jurídica deve obedecer às exigências mencionadas, devendo a denúncia descrever, de forma pormenorizada, o seu preenchimento no caso concreto. Caso não seja demonstrada a conduta, descrito quem a realizou ou determinou a sua realização (devendo-se tratar de representante legal), assim como que esta foi praticada em benefício ou interesse da empresa, a denúncia deverá ser considerada inepta, por não permitir o exercício do contraditório e ampla defesa.

Entretanto, diversos têm sido os casos de atribuição automática de prática de crime a pessoas jurídicas, sem o atendimento dos requisitos legais [7].

Por fim, deve-se trazer um terceiro ponto que se tem apresentado concretamente e foi, inclusive, objeto de análise pelo Superior Tribunal de Justiça: o que fazer diante do encerramento de uma pessoa jurídica? Ou de sua incorporação por outra empresa? É possível equiparar esses atos à morte da pessoa física, que levaria ao reconhecimento da extinção da punibilidade? A resposta do STJ, ao julgar o REsp 1.977.172, foi que sim, já que a incorporação não transferiria a responsabilidade penal, sob pena de violação do princípio da intranscendência da pena. [8]

Contudo, outros atos societários continuam gerando grandes dúvidas, como alterações relevantes do controle societário e alterações em seu corpo diretivo — para além de situações como a recuperação judicial e a falência.

Muitos outros problemas que a prática tem trazido poderiam ser descritos aqui: a contagem dos prazos prescricionais, a falta de regra de conversão das penas privativas de liberdade para as penas aplicáveis à pessoa jurídica, a impossibilidade de a pessoa jurídica celebrar colaboração premiada, a forma de citação da pessoa jurídica, sua representação no processo penal, a impossibilidade de se valer de habeas corpus em sua defesa, dentre tantos outros.

Todavia, os três exemplos acima já são suficientes para demonstrar que a responsabilidade penal da pessoa jurídica tem gerado um elevado custo às categorias mais essenciais do direito penal e do processo penal. Adequá-la à lógica e à racionalidade penal não tem sido simples, conforme demonstram esses 27 anos de prática.

Se considerarmos que, em nosso sistema, as sanções penalmente aplicáveis às pessoas jurídicas são substancialmente as mesmas que podem ser aplicadas pelo direito administrativo sancionador — que conta com um arcabouço muito mais adequado à aplicação de responsabilidade às pessoas jurídicas —, devemos refletir seriamente se insistir na responsabilidade penal da pessoa jurídica faz sentido ou se estamos diante de um instituto que traz, estruturalmente, mais problemas do que soluções efetivas.

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[1] § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

[2] Um panorama das críticas pode ser conferido em: COSTA, Helena Regina Lobo da. Responsabilidade penal da pessoa jurídica: um panorama sobre sua aplicação no direito brasileiro. In: IBCCRIM. (Org.). IBCCRIM 25 anos. 1ed. Belo Horizonte: D’Plácido, 2017. p. 91-108.

[3] Cf., por exemplo, a decisão proferida pelo STF: RHC 130738. AgR, Segunda Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJe-232 divulg. 09-10-2017, publ. 10-10-2017.

[4] Vide artigo sobre o tema publicado neste Conjur: RIBEIRO, Marcelo; BENTO, Bruna Passarelli. Impossibilidade de responsabilização penal da PJ fora da Lei 9.605/98. In: Conjur. Disponível aqui.

[5] Sobre os modelos de responsabilidade da pessoa jurídica, vide: SALVADOR NETO, Alamiro Velludo. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2023. Cap. 2.

[6] STF. RE n. 548.181/PR, Relatora Ministra Rosa Weber, Primeira Turma, julgado em 06/08/2013, DJe 30/10/2024, grifei. Essa nova orientação, que embora tenha afastado a necessidade de imputação concomitante, manteve a exigência de preenchimento dos critérios do art. 3º, da Lei n. 9.605/98. Nesse sentido, a título de exemplo, cf. TRF3. Processo n. 5008866-57.2018.4.03.0000, relator Desembargador Federal Maurício Kato, 5ª Turma, julgado em 14/12/2021. Também a doutrina tem ressaltado essa posição. Cf. NOVAES, Maria Tereza Grassi. A responsabilidade penal da pessoa jurídica…cit., p. 34.

[7] Vide, por exemplo, matéria sobre o tema veiculada neste Conjur: aqui

[8] REsp 1.977.172, Terceira Seção, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 24/8/2022, DJe de 20/9/2022.

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Tecnologia não é inimiga dos cursos de Direito

Plataformas de inteligência artificial generativa, como o ChatGPT, são ferramentas de acesso ao conhecimento cujo uso deve ser incorporado pelas instituições de ensino superior. De acordo com o diretor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL), Eduardo Vera-Cruz Pinto, os docentes precisam ter isso em mente para não encarar essas tecnologias como inimigas.

Ele falou sobre o assunto em entrevista à série Grandes Temas, Grandes Nomes do Direito, em que a revista eletrônica Consultor Jurídico ouve alguns dos nomes mais importantes do Direito e do empresariado sobre as questões mais relevantes da atualidade.

Para Vera-Cruz Pinto, professores devem ter em mente que IAs são ferramentas de acesso ao conhecimento

“É uma responsabilidade dos professores, também, fazer com que os cursos de Direito recebam a tecnologia não como um perigo ou uma coisa inimiga, mas, ao contrário, como um complemento na possibilidade de ensinar melhor o Direito”, disse em conversa durante o XIII Fórum de Lisboa, promovido neste mês na FDUL.

“Cabe aos professores universitários estarem atentos para prevenir, quer na forma como ensinam, quer na forma como avaliam, e sobretudo como recebem os jovens que nos procuram para se graduar em Direito.”

Para Vera-Cruz Pinto, isso faz parte das adaptações que precisarão ser feitas na maneira como as Ciências Jurídicas são ensinadas, que incluem reformas nos planos curriculares e novas formas de complementar o ensino fundamental.

“Nós temos um conjunto de adolescentes que chegam à faculdade que não tem os conhecimentos básicos para entender uma aula da Direito e, portanto, há que reformular (os planos curriculares) e introduzir na didática do ensino as ferramentas digitais e aquilo que a tecnologia tem trazido”, observou.

Apesar dos problemas que surgem nesse cenário global de crescente uso de ferramentas generativas por integrantes do Judiciário e advogados, o diretor da FDUL acredita que não há risco de os operadores do Direito serem substituídos. “Enquanto houver duas pessoas que brigam, tem que haver alguém que saiba resolver aquilo.”

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Respeito aos contratos e segurança jurídica dos créditos extraconcursais na RJ no agro

Uma recente decisão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso despertou a atenção do setor produtivo no agronegócio. O TJ-MT autorizou que uma credora continuasse a execução contra uma empresa em recuperação judicial, mesmo com o processo de reestruturação ainda em curso. O motivo? A dívida estava garantida por uma Cédula de Produto Rural (CPR) com entrega física, firmada por meio de uma operação de barter — um tipo de contrato bastante comum no agro, em que o produtor recebe insumos antecipadamente e, em troca, se compromete a entregar parte de sua safra futura.

O núcleo da controvérsia estava nos grãos de soja dados em garantia. A defesa da empresa alegou que esses grãos seriam essenciais para a manutenção da atividade produtiva e, portanto, estariam protegidos pelos efeitos da reestruturação. O tribunal, porém, foi firme: grãos como soja ou milho não são bens de capital e tampouco podem ser considerados automaticamente essenciais à continuidade da atividade econômica. São mercadorias fungíveis, produzidas com a finalidade de venda ou troca — e, neste caso, com destinação específica já contratualmente estabelecida. E mais: como o crédito está garantido por CPR com entrega física — e não financeira — ele não se submete à recuperação judicial. Está na lei.

A decisão invocou o artigo 11 da Lei 8.929/94, com a redação dada pela Lei 14.112/20, que exclui dos efeitos da recuperação os créditos e garantias vinculadas à CPR com liquidação física ou oriundos de operações barter. Em outras palavras: trata-se de crédito extraconcursal. Portanto, não entram na “proteção” da recuperação judicial. Além disso, o risco de dissipação dos bens (os grãos), foi considerado real, uma vez que a dinâmica do setor permite o rápido escoamento da produção, o que poderia tornar a execução da garantia inviável no futuro.

O que parece uma questão técnica, na verdade, é um recado claro: contrato é para ser cumprido. E garantias, quando pactuadas legalmente, devem ser respeitadas. A decisão do TJ-MT reafirma um princípio essencial para o mercado: o da segurança jurídica, em especial no agronegócio, onde as operações de barter são uma das principais formas de custeio da safra.

A jurisprudência que se desenha a partir desse julgamento poderá ter impacto sobre outros bens, que podem ser considerados “não essenciais” ou “extraconcursais”, como rebanhos bovinos, madeira, algodão, cana-de-açúcar, café e demais commodities. Reconhecer esses ativos como não essenciais, quando utilizados como garantia, pode alterar o entendimento sobre quais bens estão sujeitos à execução imediata mesmo durante o curso de uma recuperação judicial.

Permitir que empresas em dificuldade utilizem a recuperação judicial como escudo para descumprir obrigações previamente assumidas, é uma brecha perigosa e representa uma ameaça ao crédito. Nenhum investidor sério quer correr o risco de financiar uma operação para, depois, ser empurrado ao fim da fila, mesmo dispondo de garantias formais. Se isso se torna regra, o crédito seca e, com ele, a produção.

Equilíbrio

O TJ-MT, nesse caso, manteve o equilíbrio entre a recuperação da empresa e o direito do credor. Reconheceu que preservar a atividade econômica é importante, sim, mas sem passar por cima das regras do jogo. Afinal, não existe recuperação viável se o ambiente de negócios se torna imprevisível.

Se os grãos já haviam sido oferecidos como garantia, não é admissível que a empresa, depois, alegue necessidade desses mesmos bens para continuar operando. Isso fere a confiança entre as partes e mina a credibilidade do sistema. No fim das contas, a confiança é o maior ativo de qualquer economia saudável.

É claro que não se pode ignorar os impactos das decisões judiciais no mercado e na economia do país. No entanto, a recuperação judicial e outros mecanismos pré-processuais têm como objetivo principal a equalização do passivo para garantir a permanência das atividades, sempre que possível. O diálogo é um fator essencial na construção de soluções sofisticadas entre as partes envolvidas. Não é à toa que, em respeito ao artigo 47 e a prevalência principiológica prevista no artigo 189 da Lei 11.101/05, a instauração de mediação com credores extraconcursais têm sido cada vez mais admitida no curso da recuperação judicial.

Por fim, é imprescindível comentar a importância de se respeitar o devido processo legal e as fases próprias dos procedimentos estabelecidos pela Lei 11.101/05, sem suplantar etapas, sob pena de nulidades. Declarações unilaterais de classificação de crédito, com pleito de tutela de urgência, não podem afastar o prazo legal próprio da Lei 11.101/05 de análise administrativa do crédito e todos os contratos e documentos correlatos, em toda sua cadeia documental, com evidente e clara prova da natureza declarada, ainda com respeito ao contraditório administrativo.

A jurisprudência relacionada aos diversos temas pertinentes ao empresariado rural está em processo de sedimentação e conta com o acompanhamento atento e cuidadoso de toda a sociedade.

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Patrimônio não declarado não é sinônimo de patrimônio lavado

Ostentação nas redes sociais, viagens frequentes para destinos turísticos, hospedagens em locais de alto padrão, passeios de lancha, reformas na casa, apresentação pública com um estilo de vida de alto padrão. Esses gastos elevados somados à falta de uma fonte de renda declarada, reforçam a suspeita de que o investigado esteja incurso no delito de lavagem de dinheiro.

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Essa é a narrativa é recorrentemente utilizada por autoridades policiais nas portarias de instauração de inquéritos e nas representações por medidas cautelares, reais ou pessoais, diante da suspeita da prática do crime de lavagem de dinheiro. Não se trata de suspeita de abertura de offshore e holding por interposta pessoa nem de contratação de operação dólar-cabo. Esta é a lavagem de dinheiro que a grande imprensa dá destaque. O alvo de persecução penal longe dos holofotes é um motoboy que ostenta nas redes sociais viagem para o litoral. E é apontado como “lavador” na vida como ela é.

Essa observação surgiu a partir de uma pesquisa empírica feita por um grupo de alunos da graduação, que analisou toda a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. O estudo integrou um projeto voltado à análise detalhada de casos concretos em que a lavagem de dinheiro fosse o foco da acusação penal. A pesquisa buscou identificar os modelos mais recorrentes de imputação e tensionamentos na aplicação da norma de forma a oferecer uma resposta técnica alinhada aos limites constitucionais da aplicação penal.

Em um primeiro momento acreditamos que as autoridades investigativas consideraram ser lavador o cidadão que ostentava padrão de vida aparentemente incompatível com sua renda por culpa de uma incompreensão conceitual quanto às distinções entre o crime de lavagem de dinheiro, caracterizado por atos intencionais de ocultação ou dissimulação patrimonial, de simples atos de consumo.

Todavia, manter-se nesta crença sabendo das desigualdades de tratamento no sistema judicial é ingenuidade. Talvez seja o caso de cogitar que essa postura seja mais um reflexo da seletividade penal e da orientação do poder de polícia em manter sua atuação repressiva em desfavor dos sujeitos historicamente estigmatizados e vistos como inimigos do sistema penal.

Diante da possibilidade de que essa narrativa decorra do desconhecimento técnico acerca dos elementos normativos do crime de lavagem de dinheiro, abre-se um horizonte para debate. Afinal, poderia a doutrina reforçar sua contribuição, embora muito já tenha o feito, para promover a diferenciação entre atos de consumo e lavagem de dinheiro. Isso significa que o cenário atual poderia ser transformado por meio de uma atuação mais qualificada, um esforço voltado a fortalecer o domínio conceitual.

Situação diversa e mais grave é quando se observa que a persecução penal passa a operar como expressão de um estigma social, orientado por repressões simbólicas, marcadas por divisão de classe, origem territorial ou raça. Neste cenário, o problema não é apenas técnico, mas humano, político e institucional. A essas medidas silenciosas de divisão e seletividade é preciso lançar luz e expor, ainda que em um curto artigo.

Os problemas decorrentes dessa postura são vários: o primeiro é de ordem legal

Diz respeito ao desvio da tipicidade penal e o esvaziamento do tipo de lavagem. Quando o sistema penal equipara ostentação de riqueza à prática de lavagem de dinheiro, sem demonstração de atos de dissimulação ou ocultação, ele se afasta do núcleo do tipo penal, fere o princípio da legalidade estrita, nullum crimen sine lege, e eleva o poder punitivo, convertendo o crime de lavagem em um tipo penal aberto a ponto de punir aparências e não condutas tipificadas.

Nestes casos, o estado está agindo para reforçar a seletividade penal. A imputação seletiva contra quem ascende fora dos circuitos formais revela que o sistema penal atua com base em critérios sociais de suspeição e não em provas ou elementos objetivos do tipo penal. Assim, o direito penal torna-se um instrumento de controle simbólico, voltado a punir quem demonstra padrão de vida diverso do esperado, especialmente em contextos de pobreza ou informalidade.

Outro efeito preocupante deste fenômeno é a manutenção da atuação policial apenas em territórios visados e contra sujeitos historicamente estigmatizados, com especial incidência sobre regiões periféricas e contra populações socialmente vulneráveis. Afinal, essa lógica não é aplicada contra indivíduos no alto da pirâmide financeira, os quais podem dispor de um estilo de vida em desacordo dos bens declarados sob o manto da legitimidade e presunção de licitude.

Diante desse cenário, é patente o compromisso dogmático e institucional na contenção das distorções punitivas. A nós, pesquisadores, cabe buscar esses padrões recorrentes, denunciá-los com rigor analítico e contribuir para sua superação por meio da produção e disseminação de ideias. Quanto as instituições, sobretudo o Poder Judiciário, é indispensável atenção crítica a investigações e processos dessa natureza. Isso seria capaz de contribuir para a uniformização da jurisprudência que garanta vigência ao direito bem como tratamento igualitário aos cidadãos.

Referência da forma racional de aplicar o direito, e que merece ser replicado, é o acordão de relatoria do desembargador e professor Franklin Higino Caldeira Filho, proferido por ele e acompanhado por seus pares da 3ª Câmara Criminal do TJ-MG. Na ocasião, o magistrado interrompeu a persecução penal contra o cidadão ao dar provimento ao pleito absolutório formulado pela defesa nos autos nº 1.0702.20.003061-8/001.

Em sua decisão, consignou os aspectos essenciais da lavagem dinheiro, de que “pressupõe a realização de operação financeira ou transação comercial que visa a ocultar ou dissimular a incorporação de bens, direitos ou valores que, direta ou indiretamente, constituem resultado de crimes anteriores e a cujo produto se busca conferir aparência lícita”. Na sequência, reforçou que “para a configuração do delito de lavagem de capitais, não basta a mera existência de patrimônio incompatível com a renda declarada pelo agente”.

Por fim, foi dado o merecido destaque a impossibilidade de criminalização do aumento patrimonial: “Por isso se revela que a ratio do delito em tela não é, simplesmente, a punição do enriquecimento ilícito, pois, caso assim fosse, haveria evidente bis in idem em relação aos próprios tipos penais que sancionam os atos por meio dos quais o agente se enriquece indevidamente.” Em destaque: “É de se repisar, patrimônio não declarado e não é sinônimo de patrimônio lavado ou em processo de lavagem”.

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Crédito presumido de ICMS não entra na base de cálculo de IRPJ e CSLL

A atribuição de crédito presumido de ICMS na base de cálculo de IRPJ e CSLL pela União representa ofensa ao pacto federativo, uma vez que retira, por via oblíqua, uma benesse concedida pelos estados. E esse entendimento não foi alterado pela Lei 14.789, de 2023.

Com essa fundamentação, a juíza Leticia Daniele Bossonario, da 2ª Vara da Justiça Federal de Piracicaba (SP), reconheceu o direito de uma empresa de não ter incluído o ICMS na base de IRPJ e CSLL.

A decisão foi provocada por um mandado de segurança, com pedido liminar, que pediu o reconhecimento do direito de não se sujeitar ao recolhimento do IRPJ e da CSLL sobre os créditos presumidos de ICMS, afastando as disposições da Lei 14.789/23. A empresa autora da ação também pediu a compensação dos valores indevidamente recolhidos, corrigidos pela taxa Selic.

Em sua sentença, a juíza destacou que o regramento trazido pela Lei 14.789/2023 sobre a tributação do crédito fiscal decorrente de subvenção para implantação ou expansão de empreendimento econômico não se aplica ao crédito presumido de ICMS, conforme o entendimento fixado no EREsp 1.517.492/PR.

“Posto isso, julgo parcialmente procedente o pedido, com resolução de mérito, com base no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil e concedo parcialmente a segurança e a respectiva liminar para reconhecer o direito da impetrante de excluir os valores relativos a crédito presumido/outorgado de ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL (lucro real) independentemente das regras estabelecidas na Lei 14.789/2023.”

A julgadora também autorizou a compensação em favor da empresa do imposto pago indevidamente, atualizado pela Selic. 

A autora da ação foi representada pelo advogado Wesley Oliveira do Carmo Albuquerque

Clique aqui para ler a decisão
Processo  5001941-07.2025.4.03.6109

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Entidades lançam ‘carta em defesa da soberania’ na próxima sexta

Academia Paulista de Direito, a Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp), a seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil e pelo menos outras 21 entidades lançarão, nesta sexta-feira (25/7), uma “carta em defesa da soberania nacional”. O evento será no Salão Nobre da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP), no Largo São Francisco, a partir das 11h.

“Neste grave momento, em que nossa soberania está sendo atacada de maneira vil e indecorosa, a sociedade civil, mais uma vez, se mobiliza na defesa da cidadania, das instituições constitucionais e dos interesses econômicos e sociais da Nação”, diz o texto das signatárias.

O ato e o documento são respostas aos anúncios do governo de Donald Trump em relação ao Brasil. Em 9 de julho, o presidente dos Estados Unidos anunciou uma tarifa de 50% sobre todos os produtos importados do Brasil e comunicou a abertura de uma investigação comercial sobre o país.

Para justificar a taxa, Trump falou em uma “caça às bruxas” contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e em “ordens de censura secretas e ilegais” do Supremo Tribunal Federal contra empresas americanas.

No dia 18 de julho, foi a vez do secretário de Estado americano, Marco Rubio, anunciar a revogação do visto do ministro do STF Alexandre de Moraes e “aliados”, em nova interferência no Judiciário brasileiro.

A carta que será lançada na sexta-feira ressalta a importância dos princípios da independência nacional, da prevalência dos direitos humanos, da não intervenção e da igualdade entre as nações para a diplomacia brasileira.

“Exigimos o mesmo respeito que dispensamos às demais nações. Repudiamos toda e qualquer forma de intervenção, intimidação ou admoestação, que busquem subordinar nossa liberdade como nação democrática. A nação brasileira jamais abrirá mão de sua soberania, tão arduamente conquistada. Mais do que isso: o Brasil sabe como defender sua soberania”, diz o documento.

Leia a íntegra da carta:

A soberania é o poder que um povo tem sobre si mesmo. Há mais de dois séculos o Brasil se tornou uma nação independente. Neste período, temos lutado para governar nosso próprio destino. Como nação, expressamos a nossa soberania democraticamente e em conformidade com nossa Constituição.

É assim que, diuturnamente, almejamos alcançar a cidadania plena, construir uma sociedade livre, justa e solidária, erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais e, ainda, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Nas relações internacionais, o Brasil rege-se pelos princípios da independência nacional, da prevalência dos direitos humanos, da não intervenção, assim como pelo princípio da igualdade entre as nações. É isso o que determina nossa Constituição.

Exigimos o mesmo respeito que dispensamos às demais nações. Repudiamos toda e qualquer forma de intervenção, intimidação ou admoestação, que busquem subordinar nossa liberdade como nação democrática. A nação brasileira jamais abrirá mão de sua soberania, tão arduamente conquistada. Mais do que isso: o Brasil sabe como defender sua soberania.

Nossa Constituição garante aos acusados o direito à ampla defesa. Os processos são julgados com base em provas e as decisões são necessariamente motivadas e públicas. Intromissões estranhas à ordem jurídica nacional são inadmissíveis.
Neste grave momento, em que a soberania nacional é atacada de maneira vil e indecorosa, a sociedade civil se mobiliza, mais uma vez, na defesa da cidadania, da integridade das instituições e dos interesses sociais e econômicos de todos os brasileiros.

Brasileiras e brasileiros, diálogo e negociação são normais nas relações diplomáticas, violência e arbítrio, não! Nossa soberania é inegociável. Quando a nação é atacada, devemos deixar nossas eventuais diferenças políticas, para defender nosso maior patrimônio. Sujeitar-se a esta coação externa significaria abrir mão da nossa própria soberania, pressuposto do Estado Democrático de Direito, e renunciar ao nosso projeto de nação.

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Protecionismo verde: obstáculos às metas de descarbonização e transição energética

Em nosso último artigo, abordamos a questão das barreiras comerciais ao comércio em um mundo já repleto de desafios e incertezas. Neste contexto, falamos sobre como as barreiras ao comércio exterior, não apenas aquelas visíveis e apresentadas em forma de tarifa, mas também as barreiras não tarifárias e mais complexos e obscuras afetam negativamente o comércio exterior e enfraquecem a posição dos exportadores no mercado internacional.

De forma bastante alinhada à esta análise, ainda que com contornos mais específicos, os colegas Rosaldo Trevisan [1] e Leonardo Branco [2], em seus brilhantes artigos que se seguiram, trataram de como as barreiras ao comércio dentro do contexto da proteção ao meio ambiente vêm configurando o que se passou a chamar de “protecionismo verde” e trazendo distorções ao comércio sob uma bandeira que, a priori, parece legítima.

Legitimidade da proteção das fronteiras por razões ambientais

A bandeira nos parece legítima porque está inserida em um discurso de sustentabilidade e se volta para a necessária mudança de hábitos e focos anteriormente consolidados e que vêm gerando prejuízos extensos e cada vez mais visíveis sobre o meio ambiente e a qualidade de vida.

Embora as políticas restritivas em prol da proteção do meio ambiente sejam, em sua grande maioria, recentes, a preocupação e a legitimidade desse tipo de protecionismo foram endereçadas pelo Gatt 1947.

Em seu artigo XX, sobre exceções gerais à regra da não discriminação, o Gatt permite que os estados adotem medidas de restrição ao comércio “necessárias à proteção da saúde e da vida das pessoas e dos animais e à preservação dos vegetais”.

Em outras palavras, a legitimidade de medidas de proteção ambiental que afetem negativamente o comércio exterior é tida como legítima e possível há muitas décadas. Portanto, o ponto a ser discutido não é se faz sentido ou não restringir o comércio para garantir políticas sustentáveis, mas quando estas realmente são necessárias e aplicáveis de forma adequada.

O próprio caput do artigo XX destaca que a legitimidade dessas medidas de proteção está atrelada à confirmação de que elas “não sejam aplicadas de forma a constituir quer meio de discriminação arbitrária, ou injustificada a, entre os países onde existem as mesmas condições, quer uma restrição disfarçada ao comércio internacional”.

Por sua vez, a jurisprudência da OMC trouxe importantes contribuições sobre como essas situações devem ser analisadas e validadas, indicando como elementos centrais: (i) a análise sobre a importância real dos interesses e valores protegidos pela medida; (ii) a contribuição real da medida com o objetivo proposto; (iii) o grau de restrição comercial da medida; e (iv) a existência de alternativas razoáveis e com menor grau de restrição. [3]

Caso dos pneus usados

Em artigo publicado há mais de dois, abordamos a questão da sustentabilidade do comércio exterior para tratar, especificamente, das restrições à importação de remanufaturados.

Naquela oportunidade, mencionamos uma das disputas mais emblemáticas do Brasil no âmbito do Órgão de Soluções de Controvérsias (OSC) da OMC, o caso dos pneus recauchutados (DS332), popularmente conhecida como caso “Brazil — Retreaded Tyres“, que teve início em 2005 e cuja implementação da decisão final se deu em 2009.

Tal disputa trouxe grandes repercussões não apenas para o Brasil, mas se mostrou um grande marco na jurisprudência da OMC, tendo em vista que o órgão de apelação reconheceu o direito dos países em adotarem medidas restritivas de comércio para salvaguardar o meio ambiente e evitar a importação de resíduos sólidos. [4]

Não obstante a decisão ter sido vista pelo Brasil como uma vitória, não se pode olvidar de que se reconheceu o direito a medidas restritivas por razões ambientais e, especificamente sobre o caso concreto, reconheceu-se que a medida restritiva imposta era necessária, contribuiria com o objetivo real e que não existiam alternativas menos gravosas. No entanto, como a medida se restringia a países que não estivessem no âmbito do Mercosul, a decisão final do órgão de apelação foi de que, como estava, a medida era arbitrária e injustificada, sendo necessário que o Brasil adequasse sua aplicação para que valesse contra todos os países ou contra nenhum.

Diante disso, optou-se pela adequação da restrição para todas as origens. A principal consequência disso foi a consolidação de uma política brasileira bastante restritiva sobre a importação de bens que não sejam novos, independente da finalidade do bem ou de seu estado, seja ele usado, recondicionado ou remanufaturado.

Por muito tempo, a política brasileira parecia legítima e coerente. Todavia, diante dos novos contextos nacional e internacional, em que políticas a favor do meio ambiente, da descarbonização, da sustentabilidade, da economia circular e da transição energética ganham força, a regra geral se mostra ultrapassada e descontextualizada.

Políticas atuais e seu reflexo sobre o comércio exterior

Como dito, o governo brasileiro vem, nos últimos anos, apostando no fortalecimento de políticas voltadas ao meio ambiente, à descarbonização e à transição energética. São exemplos disso: a Política Nacional de Resíduos Sólidos, a Política Nacional de Biocombustíveis (“RenovaBio”)​, a Lei de Incentivo aos “Combustíveis do futuro”, o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), a Política Nacional de Transição Energética (PNTE), o Programa de Aceleração da Transição Energética (Paten) e a Nova Indústria Brasil.

Merece especial atenção a chamada Nova Indústria Brasil, que nada mais é do que a nova política industrial do governo federal e que se pauta em seis pilares, sendo o quinto especialmente relevante ao tema aqui tratado, visto que trata de “Bioeconomia, descarbonização, e transição e segurança energéticas para garantir os recursos para as futuras gerações”.

Dentre as expectativas do governo nesta frente, chama a atenção as seguintes metas: (i) promover a indústria verde, reduzindo em 30% a emissão de CO2 por valor adicionado da indústria, atualmente em 107 milhões de toneladas por trilhão de dólares; (ii) ampliar em 50% a participação dos biocombustíveis na matriz energética de transportes, que atualmente é de 21,4%; e (iii) aumentar o uso tecnológico e sustentável da biodiversidade pela indústria em 1% ao ano.

Trata-se de metas ambiciosas e que demandam grandes investimentos em capacidade instalada e tecnologia para que a indústria nacional as atinja. Por outro lado, caso fornecido o apoio adequado e um ambiente regulatório compatível, podem permitir que a indústria brasileira não apenas se torne mais sustentável, mas poderá criar novos nichos de atuação e exportação.

Como representante do setor privado, tenho tido a oportunidade de conviver e auxiliar diversas empresas brasileiras que estão dispostas e motivadas a fazerem dessas metas uma grande oportunidade de negócio. Todavia, o caminho não tem sido fácil e a principal razão não está nos altos investimentos necessários, mas nos obstáculos legais a serem enfrentados.

Combustíveis sustentáveis

Neste cenário, um dos setores que talvez esteja com mais dificuldades em viabilizar essas transições é o de combustíveis. Isto porque, os combustíveis sustentáveis são aqueles que, ao invés de derivarem de componentes fósseis, utilizam como matéria-prima insumos renováveis ou derivados de resíduos domésticos e industriais — como óleos e gorduras usados, sebo animal, lixo orgânico e resíduos agrícolas.

É neste ponto que as atuais políticas restritivas de importação aparecem como um grande obstáculo, já que, apenas de o Brasil gerar insumos e resíduos em quantidades adequadas para esses processos, ainda não há tecnologias e oferta real desses em forma adequada para abastecer a indústria.

Não há dúvidas de que existe lixo orgânico, óleos usados, sebo animal e outros resíduos correlatos em abundância no país. Todavia, sem que haja uma cadeia organizada e que consiga alinhar e processar oferta e demanda em quantidades e, principalmente, em qualidade para uso como matriz energética, o desafio para que os combustíveis sustentáveis sejam efetivamente produzidos se torna quase impossível de ser vencido.

A saída para este impasse é, necessariamente, a revisão da atual política de importação de produtos usados e resíduos sólidos, de forma a permitir que a indústria brasileira possa, pelo menos em um primeiro momento, ter acesso aos insumos de que precisa e, com o início desse processo e amadurecimento do mercado, haja espaço e experiência para que os fornecedores nacionais se organizem e profissionalizem para se tornarem fontes viáveis.

No cenário atual, não bastasse a regra absoluta de proibição de importação desses insumos — por não se enquadrarem nas exceções de bens de capital, informática ou do §1º do art. 35 da Portaria Secex nº 249/2023 —, tem-se ainda um aumento dos obstáculos com os desdobramentos da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS).

A PNRS, criada por meio da Lei nº 12.305/2010, busca trazer inovações no que concerne a redução da geração de resíduos, a reutilização, a reciclagem e a destinação ambientalmente adequada dos resíduos sólidos, além de alinhar as regras nacionais à Convenção de Basileia sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito — tendo, para tanto, imposto a proibição de importação de resíduos definidos como “Outros resíduos”.

Neste contexto, foi publicado em abril de 2025 o Decreto nº 12.438 que tratava das exceções à proibição de importação de resíduos sólidos, justamente na toada de dar acesso à indústria aos insumos de que precisa para avançar com a transição energética. Além dos critérios de análise para determinação da viabilidade de importação, o Decreto trouxe lista anexa contendo autorização de importação para resíduos classificados 20 itens da NCM.

Infelizmente, menos de um mês após a publicação este decreto foi revogado e substituído pelo Decreto nº 12.451/2025, uma versão mais enxuta e restrita do original e que exclui todas as autorizações de importação inicialmente fornecidas.

Segundo os principais veículos de informação, a mudança de postura do governo se deve à grande pressão das associações e sindicatos voltados à representação dos catadores de lixo, que se viram ameaçados com a possibilidade de competir com as importações.

Política sustentável e comércio exterior

Diante do cenário apresentado e das últimas ocorrências, resta claro que, embora o Brasil esteja empenhado em defender políticas sustentáveis e mudanças estruturais na indústria, estas ainda não reverberam de forma coerente no universo aduaneiro.

Primeiramente porque, como visto, ainda que a necessidade e a contribuição real das políticas atuais reflitam questões reais e relevantes, os interesses políticos e interferências setoriais arbitrárias ainda ditam o ritmo das mudanças.

No caso do Decreto nº 12.438/2025, por exemplo, a pressão dos catadores foi suficiente para revogar todas as autorizações previamente concedidas e que abarcavam rejeitos de valor econômico que nada tinham a ver com a atividade dos catadores de lixo.

Interessante é que, novamente movido por pressões políticas, o governo buscou uma forma mais leve e discreta de garantir a conformação de outros poucos setores relevantes e que foram afetados negativamente pela revogação. Por meio de portaria interministerial publicada três dias após o novo decreto, alguns produtos tiveram a autorização de importação restaurada.

O que esses episódios demonstram é que atingir as metas do novo plano industrial não será fácil, principalmente porque as regras de comércio exterior não foram consideradas no momento de aprovação de todos esses marcos normativos — como é a praxe. Com efeito, os meios e os fins acabam ficando distantes e a realização das políticas se torna um desafio muito maior do que deveria ser.

Comércio exterior é parte da solução

Nossa visão não é de que cabe uma abertura ampla e irrestrita a resíduos de valor econômico, tampouco defende-se que as políticas nacionais de incentivo à sustentabilidade sejam desconsideradas como parte da estratégia. Todavia, quando medidas são pensadas e metas são traçadas é indispensável que o governo considere se há, de fato, condições para tanto.

No caso da transição energética e dos biocombustíveis está claro que o pontapé inicial dependerá de insumos estrangeiros, não apenas em termos de tecnologia, mas também no fornecimento de insumos.

O Brasil já é exportador de muitos rejeitos de valor econômico para este tipo de atividade o que nos coloca numa posição contraditória ao negar que os mesmos sejam importados.

E para aqueles que possam pensar “se exportamos, então é porque não há necessidade de oferta externa”, basta lembrarmos do caso do etanol, cuja oferta sempre ficou sujeita aos interesses dos produtores, que se alternavam entre produção de combustível e açúcar, a depender das tendências do mercado internacional e não da demanda interna.

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[1] Artigo “As aduanas e o ‘protecionismo verde’ em ‘tempos difíceis’”, publicado em 01/06/2025 e disponível no link.

[2] Artigo “COP30 e programa Mover: compensação ambiental nas importações”, publicado em 15/06/2025 e disponível no link.

[3] Dentre os casos que trataram desse tema e que debateram os critérios em questão, destaca-se: Brazil – Retreaded Tyres (DS332), Indonesia – Chicken (DS484), Brazil – Taxation (DS497 e DS472), EC – Tariff Preferences (DS246), China – Publications and Audiovisual Products (DS363), EC – Asbestos (DS135) e Korea – Beef (DS161 e DS169).

[4] O caso dos pneus também ganhou muito destaque nacionalmente devido às intensas discussões judiciais paralelas que ocorreram no seu decorrer, o que levou, inclusive, ao envolvimento do STF no tema por meio da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 101/DF.

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